Eu sentia como se a qualquer momento pudesse vir ao chão. Minha garganta tinha resquícios de algo corrosivo, algum tipo específico de toxina ainda não identificada que Dr. Leekie havia constatado em meu sangue. A cada expectoração os músculos que recobriam minha caixa toráxica ficavam mais frouxos, cansados de tanto trabalhar durante dias e noites. E, ao mesmo tempo, minha cabeça não dava sossego, fugindo das amostras de DNA à minha frente e rondando o universo de Delphine.

Ela tinha os olhos mais doces que os meus já cruzaram. Vistos de baixos, pareciam pertencer a um gatinho inofensivo, mas eu bem sabia que aquela não era a realidade sobre Delphine. Confiar ou não em minha francesa. Acreditar que sua mente aberta e suas experimentações eram apenas um truque, um charme para me conquistar, ou render-me a sutileza dos lábios que tocavam os meus como pluma, toda manhã. Esse era meu dilema.

Mais uma vez, como em todos os sábados, ela entrava pela porta da frente em nosso laboratório no Instituto Dyad e deixava seus pertences numa mesa de alumínio vazia e grande ao canto da sala. Trazia consigo, nesses dias em especial, uma caixa com donuts e dois expressos enormes, entregando-me um deles e deixando um beijo em meus lábios ao fazê-lo.

_Bom dia, minha cientista maluca.

_Bom dia, Delphine.

Minhas respostas sempre pareciam soar como uma montanha de gelo, mas ela não desistia. Desde que havia confessado saber sobre as células tronco de Kira, usadas em meu tratamento, meu ainda consciente ativo gritava para que eu a afastasse. Mas aquilo era inútil. Nada como sentir seu cheiro todas as manhãs. Seguir os traços de sândalo que ela riscava pelo ar e seguir seus passos graciosos, para lá e para cá, numa disposição que quase me convencia de que ela estava ao meu lado.

_Dr. Aldous me disse que está progredindo no seu tratamento. Ele está ansioso por te mostrar os resultados da triagem.

_Hey, hey - fingi uma animação levantando as duas mãos de meu microscópio óptico -.

_O que foi com você, Cosima? Você não tem sido a mesma.

_Nós duas sabemos o porquê.

Delphine abaixou os olhos culpada. Aproximou-se de minha mesa e sentou-se numa cadeira giratória ao meu lado.

_Você não vai me perdoar por tentar te salvar?

_Não vou te perdoar por fazer parecer que sou sua cobaia....

_Mas…

_Mas nada, Delphine. Eu sei meus limites por aqui. Posso não estar nos meus melhores dias, mas ainda prefiro pensar que posso escolher meu próprio futuro.

Ela continuou ao meu lado, fixando seus olhos nos meus pousando uma de suas mãos na minha, que se mantinha ocupada regulando o campo de visão da lente de aumento.

_Você poderia, por favor, deixar que eu trabalhe? - Virei-me para ela e não pude deixar de notar que lágrimas brotavam em seus olhos -.

_Eu preciso do seu perdão. Por favor, você precisa confiar em mim de novo.

E como eu poderia lhe dar todas as chances do mundo?

_Dizer que se apaixonou por mim não vai ser o suficiente, dessa vez - devolvi sua voz embargada com mais uma parede de gelo -.

_E se eu disser que te amo?

Por um instante parei o que estava fazendo. Evitei olhar para ela mais uma vez, sentindo minha garganta se fechar e meus olhos piscarem mais freneticamente do que o normal.

_São só palavras - soltei sua mão da minha -.

_Não são só palavras. Eu realmente amo você. Do contrário, não arriscaria minha vida só para salvar você. Você sabe que nós não deveríamos ter contato. Minha relação com meu sujeito é tão indesejada quanto minha falta de ética como médica, te tratando a força. Sem consentimentos… sem nada.

_E como você espera que eu lhe agradeça? Quer que eu beije seus pés, Doutora? Devo voltar meus cumprimentos à excelentíssima salvadora de vidas que tenta tão arduamente me curar? - sorri sarcástica, agora também com lágrima nos olhos e lutando contra a vontade de ceder aos seus olhos mais uma vez. Aqueles doces olhos que não se desgarravam dos meus -.

_Não, Cosima. Eu não quero um obrigado. Eu quero você viva. Eu quero você.

Delphine se levantou, postando-se ao meu lado e levando sua mão direita à minha cintura. Meu corpo estava virado de lado para ela, de modo defensivo. Se eu ousasse, naquele momento, subir meus olhos aos dela, perderia todo o foco da discussão e meus esforços para parecer forte iriam por água abaixo. Ela, então, ignorou minha tentativa de manter o corpo todo postado em frente à mesa e ao meu trabalho e puxou-me, encostando minhas costas na borda da mesa e parando em minha frente.

_Nós estamos nessa juntas, Cosima. Não me trate como se eu fosse sua colega de laboratório. Você é bem mais do que isso. Nós somos bem mais do que isso.

Ela postou suas duas mãos a segurar meus braços e foi descendo carinhosamente até encontrar minhas mãos. Arrepios. Levantei minha cabeça já não podendo ignorar que sentia seu cheiro de tão perto. Respirei fundo uma vez e já percebia que havia perdido aquela batalha contra Delphine.

_Sabe o que é mais intrigante? - comecei - Nós, cientistas, nos certificamos de ter um controle total sobre a nossa ciência, nosso objeto. Testes, padrões, resultados, lâminas e mais lâminas e induções de resultados. Técnicas - Delphine se aproximou um pouco mais, encostando seu corpo no meu e fazendo com que todos os meus sentidos ficassem em alerta - E… nada disso parece adiantar. Nada disso.

_Como assim?

_A natureza é muito mais do que um organismo complexo que a gente pode moldar, Delphine. A natureza é vida. Quero dizer, quantos anos nossos experts passaram estudando um único indivíduo, um único pedaço de matéria compacta, para chegarem até aqui, quase trinta anos depois, e descobrirem que seus estudos foram em vão. Eles induziram cada um de seus sujeitos a uma morte geneticamente programada. Uma falha de programa.

Delphine entreabriu sua boca como sempre fazia quando percebia que eu ia começar a chorar de verdade e me abraçou forte, logo em seguida.

_É isso que dá brincar de Deus, Delphine. O universo é cíclico e vai despejando toda essa merda de volta no colo deles. No meu colo.

_Ei, shi, shi, fique calma, Cosima. Nós vamos dar um jeito nisso. Nós vamos.

Ela se afastou de mim para segurar meu rosto com as duas mãos e logo desceu seu rosto, beijando-me levemente.

_Deixe isso pra lá só por hoje. Eu preciso fazer com que você esqueça isso só por um segundo. Eu prometo que vou me redimir por meus erros, Cosima. Vou encontrar uma maneira para nós duas. Uma maneira pra não te perder.

Delphine soltou meu rosto devagar, acariciando minhas bochechas. Levou a mão até sua camisa e começou a desabotoar. Seu corpo ainda tocando o meu fazia com que meu peito se enchesse de ar com dificuldade. Olhar para ela daquela maneira - se despindo tão devagar à minha frente e deixando uma fresta quase imperceptível entre os lábios, que, para mim, era como um enorme convite - era torturante.

Seus olhos encontraram os meus, quando sua camisa já estava totalmente aberta. Delphine ultrapassava minha carne com seu olhar. O lânguido contido em suas pálpebras deixava no ar um pedido de desculpas. Eu podia sentir que ela tentava de todas as maneiras trazer de volta minha confiança, fazer com que voltássemos ao começo. Mas naquele exato momento, só o que eu conseguia focar era em sua pele intacta e o volume de seus seios bem na altura dos meus olhos.

Delphine não se deu ao luxo de dizer uma palavra sequer, antes de começar a desabotoar minha camisa também. Olhei para suas mãos em movimento e senti seu quadril pressionar o meu com um pouco mais de força contra a mesa. Ela ainda tirava todo o meu ar, quando fazia aquilo. Delphine era como um bom vinho. Suave em poucas doses; perigoso se consumido inteiro. E era exatamente daquela forma que eu a via naquele momento. Como uma garrafa a ser consumida por inteiro, um convite ao esquecimento instantâneo e ao prazer de degustar cada gota com a honra de experimentar de tão fino paladar.

Puxei-a para mim já não conseguindo me conter e beijei sua boca. Delphine procurava pela minha língua cada vez mais fundo e encaixava nossos movimentos aos poucos, o que deixava meu corpo mais vulnerável. Levei as mãos até o feixe de seu sutiã e abri, jogando-o de lado. Ela fez o mesmo com o meu e colou seu corpo mais uma vez. Sua pele em contato com a minha daquela forma, seus seios provocando os meus, suas mãos apertando minha cintura e instigando alguns gemidos baixos. Ela acendia meu corpo todo.

Delphine passou as mãos por baixo de minha coxa e levantou-me para que eu ficasse sentada sobre a mesa. Minhas pernas estavam separadas e ela se encaixou bem ali, logo levando suas mãos ao feixe da minha calça e colocando uma delas timidamente sobre a minha calcinha.

_Delphine, eu… - ela começou a movimentar seus dedos em meu sexo devagar, tirando qualquer nexo que houvesse em minhas palavras a seguir -.

Arfei profundamente com os olhos fechados e agarrei seus braços para não deixar que meu corpo caísse para trás. Ela continuou seus movimentos, alternando seus dedos com a palma das mãos e a cada novo segundo eu apertava mais seus braços, aproximando-me de machucá-la. Ela parecia não ligar. Mantinha seus olhos fixos nos meus. Delphine era divinamente sexy. Suas mãos hábeis completavam suas feições, seus dentes puxando a parte de baixo da boca e suas pálpebras quase totalmente abaixadas, apenas deixando espaço para que não perdesse sequer um de meus gemidos com os olhos, também.

Sua mão livre começou a puxar a lateral de minha calça. Apoiei-me nela e desci da mesa, retirando sua mão de meu sexo e puxando também sua roupa. Estávamos completamente nuas no centro do laboratório. Nos olhamos por um longo minuto, perdidas entre a respiração forte e a intensidade daquele momento. Delphine tirou os óculos do meu rosto e colocou-os em cima da mesa.

_Você fica linda sem eles.

_Você fica linda de qualquer jeito.

Ela sorriu e dobrou a cabeça para o lado num gesto de timidez. Tomou uma mecha de meus cabelos com a mão direita e se apossou de minha cintura com a outra. Varreu meu corpo todo à sua frente e fechou os olhos, logo voltando à luz.

_Nunca pensei que sentiria tanto prazer com uma mulher.

_Você nunca pensou em estar com uma mulher - respondi sorrindo -.

_Sim - ela retribuiu repuxando os lábios - Mas você é a mulher mais sexy que eu já conheci. Não acho que resistiria, afinal.

Sorri mais uma vez e puxei-a para um beijo.

_Olha quem fala, mon amour.

Delphine envolveu seus braços ao meu redor com uma expressão leve e, quando menos esperava, pegou-me em seu colo.

_Ei, você vai me deixar cair. Delphine...Delphine!

Ela apenas gargalhava rodando meu corpo com os pés pelo ar e andando até encostarmos na parede. Ao me colocar no chão, parou de sorrir, segurou uma de minhas mãos e se sentou logo ali, com as costas apoiada na madeira crua.

_Vem cá - seu olhar era provocador e ela levava seus olhos pelo meu corpo sem nenhum pudor -.

_Me sentar? - fingi não entender - Onde?

_Aqui - Delphine indicou seu colo com uma das mãos e me guiou com a outra -.

Passei uma perna de cada lado do seu corpo, ela se afastou do encosto e permitiu que eu abraçasse seu quadril com minha pernas em volta. Eu podia sentir sua respiração quente a pouco centímetros da minha, agora, e seu sexo em contato com o meu, ainda sem nenhum movimento.

_Eu gosto assim - ela sorriu e envolveu seus braços pela minha cintura - Você é toda minha, desse jeito.

Assenti calada, sentindo meu coração disparar ao senti-la junto a mim. Delphine desceu uma das mãos para o meu traseiro, puxando meu corpo com força contra o seu e retirando de mim um gemido. Vi seus lábios se repuxarem e logo ela estava descendo sua boca para mordiscar meu pescoço. Ela alternava seus dentes com um pouco de sua língua, fazendo meu corpo todo se arrepiar e ficar cada vez mais quente. Passei a movimentar meu quadril contra o dela devagar e repetidas vezes e ela conduzia os movimentos com as duas mãos se apossando de minha cintura.

Céus, Delphine me deixava louca.

Ela voltou sua boca à minha, agora puxando meu corpo com mais força. Eu podia sentir a umidade de seu sexo e desejava estar com a boca ali mais do que nunca. Mas seus movimentos estavam me fazendo arfar cada vez mais profundo, gemer com mais frequência e eu simplesmente não conseguia me desvencilhar de seu corpo. Fui sentindo aos poucos que ia explodir, que seu sexo no meu estava me deixando completamente tomada, mas logo Delphine diminuiu os movimentos e parou nosso beijo.

_Eu preciso sentir - disse ela ofegante - Daquele jeito…

Eu sabia o que ela estava me pedindo. Sua falta de jeito com as mulheres não fazia delas menos gostosa, ainda bem. Mas era engraçado vê-la se perder com as palavras.

_Você quer que eu…? - sorri induzindo que as palavras saíssem de sua boca -.

_É, Cosima… por favor - sua súplica era irresistivelmente fofa -.

_Você quer que eu desça minha boca e depois… você quer que…

_Eu preciso da sua boca no meu sexo, sua palhaça - apesar da bronca, suas palavras fizeram com que meu corpo todo se contraísse -.

_Seu desejo é uma ordem, mon chéri.

Levantei-me e fiz com que Delphine também se levantasse. Levei-a até a mesa no canto da sala, onde ela colocava seus pertences, empurrei tudo para o chão e coloquei seu corpo deitado ali. Passeei meus olhos e minhas mãos de seus pés, subindo até a panturrilha, às coxas e sua cintura devagar. Ela respirava pesadamente e gemia baixinho com o toque de minhas mãos. Sua voz em meus ouvidos me deixavam completamente extasiada. Eu amava ouvi-la. Eu provocava para que ela fosse sonora. Fui beijando então, de seus pés até a lateral de seu quadril, percorrendo o mesmo caminho a rondando seu sexo para atiçar sua vontade ainda mais.

Delphine já gemia antes que eu a tocasse. Seu corpo esperava por mim com impaciência. Suas respostas já eram automáticas. Logo, juntei minha boca em seu sexo sem mais delongas e comecei a movimentar minha língua fazendo movimentos circulares e acompanhando suas mãos que pressionavam ainda meu rosto contra ela. Delphine começou a arfar com mais força, seu corpo se movimentava a cada ciclo completo da minha língua e eu não podia deixar de sentir muito tesão sentindo seu gosto. Eu amava seu gosto.

Mais vinte segundos e ela já tinha atingido o seu clímax. Sorri, levantando meu rosto e limpando a boca com umas das mãos. Ela estava completamente inútil, jogada em cima da mesa, então me deitei ao seu lado e aninhei meu rosto em seu ombro. Ela envolveu seu braço direito sobre mim e puxou meu rosto pelo queixo para um beijo.

_Eu nunca vou me cansar de dizer que você é maravilhosa nisso.

Sorri convencida.

_Eu sei que sou a melhor.

Ela acompanhou meu sorriso também.

_É isso que você chama de fazer ciência maluca comigo?

Olhei para ela, lembrando-me de suas palavras logo após a proposta de Dr. Leekie para que eu viesse ao Instituto.

_Isso é muito mais do que ciência maluca, meu anjo. A voz da ciência não fala tão alto quanto a voz do coração.

Fechei meus olhos para absorver suas palavras. Sorri com eles. Ela me envolveu mais ainda, trazendo seu braço esquerdo para me abraçar também e puxando seu sobretudo de um dos cabides na parede para nos cobrir ali jogadas sobre a mesa.

_Você é a francesa mais linda que eu já conheci.

_Houveram outras? - perguntou enciumada -.

_Uma ou duas - menti para ver sua reação -.

Delphine ficou em silêncio por um segundo e logo não conseguiu se segurar.

_Aposto que nenhuma delas sabe a diferença entre código genético e genoma.

Ri alto com sua observação possessiva e ao mesmo tempo tão deslocada para aquele tipo de momento, mas não pude deixar de achar um charme.

_Aposto que nenhuma delas sabia mesmo.

Ela sorriu se gabando e apertou mais nosso abraço.

_Eu queria fazer com que o agora durasse pra sempre - disse ela -.

_Seja Deus - brinquei -.

_Deus não poderia se envolver com um anjo

_Seja um Deus grego, então. Tão falho quanto todos nós.

_Acho que essa é uma ótima ideia - Delphine beijou minha testa e ao virar meu rosto, beijou também minha boca -

Aninhei meu corpo todo no seu e sem percebermos, caímos no sono sobre a mesa fria. Eu a amava também, apesar de não dizer em voz alta.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.