Coraline e o Estranho Mundo de Jack
Capítulo 3
Há algumas semanas, o senhor e a senhora Jones anunciaram que fariam uma viajem de uma semana para concluir e publicar seu livro sobre plantas. Apenas esperaram o aniversário de Coraline passar. Partiriam esta tarde. Disseram a Coraline que ela ficaria, por acharem que a viajem seria chata e cansativa demais para ela. Apesar de achar chato ter que ficar em casa e ser vigiada pelas senhoritas Spink e Forcible, ela viu a oportunidade perfeita para resolver seus problemas em relação a Bela Dama, e dessa vez não teria que se preocupar com seus pais.
— Os números de emergência estão na geladeira, tem comida fácil de preparar no congelador, as chaves você sabe onde estão. - Dizia a mãe. - Acho que você sabe se virar, mas pedi para as senhoritas Spink e Forcible te vigiarem e te ajudarem caso precise.
— Se elas conseguirem se cuidarem sozinhas.
Mel olhou para Coraline repreendendo-a silenciosamente.
— Desculpe.
— Não se meta em encrencas. - Ela lhe deu um beijo na testa, pegando sua mala e saindo de casa em direção ao carro.
— Cuidado quando for explorar por aí. - Aconselhou o pai. - Não vá se perder na floresta. - Completou dando um peteleco no nariz de Coraline.
— Eu nunca me perco. - Cruzou os braços convencida.
— Bom… sendo assim, até mais, querida.
Coraline ficou escorada no batente da porta vendo o carro se afastar cada vez mais da casa, até sumir além da estrada curva ao longe.
[...]
Coraline estava sentada na escada da varanda, ela olhava para a paisagem como se admirasse uma bela fotografia, a natureza ao longe lhe inspirava tranquilidade. Os pinheiros, os carvalhos, as flores silvestres escondidas mata a dentro e, talvez, até as grandes cachoeiras escondidas naquela imensidão, tudo despertava a curiosidade e sede de aventura de Coraline. “Uma exploradora” pensou ela.
Três dias haviam se passado desde a visita das crianças em seu sonho e ela ainda não pensara em nenhuma maneira de destruir a chave, encontrar o suposto “lugar mágico” ou derrotar a Bela Dama. O vento bateu um pouco mais forte e fez seus cabelos azuis se bagunçarem, ela começou a se arrumar quando percebeu que o gato preto aparecera novamente, não o vira muito nos últimos dias. O felino subiu as escadas e sentou-se de frente para a menina, que sorriu.
— Oi, gatinho.
Ela acariciou o topo da cabeça da criatura, que começou a ronronar e a se escorar nas pernas da garota.
— Eu tenho que destruir a chave. - O gato pausou as carícias e a encarou. - A Outra Mãe está voltando.
O gato a olhava em silêncio, por um instante ela desejou que pudesse ouvir palavras saírem de sua boca assim como no Outro Mundo.
— Preciso da sua ajuda.
O animal começou a passar por entre as pernas da menina, levou uma de suas patas a sua canela e fincou as unhas no tecido da calça, como se tentasse puxá-la. Deu um miado enquanto continuava a chamar a menina.
— O que você quer?
Ele se afastou descendo as escadas e olhando para trás, Coraline, instintivamente, se levantou, no momento que o fez o gato começou a andar, a menina o seguiu.
O gato seguiu floresta adentro, andando devagar e com elegância, Coraline ia ao seu lado. Eles pararam diante do velho poço, o felino sentou-se sobre a tampa de madeira e encarou a menina.
— Tá, e agora? Você acha mesmo que eu vou descer até o poço para pegar essa chave? Só se eu quiser ficar lá para sempre, e isso não ajuda em nada.
O gato continuou encarando-a. Por um instante Coraline percebeu um semblante irritado no animal.
— É o único jeito, não é?
O gato assentiu.
Coraline bufou e olhou em volta, arquitetando um plano, voltou a olhar para o gato.
— Vou precisar do Wybie.
Coraline descobrira a algum tempo onde Wybie morava, não era tão longe do Palácio Cor-de-Rosa. Ela gostava de provocar o garoto toda vez que aparecia por lá e dessa vez não era diferente. A menina jogou algumas pedrinhas na janela do quarto dele mas não obteve resultado, franziu as sobrancelhas. Ouviu alguns barulhos vindo do fundo da casa e decidiu averiguar.
Sorrateiramente, Coraline se aproximou da figura que estava de costas para ela, carregava uma caixa que parecia tampar sua visão.
— Ahá! - Coraline segurou com força os ombros do garoto e gritou próximo de seu ouvido.
— Ai!
Ele largou a caixa no chão e pegou uma flauta velha que estava na caixa, que apontou para ela como se fosse uma arma.
— Por favor, tenha misericórdia de mim. Era só uma brincadeira, por favor, não me mate com a sua flauta apavorante. - Debochou.
Wybie sorriu quando viu a garota e jogou a lanterna de volta na caixa.
— Eu não me assustei.
— É claro que não. - Zombou.
— Não me assustei mesmo.
— Desculpe se feri seu ego. - Riu.
Wybie virou a cabeça de lado e fitou Coraline, coçando a nuca.
— Então, o que você veio fazer aqui?
— Preciso de você.
— É claro que precisa.
Coraline cruzou os braços e fez um bico, lançando um olhar fuzilante em Wybie. Ele riu.
— Ei, olha isso. - Wybie tirou da caixa um livro preto todo empoeirado, parecia mais velho que sua avó.
— O que é isso?
— Era da vovó, parece ser de contos de terror antigos.
— Tá, preciso da sua ajuda. Vem. - Coraline segurou Wybie pela manga da jaqueta que ele usava e tentou puxá-lo para acompanhá-la, mas ele a puxou de volta.
— Pra que a pressa?
— É importante. Vem logo. - Sua voz começou a soar irritada.
— Calma. Não precisa ficar eufórica. Senta aqui. - Respondeu indicando o chão de pedra.
Coraline bufou e fez o que o garoto pediu.
— Tá, fala logo.
— Achei que pudesse gostar. - Ele passou o livro para as mãos de Coraline.
Ela o folheou. As páginas eram amareladas e tinham manchas, ao que tudo indicava era realmente velho. Página ou outra possuía desenhos, alguns figurando florestas sombrias, casas estranhas e cemitérios outras com monstros horripilantes.
— Esse livro é bizarro. - Comentou fechando-o.
— Acho que os adultos liam esse tipo de coisa pras crianças a noite para assustá-las.
Wybie ofereceu o livro à Coraline, que aceitou. Depois de insistir mais um pouco e explicar ao garoto o que precisava, ele a seguiu até palácio cor-de-rosa, levando consigo uma corda e alguns apetrechos que poderiam precisar.
Ao chegar em casa Coraline entra e sai rapidamente com uma lanterna em mãos.
— Onde estão seus pais? - Pergunta Wybie.
— Viajando.
— E deixaram você tomando conta da casa? - Perguntou debochado. Coraline o fuzilou e ele desviou o olhar.
Foram caminhando em silêncio até o poço. Wybie retirou a tampa de madeira e amarrou a corda em uma pedra próxima.
— Tem certeza disso?
— É claro que tenho. - Respondeu Coraline enquanto amarrava a corda em sua cintura.
— Acho melhor eu ir…
— Não! - Wybie encolheu os ombros e acompanhou seus movimentos com o olhar.
Ela se aproximou do buraco, exitou por alguns segundos mas, por fim, se agachou e se pendurou da beira do poço.
— Se me deixar cair, eu mato você. - Disse ameaçando o amigo.
Wybie soltaria a corda aos poucos, segurando Coraline e impedindo que ela despencasse dentro do poço. Poucos minutos se passaram e Coraline já estava no limite da profundidade do local.
Ela ligou a lanterna e começou a vasculhar tudo. Lá baixo era malcheiroso, a lama das paredes era tão nojenta que Coraline tentou ao máximo possível não encostar em nada, apenas seus pés estavam apoiados. Era incrivelmente escuro ali, a menina se atreveu a olhar para cima, a visão da claridade lá no alto ficou turva, ela não conseguia ver muita coisa além do pontinho claro acima de sua cabeça. Lembrando-se do que Wybie disse, ficou imaginando como seria se estivesse de noite.
— Wyborne!
Wybie ouviu a voz de sua avó lhe chamar e logo soube que não poderia demorar mais. Esforçou sua voz ao máximo para que Coraline a ouvisse.
— Coraline, temos de ir mais rápido!
Apesar de a voz estar distante, Coraline entendeu o que ele quis dizer e voltou rapidamente a procurar a chave. O pouco de água que havia lá atrapalhava, a contragosto Coraline abaixou seu tronco e levou sua mão em busca da chave. Não havia tanta água, logo a pedra com a chave amarrada poderia ser achada facilmente mas não foi o que aconteceu.
Coraline arregalou os olhos quase não acreditando.
— Wybie!
— O quê?!
— Parece que a chave não está aqui!
[…]
Em algum canto do palácio cor-de-rosa, no silêncio perturbador da casa vazia, uma criatura sobrenatural se arrastava para fora de seu covil e se apoderava do belo espelho de moldura escura, cujo qual poderia ser sua passagem para a tão esperada liberdade.
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