Come Back

É melhor você ir com calma


Meus olhos não podiam estar pregando uma peça em mim, ou será que podiam?

- Achei nossos lugares Allie, anda vem comigo – eu nem sequer reagia, Sam me puxou pelo pulso até nossa mesa, mas meus olhos ainda estavam fixos nele, era impossível desviar. Sam selou meus lábios com um beijo leve, mas não me dei ao trabalho de retribuir, estava praticamente catatônica.

Eu sabia que existia a possibilidade remota de acidentalmente encontrá-lo aqui pela cidade, mas aquele era o último lugar em que eu imaginaria vê-lo.

Ele passou o braço em torno de uma mulher de cabelos um pouco curtos e lhe depositou um beijo na testa, em seguida se levantou e caminhou a passos rápidos para uma das sacadas, não resisti e assim que o vi fechar a porta atrás de si me levantei.

- Aonde vai? – Sam olhou para mim

- Ahm, pegar um pouco de ar

- Mas a cerimônia já vai começar – fez uma breve pausa – Está sentindo alguma coisa?

- Estou me sentindo um pouco sufocada, mas logo deve passar, volto em um instante.

Ele pareceu estranhar um pouco minha atitude, mas não protestou e eu quase corri rumo à porta, precisava vê-lo de perto. Precisava ter a certeza de que era realmente ele ali.

Empurrei a porta devagar e vi a imagem daquele homem enorme de costas, meu coração já batia acelerado.

- Jimmy? Que caralhos veio fazer aqui? – Ele se virou imediatamente, estava perfeito, mesmo no escuro eu podia ver cada pequeno detalhe dele, o terno era quase em tom grafite com listras da cor cinza, com um colete e uma camisa preta por baixo, a gravata do mesmo tom escuro, mas parecia ser de cetim, ou seda, o cabelo estava, pro meu espanto, penteado para trás, mas parecia se arrepiar um pouco, ele segurava um charuto e me olhava um tanto perplexo.

- Allie... – ele engoliu seco e eu me aproximei sorrindo – Eu fui convidado, pelo Max, aliás.

- É muito bom te ver outra vez – me aproximei para abraçá-lo, mas ele deu um passo para trás

- Por que você fugiu de mim?

- Você leu a carta que eu deixei pra você? – ele parecia ficar um pouco impaciente aos poucos

- Li.

- Então! Eu expliquei o motivo...

- NÃO EXPLICOU NADA! – ele alterou o tom de voz e fez com que eu me espantasse um pouco – Eu li aquela carta umas trezentas vezes tentando achar algum nexo naquilo, e porra eu quase cheguei a acreditar naquela loucura, mas quando cheguei aqui...

- Eu sei que parece loucura, mas é verdade Jimmy! Tudo que eu escrevi ali é verdadeiro!

- Ah é? – Ele se aproximou de mim e eu pude vê-los novamente, azuis e turbulentos como sempre eram, os olhos – Então o que Sam está fazendo aqui com você?

- Jimmy é algo um pouco delicado de explicar... – ele tinha os olhos baixos, mas com um ato quase violento puxou meu pulso com força, quase caí no chão de tão forte que foi.

- O QUE É ISSO? – Ele ergueu meu pulso no ar, mostrando a aliança em meu dedo – VOCÊ ESTÁ CASADA ALLIE?

- Eu... Me desculpe.

- Com quem? – Abaixei os olhos, envergonhada, e Jimmy soltou imediatamente meu braço e se afastou perplexo

- Samuel – ele falou com um riso amargo, se virou de costas e levou as mãos ao cabelo – Não acredito que passei todo esse tempo achando que você ainda gostava de mim.

- Não fala assim, eu amo voc...

- CALA A BOCA! Pelo amor de deus cala essa boca! Já está sendo muito difícil me controlar pra não te bater, cala a boca! Você mentiu pra mim, me fez de idiota e eu estava frágil demais pra me dar conta, mas agora eu estou mais forte e sóbrio! Sóbrio pra caralho, aliás! Não vou deixar que brinque comigo de novo.

- Me deixa explicar Jimmy, tem algo que você precisa saber! Eu tive meus motivos pra casar com ele.

- Motivos? Você me deu um pé na bunda no caralho do natal na porra da casa dos meus pais pra ficar com esse filho da puta, eu sei exatamente quais foram seus motivos!

- NÃO, VOCÊ NÃO SABE! CALA A PORRA DA BOCA E ME OUVE JAMES! Eu estava grávida!

Eu achei que talvez aquilo o fizesse me ouvir, mas piorou muito, o rosto dele se contorceu em um careta de susto, raiva e dor, eu quase achei que ele ia ter uma crise.

- Você e ele... – ele soltou o ar irritado – Não precisa dizer mais nada.

Jimmy se virou e empurrou a porta com raiva, fazendo um estrondo enorme, e em seguida saiu correndo pelo salão, agora indo em direção a saída, corri atrás dele e tentei agarrá-lo pelo antebraço.

- Me escuta caralho! – ele se desvencilhou de mim com facilidade, puxou o próprio braço com força, como eu não conseguia andar direito nos saltos e as pernas dele eram o dobro das minhas, acabou fugindo de mim mais rápido do que eu gostaria.

Parei tonta no meio do salão e só então notei que tirando pela bagunça que Jimmy e eu havíamos feito, tudo se encontrava em um mórbido silêncio e agora até o mestre de cerimônias olhava para mim perplexo.

- Ahm, me desculpem por isso, podem continuar – eu falei tentando voltar de cabeça baixa para meu lugar, mas acabei batendo contra um peito que eu conhecia bem, e que imediatamente me arrastou para fora.

- Ficou maluca?

- Sam eu...

- Sabia que ele ia estar aqui?

- Não! Mas eu precisava vê-lo de perto. Precisava conversar com ele.

- Falou sobre a Shannon?

- Eu tentei! Mas ele surtou e não me deixou terminar! – Percebi que ele soltou o ar aliviado.

- Ainda bem.

- Ainda bem não! Eu vou atrás dele amanhã e vou contar toda a verdade.

- Ficou maluca? Acha mesmo que aquele doido pode ser pai da Shay? Ele não merece! Não vou permitir isso Alison.

- Você não manda em mim Samuel, eu nunca dei liberdade pra que tomasse decisão nenhuma por mim, a Shannon é filha dele, é claro que ele merece saber.

- Alison não! Ele vai machucar vocês duas! Eu não tive todo esse trabalho de proteger vocês pra entregá-las de bandeja pra um maluco drogado.

- Ela é MINHA filha, essa decisão não é sua – ele fez menção de falar algo, mas logo o interrompi – Eu quero o divórcio Sam, chegou meu limite.

- O quê? – ele foi pego de surpresa.

- Eu cansei e, além disso, eu não posso brincar com você assim, acho que já chega.

- Allie por que não para de correr atrás de quem só te machuca?

- Eu posso perguntar o mesmo pra você.

- Eu te amo Allie, é por isso que aguento até hoje ver você se ferindo por esse babaca.

- Eu nunca vou poder dar o que você quer Sam, e eu não quero mais me prender a você.

Sam abaixou os olhos, provavelmente tentando esconder a dor em seu rosto.

- Me dá alguns dias, pelo menos pra me organizar e me despedir da Shay.

- Tem todo o tempo que quiser.

Max

- Seu marido...

Ela tinha mais força do que eu imaginava e a usou perfeitamente quando me jogou pra dentro de uma das cabines do banheiro, me fazendo cair sentado sobre o sanitário, puxou a barra do vestido cor de sangue até as coxas e se sentou sobre mim, senti minha pele arrepiar com o toque da dela sobre meu corpo.

- Cala a boca Turner, vamos fazer isso rápido.

- Espera, eu não quero problemas pro meu lado.

Seus lábios me impediram de continuar o protesto, Michelle faltou me devorar, quem via até pensava que seu marido era um gordo fedorento. Puxei meu rosto para longe do dela, o batom vermelho já devia estar todo na minha cara considerando que a sua boca estava praticamente na cor natural.

- Por favor, para... – eu disse de maneira nem um pouco convincente, apesar de realmente estar com medo de levar uma surra do Synyster Gates. Sabe como é, sou um nerd relativamente flácido, não me dou muito bem com agressões físicas, acho que até a Alison tem um chute melhor do que o meu.

- Cala a porra da boca garoto, você é o único cara aqui abaixo da linha da catarata meu bem. E eu estou faminta.

- Seu marido é brocha por acaso?

- Claro que não, acho até que ele mais homem do que você, ele não enrolaria me fazendo perguntas enquanto eu peço pra ser fodida.

- Vai pedir para ele então.

A loira sorriu e mordeu de leve meu lábio

- Você está vendo ele por aqui? – A mão dela foi direto para o meu cinto, eu já estava visivelmente excitado e comecei a corresponder. Michelle nem de longe fazia o meu tipo, mas era uma mulher não era? Àquela altura não interessava se ela tinha cérebro ou não, era outra cabeça pensando e essa não tinha concorrido a destaque da ciência.

Coloquei a mão por baixo do vestido, mas não havia roupa íntima nenhuma ali, comecei a desconfiar de que aquele assédio dela podia ter sido premeditado. Gemi um pouco alto quando ela levou a mão ao meu pênis, aquilo era maravilhoso, o calor da mão dela fez quase com que eu parasse de pensar. Logo ela se posicionou melhor e vagarosamente sentou-se sobre mim enquanto eu me encaixava dentro dela.

Michelle começou a rebolar em cima de mim, subindo e descendo bem lentamente, puxei a alça do seu vestido e levei a boca diretamente a um dos seus mamilos.

- Isso meu garoto, não precisa ficar com medo, ninguém vai bater em você hoje.

Movimentei-me abaixo dela empurrando meu corpo para cima fazendo com ela desse leves saltos sobre mim o que a incentivou a aumentar a velocidade.

Ouvi a porta do banheiro sendo aberta e instintivamente parei de estocar Michelle e pus a mão em sua boca na tentativa de não produzir nenhum som.

- O baile já começou e ele já até recebeu o prêmio, mas eu não o vi depois disso. Eu sei, me desculpe! Tem muita gente aqui, teve tumulto mais cedo, eu o perdi de vista – era uma mulher falando no telefone, eu quase podia reconhecer sua voz, mas não consegui me recordar direito – Acho que ele não está interessado, mal olhou pra mim quando me apresentei e hoje mal consegui me aproximar. Talvez seja melhor eu me aproximar de outra forma. Oh, tudo bem, eu entendo.

Lyn. Era ela, e aparentemente falava de mim.

- Mas que porra! – Michelle empurrou minha mão, já estava quase sem ar, mas ao menos se lembrou de me xingar em voz baixa.

- Shh – eu fiz para ela

- Tem alguém aqui no banheiro, te ligo mais tarde. – Logo Lyn saiu e a porta fechou

- QUE PORRA FOI ESSA TURNER?

- Me desculpa Michelle.

- Anda termina logo com isso.

Levantei-me com Michelle no colo e a empurrei contra a parede, fiz o que ela pediu quase que mecanicamente, fazendo questão de ser o mais bruto que conseguia, pelo menos ela saiu satisfeita.

Mas a conversa de Catelyn me deixou um pouco curioso, o que aquilo significava? Ela estava interessada em mim, ou em algo meu?

Jimmy

- Para de me olhar desse jeito okay?

- Brian e todos os filhos da puta dessa banda já vieram contar algum problema que deu em você nas últimas 24 horas então eu preciso ouvir sua versão de cada um desses fatos.

- Desde quando você virou a diretora da escolinha?

- Desde que meus braços ficaram maiores que os de vocês, agora me conta que caralhos eu perdi ontem a noite?

- Nada Matt! Nada mesmo, acho até que eu teria me divertido mais se tivesse ficado aqui com você e o viado do Haner. O lugar era um saco, cheio de gente velha e esquisita, a bebida era controlada e as mulheres tinham mais reboco na cara do que esse prédio inteiro!

Matt gargalhou alto.

- Tem certeza que foi só isso? Zacky disse que você estrelou uma cena, hum, como posso dizer, interessante?

Revirei os olhos, aquele não era um assunto que eu queria tocar.

- Okay, mas deixa eu só perguntar, depois de cinco anos, como ela está?

- Gorda, perneta e caolha! – Nem eu consegui segurar o riso – Ah sei lá Matt, não mudou muita coisa, está ótima, pelo menos pra alguém que teve uma criança.

- O QUE?

- Eu realmente não quero entrar nesse assunto Matt.

Percebi que ele ainda queria fazer algumas perguntas, mas Matt sempre respeitava os meus limites de assunto, a não ser quando se tratava da minha saúde, ai ele simplesmente mandava o que eu estava pensando pro inferno.

- Tudo bem cabeção, não vou te encher com papo calcinha, mas tenho outra coisa pra te perguntar, que, aliás, eu nem tive sossego ontem com o Brian choramingando por que você não quer mais emprestar sua Barbie Califórnia pra ele, o que aconteceu entre vocês?

- Não é por mal, mas o Syn ta me deixando maluco. Acha que eu vou ter um treco a qualquer momento e fica agindo como se fosse minha mãe, perdi a conta de quantas vezes sai de perto pra não partir o nariz dele em dois.

Claro que não era só por isso, Brian era simplesmente a pessoa mais difícil de enganar do mundo e pro meu azar ele via perfeitamente o que se passava comigo, ele sabia que eu não estava bem desde o primeiro instante e somado ao fato de ele ter ficado traumatizado me vendo convulsionar, virou uma máquina de chatice ambulante.

- Jimmy eu sei que ele não acredita que está bem, mas ele só ainda está assustado por causa da sua ultima parada séria, nós quase te perdemos dude, eu estava lá e foi assustador – Matt tomou um gole da garrafa d’água que carregava em mãos tentando fingir naturalidade, mas eu sabia que aquele assunto também o deixava preocupado.

- Eu sei, me desculpe por fazer vocês se preocuparem tanto, mas eu estou andando na linha, não tem por que ele agir daquele jeito.

- Vocês são meus melhores amigos okay? Me preocupa ver vocês desse jeito.

- Tudo bem Matt, eu prometo conversar com ele antes de pisarmos no Canadá.

- Pra mim está ótimo. Agora vamos, temos uma setlist pra decidir.

- Agora?

- Sim, algum problema?

- Não, vou só fazer uma ligação.

- Okay, te espero lá fora então.

Saquei o celular do bolso e peguei o cartão do bolso do casaco, disquei o numero e não demorou para que me atendessem.

- Arin? Sou eu, The Rev, eu disse que te ligaria.

- Ah, oi man!

- Cara eu liguei pra te dizer que não tem como eu sair pra te encontrar agora, mas eu realmente queria ter aquela conversa contigo, sei que a sua banda vai embora hoje, mas será que vocês podem ficar até a hora do show?

- Até a hora do show?

- É, chama seus amigos, vocês podem ver o show por nossa conta, ainda de madrugada vocês ficam livres pra cair na estrada, se não for pedir muito.

- Ta falando sério? – notei um tom de euforia na voz dele.

- To sim.

- Espera um pouco – acho que ele comunicou o restante da banda e pelo pouco que consegui ouvir acho que todos se animaram – Nós aceitamos! Caraca nem acredito!

Eu ri um pouco.

- Ótimo, um dos Barrys vai deixar as credenciais ai pra vocês.

Despedi-me rápido dele e desliguei, me espreguicei e peguei um par de baquetas pra manter as mãos ocupadas enquanto escolhíamos as músicas.

Saí da sala e dei de cara exatamente com quem eu queria ver.

- JAY! – Eu falei levando as mãos para o alto

Jason me lançou um olhar um pouco “Oh não, você não”. Ele empurrava uma caixa enorme com o que parecia serem as guitarras de Zacky.

- Oi Rev

Me aproximei por trás dele e o abracei, me esfregando um pouco em sua bunda, ele pulou para o lado muito irritado.

- Ta maluco caralho? Virou viado de vez?

- Que isso, só estou com saudade do seu corpo meu lindo. – eu disse passando a mão no cabelo dele e imediatamente ele me deu um soco no estômago – Ai filho da puta, não se pode mais nem brincar?

- Ta fazendo o que aqui seu viado gigante? Tem reunião ali na outra sala pra decidir a setlist.

- Eu sei e é por isso que preciso de um favor seu

Ele sacudiu a cabeça e voltou a empurrar a caixa.

- Jimmy eu estou trabalhando, não posso fazer nada agora.

- Não vai demorar, só preciso que mande algumas credencias para uma banda aí.

- Hum, que banda?

- Confide

- Nunca ouvi falar

- E não precisa ouvir, só leva as credenciais para os moleques, preciso deles no show de hoje.

- Hum, vou ver o que posso fazer, mas o que está aprontando James?

- Aprontando? Eu não apronto meu caro!

- Quem não te conhece que te compre James!

- Agora tenho que ir,o telefone deles ta aqui – entreguei o cartão para ele – Descobre em que hotel eles estão e manda as credenciais.

- Ai tudo bem, mas quero meu pagamento depois!

- Vou te pagar sim meu amor... – eu disse gargalhando enquanto caminhava para a sala em que os caras estavam vendo a setlist, parei no meio do caminho e rebolei para Jason - Com o Jimmy Junior!!

- Ai pelo amor de deus, credo! Sai logo daqui filho da puta!

Gargalhei mais uma vez e entrei na sala.

Allie

Eu queria poder dizer que eu tinha chorado o oceano pacífico naquela noite, mas na verdade aquilo tudo só me deixou com raiva, muita raiva. James era um cabeça dura desgraçado, não deixou que eu completasse nem uma frase direito. Eu havia esquecido que Jimmy era um amor de pessoa, mas apenas quando não estava ocupado demais sendo um imbecil ambulante.

Desde que acordei Sam já não estava mais na cama, o que eu não achei exatamente ruim, ele havia sido outro grande fracasso da noite anterior, provavelmente também não devia estar com muita vontade de olhar pra minha cara. Na verdade acho que a essa altura só existe um único ser que fique feliz com a minha presença.

- Mamãe! Olha o que eu desenhei!

Eu estava de bruços, jogada no sofá e Shannon me sacolejava querendo minha atenção.

- Agora não Shay, mamãe está um pouco cansada.

- Mas olha, eu desenhei o gigante!

- Shannon...

- Além disso você me prometeu que nós duas íamos passear hoje – ela me sacolejou mais um pouco e me sentei no sofá massageando as têmporas.

- Ah Shay, volta pro seu quarto, eu realmente não estou com vontade.

- MÃE! – ela puxou meu cabelo e eu acabei perdendo a paciência

- CHEGA SHANNON! VOCÊ NÃO PODE TER TUDO O QUE QUER! VAI PRO QUARTO AGORA! – Puxei o papel da sua mão com raiva, amassei e joguei contra a TV.

Em uma fração de segundos vi aquelas duas pequenas esferas azuis brilharem ao se encherem de lágrimas e logo a garota correu subindo as escadas abafando o choro. Ai meu deus, o que foi que eu fiz?

- Shay! Me desculpa meu amor! – eu falei alto, mas ela já estava fora de alcance, caminhei até perto da TV e peguei a bola de papel. Abri o desenho e vi apenas um emaranhado de riscos pretos em meio a pontos azuis, ela mal segurava em um lápis direito, mas gostava muito de rabiscar. Me senti mais culpada ainda, subi as escadas e entrei em seu quarto, ela aparentemente não estava ali.

Estava um bagunça de tirar o fôlego de qualquer mãe maníaca por limpeza, a caixa de brinquedos estava entornada no chão, havia papel, lápis de cor e giz de cera por toda parte.

- Shay? Está aqui? – ela podia estar se escondendo de mim então olhei embaixo da cama, mas ao invés de uma mini pessoa encontrei algo inesperado – Baquetas?

Eu falei baixo para mim mesma, peguei o par de baquetas e o examinei. Por um instante achei que meus olhos iam saltar das órbitas, não era possível. Eramdele.

- Shannon! – eu gritei mais uma vez e sai correndo para o outro quarto, ela estava lá, deitada com o rosto afundado no meu travesseiro abafando o choro. Uma coisa eu conseguia ver que ela parecia comigo: Ela odiava chorar em público.

Subi na cama e passei a mão devagar sobre o ombro dela.

- Meu amor me desculpa, eu só estou um pouco zangada hoje

- Comigo?

- Não é com você meu bem, me desculpa, não devia ter gritado com você, você me desculpa?

Bem devagar ela virou o rostinho pra mim, os olhinhos azuis agora estavam levemente envoltos por um tom de vermelho.

- Você está zangada comigo?

- Já disse que não – me aproximei dela e a puxei para mim, dando um beijo em sua bochecha – eu te amo minha mini coisa.

- Está zangada com o papai – Com certeza, seu pai é um grande filho da puta imbecil, idiota, cabeçudo, cu doce desgraçado – Mais ou menos, mas não é culpa dele – Puxei o desenho dela que estava bem amassado por minha culpa e entreguei pra ela – O que é isso meu amor?

- O que é não – ela puxou da minha mão – Quem é! Esse é o gigante

- Gigante?

- É, o gigante da montanha – Eu não consegui conter o riso e soltei uma gargalhada sonora – Para de rir, isso daí também é dele.

Meu riso sumiu imediatamente.

- O quê?

Ela apontou para as baquetas.

- Ele que me deu esses palitos, não lembro como se chamam.

- Baquetas... – eu falei baixo e ela confirmou com a cabeça – Onde você viu esse gigante Shay?

- No hospital, ele também tem o coração grande como eu – ela dizia com um sorriso no rosto como se aquilo os fizesse parte de uma irmandade exclusiva.

- O nome dele, qual era?

- Não perguntei – ela falou um pouco desapontada.

- Você quer sair hoje minha flor?

Ela abriu um sorriso radiante e agitou a cabeça animada

- Quero!

- Coloca um moletom e umas botas, nós vamos sair hoje.

Shannon soltou um grito, animada.

- Pra onde vamos mamãe?

- Para um show.