Coração de Lata

Fazendo o que é preciso


Sam Winchester ainda estava com o telefone colado ao ouvido. Suspirou alto e nervosamente.

— Não sei se eu vou conseguir tanto dinheiro até amanhã... Vou precisar vender bens. Eu realmente não tenho tanto assim no banco. E o que eu tenho, está aplicado... - o moreno suplicou, lembrando da frase “a gente te devolve uma porcentagem do seu marido”, que martelava em sua cabeça.

Cloette foi dura na resposta. “Se conseguir a metade, te devolvo pela metade... Com sorte eu amputo os braços e as pernas, e ele vive... Mas se me der menos que isso, é provável que não tenha tanta sorte”. Em volta do empresário, estavam Sabastian e duas empregadas que enfiaram o ouvido na conversa, já sabendo de tudo o que se passava. A cara de desespero de Sam, ao ouvir a resposta de Cloette, evidenciou que os sequestradores não estavam sendo nada benevolentes.

— Passa esse telefone para cá! – ordenou a faxineira, Ruana. Era uma brasileira miúda, mulherzinha esperta, que trabalhava a menos de um ano na mansão. Sam, que não sabia mais o que fazer, ficou sem reação quando a mulher tomou o aparelho de duas mãos.

— Olha aqui, senhor sequestrador, ele não pode conseguir tanto dinheiro até amanhã! Não ouviu? O dinheiro está aplicado. Tem que esperar uns três dias úteis para sacar, depois de pedir o resgate. Você não sabe disso não? Fora as coisas que vai ter que vender... Poxa, todo sequestrador dá um prazo maior!

Cloette e os gêmeos se entreolharam. Quem era aquela criatura? A mulher continuou falando.

— Eu mesma tenho um tio que já trabalhou aí nesse ramo de sequestro. Ele era profissional mesmo. Dos bons... Eles davam pelo menos uma semana pro ricaço entregar o dinheiro. Ou isso, ou pediam uma quantia bem mais baixa, pra acabar logo com a história. Chamavam de sequestro relâmpago...

— Quem está falando? - Perguntou Frank, perdendo a paciência.

— Aqui é a Ruana. Eu trabalho de faxineira pro Sr. Winchester. E sei mais sobre sequestro que vocês, pelo jeito... Então dê uma semana aqui pro patrão que ele consegue tudo.

Sam estava atônito, mas confirmou freneticamente com a cabeça. Em uma semana ele conseguiria o que eles pediram, de qualquer maneira.

Os três comparsas se entreolharam e cochicharam entre si. Realmente Cloette só estava insistindo que o pagamento fosse no dia seguinte porque queria parecer durona. Precisavam ser um pouco mais realistas e ceder...

— Tudo bem, Ruana. Vamos dar o prazo de uma semana a ele.

— Mas liguem todo dia nesse horário pra dar notícia do Sr Dean. Se não é capaz do patrão morrer do coração antes de te entregar o dinheiro...

Quando Ruana desligou o telefone todos olhavam para ela estupefatos. O brasileira ficou um pouco sem graça.

Meu tio Romildo nunca sequestrou ninguém não, viu? Falei por falar...

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Dean ouvira tudo o que disseram os sequestradores. Em parte, preferia que não tivessem estendido o prazo para pagamento do resgate. Com o prazo de apenas um dia, seu marido não teria conseguiria uma quantidade muito grande de dinheiro. Não chegaria a destruir seu patrimônio para entregar aos bandidos... E depois, Dean estaria morto de qualquer maneira. Melhor morrer logo que viver mais algum tempo naquele inferno. Ele não aguentava mais ficar ali, e tinha se passado pouco mais de 24 horas. Imagina ficar naquele lugar por uma semana inteira? Ele não suportaria...

Entretanto, outra parte de Dean tinha esperança, e respirou aliviada pelo tempo a mais. Com o prazo estendido, ele teria mais tempo para tentar fugir. Poderia, quem sabe, salvar sua própria vida, e evitar que Sam pagasse o resgate. Sabia que era uma quantia alta e que a empresa já não ia muito bem... Aquilo atrapalharia, e muito, as finanças de seu marido.

Precisava manter a cabeça no lugar e pensar logo em um plano para escapar dali. Mas a situação era complicada... Ele estava machucado e com muita dor. Aquela noite, Dean aceitou comer pão no jantar. Não podia se deixar enfraquecer ainda mais... Novamente pediu para Cloette desamarrá-lo, e mais uma vez ouviu um sonoro “não.”

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Sam agradeceu muito à Ruana pela intromissão. É claro que era desesperador pensar que Dean ficaria em poder dos sequestradores por mais uma longa semana. Mas ele precisava desse tempo para conseguir dinheiro, realmente não havia outra solução...

O moreno tentou dormir um pouco a noite, mas obviamente não conseguiu. Rolou de um lado para o outro da cama, lembrou da sensação de ter o louro ao seu lado, e chorou, chorou, chorou sem parar...

No dia seguinte, entretanto, já estava pronto para ação. Seria competente pelo menos uma vez na vida, e conseguiria o dinheiro que precisava. Ele assaltaria um banco se fosse necessário... Além de dinheiro para pagar o resgate, Sam precisava também de uma quantia alta para consertar Castiel – que ele despachou para uma oficina especializada no Japão – com máxima urgência. Se tudo desse certo com o pagamento do resgate, e Dean fosse devolvido são e salvo, esse conserto seria dinheiro desperdiçado. Mas o Winchester não podia confiar nisso... Castiel estava presente no momento do sequestro, e sendo assim, era possível que, caso sua memória não houvesse sido danificada, tivesse informação relevante sobre os sequestradores. Aquele era um detalhe que poderia vir a salvar a vida de Dean...

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Naquele mesmo dia, Dean conseguiu convencer Cloette a desamarrá-lo por algum tempo. Ele mostrou os pulsos feridos, fez cara de infeliz, e implorou para ir ao banheiro. Usava um penico para urinar, o que ele fazia com dificuldade, dado o movimento comprometido de suas mãos. Mas não conseguiria jamais fazer cocô ali, sem a possibilidade de se limpar decentemente.

Cloette avaliou. O pobre do homem estava todo ferrado. Mal se aguentava em pé... Ela era uma mulher religiosa. Ouvira o pastor dizer que era bom ajudar ao próximo... Não custava nada... Dean não teria a menor condição de fugir dali.

— Tudo bem... Vou te desamarrar um pouco. Mas não conte para os rapazes que eu te fiz esse favor, se não vão brigar comigo.

— Claro que não conto! Muito obrigado! - concordou o louro, agradecido.

A mulher pegou um pedaço de pau, e ameaçou o sequestrado. Caso ele tentasse qualquer coisa contra ela, tascaria-lhe uma paulada na cabeça.

Dean não se importou com a ameaça. Aquilo para ele já era uma grande vitória. Liberto das cordas e sozinho no banheiro, talvez pudesse encontrar algum objeto que lhe seria útil mais tarde. Podia também aproveitar para estudar melhor a localização do quarto, e analisar como fazer para fugir dali. Precisava de estratégia... Ao pensar nisso, seu coração doeu fortemente. Lembrou-se de Castiel. Se seu robozinho estivesse ali com ele, certamente pensaria no plano perfeito... Seu amorzinho, que virara sucata...

Os olhos do rapaz lagrimejaram, e Cloette apressou-se em desamarrar seus pulsos e tornozelos, que estavam vermelhos e inchados. Em seguida a moça ajudou-o a se colocar de pé. Tudo doía, e Dean quase caiu. Mas o louro sabia que se tivesse chance arranjaria forças para se mandar dali. Para a sequestradora ele exagerou um pouco. Precisava mostrar-se fraco e incapaz. Apoiou-se nela, gemeu e pediu ajuda para chegar até a porta do banheiro.

Assim que se viu sozinho no aposento, o louro logo notou a janela, que dava para fora. Era um pouco alta, mas grande o suficiente para ele passar com tranquilidade. Do lado de fora, bem encostada à parede, tinha uma árvore de galhos fortes. Se ele conseguisse uma escadinha, ou mesmo um banco, poderia dar um jeito de pular dali e tentar fugir... Mas não podia deixar Cloette desconfiar de seus planos. Então o louro tratou de usar o banheiro e antes de sair, encontrou uma gilete, que escondeu no bolso da calça.

Em seguida, foi conduzido novamente até o quarto. Dean ainda tinha a esperança de que Cloette não fosse ser muito eficiente ao amarrá-lo de volta. Mas estava redondamente enganado... A moça sabia exatamente o que estava fazendo, e deixou-se tão preso quanto antes.

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Os dias foram passando devagar. Os sequestradores, como prometido, sempre ligavam no mesmo horário para a mansão dos Winchester. Deixavam Dean e Sam se comunicarem por alguns segundos, mas não lhes davam tempo suficiente para trocar mais que meia dúzia de palavras. Aquele, sem dúvida, era o momento mais aguardado do dia, por ambos os rapazes.

— Dean, eu te amo, aguenta firme. - dizia Sam com lágrimas nos olhos.

Dean gostaria de dizer ao marido que jamais pagasse o resgate, porém falar isso em frente aos bandidos seria assinar sua sentença de morte.

— Te amo Sammy. Fica calmo, eu estou bem... - mentia Dean, também choroso.

O resto do tempo, Sam passava arrumando empréstimos pessoais e vendendo seus bens a preços bem inferiores ao do mercado – afinal não é possível ser exigente quando se está com tanta pressa. Já tinha desistido de salvar sua empresa, e retirava todo o dinheiro que podia de lá. Pretendia abrir falência em breve, e pouco estava se importando com as dívidas.

Dean por sua vez já havia perdido a noção dos dias, mas se desesperava sabendo que o seu tempo se esgotaria em breve. Passava todos os momentos que tinha sozinho roçando a gilete, que já estava um tanto cega agora, contra as cordas de prendiam seus pulsos. Era uma posição difícil, pois precisava segurar com as pontas dos dedos, e girar a mão, sem muita firmeza. Parara também de pedir a Cloette que o desamarrasse, é claro, pois se fizesse isso a moça descobriria a corda desgastada e todos os seus esforços iriam por água abaixo. Sorte dele que andava comendo tão pouco que não sentia necessidade de usar a privada.

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Certo dia, depois de passar a noite roçando a gilete contra a corda, o louro finalmente conseguiu o que queria. Libertou seus pulsos, e em seguida começou a desatar os nós da corda que prendiam seus pés. Devia ser umas cinco horas da manhã quando ele finalmente conseguiu se soltar por completo. Mas e agora? Seria capaz de escapar? Precisava sair em silêncio para não acordar os bandidos, e tentar fugir pela janela do banheiro. Mas ele mal conseguia firmar os pés no chão. Estava exausto, mal alimentado e machucado...

O louro levantou-se com dificuldade, e apanhou o pedaço de pau – o mesmo que Cloette usou para ameaçá-lo - para se apoiar, já que mal conseguia encostar a perna direita no chão. Mas era difícil sair em silêncio... O barulho do pau batendo no chão perturbou foi o suficiente para acordar Cloette.

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— Frank! Que barulho foi esse? - Perguntou a moça, abrindo os olhos de repente, e sacudindo o namorado em seguida.

— Barulho!? Que barulho! - Frank acordou de um pulo.

— Cala a boca que eu quero dormir! - vociferou Sean. Os três dormiam juntos em uma cama velha, mas muito espaçosa.

— A Cloette ouviu um barulho... Vai lá alguém, que deve ser o viadinho!

Mas os três estavam com preguiça, e resolveram ficar onde estavam mesmo. Jamais imaginavam que o louro poderia estar se desamarrando e fugindo... No máximo, podia estar chorando, reclamando ou se debatendo. De qualquer forma, fizeram silêncio, e aguçaram os ouvidos.

Dean sentiu um enorme frio na espinha. Os sequestradores estavam acordados... Pensou em voltar para o quarto e fingir que dormia, mas resolveu que era melhor arriscar... O rapaz agora caminhava lentamente pela sala, apoiando-se nas paredes. Pegou um banco e com muita dificuldade levou até o banheiro, tentando fazer silêncio.

— Não deve ter sido nada... - murmurou Sean virando-se de lado. Queria voltar a dormir. Cloette bocejou e se aconchegou entre os dois namorados.

Ao chegar no banheiro, bem em frente à janela, Dean tentou colocar o banco com cuidado no chão. Mas seu braço fraquejou e as pernas cederam, de forma que o objeto bateu com força contra o piso.

BLAM!!

Sean que já tinha pego no sono de novo acordou de supetão, e levantou-se prontamente, assustado. Os outros dois sequestradores também puseram-se de pé. O que seu prisioneiro estava aprontando?

Ao ouvir a correria dos três, o coração do louro disparou de desespero. Tremulo, ele subiu no banco e alcançou a janela.