— Sim, com certeza, precisamos conversar, Ed — repito, olhando direto para os olhos deles, erguendo o queixo, decidida.

— Primeiro, desligue isso aí.

Eu havia me esquecido do aspirador de pó, apertei o botão e silêncio.

— Então?

— Quero esclarecer uma coisa para você: Não sou um canalha, só gosto de ficar com as garotas, mas nunca tiraria proveito de uma situação para isso, elas ficam comigo por que querem — ele falou, de modo firme, sustentando o olhar.

— Eu sei, mas como falei, só que fui pega de surpresa, com aquela situação esquisita. Sabe, foi muito estranho.

— Tenho que reconhecer que foi uma situação um tanto esquisita. Mesmo assim, você fez conclusões precipitadas contra mim, sem nem ouvir minha versão da história.

— Eu sei — murmuro, me sentindo culpada.

— Então, estamos entendidos? Tem alguma coisa que eu faço, que a incomoda?

— Não. Só que...

— Só que você está com medo que eu dê em cima de você, mas não se preocupe, isso não vai acontecer.

Poderia ter dito que ele era muito convencido e que estava saindo com alguém, mas me segurei.

— Não é nada disso, eu não tenho medo que você dê em cima de mim — rebato, com firmeza, apesar de achar o contrário.

— Ótimo! Afinal, você é minha colega de apartamento, precisamos ficar numa boa, certo? — Ele abre um grande sorriso e eu tento fazer o mesmo, sem tanta naturalidade.

— Certo. Estamos numa boa.

— Sendo assim, quer ajuda aí?

— Podemos fazer um cronograma para a limpeza da casa.

— Se você quer assim — Ele dá de ombros, sem muito interesse.

E assim, começou a nossa convivência mais ou menos pacífica.

Devo confessar que sou meio paranoica com arrumação. Gosto de tudo em seu lugar, por isso, nos fins de semana quando não estava com Felipe, eu limpava a casa e lava as roupas, fazia compras para mim. Já Ed é um tanto bagunceiro, não se importa com a organização do apartamento, chega em casa e larga os tênis e a mochila em qualquer lugar, deixa roupa suja no banheiro, não abaixa a tampa do vaso. Aquilo me deixava muito irritada, no entanto, eu me segurava para evitar atritos, mas, dia após dia, estava certa que o confronto seria inevitável, contudo, por enquanto, deixa para lá.

Enquanto isso, eu e Felipe continuávamos firmes, saímos e nos divertimos, ele era muito carinhoso, porém, ainda não tive coragem de convidá-lo ao meu apartamento, pois, apesar dos beijos quentes e amassos arrojados, ainda não havíamos chegados até o fim. Para falar a verdade, eu ainda não havia transado, por achar que não tinha encontrado a pessoa certa, queria que quando acontecesse fosse algo muito especial, com alguém especial. Então, eu esperaria.

Nas semanas seguintes, aprendi como é difícil namorar um estudante de medicina, com todas as aulas, testes, provas e plantões, mas Felipe valia a pena, ele era tão meigo e carinhoso, eu me sentia muito bem ao lado dele, por isso considerava se ele seria essa pessoa certa, que tanto esperava. Para minha admiração, ele até compreendeu quando disse que dividia o apartamento com um homem, apesar que eu desconfiasse que Felipe achava que Ed era gay. No entanto, ainda não tive coragem de contar toda a verdade, para os meus pais, sobre o meu companheiro de apartamento.

Naquela noite de sábado, estava no apartamento sem ter nada o que fazer, já que meu namorado havia arranjando um plantão em uma emergência, assim aproveitei o tempo livre para cuidar de mim, pois sabia que Ed não voltaria para casa tão cedo. Assim, coloquei creme nos cabelos e comecei a cuidar das minhas unhas, na sala mesmo, aproveitando estar sozinha, quando a porta se abriu, levei um susto ao ver Ed entrar e parar diante de mim, esperei que ele risse da minha aparência ou fizesse alguma piadinha sarcástica, mas, para minha surpresa, nada disso aconteceu.

— O que está fazendo em casa, sábado à noite? Cadê o namorado? — ele me perguntou, erguendo as sobrancelhas perfeitas.

— Felipe está de plantão. E você, o que faz em casa a essa hora?

— Eu não estou legal, vou descansar um pouco — sua voz era desanimada.

— Posso ajudar?

— Não, vou ficar bem, sou vou dormi mais cedo — respondeu, indo direto para o quarto, o que é estranhei bastante.

Por fim, unhas feitas e cabelos lavados, resolvi dar uma espiadinha para ver como Ed estava, bati na porta de levinho, sem resposta, só o silêncio, assim, entreabri devagarinho, olhei lá para dentro, esperando acostumar meus olhos na escuridão, até encontrá-lo todo encolhido, debaixo de um cobertor. Espera aí! Cobertor? Deve estar fazendo uns 30 e poucos graus de temperatura. Sabia que estava sendo intrometida, mas não podia deixar para lá, por isso, abri a porta e entrei.

— Ed! — chamei baixinho, sem resposta — Ed! — tentei de novo e nada.

Então, me aproximei, preocupada, talvez, não fosse nada, só sono pesado. Fiquei bem perto dele, sem saber o que fazer, pressenti que tinha algo errado. Toquei sua testa e ele estava muito quente.

— Ed! — falei mais alto, ele murmurou algo incompreensível. — Ed, você está com muita febre, então, vou ter que fazer uma coisa que não vai gostar — dizendo isso, puxei o cobertor dele, que resmungou. — Você não pode ficar coberto assim, com toda essa febre.

— Vou pegar uma compressa fria e um antitérmico.

Sai do quarto, molhei uma toalha de rosto com água fria e peguei um medicamento na minha farmacinha. Voltei para junto dele, coloquei a compressa na sua testa e lhe dei o comprimido, rezando que não fosse nada grave, para que não precisássemos ir a uma emergência na madrugada. Poderia ligar para Felipe, mas achei melhor não.

Sem saber exatamente o que fazer, fiquei de guarda, esperando a febre ceder, sentada no chão, ao lado da cama dele no escuro. Acho que dormir deitada ali mesmo, usando uma almofada e uma jaqueta impregnada com o cheiro dele como travesseiro.

— Paula?! — Acordo com o som do meu nome, já amanheceu e a claridade do dia ultrapassa as frestas da cortina mal cerrada, eu me movi lentamente, sentindo meu corpo enrijecido e dolorido pelo desconforto do leito improvisado, abri os olhos e dei de cara com Ed, sentado na cama, com as sobrancelhas erguida com cara de espanto, sentei em um pulo. — Paula, o que você está fazendo aqui, dormindo no chão do meu quarto?

— Ah! Você não estava nada bem, teve muita febre, então cuidei de você, lhe dei um antitérmico e coloquei uma compressa de água fria na sua testa. Ele me encarou, espantado com a revelação.

— Obrigado, deve ser uma virose, tenho febre alta desde criança. Mas, como você soube que estava com febre? — disse, ainda um tanto desconfiado da minha história, porém não podia dizer que invadi o quarto dele, para observá-lo, seria muito estranho.

— Eu ouvi, você estava se debatendo e falando durante o sono — inventei rápido.

— Estranho... — Ed estava bastante desconfiado, contudo eu não podia voltar atrás, precisava manter a minha história.

— Quer alguma coisa? — Fiquei de pé em um pulo.

— Não, obrigado. Você já ajudou bastante — Ele parecia, realmente, agradecido.

— Não foi nada — disse, sem jeito, e saio do quarto dele.