Ouvi passos apressados, não eram os saltos de Jen, mas sim o som ritmado e surdo dos pés descalços de Lizzy. Me perguntei o que ela havia esquecido dessa vez ou melhor dizendo, o que ela havia perdido dessa vez.

— Papai, o senhor pegou o carregador do meu notebook? – Ela me olhou acusadoramente do alto da escada.

— Não. Aquele ali é o meu.

E em um movimento copiado da mãe, ela estreitou os olhos e pôs as mãos na cintura.

— Se eu descer aí, e ver que neste carregador tem um E escrito com um esmalte roxo, papai, o senhor vai se ver comigo!

Estiquei os olhos para o tal carregador, definitivamente tinha um E em roxo escrito ali.

— Mas onde está o meu? – Questionei de volta!

— Não sei!! – Ela me respondeu para então me olhar – Mamãe! – Sibilou.

Ela se virou correndo e saiu gritando pela mãe.

Lá vinha o embate dois do dia. Ou seria o três? Talvez o quatro, já que Jen se levantou toda enciumada hoje...

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— Mamãe!!! Mamãe!! Mãe!!!! – Ouvi a voz de Lizzy antes mesmo que ela começasse a subir as escadas. – Por que a senhora pegou o carregador do papai?

Sim, claro que ela viria em defesa de Jethro. Nas últimas semanas tudo tem sido Jethro.

— Esqueci o meu em Langley. – Respondi sem olhá-la, eu sabia que ela estava na porta do meu escritório.

— Devolve para ele!

— Estou usando!

— Eu preciso do meu carregador e o papai o pegou. Devolve o dele assim eu vou poder carregar o meu notebook! Por favor.

— Não.

— É uma emergência, mãe!!

— E aqui é a Segurança Nacional. Sean não é emergência nenhuma.

Ouvi Lizzy ofegar da porta.

— Desde quando a senhora é contra o Sean nessa casa? – Quis saber.

— Ele não é emergência. Você o verá em... – olhei o calendário – três dias. Vocês podem aguentar.

— Não acredito!!!! Eu não acredito! A senhora está com ciúmes!!!

— Elizabeth... pare de ficar fazendo conjecturas onde não existem. – Voltei meu olhar para o relatório que eu lia.

— A senhora está com ciúmes porque eu passei as últimas três semanas tentando introduzir o papai ao mundo das chamadas de vídeo e dos computadores!! E não adianta negar, a senhora está ficando vermelha e...

Elizabeth pare com essas ideias...

— Seu olho direito tremeu!! Te peguei na mentira.

— JETHRO!!! QUEM TE DEIXOU CONTAR O MEU TIQUE PARA A ELIZABETH! – Me levantei da mesa e desci as escadas. – Onde ele está, Elizabeth?

Ela, que descia atrás de mim, deu de ombros.

— Jethro, saia já desse porão!! – Ordenei.

Ele fez o que eu mandei e tinha o tal do carregador nas mãos.

— Quem foi que te deixou contar sobre o meu tique para ela? – Acusei.

Jethro, calmamente estendeu o carregador do notebook para a filha e depois me fitou.

— Eu não contei, Jen. Ela descobriu.

Encarei Liz, ela tinha os dois braços cruzados, uma sobrancelha levantada e um sorriso de canto no rosto.

— Deveria ter me deixado explicar. – Falou para mim.

— Vocês dois estão de complô contra mim! – Chiei e voltei para o meu escritório, pisando duro.

— E eu achando que o senhor era o ciumento da casa... – Liz comentou. – Ela está ganhando do senhor nas últimas semanas.

— Eu te avisei, Liz. Sua mãe sempre foi a ciumenta da casa; - Ouvi a resposta de Jethro e logo em seguida ele continuou: - Posso saber para que a senhorita quer o carregador agora?

— Chamada de Vídeo com o Sean.

Ouvi um barulho e depois o som dos passos de Jethro descendo a escada que levava ao porão.

— Ei!! Espera, isso não é justo! Eu preciso dele!!

— Nada de ficar conversando o Marine agora, Elizabeth.

E depois eu era a ciumenta...

— Mas pai... por favor!!

— Não.

E Jethro voltou para a masmorra e Liz subiu as escadas bufando.

— O que foi, Elizabeth, o papai não te devolveu o carregador? – Perguntei em tom irônico.

Ela me lançou um olhar mortal.

— Não. Ele não me devolveu. Parece que os meus pais estão dando uma crise de ciúmes atrás da outra hoje.

— Se você tivesse escolhido direito o seu favorito, ou melhor dizendo, a sua favorita, isso não estaria acontecendo. – Argumentei.

— Sério, mãe? Por acaso vocês dois estão se divorciando e me pedindo para escolher um lado? – Ela disse exasperada. – Porque é isso que está parecendo. Minha última semana em casa e estou tendo que aguentar vocês dois disputando quem tem mais ciúmes. – Explodiu, entrou no quarto e cinco minutos depois saiu carregando a bolsa. Desceu as escadas, abriu a porta e bateu ao sair.

— Parabéns, Jen. Agora você conseguiu! – Jethro gritou da cozinha.

— EU?!! Foi você quem deu o último ataque! Para onde ela foi?

— Como eu vou saber? É a primeira vez que ela sai de casa e não fala para onde está indo.

Parei no alto da escada e encarei meu marido. Por mais que me doesse admitir, talvez ele tivesse razão... eu estava tão nervosa com a ideia de Elizabeth partir que tudo o que eu fiz nessa semana foi perturbá-la e, inconscientemente, eu a afastei de mim na semana crucial, tudo porque eu não estava aguentando nem pensar no fato de que Lizzy estava deixando a nossa casa. Jethro, por outro lado, fez de tudo para que ela ficasse ainda mais perto dele, agindo como meu oposto.

Jethro me encarou de volta.

— Vai ficar calada, Jen?

— Eu não quero que ela vá. – Admiti. – Eu não quero, e não sei como eu vou me acostumar com isso, com ela longe de mim, de casa, sozinha.

Meu marido tinha sido pego de surpresa, eu podia ver isso estampado em seu rosto.

— Mas não foi você...

— Eu sei o que eu falei para você, Jethro. E aquilo continua a ser verdade, só que entre falar e ver acontecer tem um mundo de diferenças. – Respondi e me sentei no último degrau encarando a porta fechada, ele subiu os degraus de dois em dois e se sentou do meu lado. – Agora eu estou vendo o quão difícil é para quem fica... – Murmurei desanimada.

— Não é a mesma coisa, Jen.

— Não é, Jethro? Como não? Ela está indo! Elizabeth vai para faculdade e depois vai ter a vida dela sabe-se lá Deus onde. Ela não vai voltar!— Eu comecei a chorar de desespero. – Eu não voltei, Jethro. Eu fiquei anos sem pisar na minha casa depois que saí da faculdade. Eu nunca mais voltei para casa. E eu falo isso com a certeza de saber que a Elizabeth vai fazer a mesma coisa, ela é uma Shepard, no final das contas.

Jethro me abraçou apertado e disse:

— Dois motivos pelos quais eu sei que a Liz vai voltar para casa: primeiro, ela não viu o que você viu. Segundo, ela não é você, Jen. Você não tinha para quem voltar, pelo menos não naquela época, ela tem. Você estava sozinha, ela não.

Olhei para ele.

— Ela vai querer...

— Uma carreira? Família? Vai. Liz vai querer isso, e espero que nessa ordem, mas eu conheço aquela ruiva tão bem quanto conheço você. Ela, assim como você, ama demais essa família. Liz não vai nos deixar, Jen.

Ia abrir para revidar a sua defesa em prol de Elizabeth quando ele pôs o indicador na frente da minha boca, me silenciando.

— E posso te pedir algo?

— O que?

— Pare de chamá-la de Elizabeth, parece que você está com raiva dela, só porque ela cresceu.

Outra verdade. Passei a chamar minha filha pelo nome completo desde o domingo do Dia dos Pais, crendo, inconscientemente, que se eu passasse a fazer isso, talvez a despedida fosse mais fácil, seria como se eu estivesse me despedindo de uma outra pessoa qualquer, não da minha menina.

— Vai parar? – Ele queria uma resposta de qualquer jeito.

-Vou.

— Me diga só mais uma coisa.

Encarei os olhos azuis que me fitavam curiosos.

— Você, Jen, realmente achou que tentando ser a bruxa-má, tentando afastar Liz de você, iria deixar a despedida mais fácil?

— Eu não sou muito boa com despedidas, Jethro. Nunca fui, e você, melhor do que ninguém, sabe disso. – Fui sincera.

— Eu só não entendo como a tia que montou o enxoval da sobrinha, que virou a CIA de ponta cabeça quando a irmã e o cunhado foram assassinados, que desafiou as ordens dos superiores e voltou da morte, para poder ficar com a afilhada, pode estar agindo assim agora.

Envergonhada do meu comportamento, não disse nada. No fundo nem eu sabia muito bem o porquê tinha feito isso. Facilitar para mim? Não, nem isso facilitaria, a única certeza que eu tinha era que um enorme buraco estava começando a se abrir em meu peito.

Respirei fundo e me levantei.

- Tenho trabalho para fazer. – Disse sem graça e tentei dar um passo rumo ao meu escritório. Jethro me pegou pelo braço e me manteve parada ali.

— A CIA vai estar em Langley na semana que vem, Jen. Amanhã haverá mais relatórios pata você ler e assinar. Sua filha não estará aqui na semana que vem.

— E por acaso você sabe onde ela está agora, Jethro? Porque eu não tenho ideia.

— Vem comigo. – Ele me puxou pelo braço e descemos as escadas. – Acho que eu tenho uma ideia de onde ela pode ter ido.

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Parecia até brincadeira a maneira como a minha família estava se comportando nessa semana. Apesar de serem os piores, não era só papai e mamãe quem estavam estranhos, todos estavam, assim, quando tomei a decisão – impulsiva - de sair de casa para tomar um ar, eu sabia que não tinha nenhum lugar onde eu poderia ir para conversar com alguém, talvez Ducky, mas ele já tinha me prometido um jantar de despedida no sábado à noite, não quis sobrecarregá-lo ainda mais com os problemas dessa família louca que tinha.

Assim, ignorei os dois carros – até porque era fácil de rastreá-los pelo GPS, não pedi nenhum UBER, fui direto para a estação de metrô esperando que uma das paradas me desse uma pista de onde poderia ir.

Passei por inúmeras paradas, até que uma me deu uma ideia, na verdade era uma troca de linha, mas eu chegaria a um destino legal.

Mais dez minutos e eu estava pagando a entrada do Jardim Botânico dos Estados Unidos. Parecia até estranho, mas ali era um dos meus lugares preferidos desde criança. Eu adorava aquele lugar pelos perfumes e pelas cores. No verão então... a variedade de flores das mais diversas categorias e o perfume único que pairava no ar era até calmante.

Eu sabia exatamente onde iria, não precisava ficar vendo as exposições, afinal, eu já tinha um lugar preferido. A área destinada às orquídeas. Acho que herdei essa paixão da minha mãe, vai saber. Me sentei em um dos bancos que dava para um dos lagos internos e, como era a única pessoa ali, me permiti por os pés no banco e abracei os joelhos, tentando não pensar em nada, apenas aproveitar a calma e a beleza do lugar.

Alguns dos perfumes das orquídeas que estavam perto de mim me chamaram a atenção, afinal, era o mesmo perfume que estava cercando a minha casa nos últimos meses e me foi inevitável não pensar no motivo de estar ali.

Eu não tinha feito nada de errado. Um carregador não poderia ser o culpado por uma briga, ou uma quase briga... para falar bem da verdade, eu nem sabia o motivo da minha mãe estar tão estranha nas últimas semanas. Primeiro tinha sido o meu pai, agora ela. E tudo o que tinha acontecido era que eu ia para faculdade.

Não era a minha culpa se todo mundo crescia! Se eu pudesse escolher tinha parado na infância, quando as coisas eram mais fáceis...

Porém, ali estava eu, a poucos dias de me mudar para o estado de Massachusetts para ir para a faculdade. E olha que, de início, eu queria ir para a Inglaterra. Se isso tivesse acontecido, creio que pegariam as minhas coisas, jogariam na rua e me renegariam como filha...

Sem saber comecei a chorar... muitos vão pensar que era porque eu tinha brigado com o meu namorado, mas o coitado – que agora ostentava uma linda cicatriz na testa por minha culpa – dessa vez não tinha feito nada. Eu estava infeliz com tudo, morrendo de medo do que me esperava e sem saber como agir caso algo desse errado.

Sim, eu estava mais perdida do que cego em tiroteio, afinal, nos últimos treze anos eu sempre tive um batalhão de pessoas me protegendo de tudo, até mesmo das mudanças climáticas se fosse possível. E agora eu me via praticamente sozinha em um lugar completamente desconhecido. Ou melhor, quase lá.

Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Não foi isso que o Tio Ben disse para o Peter Parker? Eu não tinha poderes sobre-humanos, mas era quase a mesma situação, adaptando as diferenças. Estavam me dando a liberdade para escolher o que eu queria da vida, e com essa liberdade, vinha a responsabilidade de ser alguém, alguém digna da confiança depositada em mim...

Será que eu conseguiria fazer isso?

Procurei nas flores e no céu por alguma resposta. Não achei nenhuma. Talvez tenha achado só uma dor de cabeça por ter ficado no sol ou talvez era porque eu estava chorando mesmo no final das contas.

Pensei em sair dali e dar uma volta por um dos muitos parques que tem em D.C. e depois ir para a casa, mas a sensação de paz que esse canto do Jardim me dava era tanta que poderia ficar ali por um bom tempo. Com todas aquelas orquídeas era como estar sentada no jardim de trás da minha casa, só que com a vantagem de se ter um clima bem mais leve.

Coloquei minha bolsa por baixo da minha cabeça e me deitei no banco, eu sei que se algum segurança passasse por ali e me visse, iria chamar a minha atenção, contudo, enquanto ninguém aparecesse eu poderia aproveitar o que, talvez, fosse os últimos momentos de paz da minha vida.

Meu celular começou a vibrar, tirei a coisinha do bolso. Três mensagens. Sean.

Ele poderia esperar. Nada de grave estava acontecendo.

Com o celular na mão e ignorando as mensagens do meu namorado na barra de notificação, comecei a passar pelas fotos que tinha ali. Tirando as fotos dos crushs das séries e filmes, a quem eu jamais conheceria, eu tinha muitas fotos da minha família. Nos mais diferentes momentos...

Voltei até uma foto antiga... talvez a primeira foto que eu tenha colocado ali. Meu pai e minha mãe, os biológicos, no dia do casamento deles. Me perguntei se eles estariam agindo dessa mesma forma nesta semana se estivessem vivos... era impossível de se dizer. Eu não lembrava muita coisa deles.

A próxima foto era a foto da minha tia, hoje minha mãe, e daquele que eu aprendi a chamar de pai, talvez uma foto tão velha quanto a primeira, a julgar que os cabelos da minha mãe estavam mais vermelhos e os de meu pai ainda tinham muitos fios castanhos escuros.

Peguei as duas fotos e coloquei lado a lado. E me perguntei como a maioria das pessoas nunca percebeu que eu sou adotada... pois as diferenças entre os dois casais eram impressionantes... tirando os cabelos ruivos das Shepards, não sobrava muito para comparação. E eu me perguntei como saí tão parecida com a minha tia.

Desisti da comparação e passei para a próxima foto. Meu aniversário de seis anos. Eu, papai, toda a equipe e Ice. No meu colo a mais nova adição da família, Ginger. Senti saudades daquela gata doida e ri, me lembrando do dia em que ela deu uma corrida no Diretor Vance... ela era mais brava do que muito cachorro por aí.

Mais algumas fotos e ali estava eu, aos oito anos, vestido verde rodado com um laço na cintura, parecendo uma boneca, e papai do meu lado. Ah, essa compra do vestido foi engraçada, talvez um dos melhores dias da minha vida... ou poderia ser semana... afinal, como tudo acabou...

E a próxima foto mostrava o que era a minha família hoje. Sem as crianças ainda, mas lá estavam todos. Os anos foram passando e mais gente foi chegando, Tali, Morgan, John, Victória, Nick... Sean. Era uma família bem eclética se se olhasse os gostos por roupas, mas uma coisa todos tinham em comum: o amor.

E lá fui eu chorar de novo. Me sentei só para poder ver se eu ainda tinha aquele pacotinho de lenços de papel na bolsa, estava tão concentrada na minha busca que só me dei conta de que não estava mais sozinha quando levantei a minha cabeça e vi papai e mamãe ali, de pé na minha frente.

Mamãe não falou nada, só me abraçou como se eu tivesse saído de casa há semanas e não há um par de horas. E para meu total espanto, ela começou a chorar também. Vê-la chorando me fez chorar ainda mais, e nem sabia o motivo.

Papai, calado como sempre, se sentou do meu lado e passou um dos braços pelos meus ombros, me levando, e consequentemente, levando mamãe também, para perto dele.

— Me desculpe, Lizzy. – Mamãe me disse. – Será que você pode perdoar o meu comportamento?

Achei aquele pedido de desculpas muito estranho. Eu sei que ela estava nervosa com a minha iminente mudança, mas daí a vir pedir desculpas?! O que estava se passando na cabeça dela? Mas mamãe esperava uma resposta minha e eu falei o que ela queria ouvir.

— Sim... mamãe... mesmo sem saber o porquê. – Fui sincera.

Ela me abraçou ainda mais apertado, dizendo a segunda coisa mais sem sentido que eu ouviria hoje:

— Você entenderia se eu te dissesse que eu fui apenas mãe?

Fiquei sem responder. Acho que tudo isso era ainda mais profundo do que eu saberia explicar ou conseguisse entender.

Papai me salvou de uma dor de cabeça ainda pior ao explicar a frase complicada de mamãe.

— Sua mãe não é boa com despedidas, Liz.

E tudo fez sentido.

— Ah... – Olhei para minha mãe que ainda chorava.

— Nem eu... – E dessa vez quem deu o primeiro passo para o abraço fui eu.

— Sabe... – Mamãe olhou em volta. – Engraçado você ter escolhido justo esse lugar.

Eu levantei a sobrancelha, foi papai quem expressou a pergunta em voz alta.

— Por que, Jen?

— Por dois motivos. Foi neste lugar que eu vim quando me vi forçada a sair do NCIS. Fiquei aqui quase o dia inteiro depois que saí do cemitério e testemunhei o meu falso sepultamento. Aqui foi o único lugar em toda Washington onde eu consegui pensar. E mesmo assim eu soube que estava fazendo a coisa errada. Chorei como nunca sentada nesse mesmo banco.

Olhei sem acreditar no que ela dizia.

— O segundo? – Pelo tom de voz e pela cara de papai, ele não gostava de se lembrar daquele dia.

Mamãe me abraçou para contar essa história.

— Antes de fingir morrer, – Ela começou e a expressão de papai ficou ainda mais fechada. – eu te vi por poucos dias. Vinte um contados no calendário. – Seus olhos e seus pensamentos estavam longe dali. – Depois, eu fui mandada para fora do país, mas jamais deixei de saber se vocês – ela apontou tanto para mim quanto para papai – estavam seguros. Um dia recebi a notícia de tinham te encontrado. – Falou comigo. – Não pensei duas vezes e voltei para o país, mesmo contra as ordens do meu Diretor de operações. Fiquei duas semanas por aqui, na primeira semana, eu só observei você de longe, via Heather ou James levá-la ao parque que tinha perto da sua casa para brincar. Na segunda semana, eu não resisti, quis te ver de perto, assim, me disfarcei e me sentei ao lado de James que nunca me reconheceu. Uma hora, você veio correndo e tinha uma orquídea branca em suas mãos. Disse que era para a sua mãe. James disse que sua mãe não iria gostar, e você ficou sem entender. Tombou a cabeça do mesmo jeito que está fazendo agora. Seu pai te explicou que a orquídea era a minha flor preferida, não a de Heather, e você, na mesma hora, quis levar para mim. – E mamãe limpou uma lágrima que caiu. – Seu pai te disse que vocês não iriam me visitar naquele dia e você pareceu conformada, mas nunca deixou a orquídea de lado. Minutos depois, ele precisou sair para atender a um telefonema e me pediu para tomar conta de você.

— A senhora era a... – Olhei incrédula para ela.

— Sim... era eu.

Papai se mexeu desconfortável ao meu lado. E mamãe tratou logo de explicar.

— Nesse dia, Jethro, eu entreguei para Lizzy uma caixa de madeira, meu distintivo do NCIS e a foto que até hoje está no criado dela.

Ele abriu um sorriso como se ela só tivesse confirmado as suas suspeitas.

— Mas o que esse lugar tem a ver com isso tudo? – Perguntei.

— Você me prometeu guardar os objetos e não contar para ninguém, logo em seguida, seu pai voltou e disse que era hora de vocês irem para casa. Na sua pressa de acompanhar James, você deixou a orquídea branca para trás. Eu a peguei.

— Não deve ter durado muito, pois são flores delicadas. – Comentei.

Mamãe me olhou como se quisesse que eu dissesse algo muito mais inteligente do que isso. Eu não sabia o que falar e a encarei de volta.

— O peso de papel que está na sua sala. Uma orquídea branca no meio do vidro. – Papai falou.

Eu não me lembrava da orquídea e nem ter pegado uma naquele dia. Me lembrava da caixa porque eu a guardei por todos estes anos. E me surpreendi que minha mãe tivesse tido o cuidado de guardar uma flor por todos estes anos.

— Sim. Era um presente que você queria me dar e, mesmo que você não tivesse me entregue do jeito que você imaginou, eu fiquei grata. A única maneira que eu encontrei de fazer com que o presente durasse por muito tempo foi aquela que hoje está na minha sala.

— A senhora guardou a orquídea por todos estes anos porque era...

— Até aquele momento e por mais alguns anos na frente, foi o primeiro e único presente que você tinha me dado. Eu não saberia quando te veria de novo ou se te veria de novo, Lizzy.

Pensei em todas as reviravoltas que minha vida deu desde daquele dia.

— Ice e Ginger? – Perguntei.

— Fui eu.

— Por que a senhora nunca apareceu? Nunca me falou nada?

— Porque eu sabia que não conseguiria ir embora. Como seu pai te falou, eu sou péssima com despedidas. E não queria te magoar caso eu prometesse voltar e não voltasse. Eu já tinha magoado gente demais àquela altura para fazer isso com você. – Ela encarou meu pai nos olhos.

Desviei os olhos da minha mãe e os voltei para o meu pai.

— O senhor sabia?

— Desconfiei desde o momento em que você me mostrou a caixa, o distintivo e a foto. E quando você me contou como Ice apareceu na sua casa. Sua mãe me confirmou anos mais tarde.

Isso explicava tanta coisa....

— Só uma última pergunta, antes que tenhamos que sair daqui porque já está para fechar... – Pedi.

Mamãe me encarou, como que esperando.

— Por quê? Por que deixou aquilo comigo, se a senhora não tinha a intenção de voltar?

— Egoísmo. Eu queria que alguém se lembrasse de mim, mesmo que nunca tenha me conhecido, caso algo acontecesse de verdade e, também, era uma forma de me fazer voltar. De colocar na minha cabeça a esperança de que “quem sabe um dia” eu poderia te encontrar pessoalmente, Liz. Afinal, eu era e ainda sou a sua madrinha. Lógico que eu jamais imaginei a reviravolta que aconteceria alguns anos na frente e muito menos a decisão que Jethro tomou. Mas sou e serei eternamente grata por ele ter tomado a decisão de te adotar. – Ela falou sorrindo olhando para o meu pai.

No fim das contas, nós duas devíamos o nosso reencontro a ele.

— Eu também! – Falei e, como estava mais perto, foi mais fácil de dar um beijo na bochecha dele.

É claro que isso teria uma consequência, como mamãe sempre dizia, era um perigo dar tanta corda para ele.

— Se não sou eu, o que seria de vocês duas? – Ele perguntou todo convencido.

— Às vezes eu realmente me arrependo de ser tão sincera do seu lado, Jethro. – Mamãe falou com um revirar de olhos.

E lá vamos nós de novo!

Para a minha sorte, ou papai estava de muito bom humor ou ele realmente não ia ligar para qualquer provocação de mamãe, então resolvi aproveitar os últimos minutos dentro do Jardim. Já estava tarde e um pouco mais fresco, era fácil de aproveitar ainda mais a paisagem, sob a luz do crepúsculo. Acontece que cedo demais anunciaram que estavam fechando, que era para todos os visitantes se dirigirem para a saída.

Fazer o que, né? Mas ainda deu para ver alguns dos estandes e mamãe me contou a história de quando ela tropeçou em uma das escadas e acabou caindo em cima de um dos guardas.

— Quantos anos a senhora tinha?

Ela soltou uma gargalhada.

— Eu já tinha sido empossada como Diretora do NCIS quando isso aconteceu. Na verdade, eu vim aqui depois de uma reunião desastrosa no Capitólio, para poder esfriar a cabeça e me convencer que não valia a pena matar aquele congressista e toda a corja dele. Acontece que eu estava tão nervosa que não notei um degrau, quando eu vi, era tarde, saí cambaleando até cair em cima de um dos guardas.

— E alguém te reconheceu?

— Não. Tinha pouco tempo que estava na frente da agência. Mas eu nunca esqueci o vexame. Nem o guarda, pois todas as vezes que eu entrei aqui nos próximos anos ele sempre me alertava para ficar de olho nas escadas.

Comecei a rir, era bom saber que eu não era a única desastrada do trio.

— Ah! Ducky me ligou e pediu para mudar o dia do jantar... tudo bem para você? – Mamãe agora não parava de falar.

— Para quando?

— Sexta-feira. Disse que seria melhor para você se você pudesse dormir de sábado para domingo.

— E quando é que eu vou contra as ordens do bom doutor, mamãe? – Brinquei.

O restante da semana passou depressa e bem mais calmo. Mamãe tirou uma folga da CIA e papai, que já estava começando a passar o comando da equipe para Tony, fez o mesmo. E entre uma visita a algum lugar que tinha uma história especial para um de nós e um longo dia a bordo do Jenny para nos despedirmos do verão, chegou a sexta-feira.

Como minhas coisas já estavam arrumadas, mamãe quis dar um último passeio, ela queria ir até a rua mais badalada de Washington, e se sentar em um café de esquina. Papai começou a sorrir só de olhar o local onde ela se sentara. Eu tentava entender o motivo de estarmos ali.

— Você realmente não se lembra daqui? – Papai me perguntou depois de fazer o pedido.

— Deveria?

— Talvez ela não se lembre, Jethro, porque ela estava comprando o vestido dela e não viu o seu sofrimento enquanto você ficava sentado aqui, neste mesmo lugar, tendo que concordar com a falação do Tony e do Tim.

— Ah!!!! – Gritei!! – É claro!! Foi nessa rua que eu comprei o vestido! Não me diga que a senhora também estava neste dia.

— E eu, Lizzy, perderia a chance de ver o seu pai neste calvário?

— Por quanto a senhora esteve escondida?

— Dois anos, Jethro? – Ela pediu por confirmação.

— Algo assim.

— E a senhora ia lá em casa?

— Sempre. Só que você nunca me via.

— Viu uma vez. – Papai comentou.

Céus... minha mãe tinha sido uma espécie de anjo da guarda para mim...

Mas essa não seria a nossa conversa, puxei a língua dos dois para um outro ponto, já que estávamos em um café...perguntei sobre o tempo dos dois na França. Foi o que bastou para mamãe voltar ao passado e começar a contar a história, editada em algumas partes, mas mesmo assim, a história. Para a minha surpresa, uma hora depois, Sean apareceu e se sentou conosco, enquanto os dois ainda contavam seus momentos de vida e morte na Europa.

Como tudo na vida, até isso acabou. Era hora de pagar a conta, voltar para casa, me arrumar porque Ducky nos esperava.

Eu já sabia que todos iriam, sem exceção. Primeiro, porque ninguém perdia a chance de comer de graça nessa família, e segundo, eles também não perderiam a última vez, em sabe-se lá quanto tempo, de ter todo mundo junto.

Quando chegamos, todos já estavam por lá. As crianças corriam no gramado dos fundos, com os dois corgis mais novos, Ziva e Tony discutiam sobre alguma coisa, Abby queria experimentar uma receita de uma das suas muitas tias, Tim e Delilah estavam vigiando as crianças, Jimmy falava qualquer coisa sobre a sobremesa não poder ter açúcar, pois faria mal para as crianças e Breena revirava os olhos discordando e, por fim, Nick e Ellie estavam em sua bolha particular. Mas bastou que nós tocássemos a campainha para todos virem na minha direção e me abraçarem ao mesmo tempo.

— Eu....não...respiro! – Murmurei.

E eles deram um passo para trás.

— Obrigada. Adoro um abraço em grupo, mas não quero morrer em um.

E passei a cumprimentar um por um, depois fui arrastada para a cozinha para ajudar Abby com as sobremesas e ouvi John chamar papai e Sean para jogar bola no quintal, ele já estava cansado de ser o único menino ali e não queria brincar de "coisa de menina". Na mesma hora, Nick, Tony e Tim se juntaram e foram arremessar bolas.

Ducky já tinha deixado tudo mais ou menos preparado e insistia que eu não deveria fazer nada, porém, ele deve ter se esquecido de que eu já estava mais do acostumada a ajudar nesses jantares. Mamãe também tinha sido dragada para a cozinha e ficamos por ali, conversando e beliscando um ou outro pedaço das comidas enquanto o jantar não era posto na mesa.

É claro que demorou mais tempo para todos se sentarem em volta da mesa e ficarem quietos para ouvir o que Ducky tinha para dizer do que levamos para comer, mas na hora que ele começou falar, me elogiando, tudo o que eu consegui fazer foi ficar vermelha, o que divertiu Tony ao ponto de papai ter sido obrigado a dar um sonoro tapa na cabeça dele.

Depois dessa, começaram a falar como era a universidade na minha cabeça... claro que teve partes que eu preferia que tivessem editado, ainda mais quando Tony soltou:

Strip Pong não vai ser tão divertido assim pra você, Liz, afinal você já entra na faculdade com namorado...

— Depois as pessoas aparecem mortas e a família se pergunta o motivo... – Sean murmurou e pela primeira vez papai concordou com alguma coisa que ele dizia. Eu só soube ficar ainda mais vermelha e me concentrar na minha taça de sorvete.

Depois desse vexame, o restante do jantar foi tranquilo, as conversas seguiram rumos muito menos constrangedores e todos, inclusive as crianças, participaram. Quando acabamos, ajudei Ducky a retirar a mesa e lavar as vasilhas, não pude ficar até que terminássemos porque Victória, Tali e Morgan começaram a me chamar insistentemente.

— O que foi? O que aconteceu? – Perguntei.

— Você tem que vir com a gente, Lizzy! – Victória disse.

Tali e Morgan só confirmaram com a cabeça.

Isso devia ser algum tipo de código, pois na mesma hora, Ducky deixou as vasilhas de lado e foi para a sala.

Desconfiada do que pudessem ter aprontado, segui as meninas, assim que entrei na sala vi que algo iria acontecer, só pela expressão de todos, Abby era a mais ansiosa e batia suas botas plataformas sem parar.

Victória me puxou pela mão e eu acabei me sentando do seu lado no chão. Tali se sentou do meu outro lado, e Morgan veio e, sem cerimônia, se sentou no meu colo, as três meninas sorriam.

— Tudo bem, isso está estranho. – Falei, sem comprar as carinhas de anjos das meninas.

— Não tem nada de estranho aqui, Liz... – Tali falou. – Só queremos você aqui na sala com a gente.

— O que você prometeu para a sua filha, Tony? - Acusei o meu agente preferido, Tali não age assim normalmente.

— Vamos parar logo com o suspense!! – Abby choramingou e desabou ao lado de Tali no chão.

— Concordo com a Abbs. – Ellie falou.

— Eu sabia que não iria passar incólume por essa noite.... – Murmurei.

Sean, que estava no sofá atrás de mim, só sussurrou:

— Tenho certeza de que vai gostar, só não vale chorar.

Então até o traíra estava nesse complô... bom saber. Fiz uma nota mental de devolver o favor mais tarde.

— Tudo bem.... vamos começar antes que as meninas explodam de ansiedade. – Breena disse.

Foi Delilah quem tirou uma caixinha de dentro da sua bolsa que estava dependurada em sua cadeira de rodas e me entregou.

Um presente... por essa eu não esperava.

— Não vai abrir? – Morgan me perguntou com os olhinhos brilhando.

— Morgan!! – Tim chamou a atenção da filha.

— Me desculpe. – A pequena ficou toda vermelha.

— Alguma dica antes? – Perguntei balançando a caixinha.

— Só abra! – Claro que Ziva perderia a paciência.

Abby ficou ainda mais agitada perto de mim, agitando Tali no processo. Até minha mãe batia o pé nervosamente.

Desembrulhei a caixinha e vi uma caixa de joias.

Ai senhor... o que eles tinham aprontado dessa vez?

Victória ao meu lado ficou de joelhos para ver melhor o que tinha dentro, e pelo visto ela sabia muito bem o que era. Delilah chegou com a cadeira mais perto, Breena se sentou na beirada do sofá e Jimmy a acompanhou, até John quis ver de perto. Nas minhas costas, mamãe se ajeitou para mais perto de mim e Sean batia os pés.

Levantei a tampinha da caixinha e achei, bem colocada no meio da almofada, uma pulseira repleta de berloques. Victória ao meu lado pulava nervosa.

Tirei a joia de dentro da caixinha e observei os berloques, a extensão da peça estava praticamente tomada por eles. Mentalmente contei quantos eram e depois me dei conta que era praticamente um berloque representando cada um dos que estavam ali.

— Agora descubra qual berloque é de quem! – Tali me desafiou.

— Bem... – Olhei para a pulseira.

O primeiro berloque era uma pedra azul, o último, uma verde, fiquei sem entender esses aí. Mas aí começavam as pecinhas. Uma bonequinha de cabelos loiros.

— Vic, esse é o seu. – Mostrei a bonequinha. Ela riu contente por eu ter encontrado o dela e me deu um abraço.

— Eu que escolhi. – Disse toda feliz.

— Obrigada!

Se começava com Vic, presumi que o seguinte deveria ser de Breena. E um sorvete me lembrou que quando ela estava grávida de Vic, ela vivia me levando para tomar sorvete, me usando de desculpa para que Jimmy não soubesse desse seu desejo.

— O sorvete, Breena. E esse aqui – apontei para o cachimbo. – Para o membro dos Sherlocks que temos presente. Você Jimbo!

Vic ficou em êxtase por ver a família dela representada ali.

— Muito obrigada, Jimbo, Breena e Vic! – Abracei a menina que estava do meu lado.

O próximo foi o mais fácil.

— Abbs.... – Falei e mostrei o morceguinho. – Batemos as mãos comemorando.

E eu ri dos próximos quatro.

— Esses aqui... máquina de escrever, você Tim! – Morgan no meu colo começou a pular inquieta. – Esse notebook cheio de desenhos, Delilah! – John deu um passo e parou na minha frente, os olhinhos verdes brilhando. – USS Enterprise... Quem será? – Olhei para ele que me sorriu feliz. – Vida Longa e Próspera John McGee!! – Fiz o símbolo da série e ele me respondeu do mesmo jeito. – Por fim, a Princesa Lea... será que esse aqui é da.... – Comecei a fazer cosquinhas em Morgan.... – Princesa Morgan?! – Ela ria sem parar.

— Sim.... é o meu.... mamãe me deixou escolher!!

— Obrigada! – Olhei para os quatro.

Parei no seguinte, na verdade, nos dois que indicavam mais ou menos a metade dos berloques.

— Preciso falar de quem é esse? – Mostrei o seguinte, que era um veleiro.

A risada foi geral.

— Não dava para fazer a miniatura do porão, né? – Tony brincou.

— Papai, até o senhor está aqui... não adianta reclamar! – Falei olhando para ele. Como sempre, papai só me respondeu com um menear de cabeça.

E lá fui eu para o próximo.

— Mamãe... – Me virei na direção de minha mãe e encarei a orquídea que a representava ali. Depois do que ela me contou nessa semana, não tinha representação melhor.

O próximo. Eu tive que rir. Um taco de beisebol, achei a brincadeira engraçada.

— Interessante, até um Desastre de Namorado está aqui!! – Brinquei. Senti um chute nas minhas costas e revidei dando um beliscão na perna de Sean... Sim, esse berloque era dele.

O próximo, eu só não caí na gargalhada porque seria falta de educação.

— Nick Torres e seu Cisne interior. Bem apropriado. – Falei séria, mas me lembrava da cara de papai quando ele nos contou a infame frase de Nick.

— Um pacotinho de salgadinho apimentado... Eleanor Bishop... você vai voltar para a faculdade! – Brinquei com ela e Ellie fez cara de desespero.

Observei o livrinho... e o escrito “Uma vez, quando eu...” – Tive que sorrir, e para ele eu me vi obrigada a levantar e agradecer.

— Obrigada Ducky!! Vai ser ótimo lembrar de suas histórias no meio de uma aula chata!!

E os últimos três. Fácil de prever.

— Tony... uma câmera de cinema dos anos 60?! Mais óbvio que isso, só o barco!!

— Assim como não cabia o porão do seu pai, não cabia a minha coleção de DVD... – Ele respondeu brincando.

— Bobo. – Comentei. Nessa hora, Tali já estava de pé ao lado da mãe e sorria abertamente.

— Ziva David.... acho que roubaram o pingente do seu cordão para colocarem aqui. – Disse.

— Foi por uma boa causa. – Ela me disse.

Todá Rabá!*— Respondi tocada. E Ziva me abriu um sorriso.

Se os berloques começaram com Victória e sua bonequinha loira, terminaram com uma bailarina que só podia ser...

— Seria essa bailarina, você, Tali David-DiNozzo?

E a garota só fez uma reverência perfeita na ponta dos pés me agradecendo.

— Eu amei o presente. – Falei ainda encarando cada um dos berloques, sabendo que cada um tinha escolhido o que mais os representava não só pessoalmente, mas que tivesse uma história envolvida. – E vai ser ótimo poder carregar um pedacinho de cada um de vocês comigo. – Tive que parar ou ia começar a chorar. Na mesma hora fui abraçada por Vic, Tali, Morgan e Abby. John pulou perto da irmã, a afastou de mim e me deu um abraço apertado. – Obrigada!! - Falei para ele.

Assim que os cinco me soltaram, passei por cada um agradecendo o mimo. Eles não precisavam me dar nada disso, contudo, eu tinha adorado a surpresa!

Quando abracei Jimmy, ele chorava mais do que eu.

— O que foi? – Uma chorona perguntando para um chorão.

— Me lembrei que a próxima vai ser a Victória. – Ele disse entre lágrimas e ouvi a risada de Breena.

— Pare de sofrer por antecipação, Jimmy. – Ela falou.

Dei um tapa atrás da cabeça dele e só confirmei:

— Escute o que ela está dizendo!!

E Jimmy sorriu. Assim estava muito melhor.

Depois de abraçar mais de mil vezes cada um e ainda ser obrigada a brincar com as meninas no jardim, chegou a hora de irmos embora.

— Não pense você, Liz, que vai ficar livre de nós porque não vai. Se você não vier nos ver, vamos atrás de você! – Tony me ameaçou depois de me abraçar apertado antes de ir.

— Não vai passar lá em casa amanhã? – Perguntei, ainda estava muito cedo para dizer adeus para ele.

— Acho melhor deixar o dia exclusivamente para o Chefe e a Jenny. Eu sei que eu vou querer isso quando for a vez da Tali.

— Tudo bem... – Abracei-o de volta. – Vou sentir saudades de você Agente Muito Especial Anthony DiNozzo.

— Não tanto quanto eu vou sentir a sua falta falando na minha cabeça, Elizabeth. E você já sabe, qualquer problema, pode me ligar!

— Eu sei sim!

Tony deu um beijo no alto da minha cabeça e foi para o carro.

Tim e Delilah vieram logo em seguida e eu comecei a chorar, porque Morgan, começou a chorar, dizendo que ela não queria que eu fosse embora.

— Ela vai voltar filha, só está indo estudar.

— Estuda comigo... tem lugar na minha sala... – Ela falou entre lágrimas.

— Vamos combinar uma coisa. – Falei tanto para Morgan quanto para John que estava quietinho agarrado à perna de Tim. – Vamos sempre nos ver pelo FaceTime e assim poderemos estudar juntos, tudo bem?

Os gêmeos assentiram. E Delilah teve que apressá-los senão era bem capaz de nenhum dos dois saírem dali.

Abby parou na minha frente.

— Eu estou muito feliz que você esteja indo para a melhor faculdade do país e não para a Inglaterra como você queria. – Ela começou. – Mas ao mesmo tempo estou triste porque você vai estar a oito horas de carro daqui, ou a duas horas de avião.... Não vou dizer adeus porque isso não é um, vou te dizer até logo, Liz!! Porque nós vamos nos ver sempre!! – E me pegou em um abraço de urso que eu juro que trincou uma das minhas costelas.

Nick não era tão sentimental, assim ele só me abraçou e me pediu para não fazer nada que ele não faria.

— Pode deixar, Nick! – Falei.

Ellie me abraçou apertado.

— Vou sentir falta de você, Pimenta! Por favor, mantenha contato!! Eu não sou uma das suas amigas de escola que vai sumir, eu posso rastrear o seu celular e contar para os seus pais onde você está e o que está fazendo.

— Depois dessa ameaça nada sutil, eu vou te mandar até bom dia, boa tarde e boa noite. Igual aquelas tias nos grupos do WhatsApp. Credo em ter você como inimiga, Ellie!

— Falando sério, boa sorte!!

— Obrigada!

E agora só restava Ducky, o anfitrião.

Agradeci o jantar e o presente novamente.

— Minha criança, por mais que eu esteja orgulhoso de saber a incrível jovem que você está se tornando, não posso dizer que não sentirei falta das suas visitas a mim. Aproveite essa fase como você aproveitou a todas as outras, e nunca se esqueça, sempre que precisar – ele levantou o meu pulso onde a minha família estava representada de forma bem peculiar – estaremos todos aqui para te ajudar.

— E lá vou eu chorar de novo! – Falei quando o abracei.

— Ah, Elizabeth... não chore. É motivo de comemorar! – Ele retribuiu o abraço. – Agora vá descansar e aproveite o último dia ao lado dos seus pais e de Sean.

— Eu vou... – Falei ao me virar para o carro.

E eu aproveitei o dia... sim... ficando em casa sentada perto dos meus pais e do meu namorado, fazendo absolutamente nada a não ser jogando pôquer – perdi vergonhosamente é claro, mas foi hilário ver quem blefava melhor, mamãe ou papai.

Como por milagre, papai não implicou com a presença de Sean, mas não conteve a alegria ao humilhá-lo no pôquer. Eu que não reclamaria...

Mas tudo que está bom, acaba... e lá ia para a minha última noite em casa. Prolonguei o momento ao máximo, mas tinha que madrugar para pegar o voo cedo, foi Sean o responsável entre nós dois.

- Vou indo, amanhã te vejo cedo. – Ele disse ao me cutucar nas costelas.

Levantei a contragosto do sofá para levá-lo até a porta.

— Não precisa madrugar... é sério. – Falei com ele assim que nos sentamos no passeio.

— E perder a despedida?

— No aeroporto? – Perguntei intrigada.

— Quantas vezes você já fez isso, Liz? Se levantou cedo e foi comigo até o aeroporto?

Dei de ombros, foram várias as vezes.

— Eu só estou fazendo por você o que você fez por mim.

— Mas eu não vou poder fazer isso quando for a sua vez.

— Eu vou pegar o voo cedo para a Califórnia amanhã. Se não me engano, uma hora depois que o seu decolar...

— Então eu vou estar ainda mais na Costa Leste enquanto você está na Costa Oeste? – Era impossível não pensar em tamanha distância.

— Deu certo até agora. Vai continuar dando. – Ele me deu um beijo. – É só você não me trocar por nenhum filho de político. – Brincou.

— Claro... como se meu pai fosse gostar. Tenho certeza de que ele prefere um Marine que ele pode ameaçar, do que qualquer um que ele só chamaria de engomadinho.

Sean riu.

— Pelo menos estou um patamar acima dos políticos. Já é alguma coisa. – Ele se levantou e me estendeu a mão. – Até amanhã Liz. E tente não chorar a noite inteira.

— Fácil para você falar, durão. Eu sou uma manteiga derretida.

— E eu não sei disso? – Ele me puxou para um beijo daqueles. – Vai sonhar comigo?

— Se eu conseguir dormir, tenho certeza de que vou ter pesadelos. Que me perdi no campus, cheguei atrasada na aula, qualquer coisa desse tipo... sonhar com você seria uma benção.

— Então reze para sonhar comigo!! – Ele brincou, me deu mais um selinho e esperou que eu entrasse.

— Sabe, você é muito convencido!!! – Brinquei, roubei mais um beijo e fui para dentro ao som da gargalhada dele. Cheguei na porta e esperei que ele entrasse para poder fechar a minha.

Claro que meus pais estavam na sala, mas a essa altura, eu já nem ligava mais, não tinha como passar dos limites sabendo que eles estavam ouvindo.

Ia fazer mais um pouco de hora, mas papai me lembrou do horário que eu tinha que levantar para me arrumar e eu fui tomar banho.

Dizer que dormi é inútil, eu não preguei o olho... cochilei na verdade, mas não sonhei, nem com a faculdade, nem com Sean ou qualquer outra coisa.

Antes que meu despertador tocasse, me levantei, tomei um banho, me olhei no espelho e parecia um panda... um panda ruivo, olha que animal exótico.

Sem mais nada para fazer, desci a escada, e comecei a preparar o café, um café de verdade, com panquecas, suco, café, Nutella e tudo o que eu tinha direito. Meus pais só desceram quando tudo estava pronto e me olharam abismados.

— Não consegui dormir.... e achei que se tomasse um remédio não seria ninguém hoje. – Dei de ombros.

Eles aceitaram de bom grado a oferta e depois me ajudaram a arrumar a bagunça. E cedo demais era hora de ir para o aeroporto.

Minhas três malas e minha imensa mochila já estavam no hall de entrada, era só colocar no carro. Nem abri a porta direito e Sean já estava pegando uma mala. Deixei que ele fizesse, era menos peso para mim e para mamãe carregar.

Era hora da verdade... olhei para a casa que eu chamei de minha nos últimos treze anos e pensei em dizer adeus. Porém, lembrei do que Abby havia dito.

— Até logo. – Murmurei quando tranquei a porta.

O dia nem tinha amanhecido quando entrei no carro e papai começou a dirigir para o aeroporto.

Foi uma viagem silenciosa, Sean segurou a minha mão e eu não sabia o que dizer, ou não conseguia encontrar as palavras certas.

Assim que avistei o aeroporto, meu estômago se contorceu. Mais três horas e eu estaria longe de casa.

Fizemos o check in, despachamos as malas, passamos pela segurança. Sala de embarque.

Estava nervosa demais para ficar sentada, assim comecei a zanzar perto das janelas, ainda era cedo e tinha pouco movimento. Sean ficou do meu lado... era bom aproveitar os últimos momentos juntos.

Mandei uma mensagem para Elena, desejando a ela boa sorte e, depois, foi como se todos os meus familiares soubessem que eu estava com o celular na mão, passei a receber inúmeras mensagens, vídeos das crianças – Morgan e John fizeram questão de me mandar. – Ellie me mandou aquele bom dia ridículo estilo "Tia que levanta cedo para ficar a toa". Eles eram doidos... respondi a todos e depois fiquei passeando com Sean pela área de embarque. Nem ele, que é um pouquinho mais falante, estava para conversas hoje. Então, só ficamos de mãos dadas. A certa altura, ele me puxou para um par de cadeiras que estavam vazias em um canto bem calmo do lugar.

— Que foi? – Acho que essas eram as primeiras palavras que eu dizia a ele hoje.

— Eu não tenho muito tempo, seu voo sai daqui a pouco, mas Liz... – Ele me encarou e eu o olhei de volta, seja o que fosse que passava pela cabeça dele, ele não conseguia expressar direito.

— Sim... – Tentei encorajá-lo.

— Eu sei que você ficou preocupada quando eu fui para a Califórnia... até ficou um pouquinho ciumenta demais... e não posso negar que, na época, achei que você estava exagerando. Acontece que hoje eu sei o que você estava sentindo.

— Aonde você quer chegar com isso?

— Isso aqui não é o que você está pensando. – Sean me estendeu uma caixinha e eu arfei. – Sei que nós dois somos novos demais e se eu te pedisse em casamento hoje, seu pai me jogaria em uma dessas turbinas de avião. Mas... eu queria que você ficasse com ele. Não precisa usar no dedo, eu aceito até que você o use junto com isso – ele puxou a dog tag que ele tinha me dado no baile de inverno. – Eu não me importo, eu só queria que usasse.

Ia pegar a caixinha na mão dele quando notei que ele usava a mesma aliança na mão direita.

— Desde quando esta aí? – Perguntei surpresa.

— Ontem à noite.

— Eu não reparei. – Falei confusa.

— Coloquei depois que sai da sua casa.

— E ela vai ficar aí? – Perguntei incrédula, pegando a sua mão direita.

— Vai. Mesmo se eu estiver em missão.

— Sean, o que você não está me contando?

Ele respirou fundo.

— Iraque.

— De novo?!

— Sim.

— Quanto tempo? – Minha voz subiu umas três oitavas e ele teve que controlar.

— Não sei.

— Você sabe!

— Confidencial.

— Preciso dizer que eu já estou cheia desse negócio de confidencial?

— Não. Eu sei disso... mas essa é a verdade.

— Mas por que agora?

— O que?

— Essa aliança? Isso é tão perigoso assim?

— O de sempre. E...

— E... o que Sean?

— Eu quero que saibam que você tem namorado. Que você tem alguém, mesmo que eu esteja longe.

— Está com medo de que eu te troque por qualquer um deles?

— Deveria?

— Você parece estar...

— Sim... eu sei a diferença, Liz. Eu sei o que eu sou, o que você vai ser e quem são os caras que estão lá.

Eu nunca o tinha visto tão inseguro...

— Posso te perguntar uma coisa? - Falei interrompendo seus pensamentos.

— Diga.

— O que a minha mãe era? A biológica?

— Médica. Chefe do setor de neurologia...

— Sim. E meu pai?

— SEAL.

— Exato. Meus pais. O que eles fazem?

— Diretora da CIA e Agente do NCIS.

Olhei para ele.

— Entendeu? Eu não me importo com quem vai se sentar do meu lado, Sean, com quem eles são ou serão. Eu não me importo com dinheiro ou com qualquer uma dessas besteiras que para muitos importam. Eu escolhi você quando na minha escola tinham vários com esse mesmo perfil que você citou. Eu escolhi primeiro e posso te jurar, não vou te trocar. – Eu falei. - Mas você tem que prometer uma coisa...

— Qualquer coisa...

— Não me troque por um surfista de shortinho!!

Ele começou a rir.

— Vai colocar na tag. – Apontou para a aliança.

— Claro que não!! Alianças se usam na mão!

E ele tirou a aliança fininha de dentro da caixa e colocou na minha mão direita.

— Quem sabe um dia ela não vira uma dourada na mão esquerda, não é? – Ele disse brincando, mas no fundo de seus olhos azuis eu vi que ele realmente esperava por isso.

— Quem sabe.... – Falei um tanto apavorada em pensar em casamento... eu mal estava aguentando pensar em faculdade....

Ele notou o meu pânico.

— Não é para amanhã, Liz... não mesmo.

— Eu sei. Uma coisa de cada vez, não é?

Ele se levantou, me deu a mão e começamos a voltar para o portão de onde sairia o meu voo.

— Com certeza... mas vai se acostumando com a ideia. – Falou contra o meu ouvido.

Para a minha sorte ou azar, chegamos perto dos meus pais e papai nos olhou desconfiado, me sentei do lado de mamãe e ela logo me abraçou. Estava sentimental nestes dias.

Não precisei esperar muito, logo chamaram meu voo. Minha mãe empurrou meu pai para a fila de embarque e piscou para mim. Agradeci. Era a forma dela de me dar o tanto que privacidade que era possível dentro de uma sala de embarque.

Esperei os dois estarem dentro da aeronave para me virar para Sean.

— É isso...

Ele não me respondeu. Simplesmente me puxou para longe da fila e me beijou apaixonadamente, praticamente me tirando o fôlego e a capacidade de andar, pois eu me derreti nesse beijo.

Quando eu precisei de ar, ele se separou de mim, colou sua testa na minha e me disse:

— Para você ficar pensando em mim. – Ele tinha um sorriso lindo nos lábios. Eu nem deixei que ele se separasse de mim, e o puxei para outro beijo, tão apaixonado e quente quanto o primeiro.

Alguém atrás de nós nos mandou procurar um quarto.

— Se tivéssemos tempo! – Respondemos juntos e o senhor saiu andando com cara fechada.

— Agora é você quem vai sonhar comigo! – Falei perto da orelha dele. – Tome cuidado no Iraque, e a gente se fala sempre que puder, nem que seja por carta!!

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— Sim senhora! – Sean me beijou mais uma vez. No alto-falante anunciavam a última chamada e falavam meu nome. Ele me pegou pela mão e me levou até o portão, me beijando de novo, um beijo comportado dessa vez.

— Me promete?

— Sim, Elizabeth, eu te prometo que vou me cuidar. E me prometa que vai lembrar de mim! – Ele pediu.

— Eu vou sim!! – Falei para ele. Beijei-o pela última vez. – nunca se esqueça de que eu te amo! – Eu disse olhando em seus olhos e me apresentei para o embarque. Era a primeira vez que eu dizia as três palavras para ele. Antes de terminar de descer o corredor, me virei e ele estava parado lá, no mesmo lugar, ainda surpreso. - Eu te amo. – Sussurrei, eu sei que ele leu meus lábios.

— Eu também te amo, Elizabeth! – Ele gritou.

Entrei no avião chorando e com o rosto pegando fogo. Chorava por deixá-lo para trás, chorava porque ele disse que me amava e estava vermelha porque toda sala de embarque ouviu a declaração e também as aeromoças que estavam na porta, já que elas sorriam para mim.

Foi fácil achar meus pais. Papai estava a ponto de sair do lugar dele para me buscar. Ele se levantou e me deu passagem. Me sentei no banco do meio entre ele e mamãe.

Logo que o avião chegou em altitude de cruzeiro e mamãe soltou a minha mão – ela tem pavor de decolagem – perguntou.

— Foi Sean quem ouvimos gritar um pouco antes de você entrar?

Mordi o lábio e notei, pelo canto do olho que papai não estava muito feliz com isso.

— Foi.

— E quem falou primeiro?

— Isso importa?

— Acho que sim... se foi ele e você não voltou... tem um significado diferente para vocês dois, já se foi você e ele respondeu daquele jeito...

— Qual é o significado? – Quis saber. Papai do meu lado fez um som estranho, mas não comentou nada.

— Que antes que nós pudermos nos acostumar com essa aliança no seu dedo, ela vai trocar de cor e de mão. – Mamãe falou com um sorriso.

Tentei esconder a mão direita, mas papai a pegou. Observou a aliança e depois soltou:

— Eu sabia que isso iria acontecer. Eu vi no rosto dele no dia daquele baile.

— Nós não estamos noivos.

— Não, vocês não estão. – Mamãe continuava a sorrir. – Mas eu fico muito feliz em saber que você achou a sua metade Liz... Mesmo que cedo demais.

Papai ficou calado o restante do voo, creio que pensando em mil e uma maneiras diferentes de mandar Sean para bem longe. Depois, do nada, abriu um sorriso.

— Jethro? – Mamãe estranhou.

— Jen?

— Posso saber o motivo do sorriso?

— Claro. O Marine suicida não vai ficar muito por perto... ele pode dar quantos anéis ele quiser, mas tem um país separando esses dois e eu estou no meio deles.

É claro que ele daria um ataque de ciúmes...

A parte boa? Toda essa constrangedora conversa desviou o meu foco e meu nervosismo, e quando vi, estávamos pousando em Boston.

Alugamos um carro que fosse grande o suficiente para caber as malas e seguimos para a cidade de Cambridge, era relativamente perto e papai me deixou dirigir até lá. Foi até bom que, concentrada na estrada, eu não fiquei com os nervos à flor da pele.

E logo a entrada do Campus apareceu no meu campo de visão. Fiquei intimidada ao pensar que oito presidentes do EUA se formaram aqui.

Parei o carro perto do alojamento que sabia que ficaria. Tudo isso já tinha sido enviado por e-mail para facilitar a chegada de todos. Desci e olhei para o campus.

— Ainda dá tempo de ir embora e voltar pra o Jardim de infância? – Perguntei amedrontada.

— Infelizmente não, filha. – Papai falou perto de mim, observando o lugar. Mamãe se sentia em casa, pois ela havia estudado aqui.

Levamos minhas coisas até o quarto, era minúsculo, apertado, mas tinha duas vantagens: era só meu e era perto da faculdade de Direito e de Criminologia, os dois cursos que eu faria por hora, apesar de ter me candidatado ao curso extra de psicologia forense...

Depois de tudo guardado. Fomos dar uma volta pelo campus. Os veteranos já estavam por ali, alguns jogando bola, outros rebatendo... passamos longe deles, mas foi possível ouvir.

— Hei... você, ruiva... tá pensando em se camuflar com o moletom da universidade? – Alguém fez a piada que eu sabia que ouviria, já que meu cabelo era do tom exato do vermelho escuro, quase bonina, que era a cor de Harvard.

— E vamos começar com o pé direito. Quantas vezes eu vou ouvir essa piada até o fim do curso? – Murmurei sem olhar para trás.

— Umas dez vezes por dia. – Mamãe comentou.

Contornamos metade do campus e voltamos para o estacionamento, papai quis dirigir até o centro de Cambridge para almoçar. E eu vi nesse ato a sombra de uma ampulheta... estava se esgotando o meu tempo com eles.

Parecia que eu tinha piscado e eles já estavam parados ao lado do carro para irem para o aeroporto. Eu tentei a todo custo não chorar, ou não me agarrar aos dois em um abraço apertado, contudo foi inútil, pois ao olhar para a minha mãe, ela chorava.

— Vocês não podem ficar por aqui nem que seja na primeira semana? – Perguntei.

— Bem que eu queria, filha. – Foi papai quem respondeu.

E lá estava eu, fungando, chorando igual a um bebê... igual Morgan e John quando me disseram adeus.

— Eu vou sentir falta e muita saudades de vocês!!! – Falei ao abraçá-los de uma vez.

— Nós também vamos, filha, muito mais do que você pensa. – Mamãe respondeu.

Papai me puxou para um abraço apertado, eu sabia que ele não diria mais nada. Era o jeito dele de lidar com tudo, e sabia ainda mais, ele chegaria em casa, ainda sem falar nada e iria direto para o porão, onde ficaria por toda a noite.

— Eu te amo, papai. Obrigada por tudo. E esse tudo, é tudo mesmo!! – Disse entre soluços.

Ele só beijou o alto da minha cabeça.

— Estou a um telefonema de distância, filha. Jamais se esqueça disso. – Me consolou, olhou no fundo dos meus olhos e soltou uma pérola que eu sei que jamais esqueceria: - Agora, Shepard, vai lá e domine o mundo.

Eu abri um sorriso diante da confiança que ele tinha em mim.

— Eu vou fazer o meu melhor. – Era para ser uma afirmação, mas minha voz quebrada e rouca não deixou.

Papai se virou e entrou no carro, notei que ele olhava para o para-brisa.

Mamãe veio e me abraçou.

— Até logo, filha. Assim como o seu pai disse, estamos a um telefonema de distância, a uma chamada de vídeo, a uma mensagem. Ligue sempre que precisar e sempre que quiser. E jamais se esqueça que sempre estaremos te esperando de braços abertos quando você voltar para casa.

— Eu sei que vão. E podem apostar, na primeira oportunidade eu vou voltar.

— Tenho que ir, filha. Se cuide. Tome cuidado. Estude muito, mas se divirta também. Só não deixe de ser você mesma!! Estou muito orgulhosa de quem você se tornou.

— Mãe....

Ela beijou cada uma de minhas bochechas e depois beijou minha testa.

— Você é o maior presente que a vida me deu, Liz! – Ela falou e foi para o carro.

Fiquei parada e olhando para o carro até quando não pude mais, depois, corri para o dormitório, tranquei a porta e me joguei na cama. Menos de meia hora depois, recebi uma mensagem, depois outra e mais uma.

Estamos torcendo por você, Pimenta!! E pode deixar que vamos tomar conta do Gibbs e da Jenny!— Era Ellie.

Vai fundo, ruiva. Um dia você me conta como é essa história de faculdade!— Nick

Se eu falar que já estou com saudades, é cedo demais?— Abby.

Boa sorte, minha criança. Tenho a certeza de que assim que você se acostumar com tudo, será impossível de te parar.— Ducky

Estamos te esperando com a festa já planejada para quando você se formar e se juntar a nós no NCIS!! Como seu futuro chefe só digo uma coisa: prepare a cabeça!— claro que Tony iria fazer piada.

Boa sorte, Liz. Nos vemos quando você voltar, mas se precisar, estarei sempre aqui, Tali te manda um abraço e um beijo. Shalom!— Ziva.

Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades. Que a força esteja com você, pequena Padawan!!— Tim e Delilah assinavam essa.

Toda a sorte do mundo para você, Liz. Eu sei que você vai se sair muito bem! Já estamos com saudades!— Jimbo, Breena e Vic.

Eu tinha a melhor família do mundo!!

Comecei a organizar as minhas coisas quando mais duas mensagens chegaram.

Então é assim que você se sentia quando me via embarcar? Ficar parado no meio da sala de embarque e ver o avião se afastar é a pior sensação do mundo.

Eu te amo, Liz.

Foi a última. E eu juro que me printando a tela e colocando de pano de fundo.

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Eu estava me sentindo uma inútil. Tinha visto a minha filha ficar parada no meio do estacionamento, nos vendo ir embora e eu tinha concordado com isso. Ela estava chorando e eu não voltei para ficar do lado dela!

Dessa vez quem andava de um lado para o outro no aeroporto era Jethro. Eu estava quieta, remoendo a última visão que tive de Liz, parada, com um rostinho assustado, chorando.

— Eu sou uma péssima mãe.... – Falei.

— Então me enquadre na categoria de péssimo pai. – Jethro se sentou do meu lado.

— Assombrado pela imagem no retrovisor?

— Você também está.

— Deveríamos ter...

— Esse é o problema, Jen. Não podemos. Ela tem que viver a vida dela.

— Eu sei... mas ela parecia tão perdida.... – Parei. Por nós passou mais alguns casais, todos chorando. Não éramos os únicos ali que tínhamos deixado os filhos para trás.

Não faltava muito para o nosso voo ser chamado. Na verdade, já estava atrasado. Foi quando o meu celular apitou, uma vídeo-chamada.

Era Liz.

Atendi na mesma hora.

— Eu juro que vou ser rápida! Sei que o voo de vocês já vai ser chamado, eu só queria que a última imagem que eu tinha de vocês hoje não você a tristeza. E queria dizer só uma coisinha. – Ela falou de uma vez só. Dava para ver que ela esteve chorando, mas algo a tinha animado, e ela estampava um pequeno sorriso.

— O que é, filha? – Até Jethro estava surpreso com a chamada.

— Eu amo vocês!! Me esqueci de falar isso, e sei que deveria ter falado mais vezes nestes anos. Mas antes tarde do que nunca! Eu amo vocês e a família que me deram. Amo tudo o que fizeram e fazem por mim. E só queria dizer isso: EU JAMAIS, JAMAIS, VOU ABANDONAR VOCÊS DOIS!! VÃO TER QUE ME ATURAR PELA ETERNIDADE!! – Ela disse e mostrou um cartaz feito à mão e às pressas. - E isso aqui é cada uma das mensagens que eu recebi até agora. Todas elas. Mas a mais importante está lá em cima. – Ela apontou para a frase. – Tive que fazer uma pequena adaptação da regra 15, mas tá valendo.

Regra #15.1 – Sempre ame sua família.

Eu ri do que ela tinha feito, Jethro também.

— Agora sim! - Ela continuou sorrindo. - Agora eu tenho um sorriso dos dois!

— Mas você é muito boba, hein Liz? – Jethro fingiu ralhar.

— Eu tive excelentes professores para isso. – Ela brincou.

Nosso voo foi chamado.

— Eu sei, vocês têm que ir. Só se lembrem: Eu amo vocês e nos vemos no primeiro feriado prolongado que tiver!! Tchau!

Ela desligou sorrindo e eu fiquei um pouco em paz.

Jethro se levantou e estendeu a mão para mim, aceite o gesto e quando nos olhamos tivemos a certeza:

— Ela vai ficar bem. – Falamos ao mesmo tempo.

E ele murmurou:

— Só não sei porque teve que crescer tão rápido.

— Para dominar o mundo, Jethro. E te garanto que ela vai.

Entrei mais aliviada na aeronave, certa de que tudo, no final, daria certo e que meus medos do inicio da semana não tinham sentido, como Jethro dissera, Liz sempre voltaria para casa, voltaria para nós, porque ela, melhor do que ninguém sabia dar valor a família que tinha conquistado.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.