Agora só restam as lembranças dos poucos momentos que passamos juntos… Lembro-me do seu cheiro, do seu beijo, dos seus olhos claros e do seu sorriso doce, das suas palavras sabias e divertidas, lembro-me do seu toque macio e quente na minha pele fina e fria… E agora as lembranças me sufocam mergulhada em sentimentos que eu não consigo decifrar, nesse mar de angustia e de magoas.

Romance pode ser algo clichê, algo fora de moda, idiota, uma burrice, mas no fundo todos nós sentimos necessidade de um pouco de algo assim em alguma parte das nossas vidas. Um romance que nem aqueles da tv, dos livros, das poesias, das letras de uma musica. Pois não existi uma pessoa que não queira ser amado, ser cuidado, ser importante para alguém… Não precisa ser eterno, pois não tem como saber do futuro, só precisa fazer a diferença, precisa ser marcado dentro de nós.

_ Seu braço está melhorando, finalmente. – a voz rouca do Pietro soou. E o encarei pelo reflexo do espelho, encostado ao batente da porta. Já fazia mais de meia hora que eu estava ali parada em frente ao espelho, às vezes eu viajava entre um reflexo e outro.

_ Ele tinha que melhorar um dia... – respondi sorrindo e acariciando o mesmo, que agora estava sem faixa. Encarei meus cabelos arrumados do jeito que eu queria e passei a mão sobre meu short com alguns fiozinhos branco grudados.

Os coroas chegam nesse final de semana... - o ouvi dizer enquanto suspirava se referindo aos nossos pais.

_ Estava bom demais pra ser verdade! -suspirei junto a ele. Quando meus pais estavam fora era tudo mais fácil e tínhamos mais liberdade.

_ O bom é que eles chegam e sempre viajam de novo, eu amo o trabalho deles. - disse meu irmão se jogando na minha cama.

_ Me deixa adivinhar. Não vai à aula hoje?! - perguntei e ele sorriu como resposta.

_ Como minha irmãzinha me conhece bem. - sarcasmo era o forte dele, sarcasmo e deboche.

Avistei um livro encima da escrivaninha ali perto, peguei-o e joguei no Hudson em minha cama. Ele resmungou saindo do quarto e fechando a porta. Fui até a cama sorrindo e peguei o livro sobre ele. "Amor por acaso".

FLASH ON:

_ Lucy... – ele disse e eu o encarei. _ Terminei de ler esse livro ontem e achei que fosse gostar. – ele me estendeu um livro e peguei-o.

_ Amor por acaso... – li o titulo do livro em voz alta e ele sorriu. _ Obrigada! – guardei o mesmo dentro da mochila. _ Te devolvo assim que terminar de ler. – falei e ele assentiu. _ Tchau. – falei dando a intenção de que iria sair do carro.

_ Ah, dane-se... – ouvi isso da boca dele e depois braços me puxam de volta para dentro e me surpreendo por um beijo, beijo que eu desejava provar desde que o vi na estrada, um completamente estranho e que quase me matou, beijo tão doce e tão urgente, beijo que me envolvia por inteira...

FLASH OFF:

Eu não pegara nesse livro desde que eu ganhei não sei se era por receio do título tão haver com minha vida, ou por medo da história ser exatamente o que eu imaginava. Abri a capa do mesmo e observei sua primeira página;

Charity Standing é loira... Linda... E a mulher mais desejável de Devonshire. O único problema é que ela é pé-frio. Não um pé-frio qualquer, ela é capaz de deixar o mundo de pernas para o ar. Como um gato preto, os problemas a seguem para onde quer que vá...

Douglas Austen é um homem de gosto impecável, mas de criação pouco satisfatória na ilha de Barbados. Ele não consegue arranjar uma esposa na poderosa alta sociedade de Londres. Muito rude muito atrevido e excessivamente escandaloso, perdeu três mulheres para homens mais respeitáveis. Seu destino, porém, está prestes a mudar... Num piscar de olhos Charity cruza seu caminho - e a vida deles vira do avesso!

A cada palavra engolida pelos meus olhos, mais vontade eu tinha de devorar o livro inteiro. Ouvi uma buzina, fechei o livro e fui até a janela. Peguei minha bolsa, coloquei o livro dentro e peguei meu celular.

_ Não vai tomar café? - perguntou Pietro da mesa, enquanto eu corria para porta.

_ Tenho uma amiga que detesta atrasos. - respondi indo até a mesa e pegando uma maçã.

Corri para o veículo estacionado em frente a minha casa e adentrei o mesmo, dando de cara com outra Hudson no banco de trás. Revirei os olhos assim que ela me encarou superior e fechei a porta do carro.

_ Bom dia... - falei para os dois morenos à frente. Vi Charles me encarar pelo retrovisor interno e piscar. E a morena somente sorri desanimada como resposta. Acho que a presença da Selena incomodava até o próprio veiculo!

***

Charity viu-se arrastada para o centro de um furioso vendaval. Rajadas violentas de desejo e raiva rugiam ao seu redor. Braços de aço a cingiam, a boca ardente a consumia. Cessou de lutar e cedeu, submetendo-se. Ela era dele... Embora ele não pudesse ser dela. Douglas sentiu a resistência de Charity esmorecer e, com ela, a fúria em seu sangue. Seu beijo tornou-se terno, gentil, ansioso. Sentidos mais claros, buscou por traços da paixão que queria, de que precisava. Charity, porém, continuava imóvel em seus braços. E havia um novo gosto naquela boca, de sal. Conteve o fôlego e ergueu a cabeça. Abriu os olhos. Lágrimas.

A aula de português já não era mais assistida por mim. Eu me perdia nas palavras do livro enquanto Claire dava sua aula e definitivamente eu não queria mesmo olhar para sua cara. Provavelmente ela me arranjaria oque fazer logo e eu teria que encara-la. Não sei por que não pegara esse livro antes. Cada palavra escrita nele era um turbilhão de emoções, de imagens, de imaginações.

_ Sabemos que Claire já te odeia. Se ela te pegar distraída, ela complica tua vida. - a voz em sussurro do Caio soou e me despertou da fixação no livro.

_ Tem razão. - falei fechando o livro e suspirando cansada. A aula finalmente acabara e o momento intervalo chegou. Os alunos começaram a sair animados da sala e eu faria o mesmo se não fosse por ela...

– Esqueceu-se de sua punição, querida? - que voz insuportável ela tinha. Eu desejava que um meteoro caísse sobre ela ou até mesmo que um extraterrestre a abduzisse.

_ Não... - respondi depois de um suspiro irritado. _ Pegue esses livros e minha bolsa e me siga. - ela disse entojada e saiu da sala.

Eu juro que preferia ficar horas na detenção. Peguei os livros, sua bolsa e a segui pelo corredor até a sala do Ian. Fala sério, ela está de brincadeira ou quer outra surra bem dada.

_ Bom dia... - ela disse assim que entrou. Os olhos azuis dele se chocaram com os meus e meu coração pediu para atravessar meu peito.

_ Professora Claire, não acha que está exagerando? - perguntou e ela o encarou, confusa. Ele estava se referindo a mim.

_ Ah, não. Lucy pode colocar tudo na mesa do Ian. - ela disse e foi oque eu fiz.

_ Posso ir? - perguntei incomodada.

_ Pode. - respondeu à vadia. Sai da sala observando a ridícula pendurada ao pescoço dele. Suspirei tentando me acalmar e decidi que não iria me juntar aos meus amigos hoje. Peguei a maçã de mais cedo, guardada em minha bolsa e o livro. Fui para biblioteca e me sentei escondida entre as prateleiras.

***

Os ciganos sabem de coisas que ninguém mais sabe... Toda sorte de coisas. Sabem do poder das sextas-feiras e do número 7 e dos pedidos à lua nova. Sabem sobre a "visão" sobrenatural de cavalos negros e sobre os estranhos efeitos que a cor vermelha tem sobre as pessoas. Sabem que "se um homem morre calvo, transforma-se num peixe" e que sapatos velhos dão muito mais sorte que os novos. A experiência de longa data os ensinou que matar uma aranha é um convite à pobreza e à doença. Sabem sobre a sorte que a natureza guarda em metais e em frascos de madeira... E como liberá-la com um toque ou uma batida.

Ao longo de séculos de vida errante, recolheram os segredos profundos da vida e da boa sina desde os cantos mais distantes da Terra. E sob estrelas cintilantes, em torno da fumaça das fogueiras, aos sussurros e de olhos arregalados, transmitiram esses preciosos segredos a seus filhos. A gestualidade e o respeito pela lua, à leitura dos desígnios do destino numa palma humana... Os sortilégios, o conhecimento transmitido por via oral sobre os animais e muitas práticas para afastar a má sorte e atrair a boa... É muito para passar adiante, realmente.

São necessários muitos anos ao lado de fogueiras fumegantes e de atenção concentrada para um bom cigano aprender todas as coisas que deve saber. E, no final, há ainda uma lição que todo bom cigano deve aprender por si só. A sorte, esse bem de comércio tão valorizado na vida cigana, tem limites. Pode-se implorar pela sorte ou emprestá-la ou forçá-la ou esticá-la, porém, no fim, ela só vai até certo ponto e não mais além. Há apenas uma coisa na vida que não tem limites, e que todo bom cigano deve saber. A única coisa sem limites é o amor.

Eu queria me perder, não queria ser achada. Não encarei quem sentara ao meu lado no chão da biblioteca, mantive meus olhos fixados no livro e esperei que fosse alguém com uma desculpa bem legal para me tirar das paginas.

_ O que está achando? – eu rezei tanto para não ser ele. Meus olhos encontraram os seus e engoli em seco.

_ Ainda estou nas primeiras paginas... – respondi procurando qualquer canto para olhar, menos seus olhos.

_ Seu beijo tornou-se terno, gentil, ansioso. Sentidos mais claros, buscou por traços da paixão que queria, de que precisava. – ele recitou uma pequena parte do livro e meu peito queria voar de dentro de mim.

Nossos olhos se encontraram em sintonia. Nossas respirações se tornaram descompensadas. Ele mordiscava seus lábios freneticamente, eu molhava os meus. Seu rosto se aproximou lentamente do meu. Meu coração disparou. Uma mínima distancia, eu já sentia seu hálito de menta e sua respiração misturada a minha. Sua mão tocou meu rosto carinhosamente e....

– Quando tudo estiver dando certo, desconfie!