Come Back

Me diga, você mataria pra provar que está certo?


– Pode falar.

Os olhos dela se desviaram do meu rosto para o de Sarah.

– Será que pode nos dar licença, querida? O assunto é particular.

– Nem fodendo que eu deixo você sozinha com ele. – a resposta de Sarah estava na ponta da língua. Não consegui conter o breve sorriso de satisfação que se abriu em meu rosto, o tom de voz dela era ríspido, mas me passou uma sensação boa, como se ela estivesse com ciúmes.

Catelyn girou de um lado para o outro na minha cadeira.

– Tudo bem, mas se alguma coisa vazar, a culpa não vai ser minha. – Puxei a cadeira e me sentei de frente para Lyn, Sarah permaneceu atrás de mim, de pé, rangendo os dentes de irritação. – Você vai me dar um emprego.

– Hã?

– Você ouviu muito bem, Max.

– Por que diabos eu faria uma loucura dessas?

Lyn abriu um meio sorriso e se inclinou para frente.

– Kail está vindo atrás de você, e se ainda tiver um pouco de amor à vida, vai precisar de mim.

– Amor à vida? Você quer é arrancar a minha cabeça e entregar pra ele!

– Se eu quisesse matar você, já estaria morto. Você precisa de mim Max.

– Não consigo imaginar uma necessidade que eu tenha que seja suprida por uma vaca traidora.

– Wo-ho! Assim fere os meus sentimentos. Permita que eu esclareça um pouco as coisas, Turner. Eu não sou mais sua inimiga, meu querido. Além disso, nós temos interesses em comum.

– Será que podia fazer o favor de ir direto ao ponto?

Ela sorriu de uma forma quase maquiavélica.

– Kail vai atacar seu laboratório em breve, e ele vai destruir tudo o que estiver em seu caminho. Eu quero estar aqui quando acontecer, eu quero matá-lo com minhas próprias mãos.

Troquei um olhar assustado com Sarah, ela ainda estava cheia de repulsa pelo fato de eu ter aceitado conversar com Catelyn.

– E por que eu acreditaria em você? Você não é tipo, sei lá, o braço direito dele?

– Você não está por dentro das novas? Eu fui despedida Max e nem ganhei seguro desemprego, acredita.

– E agora você quer vingança?

– Sim, mas veja pelo lado bom, você ganha uma segurança de verdade. – ela piscou o olho para Sarah e percebi que a loira estava furiosa.

– Não acho que isso seja uma boa ideia.

– Max, você dispensou todo o seu pessoal, inclusive a coisinha fofa da Whisper, vamos ser sinceros um com o outro, essa sua namoradinha não conseguiu nem me ver entrar, acha mesmo que ela consegue proteger os dois lados dessa sua bunda gorda? Nem precisa me pagar se não quiser, nós dois saímos ganhando, você com sua máquina e eu com a cabeça de um russo na minha parede. O que acha?

Pisquei algumas vezes e tentei raciocinar da melhor forma que consegui.

– Será que pode... aguardar lá fora enquanto eu decido isso?

– Tudo bem, o tempo que achar necessário, querido. – Catelyn se levantou e caminhou a passos lentos para fora, não sem antes jogar a arma de Sarah para ela. Quando saiu, pedi a opinião da minha segurança.

– O que acha?

– Você realmente tá considerando essa ideia maluca, Max?

– Ela... ela é muito boa, e esperta.

Sarah pareceu extremamente magoada com meu comentário, me arrependi assim que o fiz, mas não tive tempo de pedir desculpas.

– Ela não é boa, ela é má, e também é uma assassina. Ficou louco? Quem garante que isso não é invenção dela pra te matar?

– Ela quer matar o Kail.

– Max, você está mesmo raciocinando? Você pretende dar carta branca pra que ela assassine um cara no seu laboratório? Ele é um foragido, não acha que a cadeia é suficiente?

– É a cabeça dele ou a minha Sarah, você não entende! EU VOU MORRER! Se essa for a chance de fazer com que ele morra no meu lugar eu vou aceitar!

A loira baixou os olhos e deixou os ombros caírem.

– Eu achei que minha proteção fosse suficiente.

– Você a viu entrar aqui? – fiz uma pausa para que ela respondesse, mas Sarah permaneceu imóvel – Foi o que pensei.

Caminhei em direção a porta, mas antes que eu abrisse, a ouvi falando baixo.

– Você está cometendo um erro, senhor.

Abri a porta rudemente, Catelyn estava sentada no chão com as pernas cruzadas, livre de preocupações.

– Lyn. – a chamei e logo ela voltou o rosto sorridente para mim. – Você está contratada.

Brian

Do lado de fora do bar o vento era gelado e violento, abracei instintivamente meu próprio corpo e semicerrei os olhos tentando me proteger.

– O que está fazendo aqui fora? Está tão frio!

Ela tinha razão, o vento assobiava furioso em meus ouvidos, no céu, o cinza das nuvens carregadas dava uma nova textura à noite, o temporal estava vindo sem timidez, impetuoso e frio, como todos os temporais normalmente são. Mas eu não pretendia sair dali, não enquanto Lali não aparecesse (e isso me colocava em uma terrível situação, já que ela poderia jamais aparecer).

– Eu pedi que ficasse lá dentro. – falei sem muito ânimo.

– Eu estava ficando com saudade. – fez aquela manha típica de mulher desesperada pra ser arrastada pra cama, mas eu não estava no modo certo naquela noite.

– Stacey, essa noite eu não vou ser a sua melhor companhia, é melhor entrar, tomar alguma coisa pra se esquentar, Jason e o Dan Body ainda estão lá dentro.

– M-mas eu queria você...

Um meio sorriso se abriu em meu rosto.

– Me espere lá dentro, eu vou voltar pra você em breve. Só preciso tirar algumas satisfações.

Aquilo pareceu animá-la e logo ela correu até perto de mim e me deu uma leve mordida no lábio inferior.

– Vou ficar esperando. – sussurrou.

Depois disso, a ruiva entrou alegremente no bar. Eu estava ali sozinho outra vez, e até relativamente feliz por isso disso, eu gostava de ficar só com o Brian, ele era um cara maneiro, havia muito em comum entre eu e ele, apesar de que ultimamente o conflito interno impossibilitava que eu ficasse muito tempo com ele. Era melhor que o meu halter ego agisse nessas situações, o Synyster era sempre mais meticuloso e articulado, diferente do Brian, que apesar de ser um cara maneiro, tinha o hábito terrível de foder as coisas. Naquele momento, eu não sabia qual dos dois eu era, estava dividido em uma terrível batalha de mentes e corações, ou uma mente e um coração, tanto faz.

Levei a mão ao bolso da frente da calça e peguei um cigarro de emergência, junto com o isqueiro. O levei à boca e o acendi, dando uma longa tragada. Aquilo aliviou um pouco a tensão no meu corpo, meus ombros estavam duros feito pedra, mas ao menos o calor amargo do tabaco os amolecia. Puxei o zíper do casaco até quase chegar à garganta e também desejei colocar o capuz sobre minha cabeça, mas não o fiz. Com o capuz ficaria parecendo que aquilo era uma coisa que precisava ser escondida, ou algo vergonhoso. Talvez realmente fosse vergonhoso, mas eu não ia deixar que isso transparecesse, então, continuei com o vento cortante estapeando cara.

Minha espera ainda se estendeu por mais uma hora inteira, meu rosto estava dormente e meus olhos lacrimejando por causa do vento que só piorava. Já estava começando a acreditar que ela havia fugido por uma porta nos fundos, por uma passagem secreta debaixo do balcão ou sei lá, pelo sistema de esgoto, mas depois de duas longas horas de espera, ela apareceu.

Lali era o tipo de garota que se você olhasse uma única vez, não acharia nada de anormal nela, mas depois de olhá-la tantas vezes, eu já conseguia enxergar cada anormalidade nela, começando pela expressão que ela armava sempre que tinha que iniciar uma conversa séria, algo do tipo “se a coisa ficar feia nem duvide que vou fugir”. O cabelo estava preso em uma trança castanha até o meio das costas, ela o usava assim quando precisava trabalhar, a roupa era simples, uma blusa branca de mangas compridas (ela ainda tem uma porção de cicatrizes pra esconder) e um jeans escuro tão desgastado no joelho que havia um rasgo mediano ali. Além da expressão de fuga, o rosto também exibia um visível cansaço e nervosismo. Ela se aproximou devagar, sondando ao redor pra ver se era seguro e olhando de soslaio para os lados, procurando ver se eu estava sozinho.

– Ela está lá dentro. – eu disse.

Ela fez uma cara de “e daí? não me importo mesmo com as piranhas que andam com você”, era engraçado. Lali abraçou o próprio corpo, assim como eu havia feito um pouco antes.

– Queria falar comigo, bom, eu estou aqui.

Olhando ali para ela, senti raiva. Raiva por ela ter demorado demais pra ir até ali, raiva pelo tom que ela usou pra falar essa frase, raiva por ela não parecer sentir nada do que eu estava sentindo, raiva por ela não ser como as outras que andam sempre sorrindo para mim, por ela não ser tão linda quanto Stacey, nem me amar como Michelle me amou, mas acima de tudo, a maior raiva que eu senti era de mim mesmo, por estar ali na frente dela, posando de indiferente, quando na verdade estava apertando incessantemente, como uma criança num foguete, o botão de autodestruição.

– Acho que me deve umas satisfações, não concorda? – ergui levemente o queixo em uma expressão sínica.

Ver o rosto dela se desfazendo em confusão e seus olhos se desviando para o chão, foi algo quase reconfortante, ao menos ela não estava indiferente àquilo.

– Me desculpe. – murmurou tão timidamente, que quase não ouvi.

Naquele instante eu descobri com qual dos dois de mim eu teria que usar para falar com ela e isso não seria nem um pouco fácil, ainda mais considerando o estado em que ele se encontrava.

– Uma noite Lali! EU SÓ PEDI A PORRA DE UMA NOITE! O que você tinha de mais importante pra fazer que não podia esperar mais quatro horas até o dia amanhecer? Você fez tudo o que eu tinha dito parecer nada! PUTA QUE PARIU!

– Eu não podia ficar, NÃO PODIA! – Lali gritou exasperada. – Eu queria ficar... mas não podia.

– Você... – engoli seco – por quê? – tentei recuperar o meu tom neutro, sem muito sucesso.

Uma gota tímida caiu solitária sobre a minha testa, não me dei ao trabalho de olhar para o céu, eu já sabia o que ele estava trazendo.

– Eu não podia arriscar.

– Arriscar o quê?! – Falei entre dentes.

– Você! – um breve instante de silêncio incômodo se formou depois disso, mas então ela prosseguiu. – Eu lamento não poder te dar a explicação inteira que você quer, mas se eu saí por aquela porta naquela noite não foi por outro motivo se não deixar você longe dos meus problemas. Eu não queria que nada daquilo chegasse a você Brian, você não precisa de mais problemas na sua vida.

– E quem você pensa que é pra decidir o que eu preciso ou não?

– Você não entende! – ótimo, ela também estava ficando impaciente, ao menos eu não era o único.

– Você não permite que eu entenda, Whisper!

– VOCÊ QUER MORRER? É ISSO QUE VOCÊ QUER? – gritou de forma estridente, enquanto gesticulava com as mãos muito agitada – EU NÃO! EU NÃO QUERO QUE VOCÊ MORRA! VOCÊ QUER ME FAZER DE VILÃ? ÓTIMO! POUCO ME IMPORTA! EU SÓ QUERIA QUE VOCÊ CONTINUASSE A SALVO!

– Eu só queria ficar com você, só isso.

A chuva começou a cair de uma única vez, gelada e violenta, cada gota de chuva caía pesada como uma pedra sobre meus ombros. Meu cabelo despencou encharcado sobre minha testa, assim como minhas roupas aos poucos foram começando a pesar. A chuva dificultava minha visão, mas eu podia ver seu vulto bem próximo. Estiquei o braço e encontrei seu corpo, gelado e úmido, assim como o meu, a puxei com força para mim, fazendo com que seu corpo colidisse com o meu. A prendi usando a parede do bar como apoio para suas costas e levei a mão ao seu pescoço, sentindo-a engolir desconfortavelmente.

– M-me solta. – a voz dela era vacilante e aterrorizada. – Por favor, não me machuque.

Uma ruga se formou em minha testa, e agora eu estava perto o suficiente para ver que ela realmente estava com medo. Pressionei um pouco mais o pescoço dela e a senti se remexer em uma sutil tentativa de se esquivar.

– Você realmente acha que vou machucá-la? – falei junto ao seu ouvido, um tanto indignado e ela soluçou. Lentamente, retirei a pressão que a palma da minha mão fazia sobre seu pescoço, ao invés de apertar sua garganta, subi a mão até seu rosto e acariciei a maçã de seu rosto com o polegar. Seus olhos castanhos ainda me fitavam aterrorizados. – Você realmente não me conhece, não é?

Soltei seu corpo e dei um passo para trás.

– Você agarrou meu pescoço, queria que eu achasse o quê? Que ia brincar de cavalinho? – o tom dela era trêmulo, ela estava chorando.

Levantei ambas as mãos.

– Não vou mais encostar um dedo em você! Eu não sou o cara que você pensa que eu sou Lali! Coloca isso na porra da sua cabeça! Eu nunca machucaria você! Eu amo você! Puta que pariu! – ele me olhou incrédula, mas antes que ela pudesse falar mais alguma merda, joguei meu tronco para frente e beijei seus lábios com violência, sentindo seu sabor se dissolver sob a água que caía impiedosa. Meus lábios procuravam os dela de uma forma quase natural, era algo instintivo, inexplicável, como se estivesse em meu sangue o desejo por ela. Isso de não encostar o dedo nela só durou os dois primeiros segundos, logo a agarrei com as duas mãos, a puxei para mim sem interromper o beijo.

Lali me envolveu em seus braços, senti seus dedos segurando em meu cabelo ensopado. O fôlego faltou e ela me afastou levemente, aproveitei para respirar um pouco de ar e água, mas logo retomei o beijo, agora sentindo a respiração pesar, mas sem diminuir a intensidade do meu desejo, eu não pretendia me afastar dela, preferia morrer de pneumonia ali a deixar que seus lábios se separassem dos meus.

Deslizei as mãos por sua silhueta, sentindo o tecido grudado em sua pele morena, eu já estava ficando excitado, meu corpo estava respondendo ao dela ali tão próximo, acho que ela compreendeu que aquilo só tendia a se agravar mais e parou o beijo, mas mantive minha testa colada à dela.

– Está chovendo muito... – ela começou, mas nem sabia como continuar.

– Não! Essa chuva não é nada! – Pela primeira vez, desde que cheguei ali, a vi abrir um sorriso, mas era um tanto entristecido. – Eu ainda corro risco de ser morto? É isso?

– E-eu acho que não.

– Então o que está segurando você? Sou eu? Você não gosta de mim não é?

– Não é isso, é só... um pressentimento ruim.

Um trovão ressoou alto e acabei sorrindo.

– Eu não acredito nessas coisas, eu só quero ficar com você, pelo menos mais uma vez, não me afaste outra vez, eu respeito o seu espaço o suficiente pra que você não precise fazer isso.

– Eu sou tão fodida Brian, você não devia me procurar assim, não é bom pra você.

– Não é você quem decide o que é bom pra mim. – Beijei seus lábios mais uma vez, estava frio e meu corpo começava a tremer. – Vamos sair daqui.

– E a garota que estava com você?

– O que tem ela?

– Ela não está esperando por você?

– Ela vai ficar numa boa.

Jimmy

– Tinha tanto sangue! – agarrei as duas mãozinhas dela, era visível que ela estava começando a ter uma crise nervosa. – Onde ela está?

– Ela está lá dentro, mas não se preocupe, ela vai ficar bem, okay? – ela não pareceu acreditar muito no que eu estava dizendo. A quem eu queria enganar? Nem eu estava acreditando no que eu estava dizendo. A coloquei no meu colo e a abracei enquanto afundava o rosto em seus cabelos, tinha cheiro de chiclete. – Se tudo der certo, sua mãe e seu irmãozinho em breve vão estar com a gente.

– Meu irmão? Mas a mamãe disse que ia demorar pra ele sair da barriga dela.

Estremeci muito com aquilo, quais eram as chances de um bebê de sete meses sobreviver? O que ele já tinha formado? Apertei os olhos e agitei levemente a cabeça, eu estava no futuro, eu vi o Joe, ele estava vivo, tudo ia correr bem, tinha que correr.

– Ele estava louco pra sair e brincar com você, por isso resolveu sair antes.

– Oh! Ele realmente vai brincar comigo?

– Mais do que isso. – sorri de leve ao me lembrar da cumplicidade dos dois, Joe era o melhor amigo que ela sempre quis ter.

– Sullivan! – Sam irrompeu pelo corredor a passos largos, estava encharcado e muito corado pela corrida que dera até ali. Me coloquei de pé imediatamente. – O que aconteceu?

– Ela foi pegar uma toalha no armário e escorregou da escada.

Ele quase arrancou Shannon dos meus braços.

– E você meu amor, está tudo bem com você? – Shannon assentiu com a cabeça.

– O gigante disse que meu irmãozinho está louco pra brincar comigo, por isso saiu mais cedo da barriga da mamãe.

O olhar dele faiscou furioso para mim.

– Não era pra ela estar subindo em escadas, olha só o seu tamanho, podia ter pegado a porra da toalha só esticando o braço.

– Espera, você está insinuando que a culpa disso é minha? – ri incrédulo.

– Coisas ruins acontecem só quando você está por perto, acho que depois de tantos anos isso já estivesse claro pra você.

Dá pra acreditar na cara de pau do filho da puta?

– Coloque a minha filha no chão.

Sua? – ele tinha um tom insuportavelmente debochado – Até hoje, o que é que você fez por ela?

– Coloque. Minha. Filha. No. Chão. – falei pausadamente e entre dentes.

– Me diz Sullivan, o que fez pra ela te chamar de pai?

– Gigante, papai, o que estão fazendo? – Shannon estranhou enquanto Sam a colocava no chão.

– Não é a você que ela chama de pai, vai mesmo me bater na frente dela? No pai dela?

– Eu não preciso bater em você, você é que ás vezes precisa apanhar pra largar de ser filho da puta.

– Senhores, por favor, sem confusão aqui, estamos em um hospital. – Um segurança se colocou entre nós dois e nos afastou.

Shannon se sentou comigo no banco e Sam foi atrás de algum médico que pudesse lhe explicar o estado de Alison (e para ficar o mais longe possível de mim).

Soltei um suspiro pesado quando ele saiu e passei a mão pelo rosto, quanto tempo mais isso ia durar?

– Gigante... – a voz dela era uma coisinha doce e tímida.

– O que foi, meu amor? – sorri para ela, mas ela estava séria. O cabelinho escuro bem arrepiado e o vestido azul úmido por Sam tê-la pego no colo mesmo estando molhado.

– Se você quiser, eu posso te chamar de papai também.

Eu abri o sorriso mais idiota da minha vida.

– Você não precisa, se não quiser.

– Eu quero.

Sorri para ela e peguei sua mãozinha, era tão pequena.

– Então pode me chamar de papai sim, eu vou adorar ouvir.

– Papai gigante – ela riu pelo nariz e dei um beijo na ponta de seu nariz, mas depois ela ficou séria. – Agora você e meu outro papai vão ser amigos não é? Eu chamo vocês dois de papai igual.

Soltei um longo suspiro.

– Olha Shay, as coisas não são tão simples assim, talvez quando você estiver um pouco maior, você compreenda.

– Isso não é justo, eu quero saber agora!

– Isso não é assunto de criança meu amor, por enquanto vamos só esperar que sua mãe e seu irmão estejam bem.

Alguns minutos depois, Samuel reapareceu acompanhado da obstetra encarregada da cesariana de emergência de Allie, julgando pela aparência dela, a cirurgia tinha acabado há pouco. Me coloquei de pé quase que imediatamente e apertei de leve a mãozinha de Shannon.

– E então?

Allie

Abri os olhos com uma dor intensa em meu corpo, não havia uma única parte que não estivesse pinicando, ardendo ou fedendo a álcool. Movi o braço e senti que havia um soro ligado a ele, só então prestei atenção ao local em que eu me encontrava, mas ainda pior foi o enorme terror que tomou conta de mim quando me dei conta da parte do meu corpo que estava gerando a dor.

– Meu bebê. – minha boca mal se moveu para pronunciar as palavras. Me agitei na cama e a dor veio ainda pior, queimando e me rasgando como uma faca bem afiada. – Meu bebê, onde está meu bebê?

Me mexi impacientemente, sentindo a dor piorar e as lágrimas descerem involuntariamente. Algo começou a apitar, uma luz que eu não fazia ideia de que caralhos tinha saído piscava e de repente me vi gritando.

– MEU FILHO? ONDE ESTÁ O MEU FILHO?

A porta se abriu e meia dúzia de enfermeiras entrou no quarto.

– Sra. Wade, relaxe, está tudo bem, fique calma.

Duas delas seguraram meus ombros e outras duas tentaram segurar minhas pernas.

– Ela está sangrando, acho que abriu os pontos!

– Onde está o meu bebê? Ele está vivo?

– Fique calma Alison, está tudo bem, seu bebê está bem. Pare de se mexer assim, você precisa de extremo repouso, tivemos que fazer uma cesariana de emergência.

– Meu bebê. – Eu estava soluçando, sem compreender como eu tinha ido parar ali.

– Shhh, shhh, fique calma. Olhe para mim, olhe. – a enfermeira puxou meu queixo para que meu rosto se alinhasse com o dela, era uma mulher magra, de pele acobreada, com olhos grandes e gentis. – É um menino, e muito bonito, se parece com você.

– Um menino... eu posso ver ele? – aos poucos eu fui parando de me mexer.

– Por enquanto não, ele ainda precisa se fortalecer um pouco, mas logo vai poder vê-lo. Agora tente se acalmar um pouco, precisa ficar quieta para se recuperar mais depressa, okay? Vou sedar você agora, tudo bem? – acenei com a cabeça, ainda sentindo meus olhos lacrimejando. – Agora descanse um pouco.

O sedativo veio logo depois e não demorou pra que eu caísse num sono profundo. Da segunda vez que acordei, a dor não tinha diminuído, mas minha mente parecia mais lúcida. Novamente fiz um pequeno esforço para me mover, mas a dor me atingiu como um vagão de trem. Desisti do movimento e apenas virei o rosto, estava em um quarto com paredes verdes, com uma única janela na outra extremidade, eu podia ver luz artificial pelas frestas da persiana, devia estar anoitecendo. Notei que ao lado do suporte para o soro, havia uma mesa de metal, com um jarro cheio de flores amarelas que eu não sabia de qual espécie eram e um desenho feito com giz de cera.

O desenho se assemelhava a uma cobra preta com duas bolas embaixo da cabeça e uma outra bola no final do palito que devia ser um braço, mas provavelmente devia ser eu e o bebê, havia a assinatura da Shay em azul no canto da página, ela já estava escrevendo o próprio nome muito bem.

Passei cerca de uma hora observando os detalhes daquele quarto, já que não havia muito que eu pudesse fazer, ainda mais no estado em que eu estava, tendo que fazer xixi por um canudinho, mas minha mente só pensava na criança que tinham tirado de mim, queria ver seu rosto, tocá-lo, ver se estava saudável, se não tinham trocado ele pelo filho de outra pessoa, estava começando a ficar paranoica outra vez, quando começaram a mexer no trinco da porta.

– Mamãe? – A vozinha dela me fez abrir um sorriso enorme.

– Hey minha princesa.

Ela abriu a porta por completo e entrou no quarto, sendo seguida por três marmanjos. Jimmy e Sam estavam ambos com os lábios arroxeados de frio e Jimmy parecia meio gripado, Max estava olhando pra mim como se eu fosse uma aberração.

– Nossa você está horrível.

– Me conta uma novidade. – eu falei enquanto Shannon tentava subir na cama, que era alta demais pra suas pernas.

Jimmy a ergueu pelos braços e a colocou sentada ao meu lado, ele tinha um sorriso no rosto de quem parecia guardar um segredo muito engraçado só para si e Sam estava um pouco tenso, mas pegou minha mão, estava quente.

– Que bom que está bem, não devia ficar subindo escadas Alison, acho que já tinha falado isso pra você.

Olhei bem para seu rosto, só então percebi o quanto ele andava sombrio recentemente.

– Não queria que eu subisse em escadas por causa do meu estado ou por que não queria que eu encontrasse seu dossiê? – falei sem nem me medir e pude ver a expressão dele mudar de ternura para terror.

– Do que está falando? É claro que foi pela sua segurança.

– E também por que era conveniente não é?

– Do que ela está falando Sam? – Max perguntou intrigado.

– Nós conversamos sobre isso depois, agora é melhor descansar. – Ele soltou minha mão e caminhou a passos duros para fora do quarto.

Jimmy e Max me encaravam sem compreender o que tinha acabado de acontecer.

– Então, vai contar pra gente o que foi isso? – Jimmy perguntou.

– Sim... mas não agora. – fechei os olhos e suspirei, a dor ainda incomodava muito.

Os dois trocaram um olhar cúmplice que eu não sabia que eles tinham e então Max saiu do quarto.

– Já deixaram que você o visse? – Jimmy mudou de assunto tão rapidamente que me vi um pouco perdida.

– O bebê?

– Não, o godzilla. É claro que é o bebê, Alison.

– Não, eu ainda não o vi, você já?

– Nós dois vimos! – Shannon levantou as mãos animada – eu desenhei ele ali, você não viu?

– Oh, é claro que eu vi meu amor.

– O desenho dela é bem fiel. – Jimmy abriu um sorriso zombeteiro e Shannon deu a língua pra ele.

– Ele estragou o desenho quando colocou os peitos embaixo da sua cabeça!

Eu gargalhei, mas logo me arrependi quando a dor veio novamente.

– Estraguei? Eu salvei o seu desenho, sua ingrata.

– Eu nem sei o que isso significa!

Nós três caímos no riso simultaneamente, eu ria e choramingava de dor e isso parecia fazê-los rir ainda mais. Talvez aquele fosse um dos momentos em que eu me sentira mais feliz em toda a minha vida.

– Com licença meus queridos, tem um rapaz aqui que precisa ser alimentado. – a enfermeira que havia me tranquilizado mais cedo entrou empurrando uma incubadora, eu pude vê-lo lá dentro, pequenininho, rosado e com alguns fios escuros na cabeça. Ela ergueu a cama para que eu ficasse quase sentada e arrastou a incubadora para mais perto.

– Oh meu deus! Eu vou dar de mamar pra ele?!

– Na verdade não, como ele nasceu prematuro ainda não sabe sugar, mas é importante que tenha contato com ele, além disso, sei como estava angustiada para vê-lo.

Eu comecei a chorar feito uma idiota, ele parecia tão frágil.

– Hey, ele vai ficar enorme, você vai ver. – Jimmy tentou me acalmar e me deu um breve e doce selinho.

– Tem certeza?

– Absoluta.

A enfermeira me entregou a bombinha e me ajudou a tirar o leite, que por sorte tinha aparecido no meu seio. Pude vê-la alimentando-o e tive muita vontade de chutá-la pra longe e pegá-lo nos braços.

Depois que ela terminou de alimentá-lo, lançou um olhar para mim.

– Você quer pegá-lo, não quer? – Assenti energicamente com a cabeça. – Você pode, mas só um pouquinho. Logo ele vai estar mais forte e vai poder ficar mais com você.

Senti meu coração disparar quando ela o retirou da incubadora, tão pequeno, eu já estava soluçando. Troquei um olhar rápido com Jimmy, ele havia pegado Shannon no colo e sorria para mim. Cuidadosamente a enfermeira o passou para meu colo. Ele gemeu de leve, mas não chorou, tinha os cabelinhos escuros e a pele um pouco salpicada de rosa, mas dava pra ver que ele era bem branquinho, tinha o nariz pequenininho e as bochechas cheias. As mãozinhas estavam fechadas em punho, o segurei bem junto ao peito e ele então, bem devagarzinho, abriu os olhos pra mim, eram completamente negros.