Confia em Mim?

Cara de mamão!


-O que foi, Tom? – Indaguei, quando já estávamos longe do pessoal. – Mamãe saiu hoje para o ateliê, lembra? – O lembrei,franzindo o cenho.

Eu evitava olhar para ele, por isso, me concentrava nos paralelepípedos do passeio.

-É verdade. – Falou baixo, mas com convicção, dando a saber que ele já tinha conhecimento disso.

-Tá, você quer conversar. – Falei mais alto, andando um pouco mais devagar. Tínhamos chegado ao nosso bairro, que por sinal era muito deserto. Não tinha prédios, apenas casas e bastante verde. – Eu também quero conversar.


-Eu sei. – Falou baixo, novamente.

Me dirigi para um banco próximo a casa da nossa vizinha, que tinha uma enorme coleção de plantas, que escorriam por sua varanda. Sentei-me no banco de cimento, tendo como plano de fundo algumas tulipas vindas do andar de cima.

-Não é grande coisa, mas é que eu vi que você ficou meio bolado com aquele acontecimento com a menina lá na escola... – Tom começou a falar, ainda em pé na minha frente. Sua expressão era de desdém, o que me dava um pouco de raiva.

-É, Tom, eu fiquei muito bolado com aquilo. – O cortei, fazendo uma voz forte, dura. O que não era do meu feitio, mas se eu queria conquistar o Tom, eu teria que crescer.

Para a minha surpresa, Tom parecia um pouco surpreso com minha afirmação. Talvez fosse pela minha mudança de reação em relação as suas palavras.

-Mas, Bill, você tá muito mimado. – Falou, franzindo as sobrancelhas, quase fazendo um perfeito “V”. - O que é que teve de tão errado naquilo tudo? Eu sempre fico com você. Então, um dia eu resolvo falar com outra pessoa, e você fica todo emo lá. – Falou, transparecendo sua irritação com aquilo, ao mesmo tempo em que parecia refletir suas palavras.

-Você não fica comigo direito. – Falei, um pouco indignado, levantando do banco e ficando da sua altura. – Eu quero que você fique comigo todos os dias, todos os minutos, todos os anos de sua vida. – Grunhi, ainda no mesmo tom de indignação.

Eu acho que tinha falado demais.

-Hã? – Tom logo sussurrou, um pouco desconcertado. Sua expressão tinha mudado para uma mais leve e confusa. Seus olhos piscavam freneticamente, suas bochechas estavam levemente levantadas, em sinal de constrangimento...

E o melhor. Todo o seu rosto estava visivelmente corado.

Não consegui deixar de transparecer a minha alegria em uma risada controlada, mas frenética. Tom ainda olhava para mim sem entender, esperando uma explicação.

Estava na hora.

Era agora ou nunca!

-É porque eu... – Comecei, com uma coragem tirada de algum lugar desconhecido. – Eu estou... – Acrescentei mais uma palavra, tentando tirar mais um pouco de coragem. – Eu... Eu... Eu...


E morreu aí.

Não consegui falar mais nada. Minha boca tinha paralisado, minhas pernas tinham começado a tremer e minhas bochechas a ruborizar.

Sintomas do amor. Coisa que só serve pra atrapalhar.

Eu não estava acreditando que tinha falhado novamente. Como eu iria falar como eu me sinto se toda hora a coragem desaparece?

-O que você queria me falar? – Tom me perguntou, com um tom impaciente. – Descobri que tenho um encontro com uns manos lá no centro, tenho que ir agora... – Acrescentou , olhando para o relógio no pulso.

Olhei para ele com desespero, entreabrindo um pouco a boca. Eu queria tudo, menos ser deixado pra trás numa hora daquelas. Eu não tinha conseguido me declarar ainda, mas ele não precisava me deixar assim, na frente da casa da vizinha.

-Posso ir com você? – Falei, dando um sorriso esperançoso. - Prometo me comportar e nunca mais perguntar sobre cicatriz de ninguém!


Tom pareceu hesitar um pouco, mas assentiu e me deu um pequeno sorriso, voltando a andar, agora em direção ao final da rua. O segui, deixando escapar uma risada feliz.

***********

-Falô, manos! – Tom falou alto, dando um tapa nas costas de um cara malhadão. – Vagabundando, hein?


-Ahá, ralando, isso sim! – Outro cara de boné chegou, dando um aperto de mão e um abraço desajeitado no meu irmão. – Mas e você, cara? Sumiu, nunca mais veio zoar com a gente!


-Eu to andando cheio de trabalho do colégio, brother, não tenho tempo nem pra mim! – Tom respondeu, dando uma risada cansada. – Esse é meu irmão gêmeo que eu te disse naquele dia. – Falou, colocando a mão no meu ombro.

-Ô, grande Bill! Teu irmão fala muito de ti! – O homem falou com uma gargalhada surpresa, bagunçando meu cabelo. – Estilo legal!


-Obrigada. – Falei, dando uma risada por Tom sempre falar de mim.

-Eu já conhecia esse moleque, aê. – O cara malhadão resmungou, me olhando de soslaio. – Foi encher o saco do irmão do campeonato que teve no ginásio.


EU FUI TORCER, FALOU?

Cara idiota, eu não precisava da opinião dele mesmo.

-É, mas ele tá comportadinho hoje. – Tom respondeu rapidamente, prevenindo problemas. - Mas e aí? Que dia vai ter mais um campeonato?


-Próximo mês, e você pode participar se começar a treinar. – O de boné falou, pegando o skate que estava com o seu pé com as mãos e enfiando na mochila. – Começando agora.


-SÉRIO,CARA? – Tom gritou, entusiasmado com a idéia. Sempre fora mesmo o sonho dele participar de um evento grande de skates.

-Hoje não, lembra Tom? – Falei, com tom de censura. – Mamãe quer a gente em casa hoje de noite.


-Ó gente! A mamãezinha do Tom quer ele em casa de noite! – O malhadão debochou, fazendo um pose gay com uma voz esganiçada. – Vai lá, bebê, volta pra casa da mamãe!


-Aff, cala a boca, Bill, que mentira é essa? – Tom reclamou comigo, indignado.

-Oxe, é verdade! Agora você vai ficar aqui só porque seus “amigos” tão debochando de você? – Não consegui deixar de afinar a voz, indignado com a idéia de Tom ficar só por causa de uns idiotas. – Você tem obrigações.


-Isso mesmo, bebê, vai ajudar mamãezinha a fazer a sopinha pra comer hoje de noite. – Outro carinha gritou de dentro da casa, fazendo uma careta de deboche.

-Cala a boca, Bill! – Tom definitivamente gritou comigo, puxando alguma coisa de sua mochila. – Toma aqui, o dinheiro pra você voltar de ônibus pra casa. Vai lá e me deixa em paz.


-Caralho, Tom! Não vou pra casa sem você! – Bati o pé no chão, fazendo um bico automaticamente.

-Some daqui, Bill, é melhor pra você. – Ele sussurrou, indo em direção a porta da casa. – E nada de contar à mamãe que estou aqui!


Naquele momento ali, parado na frente de uma casa qualquer, vendo meu irmão me dar as costas, como se eu não fosse nada importante pra ele, foi como 1000 murros no meu estômago. Minha vontade de chorar era tão grande que eu não conseguiria esperar até em casa.

Mexi minhas pernas e comecei a andar pelas ruas devagar, olhando para baixo, lutando para que as lágrimas não saíssem.

Assim que elas saíram, senti meu orgulho sendo ferido, ao ver aquelas pessoas me observarem, com um pouco de pena. Eu odiava sentir isso.

É naquelas horas, que eu refletia como era difícil gostar de uma pessoa que você é tão vulnerável perto dela. Eu tentei muitas vezes ser forte e assumir o controle, mas ele sempre diz ou fala alguma coisa que me magoa e me deixa triste.

Já estava anoitecendo quando cheguei ao ponto de ônibus. A casa do amigo de Tom era do outro lado da cidade, quase fora. Sentei em um dos bancos e enxuguei minhas lágrimas, sentindo agora uma coisa enorme errada dentro de mim, como se tudo estivesse na ordem errada, a diferença, era que eu não tinha coragem para concertar.

O vento começou a ficar frio, o fim do ano estava chegando, a neve logo iria aparecer. Coloquei o casaco e olhei freneticamente para a rua deserta. Nenhum ônibus passara desde que eu tinha chegado. Não tinha ninguém no ponto e com isso, o quadro se tornava meio depressivo. A rua tornou-se com uma coloração cinza, o som das árvores chacoalhando pelo vento possuiu um tom de melancolia e apenas eu ali, apreciando aquela sensação horrível de abandono.

Tom me amava, eu sabia. Eu o conheço desde que me conheço por gente, eu sei qual são suas reações. Mas, como fazê-lo aceitar?

Suspirei, ouvindo um som diferente tomar conta da rua. Levantei minha cabeça e pude ver uma moto preta vindo na minha direção. Ela parou e buzinou uma vez. Olhei em minha volta, procurando alguém que pudesse estar esperando, mas não tinha ninguém.

-É você mesmo, Bill. – Uma voz conhecida falou, fazendo menção para eu chegar mais perto.

Levantei-me e andei rápido, curioso para saber quem era o misterioso rapaz. Seu rosto estava tapado por causa do capacete, mas reconheci apenas por aqueles olhos azuis que tanto me chamaram atenção na primeira vez.

Damiam.