Crispino errado

Capítulo único


Eu estou cansado. Já faz mais de semana que ignoro Emil. Entretanto não havia nada que eu pudesse fazer. Por muito tempo imaginei que ele estivesse apaixonado por minha irmã, mas me vi completamente enganado.

Emil estava apaixonado por um Crispino, mas não o Crispino que imaginei.

Início do flashback

Estava na hora do intervalo e enquanto eu comia só conseguia pensar em o quanto esse dia estava morgado.

Eu normalmente passo esse tempo com a minha irmã para protegê-la, entretanto já há alguns dias eu passava o intervalo sem ela, pois ela gritou comigo dizendo que sabia se cuidar e que se eu continuasse sendo "ridiculamente protetor" ela não falaria mais comigo.

Estava contemplando meu triste momento de solidão quando algum menino aleatório, que nunca fiz questão de saber quem é, chega sorrindo e se aproxima de mim.

— Hey, Michele. Sabia que nesse exato momento Emil e Sala estão conversando no Pátio? Eles parecem próximos até demais...

— O quê? — Gritei.

Ele parecia ser alguém que só queria ver o circo pegar fogo, mas eu não podia deixar essa informação passar sem fazer nada. Eu estava certo em ficar próximo da minha irmã. É só ficar um pouquinho longe e Emil tenta colocar suas garras nela.

Corri descendo as escadas e rapidamente pude vê-los conversando. Conversando perto demais para o meu gosto.

Ele estava com a cabeça abaixada e ela tinha as mãos em suas costas como se estivesse consolando-o. Se eu não fosse bobo teria pensado antes de agir, mas, como sempre, eu agi antes de pensar.

— Emil, tire suas garras imundas da minha irmã agora. — Gritei.

Ele não me respondeu bobamente como de costume. Apenas se levantou, exibindo um olhar triste. Eu estranhei, mas decidi ignorar.

— Me desculpe, Michele. Eu vou embora. — E saiu cabisbaixo.

— Isso mesmo. — Me virei para olhá-lo enquanto o via se afastar. — E não volte. — Gritei.

Quando me virei de volta, percebi que minha irmã estava de pé, me repreendendo com o olhar. Eu pensei em falar alguma coisa, mas ela se virou e caminhou para longe de mim sem nem ao menos me dedicar uma palavra.

Por um minuto pensei que ela gostasse dele e por isso ficou com raiva de mim. Mas logo pus essa conclusão de lado; ela não se apaixonaria por alguém como Emil. Logo mais ela volta a falar comigo, como sempre.

Mas minha conclusão se mostrou errônea quando ao chegar em casa ainda me ver ignorado por ela. Pensei em deixá-la ter seu espaço, mas perto da hora de dormir não pude mais me aguentar.

— Sala, vai me ignorar para sempre?

Ela me olhou com raiva e novamente não me dignou a palavra.

— Foi algo que eu fiz? Me desculpe se fiz algo que não gostou.

Ela ainda olhou firmemente para mim por alguns segundos antes de abaixar o rosto e soltar um longo suspiro.

— Você fez algo sim. Mas não a mim, e sim ao Emil.

— Ahh, qual é? Vai mesmo falar daquele babaca?

— Não diga isso dele. Ele não é um babaca! — Ela parecia um pouco alterada e levantou a voz. — Você não devia tratá-lo da forma que o trata.

— Se ele soubesse respeitar limites e se mantivesse longe de você talvez eu o tratasse melhor.

— Ele é apenas meu amigo. — Gritou.

— Deixe de ser idiota, todos sabem que ele gosta de você.

— O único imbecil aqui é você que não percebe o que está na sua cara. Todos sabem que Emil gosta de você. — Apontava para o meu rosto enquanto gritava.

— O quê? — Estava chocado.

— Eu tinha prometido a ele não te contar, mas você é o cúmulo. Hoje mais cedo eu apenas estava o consolando. Era tão óbvio que eu o estava consolando, mas é claro que você não percebeu, você só percebe o que quer. Ele estava triste pois você nunca percebia as investidas dele. Nunca percebe nada que não seja essa sua obsessão ridícula por mim. — Após jogar essas palavras para cima de mim ela apenas se virou e subiu para o quarto, me deixando em pé na sala e chocado com a revelação.

Fim do flashback

Eu não sabia o que fazer com essa informação e por dias e dias, sem saber como agir ou reagir, eu o evitava.

Nos primeiros dias em que o evitei nada mudou, mas com o passar dos dias ele parecia mais triste, e suas investidas diminuíam.

Ao perceber isso, senti meu coração se comprimir. Mas como um covarde não fiz nada para mudar isso e por todos esses dias tive que enfrentar o olhar decepcionado de minha irmã.

Estava escondido no telhado da escola. Já tinha perdido a conta de a quanto tempo não via o rosto de Emil. E mesmo assim, novamente me via fugindo.

Eu nunca fui de vir para cá. Sempre preferi ficar no pátio da escola, perto das árvores. Mas por esse exato motivo, esse era o esconderijo perfeito. Ou ao menos foi isso que pensei, até que vi Emil vindo em minha direção.

Me levantei e fui em direção as escadas, com a intenção de descer, mas fui impedido por uma mão segurando meu pulso.

— Espere, Mickey, eu preciso falar com você.

— Eu não tenho nada a falar com você. — Tentei me soltar.

— Por favor, Michele. É importante. — Ele disse sério.

Ao ouvir meu nome sair corretamente de seus lábios, não consegui fazer nada além de parar de tentar fugir e escutá-lo. Ao perceber que eu me acalmei, ele me soltou e começou a falar.

— Eu não sei o que fiz para que você me evitasse dessa maneira, mas, por favor, me desculpe. Vê-lo se afastar assim de mim me machuca.

Cada palavra dita por ele com sua face triste fazia triplicar minha dor.

— A culpa não é sua. — Eu disse. E percebi que ele parou e esperou que eu continuasse minha fala. Respirei fundo, e com a cabeça baixa em constrangimento, continuei a falar. — Há umas semanas atrás Sala me disse que você nutria um sentimento por mim... — Parei, sem saber como dizer tais palavras.

— Ohh, ela disse que eu gostava de você? — Ele pareceu surpreso inicialmente, mas ela logo foi substituída por melancolia. — É por isso que anda me evitando? — Acenei afirmativamente com a cabeça. — É por isso que pedi para ela guardar segredo. — Suspirou. — Bem, se o motivo é esse, não creio que há algo que eu possa fazer para remediar a situação. Não o incomodarei mais. Me desculpe.

O vi se afasta com a cabeça baixa e com os lábios franzidos em uma fina linha, como se estivesse segurando o choro.

Senti meu coração se quebrar em mil pedacinhos e num ápice de coragem o segurei pelo braço.

— Emil, e-eu... — Gaguejando, completamente corado e com a cabeça baixa, não sabia o que falar para remediar essa situação. Tudo o que sabia era que definitivamente não queria que Emil parasse de me incomodar.

Ele parou na minha frente e levantou meu rosto com a mão.

Não sei o como o meu rosto estava, mas alguma coisa nele o fez aproximar o rosto do meu e me beijar. E embora por vezes eu sinta vontade de dizer que o afastei de mim a pontapés, a verdade é que fechei meus olhos e abri minha boca, permitindo a passagem de sua língua.

Após esse dia, para meu alívio, ele voltou a ser o bobo alegre de sempre e começamos uma relação estranha em que pontapés sempre terminavam em beijos. E cada maldito dia eu ficava feliz a cada beijo recebido após dar uma patada. Não que eu vá admitir.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.