Quando Integra ainda era uma – quase - inocente jovem, Alucard não tinha muito o que fazer aos finais de tarde e início de noite, horários que ela costuma ter suas 'atividades extracurriculares', como dizia Walter, algumas horas de puro tédio para o vampiro, em grande resumo. Dessa vez era pior, acabou acordando mais cedo que o costume, culpa de um maldito gato no cio que miava desesperadamente no muro da mansão, um insignificante ruído quase inaudível para humanos, porém uma martelada persistente ao pé do ouvido de um morto-vivo. Já que pegar no sono ficou difícil, decidiu por incomodar seu velho amigo fazendo-o lembrar de velhas histórias do auge de sua época de DuoFatal (como brincava, maldosamente, Arthur) quando Integra nem era nascida e Arthur nem casado. Alucard abriu um sorriso travesso, a história dessa noite faria o mordomo querer sua mente apagada, repetindo várias vezes que adolescentes tendem a fazer besteiras principalmente quando mal acompanhados.

Cantarolava um música comum no bordel que frequentavam há tantos anos – sua tortura ia começar aí - materializando-se próximo ao mordomo que trocava as luvas brancas de algodão por um par de couro marrom para direção, o vampiro parou de assoviar quando ouviu o tilintar das chaves do carro nas mãos do velho.

“Vai aproveitar a noite tão cedo, velho amigo?” ironizou, chato como sempre.

Walter limitou-se a ignorar a provocação.

“Consegue ficar alguns minutos sozinho sem causar grandes problemas, mestre Alucard?” continuou a abotoar a luva esquerda com a mão direita, equilibrando as chaves nos dedos esquerdos.

“Depende das circunstâncias, creio eu” riu “Quais as circunstâncias dessa tarde?” bocejou em maior tédio ainda.

“Vou buscar a Senhorita na academia, consegue se comportar por alguns minutos?”

A palavra “academia” soou como música para seus ouvidos. Não lembrava de sua mestra participar de uma. Abriu um grande sorriso. Sua imaginação não o perdoa, paralisou com a cena de sua senhora – de costas para si - andando em uma esteira, usando um daqueles trajes apertados de academia que via algumas mulheres usando quando passeava por Londres. Balançou a cabeça ritmicamente compatível com o quadril da jovem em sua cabeça. Direita, esquerda. Santa imagem! Direita, esquerda. Juventude saudável. Esperaria ansiosamente para vê-la entrar por aquelas portas. Abriu mais os olhos, para que esperar? Podia ir até lá, saberia facilmente o caminho apenas seguindo o cheiro da Hellsing. Mas Walter cortaria suas asas antes dele tentar algo. A não ser que ele sumisse com o mordomo.

“Pode se comportar, mestre Alucard?” repetiu a pergunta encarando a cara de babaca que o outro fazia.

“Claro, mas já deixo avisado que não fui eu o responsável pela macha vermelha na parede do salão” gesticulou as mãos para cima.

O plano no vampiro não poderia dar mais certo. Aos olhos do criado Sir Integra poderia esperar horas na academia, mas sua preciosa parede de gesso estaria completamente arruinada se ele se demorasse mais alguns segundos. Alucard riu alto enquanto dirigia o carro preto e importado a caminho do prédio onde sua jovem senhora aguardava, queria poder ver a cara do velho quando ele se deparasse com um gesso impecável e suas chaves roubadas. Chegando ao prédio estacionou o carro em qualquer vaga do amplo estacionamento e vagou por pura osmose por entre os corredores apenas sentindo o cheiro de sangue virgem e extremamente quente pelos exercícios. Parou de fronte à porta branca, imaginou a cena do lado de dentro por mais alguns segundos antes de abri-la por completo estampando um sorriso malicioso e impertinente. Esse se desmanchou por alguns momentos de decepção. Integra não estava usando nenhuma roupa apertada fazendo agachamentos próximo a porta quando ele entrou, mas sim usando um kimono branco pesado e já molhado de suor acabando por finalizar um perfeito mawashi geri com seu calcanhar descalço a poucos centímetros dos rosto do servo entrometido. Admitiu que não esperava por isso. Claro, só ele não viu o grande letreiro redondo na porta do prédio com os escritos: Academia de karate Shotokan com um enorme tigre vermelho em posição de ataque. De qualquer forma não poderia ter esperado menos vindo de sua mestra.

“O que faz aqui?” A menina de meros 17 anos o repreendeu sustentando, sem muito esforço, a posição do golpe além de uma expressão matadora “Não lhe dei permissão para sair da mansão”

Alucard abriu a boca para soltar um de seus joguinhos, todavia foi interrompido por um homem de avançada idade próximo ao tatame com um igual kimono impecavelmente branco preso por uma faixa negra há muito adquirida.

“Não converse durante a sequencia, senhorita” Repreendeu com grande frieza. “Pague-me oitenta por isso”

Alucard fechou o sorriso enquanto observava sua mestra abaixar a guarda soltando um firme 'Oss' pondo-se a cumprir as oitenta malditas flexões. O vampiro levantou uma sobrancelha e curvou os lábios divertido ao ver sua mestra olha-lo furiosamente durante a contagem do sensei. Ichi, ni, san, shi. …

Além das intermináveis flexões como “castigo” a jovem ganhou uma hora a mais de treino ao qual o vampiro fez questão de assistir parado de pé ao lado do sensei. Entendeu que o velho era a autoridade máxima para a moça enquanto estiverem no prédio e que se ela desviasse, mesmo que por um nano segundo, das ordens desse pagaria mais algumas flexões ou abdominais. Oportunidade que o vampiro jamais perderia, lhe jogava provocações visuais e mentais durante os exercícios fazendo Integra irritar-se e desconcentrar-se o que era muito evidente em sua face, em seguida vinha a punição do sensei.

“Outra vez do início, ichi, ni, san, shi, go...”

No final, Integra entrou no carro, furiosa e ignorando a cordialidade do vampiro ao abrir-lhe a porta – pelo menos ele lhe abriu passagem para o banco da frente, Walter a punha no banco de trás como se fosse uma criança – cruzou os braços carrancuda sobre a faixa preta em sua cintura com seu nome em katakana bordado na ponta pelo próprio mordomo, normalmente ela tiraria a faixa antes de sair do prédio por respeito, mas queria esfregar na cara do vampiro que ela era apta a quebrar-lhe um braço (ou a coluna) mesmo que esse se arrume instantaneamente. O homem tomou o lugar ao seu lado nunca abandonando a maldita curvatura de lábios. Integra o observou por rabo de olho, vai sofrer até chegar à mansão.

“Assim como a esgrima” ele começou antes de ultrapassar a cancela do estacionamento “Tem aulas desde criança, não!?”

A jovem respondeu com um grunhido de quem não está com vontade de conversar.

“É raro ver minha senhora recebendo ordens” Provocou entre risos.

“É raro ver meu servo acatar a ordem que for, principalmente a de sair só com autorização” retrucou ácida.

“Verdade” ele riu rouco “Outra categoria em que minha senhora ganha se comparada com os netos e filhos daquele humanos da Távola...”

A Hellsing ignorou mesmo sentindo, no fundo, uma pitada de orgulho, afinal todos gostam de ter o ego acariciado. Alucard riu alto, sua diversão começa agora.

“É impressionante, principalmente por ser tão frágil e inocente...” fechou os olhos esperando a reação negativa da outra para com o comentário.

“O quê?” Sua dúvida foi sincera, não podia ter ouvido direito. Respirou fundo tentando manter a calma.

“É a verdade, ainda é uma criança assustada...” provocou feliz com o resultado anterior

“Não sou uma criança!” apertou o cinto em seu colo com a intenção de descontar o ódio em algo.

“Ah, mas é claro que é, mesmo passando pelo ciclo natural feminino, não deixa de ser uma menininha” sorriu de lado esperando a tempestade chegar.

“Não seja insolente!” Gritou batendo o punho no painel do veículo e saindo alguns centímetros do banco estofado.

“Mas não é uma insolência, mestre, apenas um comentário, talvez, construtivo...” tentou ficar sério, mas por dentro gargalhava lunaticamente.

“Construtivo será meu punho em sua cara” a moça trincou os dentes.

“Está vendo, nem ao menos tem a maturidade de controlar sua raiva como manda um dos lemas de sua arte marcial” Ouviu a menina rosnar ao seu lado quando parou o carro no estacionamento da mansão.

“Mais uma e vai se arrepender de ter saído das masmorras essa noite” arrancou o cinto e agarrou a maçaneta da porta notando-a trancada.

“Ora” Riu quando a mestra voltou o olhar em chamas para si “Acho que defendo seus golpes melhor do que todos aqueles alunos” abriu um maldito sorriso.

A resposta de Integra foi um forte golpe de seu punho direito que acertaria o nariz do vampiro esse não o tivesse afastado para cima e para trás. A inércia trouxe o tronco da Hellsing para junto do outro, Integra por um momento odiou a física, enquanto Alucard a adorava por sempre saber como usá-la a seu favor, dessa forma selou os lábios quentes com os seus frios. Em vez de soltar o punho fino puxou-o para mais longe trazendo a moça para ainda mais perto. A de corpo quente cravou as unhas no pescoço frio enquanto provava o gosto do servo. Sentiu o joelho bater fortemente no câmbio quando um braço frio passou-lhe pela cintura puxando-a para mais perto. Mesmo com a aproximação com misto de quente e frio não diminuiu a tensão dos músculos do braço direito que continuou estendido e apoiado pelo pulso em uma mão maior do que a sua. Os dedos finos da mão esquerda migraram para o queixo do outro, afastando os lábios com dificuldade para que sua dona conseguisse respirar. A loira continuou com os olhos entreabertos retomando o folego aos poucos, mas ainda tão perto que sentia a respiração fria próxima a maça do rosto respirou outra vez tentando retomar a voz firme enquanto o outro curvava os lábios maliciosamente.

“Amanhã você descansará no Tâmisa!”

“Oss”