Da noite para o dia, Sara e Grissom viraram dois estranhos que moravam na mesma casa. Nem mesmo há setes anos atrás, quando recém se conheceram, eles se sentiam tão desconfortáveis a presença um do outro.

Sara não conseguia nem olhar nos olhos do marido, tanto era sua dor, decepção e sentimento de traição. Sempre que estava no mesmo cômodo da casa que ele, tinha uma sensação de raiva crescente, e tinha que se retirar antes que a sufocasse.

Gilbert também estava triste, e não sabia como chegar na esposa, ele queria sentar e conversar com ela com os ânimos mais baixos, ainda sim, sempre que tentava se aproximar ela se afastava.

As Júlias sabiam que havia algo errado, e perceberam logo o modo que seus pais estavam se tratando. Para elas também era incômodo ficar com os dois no mesmo ambiente sem saber o que fazer. Nenhuma das duas teve coragem de tocar no assunto ou perguntar o que havia acontecido.

Já era domingo à noite, Sara estava no quarto de hóspedes e Ju bateu na porta do quarto. Sara organizava algumas roupas que havia trazido do seu quarto quando percebeu a menina encostada no batente da porta.

— Eu tinha metade do meu tamanho quando te vi dormir aqui pela última vez. – Ju falou em um tom de brincadeira.

— Mas continua sendo minha pequena. – Sara forçou um sorriso para a filha.

— Mãe, eu não sei o que aconteceu e nem vou tocar nesse assunto, mas eu odeio ver você e o papai tristes. – Constatou. – Eu e a Júlia Dois não estamos sabendo exatamente como agir ou que partido tomar. Vocês nunca brigaram antes, e agora que fizeram a briga foi épica. – Ela ergueu as sobrancelhas.

— Filha, vem cá.

Sara se sentou na cama, e deu dois tapinhas indicando que ela se sentasse na frente dela. Ju entrou no quarto e sentou-se na cama conforme sua mãe havia convidado.

— Independente de qualquer briga que seu pai e eu tivermos, vocês não têm que tomar partido de nada. Eu continuo sendo a mãe de vocês, e Gilbert segue sendo o pai de vocês. O que acontece entre nós dois, não tem nada haver com vocês. E eu não quero que vocês fiquem escolhendo um lado, vocês tem que ficar do lado dos dois. – Sara suspirou. – Eu que tenho que pedir desculpas para vocês, eu me exaltei naquele dia, e não devia ter gritado daquela forma. Eu sei que ficaram assustadas. E eu sinto muito por isso.

— Tá tudo bem mãe. – Ela então desviou o olhar. – Na realidade eu vim aqui falar sobre o Hank, amanhã é segunda-feira e eu não sei como vou olhar pra ele.

— Você ainda não tomou uma decisão?

— É tão confuso. Eu quero dizer pra ele que a gente é irmão, eu quero muito. Mas eu não quero apagar a imagem que ele tem do pai. Eu acho que ele ficaria triste demais. E eu não quero deixar ele triste. – Desabafou. – E a mãe dele também vai ficar triste, e eu sei que quando você está triste, eu também fico triste.

— Você realmente gosta desse menino, não é?

— Eu não consigo mais gostar dele daquela forma. Não depois da gente conversar. – Ela fez uma carinha de nojo. – Mas ele é a única pessoa além da Julia Dois que eu converso na escola. E se a gente brigar, eu vou me sentir sozinha.

Sara respirou profundamente. Ela entendia a filha. Ela não tinha muitas pessoas próximas, para ela era difícil fazer amigos. E agora que havia brigado com o Gilbert, se sentia sozinha.

— Você sabe que eu vou te apoiar independente da sua decisão, né? – A menina assentiu. – Só não se deixe levar. Se você tiver um ímpeto de falar algo pra ele, se segura.

— O que é ímpeto? – Perguntou confusa.

Sara soltou um riso nasalado.

— É tipo impulso, uma vontade na hora sabe? Não faça isso.

— Pode confiar em mim mãe. – Ela sorriu.

— Eu confio.

— Seria muito errado se eu mentir pra ele? Pra não perder a amizade dele.

— Mentir nunca é a melhor solução meu amor. – Agora mais que nunca ela acreditava nisso.

— Tá, mas se por um acaso você me proibisse de namorar na escola, e eu fosse uma filha bastante obediente que iria cumprir as regras. E esse ser o motivo de nós dois sermos somente amigos? – Ela fez uma careta.

— Júlia. – Ela suspirou. – Você está definitivamente proibida de namorar. É muito nova e tem que focar somente nos estudos. – Ela sorriu e piscou pra filha.

— Obrigada por ser a mãe mais chata do mundo.

— As ordens.

Ju então abraçou a mãe. Forte. E Sara sabia que ela havia feito isso porque sabia que Sara precisava. Ela estava acolhendo a mãe. Tentou segurar o choro, não queria chorar em frente a filha, mas foi impossível conter as lágrimas.

Grissom passou pela porta do quarto, e viu aquela cena. Sara de olhos fechados, as lágrimas escorrendo pelo rosto, abraçando tão profundamente e tão apertado a Ju, que naquele momento a pequena era o apoio da mãe e não ao contrário.

Seu coração ruiu. O que ele havia feito com Sara? Ele estava triste por não saber o que ia acontecer, por não saber se um dia ela o perdoaria, mas ali ele se deu conta que havia algo pior e aquele que devia ser o motivo de sua tristeza: por que ele machucou a mulher que amava?

Ele se deu conta naquele momento o que ele havia feito com ela. Não era mais questão de há quantas andavam o relacionamento deles, mas a ferida que havia aberto no coração dela.

Ele seguiu seu caminho antes que ela pudesse perceber que ele estava ali.

— Eu espero que você e o pai se acertem. – Ela disse assim que soltaram do abraço.

— Não fiquem preocupadas com isso, ok? Independente do que acontecer, nós sempre seremos seus pais.

Logo depois da conversa com a Ju, Sara sabia que precisava falar com Grissom. Ela o evitava fazia dois dias, queria evitar uma briga, mas a realidade é que aquilo estava afetando as filhas. E estava afetando ela.

Foi até o quarto atrás dele, mas ele não estava lá. O cheiro de Grissom estava impregnado naquele quarto. Na cômoda havia uma foto dos dois, ela se sentou na cama, pegou o porta retrato, e ficou olhando por um longo período.

Por que Grissom havia feito aquilo?

Ela precisava de uma explicação. Não era possível que todas as respostas que ela fantasiava em sua cabeça fossem verdade. Ele tinha ruído a base do casamento deles que era a confiança.

Como reconstruir isso? Como salvar aquele casamento? Como ela voltaria a confiar nele depois disso?

Uma pessoa que era capaz de esconder algo assim por um ano inteiro, era capaz de o que mais?

Ela precisava de um tempo. Precisava pensar e se acalmar. Estar naquela casa, tão perto dele, só aflorava sentimentos ruins.

Ele deveria estar no escritório. Se levantou da cama, deixando o porta retrato virado de cabeça para baixo sobre a mesma. Seguiu para lá. Chegando no escritório deu duas batidas na porta, ao perceber que estava destrancada, ela entrou.

Grissom ficou surpreso quando levantou o olhar e viu a morena entrar na habitação. Não falou nada. Deixou que ela se aproximasse da sua mesa, ela não sentou.

— Eu queria te dizer que eu vou sair de casa por um tempo. A nossa briga foi escutada pelas meninas e elas estão desconfortáveis, e o clima não está dos melhores. Além disso, eu preciso pensar e eu não consigo pensar estando aqui.

— Sara, por favor, me dê uma chance. A gente pode recomeçar.

— Eu não sei se consigo. Eu preciso pensar, eu preciso pensar em tudo, porque hoje eu não vejo solução para tudo que aconteceu. Eu preciso ficar longe de ti um pouco.

Grissom queria dizer que não, queria que ela ficasse, não queria ela longe. Entretanto ele entendia, aquele abraço que ela havia dado há poucos minutos estava tão carregado, que ele soube que ela realmente precisava de um tempo.

— Você não precisa sair. Eu posso ir. Você pode ficar aqui, e…

— Não. – Ela interrompeu. – Eu não preciso ficar longe só de você, eu preciso ficar longe de tudo que tem você, e essa casa. – Suspirou. – Essa casa tem você em todos os cantos, em todos os detalhes. A única coisa de você que eu quero perto de mim são nossas filhas. – Ela então tirou a aliança do dedo, e largou sobre a mesa de escritório.

— Sara… – Ele nem conseguiu completar, sentiu seus pulmões esvaziarem.

— Isso não é um pedido de divórcio, não ainda. – Disse sincera. – Mas eu quero que saiba que não precisa esperar uma decisão, quero que você se sinta livre para fazer o que quiser. Não que isso faça importância.

— Você é a única mulher que eu amo. Você não me ama mais?

— Eu amo Gil, eu amo tanto. Seria muito melhor que não te amasse, assim não estaria doendo tanto. Seria mais fácil.

— Se você me ama, então por que está indo? Confia em mim, a gente consegue reconstruir isso do zero. Eu prometo que nunca mais algo assim vai se repetir.

— Nós não somos adolescentes para começar as coisas do zero, e a última coisa que você pode pedir pra mim nesse momento é para que eu confie em você.

— E o nosso amor?

— Eu não sei se o nosso amor é o suficiente agora.

— Tudo bem. – Ele disse se dando por vencido.

Sabia que não conseguiria mudar a cabeça dela. Não naquele momento. Não somente ela, mas ambos estava com muitos sentimentos intensos e precisavam espairecer e esclarecer. Ele não podia negar que estava com medo, medo de ter perdido ela para sempre.

Como pode ser tão burro?

— Tem onde ficar? Você me disse que todos os apartamentos estavam locados.

— Um dos imóveis está para ser entregue, mas eu tenho onde ficar até lá. Eu vou me organizar para me mudar ao longo da semana e depois que me instalar a gente organiza uma rotina de guarda compartilhada. Bem, você sabe como funciona.

— Por quanto tempo vamos ficar assim, Sar?

— Pelo tempo que for necessário. – Ela disse evasiva.

Ela saiu do escritório em seguida, e seguiu para o seu quarto o mais rápido que pôde. Havia deixado ele chorando no escritório, mas conseguiu segurar suas próprias lágrimas até conseguir se jogar na cama.

Tinha tantas coisas para fazer, e queria sair daquela casa o quanto antes. Porém já era tarde, e estava emocionalmente esgotada, então apenas dormiu.

Já era meio da semana, e ela finalmente terminava de arrumar suas coisas. Estava tudo pronto para sair daquela casa. A única coisa que faria falta seria a presença das filhas, que seria um pouco menos assíduo, já que ficariam mais tempo com o pai que com ela, já que o apartamento para onde iria temporariamente era longe da escola.

Ela ainda não havia falado com as filhas sobre essa decisão, mas precisava. Iria aguardar elas voltarem da escola e conversar com elas. Para Sara era difícil ter essa conversa com elas, principalmente com Jujuba, logo quando começara a se aproximar do pai, surge esse empecilho e por mais que falasse para ela não tomar partido, era obvio que ela tomaria. Apesar de estar irritada e decepcionada com o marido, ela não queria afetar a relação dele com ela.

“O que eu faço?”. Pensou consigo mesma, na realidade era só o que pensava.

Ela olhou para a mão sem aliança. Sentia-se nua sem ela.

Tinha terminado de arrumar duas bolsas de viagem, não queria levar muita coisa por enquanto, somente o essencial. Quando fosse para um lugar definitivo, ou tomasse uma decisão definitiva sobre seu casamento, ela decidira o que fazer com o resto dos seus pertences.

Seu telefone tocou. Na tela um número desconhecido. Ignorou.

O telefone seguira insistente. O mesmo número. Não estava com paciência para telemarketing.

Tentou seguir ordenando algumas coisas, conferindo se não faltava nada. O telefone não parava. Ele tocava tão insistentemente que já estava a deixando irritada. Pegou o telefone, ignorou a ligação e chegou a pensar em bloquear o número. Balançou o telefone um pouco, ele tocara novamente. Podia ser algo importante, por fim atendeu.

— Alô… Sim, é ela… – Ela ficou irritada de repente. – Olha, eu não estou em um bom dia para brincadeiras, vão dar trote em outra pessoa… – Ela interrompeu a voz do outro lado da linha. – Não… Eu não acredito. – Ela interrompeu novamente. – Passe.

Ela então ficou estática, pálida. Precisou sentar-se na cama para não cair. Seu pulso acelerou. Quem a visse naquele momento, tão assustada e impactada, poderia dizer que ela havia visto um fantasma.