Cristal

Capítulo 24 - Sangue


Ela estava sonhando quando abriu os olhos e viu toda aquela agua pressionando seu corpo, quando tentou levantar, um par de mãos fortes e implacáveis a segurou no lugar, Lana não conseguia respirar, seus pulmões pareciam que iriam explodir e então ela se viu cair, em um abismo sem fundo, sem ar, sem chão, ela estava caindo. Quando abriu os olhos a escuridão de inicio a espantou, mas então ela se lembrou da noite anterior, de Thor a carregando pra dentro de uma pensão velha de beira-de-estrada e ambos desabando sujos e exaustos naquela cama que rangia.

Lana levou a mão na cabeça, afastando a franja da testa e olhou pro seu lado, pro rosto sereno de Thor, ou o que ela conseguia ver pela fresta da janela, já era dia, embora não fizesse a mínima ideia de que horas eram. O braço dele estava jogado em cima dela e ele dormia de barriga pra cima, o rosto virado em sua direção. Lana afastou a coberta de cima dele e sentou, procurando o ferimento que ela sabia que estava ali, mas o peito de Thor estava liso, e salvo as manchas de sangue no cós da sua calça, não havia vestígios ali, nem sequer uma cicatriz. Ela passou seus dedos suavemente pelo peito, agora liso, e sentiu a mão dele sobrepor a sua, quando olhou pra cima os olhos de Thor estavam abertos e brilhavam.

— Não ia me esperar acordar? Tsc. Não sabia que seu nível de perversão chegava tão longe – ele falava arrastado, mas porque estava sonolento, não porque estava ferido ou fraco como estivera na noite passada.

Lana soltou sua mão e pôs distancia entre eles, o acompanhou com os olhos enquanto Thor sentava.

— O corte não está mais ai – sussurrou.

Ele assentiu. – Eu não posso morrer, disse isso ontem à noite.

— Sim. Eu lembro. Mas pensei que você não podia morrer naquele instante, não que você não podia morrer.

Thor a estudou por um ou dois segundos.

— Eu não posso morrer não tão facilmente como as outras pessoas, pelo menos. Eu sou diferente.

Lana respirou fundo, esperou, mas Thor estava irritantemente sério.

— Por quê?

— Sou um nefilim, não como os humanos conhecem, mas é o mais perto que sou, ou o mais perto de definição que posso dá a você.

Ela conhecia aquela palavra, filho dos homens de Deus, foi o que Alec disse uma vez, houve uma época que o irmão estava obcecado por isso e leu e pesquisou tudo que encontrou a respeito, e fez Lana ler também, o que era estranho, mas ela não o questionou.

— Nefilins não existem Thor, isso é lenda.

Ele balançou a cabeça devagar, seus olhos perfuravam os dela, estudando seu rosto.

— Toda aquela lenda que você conhece é verdadeira, pelo menos a maioria das lendas é verdadeiras, Sophia, Isaac, Tarcísio, eu, somos todos da mesma espécie, você sempre soube que éramos diferente Lana, você sempre sentiu isso, por isso não conseguia se afastar de mim.

Não era por isso, pelo menos não conscientemente, Lana jogou suas pernas pra fora da cama e ficou de pé, de costas pra Thor, a maneira como ele a olhava, as coisas que dizia, era tão sem sentido quanto poderia ser para uma pessoa normal, mas ela não o era, pelo menos nunca se sentira dessa forma, e agora tinha a certeza disso, porque enquanto Thor falava ao invés dela gritar histérica e correr pra fora, tudo que Lana desejava fazer era ficar e entender como tudo aquilo funcionava, e principalmente onde se encaixava.

— Eu lembro que li que nefilins eram criaturas volúveis e malignas – ela murmurou – Isso é verdade?

Houve um longo silencio, Lana virou de frente pra Thor, ele permanecia quieto, virada pra ela, mas seus olhos pareciam perdidos.

— Sim, tanto quanto um humano pode ser, existem humanos piores que qualquer nefilim.

— Mas humanos podem ser machucados, podem morrer, não são tão fortes, não chegam nem perto Thor.

— Mas são, na maioria das vezes incontroláveis, os neflins não são assim, vivemos camuflados há anos.

— Nefilins também não seriam gigantes...?

Thor assentiu. – Sim, mas a media pra altura dos homens antigamente era bem menor que hoje, qualquer pessoa que tivesse mais de 1,70 era considerado gigante, tem muito mito e verdade nas coisas que você leu, não vou conseguir te explicar tudo hoje ou mais tarde, você vai ter que ter paciência.

— Paciência? Por quê? Por que estou aqui pra inicio de conversa?

— Eu respondo a algumas pessoas maiores e mais fortes que eu, e eles me deram uma missão, eu deveria matar você e roubar uma coisa que você levava consigo.

Lana já tinha ouvido aquilo antes, em seu sonho, no lago, eu deveria matar você, eu não posso morrer, embalou ela por toda a noite e configuraram seus pesadelos. Ela sentou na beirada da cama, sentindo todo sangue fugir do seu rosto.

— Que?

— Seu colar, o medalhão que está sempre com você, ele é mais poderoso do que qualquer arma que qualquer humano possa ter criado, e eles os querem mais que qualquer coisa.

— Você teve a chance, muitas vezes e não fez, por quê?

— Quando recebi a missão eu já sabia que teria que fazê-lo e já sabia que teria que ser você, mas consegui ganhar tempo enquanto Sophia e Isaac planejavam como tudo deveria ocorrer. Óbvio que ninguém deveria saber que estávamos envolvidos nisso ou que você tinha sido assassinada, a parte mais importante de tudo isso seria sua morte passar despercebida para os humanos e principalmente dá algo pra sua família se conformar, ontem foi decidido o dia perfeito para fazer isso, por isso Isaac inventou aquela festa e ofereceu sua fazenda, enquanto eles planejavam todos os passos eu fazia um plano B por trás, fingiria que tinha te matado enquanto você estava escondida, então Sophia levaria seu medalhão e enquanto isso nós estaríamos longe, fugindo pra um lugar seguro.

A invasão de Sophia e as provocações de Isaac faziam mais sentido agora, mas ainda sim, havia algo na historia de Thor que parecia improvável, Lana ainda estava naquela sensação de está sonhando.

— Mas algo deu errado – ela murmurou quando se lembrou do sangue na roupa de Thor.

— Sophia percebeu cedo demais que você não estava morta, ela já contava com isso, por isso levou reforços e eu não percebi isso – Thor resmungou fechando os olhos, seus punhos estavam fechados e ela soube como seu erro o enfurecia. Lana resistiu ao impulso de se aproximar, tocá-lo.

— Isso significa que ela vai voltar?

— Ela vai tentar terminar o que começou.

Lana ficou de pé de novo, sua vontade era sair andando pelo quarto até que Thor levantasse e dissesse que era tudo mentira, um teste, uma brincadeira de mau gosto. Ela poderia lidar com a diferença dele, mas lidar que ele deveria mata-la a desarmava.

— Eu tenho que ligar pro meu pai – ela murmurou. John. Seu pai era ex militar, ele tinha contatos. – Alec. Eles vão saber o que fazer.

Thor pegou sua mão por cima da coberta e a apertou. – Eu sei que falhei com você uma vez, mas não posso deixa-la ir Lana, tenho muitas coisas pra te contar ainda, e Sophia não vai tocar em um fio de cabelo seu, isso eu garanto.

Havia sinceridade nele e uma ferocidade que ela nunca tinha visto antes, nem quando Alec, uma vez quando ela tinha quinze anos, partiu pra cima de um garoto e o socou pra “defender” sua honra.

— Por que você me protegeria e se arriscaria assim?

Thor soltou sua mão e se afastou.

— Eu tenho uma divida com você, talvez um dia você possa entender ou eu possa te contar.

— Dívida? Eu nunca fiz nada pra você, pelo contrario nós...

Ele riu, talvez assim como ela, lembrando-se de todas as vezes que discutiram.

— Então faça algo por mim – ele murmurou de repente, seus olhos vivos pareciam suplicar pra ela – Algo que faça todo o meu sacrifício a você valer a pena.

— O que?

Thor jogou suas pernas pra fora da cama e sentou na beirada, onde Lana estivera há pouco tempo, e pegou suas mãos. Seus dedos longos eram frios contra sua palma, ele a massageou enquanto erguia o rosto e a encarava.

— Perdoa meu sangue maldito e fique, independente de quem ou o que querer leva-la pra longe, fique aqui, comigo.

ººº

O sol estava no alto e quente, Luce quase podia sentir sua pele derreter por causa do calor, não bastasse isso estava terrivelmente cansada e com sono, mas seu corpo se recusava a colaborar, observando com os olhos aqueles homens estranhos irem de um lado ao outro, caçando, coletando, investigando, mas todos chegando à mesma conclusão; Lana não estava ali, nem viva nem morta, essa incerteza tanto a preocupava quanto aliviava. Ela poderia está viva ainda, mas ou estava perdida na floresta, ou Thor e qualquer outra pessoa perigosa a tinha levado, e isso certamente a matava aos poucos.

Assim que prenderam Isaac e resgataram Luce ela contou tudo o que tinha acontecido, desde Isaac a procurando para organizarem aquela festa clandestina á sua proeza em conseguir se comunicar com Tarcísio, deixando de fora nem um detalhe, por mais simples que pudera parecer, mas ainda sim, aquelas pessoas grandes e estranhas a interrogaram repetidas vezes, até que sua paciência chegasse ao limite e gritasse pedindo por um pouco de paz. Eles retornaram a fazenda, mas quando chegaram lá, todos os alunos já tinham ido embora, o que era deveras estranho, mas Luce, até aquele momento, não tivera tempo pra pensar muito sobre isso, ela queria saber quem eram e o que sua mãe fazia com eles.

Um dos homens que a tinha interrogado mais cedo se distanciou dos outros e começou a caminhar até ela, Luce se retesou da sua posição sentada displicentemente nos degraus da casa, ela não gostava dele, apesar dele não ter sido mais do que agradável e paciente em suas perguntas, mas havia algo mais, algo sombrio, e sua aparência contribuíam pra isso.

Cairo, como ele tinha se apresentado, parou a sua frente e se agachou de longe seus olhos não pareciam ter cores, mas quando ele estava assim, na luz e tão perto, ela conseguia ver um azul sutil e extremamente fraco, seu cabelo também era estranho, era branco e liso, e estava penteado pra trás, se fossem outras circunstâncias Luce diria que ele era um punk com aquele visual exótico, mas ele era sério demais pra isso, e seu rosto gelado e distante. Ela não tinha gostado daquele cara.

— Luciana – ele disse, ele não a chamava de Luce como tinha pedido, ninguém ali chamava, todos seguiam as ordens de Marcia, sua mãe, de se dirigir a ela apenas por Luciana e quando o fosse necessário – Preciso do nome de todos os colegas que conviveram com Lana desde que ela entrou para o Lorenzo.

— Mas eu já dei pelo menos os que eu conhecia – resmungou.

— Não sobrou ninguém? Alguém com quem Lana poderia pedir ajuda ou até mesmo ajudar o nefilim?

— Não. Nenhum dos nossos amigos faria isso.

— Tem certeza? Encontramos alguns rastros na floresta, perto do lago junto com um corpo humano, tinha sinais de luta e um rastro de sangue levou pra outro lugar, encontramos fios de cabelo loiro e castanhos, você não teria um nome a quem associa-los?

— Jasmim é loira, mas é impossível ter sido ela, se fosse ela nunca teria deixado Lana ir com Thor, Jasmim o odiava.

— Jasmim, a garota Lorenzo?

Luce assentiu, sem saber ao certo o que aquilo significava, mas um sorriso pequeno surgiu nos lábios pálidos e finos de Cairo, ele ficou de pé.

— Obrigado Luciana, isso era tudo. – e do mesmo jeito rápido e felino que surgira, Cairo se afastou.

ººº

Lana tirou suas mãos das dele e deu um passo pra trás.

— Você não pode me pedir isso Thor, eu tenho uma família, amigos, eu não posso abandonar tudo e ficar com você.

Thor ficou de pé. – Você ainda não entendeu, não é? Eu tenho que te proteger.

— Não. Você quem não entendeu. Eu não posso simplesmente fazer isso, abandonar tudo eu... Não posso pensar apenas em mim, meus pais surtariam, meu irmão iria até o inferno atrás da gente.

O rosto dele estava duro, inflexível, e Lana não tinha certeza se ele realmente entendia ou escutava o que ela estava tentando dizer, talvez apelar pra razão não fizesse efeito em Thor.

— Vamos ficar aqui ou qualquer outro lugar que você quiser por uns dias, até as coisas melhorarem e você me contar o resto da sua historia, então terei que voltar.

— Isso não é o suficiente Lana.

— Mas vai ter que ser, pelo menos por enquanto.

Thor abriu a boca, mas não disse nada, e tornou a fechá-la, cerrando seus lábios e saindo da sua frente, um silêncio tenso caiu entre eles enquanto ele entrava no banheiro, o barulho do chuveiro ligado preencheu o quarto pequeno.

Ele não iria ceder, ela sabia, mas não sabia o que ele faria caso Lana decidisse dá as costas e sair, ela poderia fazer enquanto ele estava distraído no banho, Lana poderia descer e ligar pra policia, John a encontraria em questão de minutos e quando contasse tudo o que acontecera nas últimas horas, a colocaria em uma torre alta com grades e seguranças na porta. Parecia tão certo e responsável fazer isso, mas Lana não queria, não queria deixa-lo, havia algo entre eles, algo qual não sentiu por qualquer outra pessoa.

Quando Thor saiu do banheiro ela ainda estava no quarto, sentada na beirada da cama e os ombros encolhidos, o viu se aproximar, talvez tivesse sido o banho, ou ele tê-la encontrado ali ainda, mas tinha alguma coisa nele serena demais, Thor se ajoelhou na sua frente.

— Pensei que iria embora.

— Você teria deixado?

Ele sorriu. – Provavelmente não, mas teria te dado uma chance, se soubesse que estava segura.

Ele era egoísta demais pra permitir isso, e no fundo ambos sabiam, mas Lana apenas sorriu, e isso pareceu desarma-lo.

— Sua mochila está aqui, se você quiser um banho.

— Isso é uma indireta pra dizer que estou fedendo?

— Não. Isso é um convite.

Thor ficou de pé e a puxou pela mão, refazendo o caminho que tinha feito, o banheiro ainda estava quente quando entraram mas Lana estava tremendo. Eles já tinham dormido juntos, ela já tinha se despido na frente dele, mas isso talvez fosse além do que ela imaginou que iriam. Thor soltou sua mão e ela entrou no box, ficando de costas pra ele, tirou a blusa pela cabeça e foi como se livrasse de um peso, em seguida desceu as mãos pro short, mas os dedos familiares de Thor surgiram por cima do seu, Lana sentiu suas costas sendo cobertas pelo seu peito e sua respiração em seu cabelo. Foi o bastante pras suas pernas tremerem.

Ele conduziu seus dedos em um instante o botão estava aberto e seu short no chão, Lana o chutou pra fora com o pé, o próximo passo é minha lingerie, Thor circulou sua cintura e ela o sentiu rir em seu cabelo.

— Seria estranho fazer algo aqui? – ele perguntou.

O rosto dela estava vermelho e quente, Lana revirou os olhos.

— Se você começar vou tomar banho sozinha.

— Ia ser interessante te ver tentar.

Lana saiu do seu abraço e ligou o chuveiro.

— Você acabou de estragar o clima – resmungou. A agua estava morna e ela viu o vapor subir, embaçando sua visão, quando olhou por sobre o ombro encontrou Thor ainda ali, a observando, tão imóvel quanto uma estatua estaria, Lana respirou fundo e sem olhar diretamente pra ele tirou as últimas peças que ainda lhe restavam.

O clima não tinha se estragado totalmente, foi o que pensou quando Thor veio até ela, sem a calça que vestia e seus braços circulando sua cintura, Lana não lembrava se alguma vez na vida tinha se sentido tão completa ou perdida, não tanto quanto quando Thor a virou de frente pra si e encostou suas costas na parede de azulejo, ou quando suas pernas circularam seu quadril e ele moveu-se sobre ela ao mesmo tempo em que cobria seu pescoço de beijos, ela sentia alguma coisa acontecendo dentro dela, algo finalmente se encaixando, como uma seta mostrando o lugar certo para se seguir.

Lana respirou fundo e o beijou quando se deu conta que ambos estavam no chão, ela ainda sentada no colo de Thor, ele ainda a circulando com seus braços e os seus beijos, e se deu conta que não poderia, nem queria, está em qualquer outro lugar se não ali.