Chovia torrencialmente lá fora, uma verdadeira tempestade, sacudindo as vidraças, que tinha acabado com a energia de casa e nos deixado à luz de velas, na escuridão da noite coberta de nuvens grossas e negras.

– Tudo fica mais charmoso à luz de velas – Kouyou brincou e eu ri, trazendo mais um conjunto de luzes alaranjadas que pintavam sombras escuras e gigantescas na parede.

– E mais romântico também – eu respondi, me jogando ao seu lado no sofá, sendo bem presa por seus braços, recebendo um beijo em minha bochecha.

–Ah, sim, não vamos nos esquecer nunca do romantismo, escritora-sama – eu revirei os olhos.

– Você parece a Ana me chamando de “escritora-sama”...

– Você é essencialmente escritora, Ny-chan, todos sabemos disso muito bem! Eu até mais do que os outros... Talvez, só menos do que a Carol...

Eu deitei caída sobre o braço do sofá, puxando-o para também se esticar e deitar sua cabeça em minha barriga, perdendo meus dedos entre seus cabelos, fazendo carinho. Ficamos um longo tempo em silêncio, só ouvindo o barulho da chuva que não parecia com vontade de parar, olhando para o apartamento sem luz. Eu não me importava nenhum pouco com aquela situação, adorava quando chovia e aquele silêncio era confortável para ouvir meus próprios pensamentos.

Kouyou se virou para se debruçar sobre meu corpo, ficando de frente pra mim e me encarando com aquele seu olhar enigmático que conseguia me deixar completamente arrepiada sem precisar de um único toque.

Com um movimento cauteloso, ele aproximou nossos rostos, selando nossos lábios lentamente, como se saboreasse uma experiência completamente nova, movendo sua boca na minha carinhosamente, me fazendo sorrir entre o beijo.

Eu nunca estava totalmente preparada para ser beijada daquela maneira cuidadosa com que ele me beijava, como se qualquer movimento brusco fosse nos despertar daquele sonho...

Enganchei minhas mãos em seus ombros, trazendo-o para ainda mais perto, possessivamente e ele deu risada, aprofundando nosso beijo de bom grado e enroscando sua língua com a minha, explodindo minhas veias com um novo ritmo desesperado que acelerava meu coração...

Acariciei lentamente suas costas, conforme nosso ar diminuía em nossos pulmões e iniciava a contagem regressiva para precisarmos nos separar para respirar um pouco. Eu nunca o deixava se afastar até que meus pulmões ficassem com uma quantidade realmente baixa de ar...

Mesmo que seus lábios tivessem soltado os meus, seu rosto ainda estava próximo, Kouyou apoiou seu braço do lado do meu corpo, segurando sua cabeça com a mão, me encarando com aquele sorriso lindo que me fizera ficar perdidamente apaixonada.

– Sete anos juntos e eu ainda te deixo vermelha com um beijo... – ele disse, sua voz soando divertida.

– São as velas... – eu me defendi, mesmo que fosse mentira e eu soubesse que meu rosto estava queimando escarlate.

– As velas nada! – ele gargalhou, deitando sua cabeça em meu peito, seu ouvido direito escutando meu coração. – É ele! Tudum, tudum, tudum, tudum – Kouyou brincou e eu revirei meus olhos. – Acho que sou capaz de derretê-lo com um único beijo agora, Rainha de Gelo!

– Você é mesmo... – eu respondi, com um suspiro, puxando seu rosto gentilmente para o meu mais uma vez e deixando um selinho em seus lábios, que o fez sorrir lindamente.

– Graças a Deus você é minha... – ele sussurrou, ainda encostando sua boca ligeiramente na minha e eu sorri, quase sem ar, sentindo um bilhão de borboletas voando alvoroçadas na minha barriga.

– Acho que sou eu que devia dizer isso... – ele deu de ombros.

– Mas eu disse primeiro e é o que conta – eu gargalhei, fazendo carinho em seus cabelos e ele fechou os olhos, aproveitando meus dedos penteando e despenteando seus fios descoloridos. – Você sabe que me salvou, não sabe? – ele sussurrou, virando seu rosto para deixar um beijo na palma de minha mão. – Da solidão e da melancolia em que eu ia acabar me perdendo...

Eu me ajeitei melhor sob seu corpo, ficando completamente embaixo dele, para encará-lo nos olhos.

– Acho que você se lembra bem de como eu era quando nós nos conhecemos...

Rainha de Gelo – ele enfatizou, um pouco menos sério do que antes e eu assenti, erguendo as sobrancelhas.

– Minha vida também era... Dark and blue... – eu não sabia mais o que lhe dizer. Eu já tinha lhe agradecido tantas e tantas vezes por ter salvado minha vida... Nunca preparei nada pra falar se ele me dissesse o mesmo...

– Existe uma diferença entre se perder dentro de si mesmo e se perder no mundo... – eu o puxei pra mim e o apertei em meus braços bem forte, beijando seu rosto repetidamente, enchendo-o com todo o meu carinho e com todo amor que eu sempre senti por ele.

Era muito raro ouvir Kouyou colocando em palavras o que ele costumava dizer apenas com as melodias que compunha... Ele dizia que era por isso que nunca parava de brotar músicas em sua cabeça, era a única forma de colocar pra fora todos os sentimentos que ele tinha dificuldade de expressar... Assim como eu fazia colocando meus pensamentos no papel...

– Quando eu te conheci, eu soube que cada segundo de toda a minha vida seria seu... – ele disse baixinho e eu o fiz erguer seu rosto para me encarar.

– Quando eu te conheci, eu soube que você seria um mistério que eu nunca conseguiria desvendar... E, ainda hoje, eu continuo encantada por você como da primeira vez! – ele abriu o sorriso, entre o lisonjeado e o divertido.

– Não vale usar seus dons de escritora contra a minha falta de jeito em ser um namorado “romântico”... – ele se queixou e eu ri.

– Na verdade, essa frase não é minha... Mas eu sempre achei que descrevia bem o que eu sinto por você! – fiz carinho em seu rosto e ele beijou a palma de minha mão de novo. – E você é sim um namorado romântico, eu nunca tive do que me queixar de você! – ele gargalhou, me dando um selinho.

– Que bom! Isso, na verdade, é um grande alívio pra mim... Competir com a imaginação de uma escritora nunca é uma luta justa, sabe? – eu revirei os olhos.

– Bobo... – e o puxei para um novo beijo, ainda mais apaixonado.

Seus lábios nos meus pareciam ainda mais entusiasmados agora e era impressionantemente delicioso tê-lo se perdendo em mim com tanto desejo. Era quase impossível de acreditar que Kouyou tivesse qualquer tipo de receio em relação a mim, sendo que ele era um dos guitarristas mais desejados do Japão, com uma legião de fãs tão determinada a me odiar quanto em aguardar minha queda...

Eu só acreditava porque ele não era o tipo de cara que dizia sempre abertamente o que sentia ou afligia. Se ele estava me falando com todas as letras, era escancaradamente verdade.

Nós dois voltamos a ficar mergulhados um nos olhos do outro, recuperando o fôlego, rindo baixinho daquela intensidade com que tomávamos um ao outro quando estávamos sozinhos.

Quando estávamos sozinhos era que conseguíamos nos libertar e ser exatamente quem éramos, tanto individualmente, quanto como casal. E era confortável e gostoso como eu não conseguia nem sonhar...

– Você é o meu motivo pra que eu não desapareça... – eu disse, num sussurro e ele sorriu.

– E você é o meu motivo pra que eu continue existindo...

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.