Depois de algum tempo naquele bar, o barulho em volta deles aumentava e os frequentadores ficavam mais animados e falavam mais alto, proporcionalmente, a quantidade de garrafas que se acumulavam sobre as suas mesas.

— Vamos embora daqui? Eu não gosto de confusão e de barulho – Mathews confessou, enquanto olhava em volta, parecia bem incomodado com o ruído.

— Somos um povo barulhento, cheio de energia. Mas, é claro, que podemos sair daqui! – Teresa falava alto para vencer o som ao redor deles, compreensiva ao notar a expressão perturbada no rosto de Mathews.

Ele ergueu a mão para pedir a conta, pagou com rapidez e saíram para a rua, ainda mais movimentada do que antes, já que aquela era uma área de vida noturna intensa, frequentada pelos jovens locais.

— Desculpe, mas eu não suporto barulho nem multidão – ele explicou, com uma pontinha de irritação,

— Algum trauma de infância? – Teresa indagou, em tom de brincadeira.

— Sim– Mathews confessou, sério, para a surpresa dela – Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, eu me perdi dos meus pais no meio de uma grande festa na rua. Havia muita gente, muito barulho de vozes e música alta, estava muito confuso, por isso demoraram muito tempo para me encontrar, achei que tinha se esquecido de mim, desde de então odeio lugares barulhento e com muita gente – ele revelou para ela algo que, raramente, contou para alguém.

— Eu lamento muito, Mathews. Mas, todos nós temos nossos medos secretos – Teresa falou, com sinceridade.

— Meu carro está logo ali – disse, querendo encerrar o assunto, a guiando pelas ruas até chegarem a uma pequena transversal, ele parou diante de um carro, espantado, olhou ao redor, procurando por algo.

— O que foi? – Ela indagou, aflita, estranhando a atitude dele.

— Esse não é o meu carro! – Exclamou, com um ar de surpresa, erguendo as sobrancelhas – Acho que fui roubado.

— Você tem certeza, que foi aqui que estacionou – Teresa tinha uma pontinha de esperança que ele estivesse enganado.

— Tenho certeza, me lembro bem desse lugar – Mathews afirmou, tirando o telefone do bolso, vou ligar para o meu advogado, ele entrará em contato com a polícia, alguém virá nos buscar – comunicou, sem parecer estar muito preocupado em perder um carro. Depois, ele teve uma apressada conversa ao telefone, em seu idioma.

— Eu lamento, Mathews, me sinto culpada, porque se não tivesse convidado você para esse lugar, isso não teria acontecido – ela aproveitou a deixa, assim que ele desligou o telefone.

— Por favor, Teresa. Você não tem culpada de nada, além disso, o carro é da empresa e está no seguro. Mas, vamos sair daqui, senão nós que seremos assaltados. A propósito, qual é o seu nome completo, caso precise colocar no relatório da empresa?

— Ah, claro! Teresa Ramirez – ela informou – Vai precisar do meu endereço ou identidade? – Quis saber, solícita.

— Não será necessário – Mathews confirmou, quando um luxuoso carro preto de uma marca alemã parou junto a eles – Nossa carona – afirmou, abrindo a porta para ela – me dê seu endereço para levarmos você em casa.

— Rápido! – Ela ficou abismada com a destreza que o carro chegou até eles.

Sentados no interior daquele carro, a poucos centímetros de distância um do outro, em silêncio, observavam pelas janelas, a cidade passar, velozmente, na frente dos seus olhos, o tempo estava se esgotando, porque logo chegariam ao seu destino.

Teresa acreditava que Mathews estaria aborrecido com a perda do carro, por ter que se explicar com a empresa, assim aquela noite se transformou em um desastre e ele nunca mais iria querer vê-la, outra vez. Porém, ela tinha uma enorme vontade de segurar a mão dele, bastava só um pouquinho de coragem, um furtivo movimento do seu braço para tocá-lo, acariciar a sua barba para sentir sua textura, beijar sua boca.

Mathews estava quieto, era uma novidade para ele não saber o que fazer ou falar, pois sempre tinha a palavra certa na ponta da língua, havia sido preparado para isso, mas aquela mulher o deixava inseguro, com medo do próximo passo, queria sentir sua mão deslizar por aquela pele macia, beijar aquela boca carnuda, segurar seus seios, mas tinha receio, que tudo se acabasse como bolhas de sabão, que se desfazem a um leve toque.

Foi um buraco na rua, um solavanco brusco e um rápido roçar das suas pernas, um breve momento de indecisão, era tudo ou nada.

— Mathews! – Teresa o chamou e, no momento, que ele se virou na sua direção, ela segurou o rosto dele entre as mãos e o beijou, uma suave pressão nos lábios, que foi aumentado, à medida que os corpos se ajeitavam e se aproximavam um do outro, as bocas se abriam, as línguas se encontraram, os braços avançavam em um abraço apertado, não sabiam por quando tempo aquilo durou, até o carro parar em frente de um prédio de classe média, em uma rua tranquila.

— Chegamos – Pigarreou e anunciou o motorista, ainda demoraram a se separar.

— Foi uma noite excelente, Mathews – ela disse, sem folego, ainda grudada nele – Bem acima das minhas expectativas, que geralmente são bem altas.

— Então, eu posso ligar amanhã? – Mathews, perguntou, ofegante, afastando alguns fios de cabelos do rosto dela.

— Amanhã ou hoje? – Ela o interrogou, divertida, já que passava da meia-noite.

— Hoje, com certeza – ele respondeu, sorrindo.

— Estarei esperando – Ela disse, saindo faceira do carro, antes de entrar, deu uma graciosa meia-volta para se despedir dele. Mathews, com um sorriso de satisfação, a acompanhou com o olhar até ela desaparecer atrás da porta.

— Senhor Bauner, a reunião começará em 30 minutos, aqui está a ata e o relatório sobre os ajustes que pediu, a integra deles foram mandados para o seu e-mail - a secretária avisou, lhe entregando alguns papéis.

— Obrigado. E outra coisa, contate o departamento pessoal e veja se há um currículo de uma estudante de farmácia chamada Teresa Ramirez, eu quero que ela seja contratada, mas, por favor, o meu nome não pode aparecer.

— Claro, senhor Bauner – a secretária respondeu, solícita – Algo mais?

— Sim, faça uma reserva para hoje à noite, no melhor restaurante da cidade, para às 9.

— Tudo bem – a mulher ergueu a sobrancelha e suspirou, se preparando para uma missão quase impossível. Mathews sorriu, satisfeito, aquela história de roubo de carro foi um tanto melodramática, já que o motorista o levou e ficou esperando por seu chamado, mas a mentira valeu a pena, para conseguir o nome completo de Teresa, afinal, como dizia o historiador e um dos seus autores prediletos, o florentino Maquiavel, os fins justificam os meios.

— E aí, Teresa, como foi seu encontro com o gostosão misterioso, ontem à noite? – Sua melhor amiga Lourdes perguntou logo cedo, na entrada do prédio da faculdade, enquanto caminhavam para sala de aula.

— Gostoso, eu concordo, mas por que misterioso? – Teresa quis saber, sem entender.

— Não sei, talvez, porque seja mais dramático – brincou Lourdes, provocadora - Mas, afinal, como foi o tal encontro? – Insistiu.

— Diferente – Teresa resumiu, enigmática, a imagem de Mathews veio imediatamente a sua lembrança, nunca se imaginaria interessada em um homem como aquele, um empresário, um tanto formal, mas agora, não conseguia tirá-lo da sua cabeça.

— Diferente para bom ou para ruim? – Lourdes estava cada fez mais curiosa.

— Eu acho que no final de tudo, foi para bom. Mas, roubaram o carro dele – Teresa completou, um tanto alarmada.

— Estranho, porque naquele bairro não há roubo de carro, mas sempre há as exceções – Lourdes concluiu, dando de ombros, enquanto tomavam os seus lugares. Dani sentou-se ao lado delas.

— Oi, Dani – Lourdes mudou de atitude, se empertigou, jogou a cabeleira loura para o lado – A apresentação de vocês, ontem à noite, foi demais – Teresa pensou, como Dani não notava que Lourdes estava a fim dele.

— Obrigado – ele respondeu, sem emoção na voz, dando um banho de água fria na garota – E o seu encontro, Teresa, como foi? – Quis saber, com um certo tom de irritação, como Teresa não percebia, que ele era a fim dela.

— Bom – ela respondeu, sem dar detalhes.

— Vão se encontrar, outra vez? – Dani insistiu, querendo conhecer suas chances.

— Provavelmente – Teresa disse, um pouco antes do professor entrar e começar a aula.

— Mathews, você sabe que o que está falando para eles, não é toda a verdade – no escritório dele, o diretor financeiro o confronta, logo após a reunião com toda a diretoria da empresa Saramego – A empresa está deficitária, custo alto e a produção baixa, praticamente, o lucro zero. Há muito ranço do passado, teremos que reestruturar toda ela, se quisermos mantê-la, que eu não sei se será uma boa ideia.

— Você sabe, que a aquisição dessa empresa foi uma ideia minha, Franz, então estou, pessoalmente, empenhado nesse empreendimento, por isso, eu vim para aqui, cuidar disso. Faremos o que for preciso, para deixar essa empresa rentável e competitiva. E eu o trouxe comigo, porque sei da sua competência – Mathews o incentivou, ele era bom nisso.

— Eu posso ser competente, mas não sou mágico, Mathews – Franz retrucou, abnegado.

— Às vezes, precisamos acreditar em magia, principalmente, em um país como esse – Mathews lhe deu um sorriso camarada, no momento, em que a secretária bateu e abriu a porta.

— Senhor Bauner, tudo o que o senhor me pediu essa manhã já está resolvido. Mais alguma coisa?

— Não, obrigado.

— Franz, acho que terminamos por hoje. Só espero que você faça o seu melhor – Mathews o incentivou, mais uma vez.

— Eu o farei, Mathews. Boa tarde.

No instante, em que ficou sozinho no escritório, Mathews pegou o seu telefone e usou a discagem rápida.

— Olá, Mathews.

— Olá, Teresa. Tudo certo para hoje à noite?

— Claro, estou ansiosa – Teresa não escondeu seus sentimentos, Mathews gostava disso nela – Onde vamos?

— Surpresa!

— Deixe eu adivinhar, você vai me levar em um restaurante bem elegante e caro – ela arriscou, se lembrando da conversa da última noite.

— Pode ser – ele a instigou.

— Então, acho melhor eu me preparar, ficar bem bonita.

— Você já é bonita. Passo para pegar você às 8. Até mais.

— Até mais tarde, Mathews.