Rick havia partido para North Pole fazia algumas horas desde que voltamos do enterro. Eu sei o quanto minha família queria que nós estivessimos reunidos neste momento, mas tudo que eu queria agora era estar sozinha ou longe de lembranças constantes. Ou seja, estar perto dos laços identicos de Isobel e Maison com Jeffrey me fazia chorar.

Eu deixei meu Neon com tio Rick, ele estava tão frustrado em ter uma reunião do conselho educacional da região que já estava se preparando para ligar e cancelar todos os planos. Eu sabia o quanto tudo isso significava para ele, tio Rick não poderia viver sempre contando com a livraria e ele sempre esteve feliz com as chances de se tornar um educador, como a minha mãe, isso amoleceu meu coração. Eu o barrei na porta de casa, disse que pegasse minhas chaves e fosse, eu queria que ele persistisse nessa escolha. Eu estava pedindo. Ou implorando. Então até depois de um bom tempo, ele concordou.

Mas eu não voltei para a casa. Ou para a mansão. Eu já disse, eu queria um momento a sós comigo mesmo, mas nada fazia sentido na cabeça de Isobel, eu só podia ouvi-la dizer sempre as mesmas palavras, sempre os mesmos conselhos.

– Não posso te deixar sozinha agora, Nathalie.

Eu sei que não podia, mas eu precisava disso. Todo mundo podia ver estampado nos meus olhos ou na minha expressão que eu precisava fugir de toda essa tensão.

– Isobel... – Maison colocou sua mão no ombro esquerdo de Isobel e se aproximou. – Está tudo bem.

– Maison?!

– Tudo bem. Eu acho que o que Nathalie quer agora é estar em um lugar diferente, você pode ir para a casa de Suzanna, ela tem um apartamento no centro, você pode ficar o tempo que quiser, contando de volte para casa no fim da noite, tudo bem? Nós temos nossas preocupações Nathalie, nesse momento você é a nossa maior meta de proteção.

É graças a Maison que eu passei as ultimas horas conversando com Lauren e Suzanna no apartamento. Nós lotamos a sala, levamos algumas comidas e alguns DVDs, covnersamos sobre assuntos que deixamos de falar quando a distância tinha nos afastado. Elas estavam aqui e me entendiam da melhor forma, da forma que eu precisava. Elas não corriam pelo assunto do enterro ou se eu estava bem a cada cinco segundo que eu me deixava calar só para pensar um pouco, porque elas sempre estavam falando, sempre estavam sorrindo e não abria espaço para nenhum pensamento horrivel sobre a morte do meu pai.

Eu sei que eu dei meu adeus, é a única coisa que me conforta agora. Eu estive aqui a tempo para poder dar-lhe o ultimo adeus, dividir o espaço com a minha familia que eu não via meses ou que eu não conversava a meses. Eu passei por lugares que estava constantes na minha infância até desaparecerem na minha adolescência. É isso, eu voltei, é o que me conforta agora, posso ter perdido muito tempo sem Jeffrey, mas estou aqui de novo, estou passando pelos mesmos lugares que ele passou, conversando com as mesmas pessoas que ele conversou, eu estou aqui por ele e estou vivendo como se eu nunca tivesse partido. É esse o lado de tentar passar a frente da perda. É se conformar que a pessoa que você ama partiu.

Lauren e Suzanna estão naufragas no sofá ao mesmo tempo que devoram o mesmo pacote de pipoca enquanto um filme está rodando na TV a um bom tempo e o que fazemos é lembrar de assuntos completamente diferentes.

O apartamento em que estamos foi um presente dos pais de Suzanna desde que eles resolveram que Sponvilly não era o suficiente para eles. Suzanna não podia largar a escola e viver viajando como eles faziam, então sua tia, Grace, foi a única escolha que lhe restou. Ela não mora aqui, ela é dona de um bar famoso na cidade junto com seu marido Benjamin, ou melhor, Ben. Grace sempre está tentando visitá-la quando possivel, a maior parte do tempo ela está no bar enquanto Ben não está nem aí. O que já quer dizer que a Suzanna prefere vê-lo a mil quilometros de distância se possível. Quando deixei meu Neon com Rick, Suzanna conseguiu emprestado o carro de Grace para que ela pudesse me deixar em casa, quando fosse a hora de ir, afinal, mesmo que eu quisesse estar longe das lembranças, eu não podia fazer isso nem com Isobel e nem com Maison. Eles certamente devem estar preocupados comigo, mas ficam mais aliviados se souberem que no fim da noite eu estarei voltando para a casa sã e salva.

– O que ele está dizendo? – Lauren está enrugando a testa e mastigando três pipocas ao mesmo tempo.

Eu tento observar para onde ela está olhando. Ela está observando uma cena do filme que acabou de começar.

– É porque ele tem um segredo. – Suzanna está contando. – É por isso que a garota foi embora.

Eu caminho para a cozinha atrás de um copo com agua e quando volto, Lauren ainda está interessada.

– Que segredo? Você já assistiu?

– Não, mas tem a sinopse. – ela segura o controle nas mãos e aperta o botão. – Ele tem o tipo ideal de vilão e a garota de moçinha que foge dele o quanto pode.

– Que terrorismo. Quem é o moçinho?

Eu me sento ao lado de Lauren.

– O bonitão que é bom demais para todo mundo. – eu digo, bebericando minha agua.

– Ah, passou longe. – Suzanna devolve o controle enquanto o filme parece estar entrando no comercial. – A moçinha se interessou assim de cara pelo vilão, mas ele é tão misterioso que você fica em duvida sobre o sentimento de ambos.

– Se há duvida, não há amor. – Lauren retruca.

– As vezes. – digo. – Se há duvidas é porque eles não se conhecem o suficiente.

– Verdade. Quando eles vão se aproximando por causa do infeliz destino, eles descobrem que há uma ligação surreal entre eles. O vilão se apaixona pela moçinha que prefere ele ao moçinho. Até que o vilão vira moçinho e aparece alguém que você nunca imaginou para estragar o romance.

– Isso é tão...

– Filme? – eu me viro para Lauren, então nós rimos.

– O filme já vai começar. – Suzanna puxa o pacote de pipoca novamente.

– Ah, mas está na hora de Gossip Girl, hoje tem um episódio i-né-di-to. – Lauren se estica no sofá e pega o controle das mãos de Suzanna para depois começar a trocar os canais enlouquecidamente.

Suzanna a olha feio depois de pegar o controle de volta.

– Hey! – Lauren se remexe no sofá e encara Suzanna.

Eu fico observando enquanto devoro minha pipoca.

– Se o filme é tão ruim assim, está passando The Walking Dead na programação, melhor que Blair e Chuck.

– Você não disse isso! – Lauren lhe mostra sua feição ameaçadora. – Você sabe que Chuck Bass é demais!

– Eu o quê? Está brincando comigo Lauren, com aquele cabelo até um cachorro molhado faz mais sucesso que ele.

Oh, ela não devia ter dito isso. Lauren puxa o controle de volta para si enquanto Suzanna está pensando na opção de ir até o controle e derrubar a pipoca ou deixar quieto. Eu acho que ela não ficará com a ultima opção.

Essa deveria ser a hora que eu interveio. Puxo controle e começo a alcançar um canal que não tenha nada a ver com séries, zumbis ou romance.

– Mas, o quê, Nina!

– Ah por favor! – resmungo para elas, decepcionada.

– Você não tem o direito de fazer isso, Nina. – Lauren se emburra ao meu lado.

Ignoro as reclamações, apenas continuou com meu plano de mudar os canais até achar algo mais produtivo. Começo a mudar o canais para o noticiário.

– Existe coisas melhores que assistir séries, minhas garotas.

– Como?

– Como noticias, uma grande quantidade de conhecimento sobre nossa querida Sponvilly, sobre o Alaska e detalhes do mundo inteiro, isso é completamente animador.

Elas estão de boquiaberta.

– Prefiro aprender como matar zumbis.

Elas se enterram no sofá enquanto eu me sinto por vencida.

– Eu prefiro aprender como arranjar um namorado como o Chuck. – Lauren retruca.

Eu reviro os olhos.

– Por que não aprender sobre o que anda acontecendo por nossa volta? Se avisar que hoje vai chover, vai evitar que seu pentiado maravilhoso desmanche, Lauren, e evita de você fazer feio na frente dos possíveis Chuck Bass. – eu digo, olhando para ela. - E se avisar que a temporada de caça está aberta, vai ajudar Suzanna a se preparar para matar zumbis, e isso é realmente muito, mas muito importante para o nosso mundo.

Há uma troca de olhares entre as duas.

– Você está brincando? – Suzanna pergunta.

Eu olho para elas e começo a rir. As duas me acompanham. Nós estamos rindos a uns cinco minutos enquanto eu agradeço por ter funcionado.

– É esse tipo de humor que eu estou falando. – Suzanna se espreguiça no sofá, quando nos recuperamos.

– Alguém quer pipoca? – Lauren se ergue do sofá e começa a caminhar para a cozinha.

Perdi as contas de quantos filmes assistimos a manhã toda, o quanto de comidas não saudáveis comemos até depois do almoço e o quanto que eu estava me sentindo bem. Era como se eu tivesse precisado dessa sensação a semana inteira, desde que recebi a noticia sobre meu pai. A sensação parecia fazer o percusso dos meus pensamentos funcionarem, eu estive tão fechada em uma única direção que nunca observei que havia vários lados para se olhar.

Eu estava ajudando Suzanna a ajeitar a sala que parecia um campo de guerra enquanto Lauren levava os pratos e os copos para a cozinha, se Grace chegasse a qualquer momento que não queria imaginar os tipos de xingamentos que ela soltaria para nós, porque normalmente é ela que está ajudando Suzanna com toda essa coisa de morar sozinha, cozinhar, arrumar a casa.

Eu olho direto para a janela onde a cortina cobre metade do vidro e vejo o céu nublado mais escuro. Já é tão tarde?

– Que horas são? – eu pergunto.

Lauren é mais rápida para me dizer:

– Hmm, quase cinco horas, por quê?

– Ah, minha nossa! – eu devolvo a almofada no sofá e começo a correr atrás do meu celular.

– O que foi? – Suzanna pergunta um pouco desconfiada.

– Eu esqueci da livraria. – eu disse, apressada. – Eu me ofereci a Rick para cuidar de livraria antes dele ir para North Pole.

– Apenas um dia fechado não estragará tudo, Nina, não fique estressada. – Suzanna me olha por cima do ombro, enquanto arruma uma parte do tapete.

– É o meu trabalho, eu prometi a Rick.

Lauren volta para a sala antes de dizer:

– Então não se preocupe, nós vamos com você.

– Eu agradeço, mas é só uma visita rápida, eu vou fechar mais cedo.

Suzanna e Lauren trocam olhares preocupantes.

– Já vai anoitecer, Nina. – Suzanna me repreende.

– Eu posso me cuidar, não se preocupem garotas.

Eu retorno para sala e tento ajudar Suzanna com a bagunça de novo, eu não posso deixá-las com esse furacão todo.

– Está brincando, não é Nina? – Suzanna segura a cintura com as mãos.

Como se fosse complicado demais me ver saindo pelas ruas de Sponvilly. Logo Sponvilly, uma das menores cidades da região, onde o indice de problema está bem abaixo da aparição de um disco voador em parada para turismo.

– Eu posso ir sozinha, não me importo.

– Claro, sozinha, para casa... Ótimo. – Lauren também está me repreendendo.

Eu vou até elas.

– Garotas, eu sei que parece uma loucura, mas eu me ofereci para poder ficar sozinha, eu preciso colocar as ideias no lugar.

Elas trocaram olhares e como ninguém respondeu, eu continuei:

– Eu sei que isso é complicado de entender, mas eu estou sempre rodeada de pessoas, eu estou sempre evitando pensar para não demonstrar, eu estou sempre frente a pressão. É por isso que eu preciso de um momento de fuga, quero sentir um pouco de liberdade, quero colocar as ideias no lugar e poder voltar para casa, ok?

– Você está sem carro, se lembra? – Suzanna ainda me olha com cara feia.

– Eu sei, mas a casa de Isobel é tão perto da livraria que o máximo que vou sentir é a mudança de temperatura entre a livraria com aquecedor e as ruas com mais ou menos seis graus.

– Eu não sei...

– Pode ficar tranquila. E você sabe que não pode deixar essa bagunça toda aqui porque nós sabemos que Grace sempre monta guarda quando anoitece. – eu digo, mais uma vez.

Elas trocam olhares por alguns segundos, antes de suspirarem fortemente para dar uma resposta.

– Tudo bem. – elas deliberaram.

Eu sorrio para elas.

– Então ande logo, nós ficamos com tudo isso. – Lauren me responde.

– Tem certeza?

– Está perdendo tempo, Nina, vamos, ande logo! – Suzanna me empurra até a porta com um sorrisinho no rosto.

Eu suspiroi aliviada.

– Ok, vejo vocês amanhã.

Eu corro para descer os degraus com mais rapidez, aceno para o porteiro que autoriza minha saída. Eu vejo o centro de Sponvilly assim que meu corpo entra em choque com a temperatura daqui. Encolho-me no meu casaco e agradeço baixinho por ter parado de chover a um bom tempo. Caminho pelas ruas tentando ganhar calor quanto mais aumento a velocidade dos meus passos. Como é vespera de final de semana, a cidade está mais movimentada, ou seja, testemunhas para o que quer que Suzanna e Lauren tenham medo por eu estar aqui sozinha caminhando pelas ruas.

Em poucos minutos, os postes vão ascendendo como as luzes das lojas, das casas, enquanto o dia ainda é nublado com tendência de chuva no mais anoitecer.

Eu já estou sem folego quando passo pelas primeiras lojas antes da livraria, como a de CDs na qual Samantha (a que estava no enterro) trabalha todo o expediente. Ela deve ser uns dez ou doze anos mais velha do que eu, mas eu reconheço que aquele cabelo ruivo e enorme a deixa muito mais atraente do que meus fios de tão pretos se tornam estranhos tanto quanto a cor dos meus olhos. Olhos de gatos. Eu passo caminhando pela calçada até que em poucos minutos eu consigo ver o letreiro ganhando vida da livraria.

O’Connel está bem ali.

Procuro as chaves dentro da minha bolsa marrom cor de madeira enquanto, ao mesmo tempo, tento não congelar no frio de agosto. Eu vejo algumas pessoas passando por mim e ainda consigo reconhecr alguns, é como se eu não pudesse apagar essa memória. As memórias vão continuar empreguinadas como uma tatuagem, você só tem que saber quais dela faz bem a você e quais não.

Abro a porta e o cheiro de mofo com produtos de limpeza me deixa tonta. É por isso que é necessário abri-la todos os dias, inclusive finais de semana, exceto o domingo. Rick sempre deixa tudo arrumado antes mesmo que meu expediente chegue e desde que fiquei a longa semana na casa de Maison, aqui está um pouco diferente do que deixei. As caixas que eu usei para tirar os livros e colocar nas prateleiras já não estavam mais ali, Rick deve ter terminado o serviço, além delas ele tinha trocado a iluminação, as luzes estavam mais fortes e eu podia ver até que livro está na primeira prateleira da primeira fila da ponta no andar de cima. É Charles Bukowski, o autor favorito de Jeffrey desde que ele conseguiu um emprego na cidade e um de seus companheiros tinha uma coleção completa de grandes livros do Bukowski. De todos os livros que me ofereceram, eu achei em Ao Sul de Lugar Nenhum um trecho que eu nunca me esqueci:

“Cada um de nós está, no final, sozinho”.

É uma boa definição para se estar sozinho, e acho que ninguém mais do que o proprio Bukowski para explicar o que estou sentindo neste exato momento. E nos proximos. Existem momentos que não há cumplicidade do mundo que faça alguém entender todas os loucos e pirados sentimentos que você carrega bem no mais profundo. Existem momentos que não há ninguém ocupante da terra que sabe extamente o que falar, o que fazer e como agir para mudar toda essa frustração.

É então que no fim das contas a gente sempre está sozinho. Há companhia mais cumplice seu do que você mesmo? Acredito eu que não, não há ninguém que saiba todos os meus segredos, todos os meus pensamentos e todas as minhas frustrações além de mim. É bom ficar sozinha. Não há ninguém. Essas palavras aterrorizam, mas sabemos o pingo de verdade que elas possuem dependendo da frase na qual são colocadas.

E usei todas em frases que certamente você concordará.

Quando tudo parece estar no seu devido lugar inclusive o botão de Ligado do aquecedor, eu vou até as cestas no interior do balcão a procura da agenda que usamos quando algum pedido está pendente, se algum cliente fez uma entrada em dos livros ou está com dias contados para a entrega. Eu folheio as páginas e vejo, depois de algumas anotações em minhas letras, as de Rick bem mais acentuada que a minha, quero dizer, ele tem toda essa coisa de educador e letras bem redondas ou “éles” bem puxados como a perninha do “quê”. É tudo tão organizado que sinto uma pontada de inveja, apoio meu queixo na mão e espero o tempo passar tão rápido quanto a minha chegada. Talvez eu tenha me preciptado sobrer aspirar tanto estar sozinha. Estar sozinha é saudável de vez em quando, se você é forte suficiente para enfrentar seus problemas e suas proprias frustrações sozinha, o que parece não ser meu caso. Eu acho que preciso estar perto de pessoas que amo para sentir minha força aumentando e me guiando para boas escolhas, como seguir em frente.

Deve ter se passado uma eternidade, desde que cheguei, mas quando observei a tela do meu celular, vi que eu tinha levado meia hora para sair da casa de Suzanna, chegar aqui e dar uma volta pelo lugar para encontrar algo desarrumado ou me familiarizar com a distância. Desde que aconteceu aquele principio de ilusão no andar de cima eu só procuro subir até lá quando as luzes do primeiro andar também estão acesas e se eu estiver levando algo forte e potente que sirva de arma para espancar alguém. Não que eu esteja querendo matar ninguem, só desacordá-lo por alguns minutos para que eu tenha tempo de fugir, só táticas de defesa.

Tá, confesso, quando eu passava a noite desacordada por causa dos meus pesadelos muitas vezes eu ligava o notebook enquanto eu continuava deitada na cama e começava a fazer perguntas ao Yahoo de como se prevenir caso você esteja em uma situção de extremo perigo a sua saúde física e psicológica (ou em outras palavras: autodefesa). Eu consegui alguns topicos:

1) Mão-de-vaca para valentões que empurram crianças na escola.

2) Defesas para diversas gravatas (essa eu demorei uns dez minutos para entender o termo gravata)

3) A defesa da Guilhotina

4) Para mulheres se defenderem com o jiu-jistu

Confesso que o único ponto que levei a sério foi o quatro, não que eu tenha algum conhecimento sobre jiu-jitsu, mas levando em consideração que eu sou mulher e passei por uma situação de puro medo, preciso saber como me defender e não quase tropeçar da escada ao ver um gato parecido o suficiente com uma pessoa. Preciso de ajuda psicológica, acho.

Eu vi alguns links extras onde eu podia ver as pessoas atuando nos movimentos e percebi que se defender de perigosos é mais complicado do que eu imaginei, tem muita técnica, calma, respiração e o momento certo para agir. Eu não sei se vou conseguir pensar em todos esses detalhes, pelo fato de 1) sou a pessoa mais desengonçada do pla-ne-ta; 2) em situações de risco eu fico qualquer coisa menos calma; 3) sofro problemas com respiração, eu sou asmática e preciso realmente falar sobre o “momento certo de agir”? Eu não sei qual é o momento certo de agir, de piscar os olhos, de respirar, todos meus sensores desligam, apagam. Eu entro em um transe de pânico. Ou seja, o cara que tentar me assaltar pagará pelo roubo e pela minha morte também. Ou terá muita sorte porque perderá a única testemunha do ato.

Eu esqueço esse assunto frustrante para pensar na possibilidade de ter passado o tempo para poder fechar a livraria. Ainda não.

Afundo-me na cadeira, ligo meu mp4 e espero. Era a única coisa a se fazer mesmo. Seis e meia em ponto, a livraria fecha as sete, isso é legal, quando se tem um carro para voltar para casa, mas por que eu ia ficar com medo? Sponvilly não tem altas taixas de mortalidade, de acordo com o meu livro de Geografia e nem muitas noticias sobre assaltos e gangues, eu sei disso porque sempre estou de olho no noticiário, o canal NBC.

Exceto o caso que Isobel me disse, mas Adam já cuidou disso não é mesmo? Eu espero.

Eu fico naufrága na cadeira de madeira por uns dez minutos ouvindo a playlist que David autalizou para mim, coisas que ele sabe que vou gostar como Giving You Up da Miley Cyrus ou até mesmo Rolling Stones. Peguo a agenda no fundo do balcão e começo a rabiscar freneticamente até que um ruido atravessa meu consciente inundando todo o lugar da livraria. Eu teria tido um pequeno principio de ataque se eu não soubesse de onde ele tinha vindo: do meu estomogo.

Não bastou a grande recepção que Suzanna produziu para mim e eu já estava com fome? Quero dizer, estar sozinha dá fome porque é você e nenhum ato que tire você do tédio, a não ser que você esteja fazendo algo sozinho que tome seu tempo, e não o contrário, você esperando o tempo passar para poder fazer alguma coisa. O ruido voltou a atacar, ok, eu não podia deixá-lo me assustar toda vez que Miley arrancava uma nota dificil e conseguia arrebentar nessa musica, então, por isso, eu saí da minha zona de conforto para vasculhar pelo lugar alguma coisa que me sustentasse até as horas finalmente chegarem em um consenso e o relógio apitar sete horas.

Depois de um cinco minutos procurando, a única coisa que acho auto suficiente é um saco com jujubas, pelo menos enganaria minha fome monstruosa e estranha até que as horas passem.

Seis e cinquenta e nove, meu consciente não ficaria me pertubando por fechar a loja um minuto antes do prometido, não é? Pego as chaves e me coloco de pé, sentindo a sensação de liberdade por estar pronta para sair daqui. Começei a desligando o aquecedor, verificando se ele estava mesmo desligado já que a tecnologia as vezes tem aversão a minha pessoa. Depois apaguei as luzes do fundo e fui apagando as outras até a saída. Olhei para fora, o crepusculo já tinha passado a muito tempo (como se fosse nitido ver o crepusculo com toda essa cor cinza ficando negra). Puxei a porta e a tranquei antes de enfiar as chaves no bolso traseiro e depois de me colocar para fora.

Argh, aqui é frio pra caramba!

Começei a andar sem pressa e com calma, estava movimentado, as pessoas passavam por mim a cada minuto, ou seja, testemunhas. Essa coisa de pesquisar autodefesa na internet depois da uma da manhã não faz bem à consciência, guarde essa dica.

Mas, convenhamos, um dos topicos que eu acho que deve ter estado lá, é manter os pensamentos calmos e positivos, e eu estava completamente aliviada com o rumo dos meus pensamentos neste exato momento (a parte do testemunhas). Pensamentos felizes e otimistas. Mesmo que já eu estivesse fora da livraria e começando a colocar em movimento minhas pernas, eu via que o tempo e a minha casa não chegariam tão rapidamente assim, por isso resolvi ocupar minha mente com algo que me fizesse deslocar só um pouco: musica. E, mesmo que eu adorasse musica, eu tinha que confessar que as musicas que David me arranjou era de seu repertorio, ou seja, eu conheço três das infinitas que ele colocou ali. Por isso eu marquei as três em: repetir eternamente. Quando a musica começou a rolar, eu senti a diferença começando.

Suspirei firmemente e percebi que isso quase congelou meus pulmões, a temperatura devia ter caído muito desde que começei a caminhar. Ou a coisa de se movimentar não aquece realmente o corpo. Fico com a primeira opção então, de acordo com a fisica e biologia.

Passei o primeiro quarterão de lojas para um sinistro lugar que começa com lanchonetes e restaurantes meio desconhecidos. Eu não sabia que havia vários caminhos para se chegar até a casa da tia Isobel, quero dizer... Espere! Eu retiro meus fones de ouvidos e os enfio no meu bolso.

Olho para meu relógio de pulso, mesmo com essa coisa da iluminação começar a enfraquecer de acordo que aumento os passos, eu vejo que já passa das sete e vinte e oito. Quero dizer, eu estou aqui a quase trinta minutos e não consigo ver sequer a ponta da casa de Isobel? Na verdade, essa não é a pergunta que está me frustrando agora.

Eu olhei pelos lados, que lugar é esse?

Eu lembro de ressaltar o quanto este bairro é mal iluminado, depois que deixei as lanchonetes e os restaurantes, a maior parte da iluminação, além dos postes, é de bares com habitação cem por cento masculina. São homens estranhos, com motos estranhas, gestos estranhos em lugares estranhos. Quando olhei para a primeira entrada de luz, eu vi olhos seguirem até mim e era como se eu tivesse sido arrancada do meu proprio corpo. Senti um arrepio subir pela minha clavícula e atravesar meu cabelo para meu cérebro dizendo: Perigo. Fingi que estava tudo bem e começei a caminhar como se eu conhecesse aquele lugar. Ótimo, eu estava indo em que direçao? Na verdade, que droga eu estava fazendo aqui? Que eu saiba eu nasci e morei aqui até uma certa idade para saber que existem bairros que você obviamente não vai querer frequentar se você tem problemas em controlar seu ataque de pânico. Além do questionamento sobre “onde eu estou”, eu sinto o medo percorrer meu corpo ao pensar sobre onde todos esses bares, toda essa mal iluminação vão dar. Do jeito como tudo parece piorar a cada vez que chego mais perto de lugar nenhum, prevejo as luzes faltando e eu entrando num intenso escuro. Eu tenho que voltar, tenho que sair daqui, mas para onde ir?

Quando chego no ultimo poste com iluminação, eu sinto que vou gritar e chorar por ter me perdido numa das cidades mais pequenas da região do Alaska. Eu posso ligar para Isobel e pedir ajuda e ainda ouvir ela se desesperar e nunca mais me dar um voto de confiança quando eu disser: quero ficar sozinha ou quero ir para a casa de Suzanna.

Preferi a opção de ser forte o suficiente para dar meia volta e sair dessa imensa escuridão que se prosseguirá caso eu der mais alguns passos. Quero dizer, como se fosse animador ter a opção livre de voltar para uma rua com dezenas de homens desconhecidos que podem até estarem armados. Um ( e único) ponto positivo sobre eu escolher voltar: pelo menos lá tem luz. Eu dou meia volta e começo a pensar em que parte eu peguei o caminho errado quando estava procurando a casa da tia Isobel. Eu lembro que fica depois do quarteirão das lojas, mas parece que meu bairro simplesmente trocou de endereço ou simplesmente está zoand...

Eu paro no meio do caminho. Não é uma ilusão, isso realmente não é uma ilusão. Um grito de pavor inrompe as paredes velhas de casas abandonadas e chega até mim, atravessando meus ouvidos e chegando até meu cérebro para processar: é um grito de perigo. Alguém está em perigo.

Eu quase grito, mas ele se prende na minha garganta e só consigo ouvi-lo através dos meus pensamentos em choque. Alguém gritou, uma mulher o fez, eu tenho tanta certeza quanto eu estar aqui, neste exato momento, tenho tanta certeza quanto eu estar viva neste exato momento. Eu sei que não se trata de uma ilusão.

De onde o grito veio?

Eu procuro pelo resto o bairro de onde pode ter saido a voz amedrontada, mas o que vejo é lugares abandonados do que suponho ter sido um dia lojas de facil acesso ou até mesmo restaurantes. Há dois postes onde eu estou, um deles está na ultima ponta e onde eu me encontro, que acaba de apagar completamente, é só eu e uma fresta de luz que deixa tudo mais sombrio do que já estava. Eu estou começando a entrar em pâncio, mas a minha consciência grita mais alto: procure a mulher que está gritando.

Eu posso não ter pensado direito, ir atrás de alguém que está gritando que supostamente pode estar correndo perigo, mas meu consciente de autodefesa está atrás dela para ajudá-la e agora eu não consigo parar minhas pernas, elas se movem para o outro lado da rua, onde o único poste que a iluminava acaba de apagar, tornando tudo um breu. Caminho até lá com as pernas bambas e sentindo o frio queimar minha pele, principalmente a facial, mas eu não consigo evitar. Eu me aproximo um pouco mais até que o grito resolve voltar novamente e é seguido de pausas de choros. É sem duvida uma mulher. Eu corro pela calçada já do outro lado e menos iluminado da rua. O que quer dizer, na verdade não tem essa de menos, não há nenhuma iluminação que não seja algumas brechas que a lua dá ao passar pelas nuvens. Eu sinto minha pele ferver, mas não tem nada a ver com a adrenalina, tem uma mistura de medo e frio.

Eu vejo uma entrada esguia depois de vários caichotes mal empilhados que devem estar ali a mais tempo que eu tenho de vida. Eu passo por perto e tropeço para trás quando eu vejo o que está acontecendo ali. Agarro-me na primeira parte da parede que encontro para poder me sustentar em pé. Eu vi a mulher de onde deve ter saido o grio de pavor. Ela está lá e não está sozinha. E eu espero que nenhum deles tenham me visto. Eu fiquei mais alguns minutos me segurando na parede e pousando minha mão em cima do peito quando ele subia e descia tão rapidamente quanto um jato. Eu poderia ter desmaiado com a velocidade que o panico e o medo atravessaram meu sistema nervoso. Eu poderia ter tido algum ataque asmático, mas neste momento o que eu senti foi a a adrenalina correndo pelas minhas veias e bombeando ideias que certamente qualquer pessoa julgaria estupidas: eu voltaria para lá.

Deslizo meus pés pelo chão ainda fraca para passos mais largos, contudo faço isso sem fazer barulho, quando só escuto os choros da mulher aumentando a cada centimetro sendo ultrapassado. Eu me escondo atrás das caixas e coloco meu rosto para frente, eles estão lá ainda, mas não é nada como antes, ele não está somente prendendo ela ali, ele está forçando algo com a mulher. O homem está tão frustrado e irritado que começa a segurar seus punhos com tanta força que ela se contorce em seus braços, sendo pressionada contra a parede umida e suas roupas aparentemente rasgadas depois de um luta.

Ai meu deus, isso se trata de uma violência sexual?

Eu não posso deixar isso acontecer, dar meia voltar e sustentar o pensamento de que fui covarde e não fiz nada para ajudar aquela mulher. Ela não tem esperança, ela não tem ninguém na qual ela pode segurar um olhar de confiança, e, neste exato momento, eu era o único olhar de confiança que ela poderia ter.

Eu procuro meu celular no bolso do meu casaco com tanta voracidade que meus dedos latejam quando se encontram com o meu celular, o movimento foi forte e agressivo quando eu o fiz. Eu puxo para mim e começo a discar o numero. Ligo para a policia.

– Alô? – verifiquei em pânico.

– Deleg...

– Preciso de ajuda, - eu não me importo em interrompê-lo.

Minhas mãos estão tremendo tanto quanto a minha voz parece esganiçada, parece uma mistura de dor com pânico.

– Quero dizer, não eu, é, hm, uma mulher, céus, tem uma mulher aqui, em um beco totalmente escuro e ela está gritando, está sendo ataca por um homem, céus, eu não sei o que fazer. –sussurro e choro ao mesmo tempo. – Por favor, venham o mais depressa possível, eu não sei que lugar é esse, está escuro, tem vários bares por aqui e lojas abandonadas e, alô? Ainda tem alguém aí?

Um segundo mais tarde.

– Espere, preciso de mais detalhes. – o homem pede, o tom harmonioso da sua voz é tão conhecido quando eu não estou o interrompendo.

– Policial Adam?

– Como... – ele mesmo se pausa para um segundo depois acrescentar. – Nathalie?

Eu entro em pânico.

Oh, céus, ele também me reconheceu, como ele pode me reconhecer? Perguntei-me em pânico, pensando na possibilidade dele ligar para Isobel ou Maison, deixar escapar o que estava ocorrendo comigo, se ele o fizesse, eu não saberia quais seriam as consequencias. Eu estaria quebrando todos os votos de confiança da minha familia, eu seria mandada de volta para a minha mediocre vida com Helena e seu futuro marido substituto. Eu não posso fazer meus tios sofrerem.

– Espere, Nathalie, é você? Responda alguma coisa.

Então eu fiz o que eu achava ter sido certo, mas me odiei um segundo depois. Eu desliguei.

Como consequência, o grito da mulher inundou todo aquele beco. Virei-me instintivamente para olhá-la outra vez, escondendo metade do meu rosto na parede obsvervando-os.

O homem não parecia querer violentá-la, eu não sei, mas estava a machucando muito. Ele tirou seu cabelo espesso de seu pescoço e abriu a boca. Ele abriu a boca? E ela gritou mais alto do que antes, mais amedrontado, mais pavoroso, o grito dela me assustou assim que o processei. Eu ia gritar, eu estava me preparando para gritar, tampei minha boca em seguida e abri os olhos para o que estava acontecendo.

Eu vi... O que eu vi? Dentes afiados, sim, dentes, eu podia ver toda a curva de suas presas não normais para o padrão humano. As presas estavam tão perto da pele da mulher que dessa vez eu resolvi aceitar que tudo isso era apenas uma ilusão.

Mas a mulher gritou em pânico, eu não estava preparada para isso, eu tombei alguns centimetros para trás e fechei meus olhos, sentindo as lágrimas cairem com mais intensidade e inudarem meu rosto. Eu não podia estar aqui, a policia viria ou não, se não viesse, o que eu estava fazendo aqui? Eu não podia ir lá salvá-la sem correr o risco de ser a proxima vimita, eu tinha que correr.

Eu tinha que... Por que tudo se calou?

Eu abri os olhos lentamente para a proxima visão. O corpo da mulher estava estirado no chão meio sem vida, mas não deixei de pensar na possibilidade dela só estar incosciente. Droga! Eu tinha ligado para a policia e mesmo que eu tenha desligado segundos depois de descobrir que Adam havia reconhecido minha voz, ele sabia que lugar é esse, na verdade, quantos bairros com tantos beccos e estabelecimentos abandonados existem por Sponvilly? Não na minha memória.

A mulher estava ali, só faltava seu assassino. Ergo meu olhar para o homem parado e ofegante ao mesmo tempo que seus olhos azuis se viram para mim. Eu não me movo, nem ele, eu fico em estado de pânico. Ele me viu, ele me viu. Eu estou a alguns metros de distância dele, eu o vi matar uma mulher, ele cometeu um homicio, eu acabei de ver, eu sou uma testemunha e ele ainda me viu. Eu tombo um pouco para trás, as lágrimas caindo com mais intesidade e nas proximas piscadas de olhos eu percebo que não há mais nada ali. Ele sumiu.

Quero dizer, ele sumiu?

Eu não sei como isso pode ter acontecido, eu fico boquiaberta, eu sei o que eu vi, eu estava a alguns metros dele, eu vi quando ele olhou meus olhos, aquele azul brilhante e sedento, ele tinha me visto, eu sabia disso, como ele pode sumir na minha terceira piscada? Eu não sei, mas ele o fez, ninguém estava ali, até o corpo da mulher tinha sumido. Isso foi uma ilusão? Eu imaginei tudo? Por que isso estava acontecendo comigo? Eu choro mais um pouco. Eu não mereço isso, céus. Isso não pode ser verdade.

Eu enfrento todo o pavor e a duvida de tudo isso ter sido verdade e ando até a entrada do beco. O clima aqui muda drasticamente, o cheiro que inunda é de umidade e algo a mais, é cheiro de uma planta específica, mas não sei qual o nome, há uma mistura apavorante quando entro e vejo que aqui é mais terrivelmente escuro do que imaginei, dou alguns passos tortos para frente, sentindo-me pender para os lados meia fraca e ainda em prantos, e quanto mais entro, mais sinto aquela sensação de algo não estar certo. Fecho meus olhos por um longo segundo, tentando compreender essa situação, não tem como um corpo desaparecer em um piscar de olhos, não há explicação para isso. Então abro meus olhos e dou dois passos para frente, sinto o chão umido molhar meu tenis que é quando escorrego e caio de lado no chão, minhas mãos apoiando meu corpo no que parecia ser chão molhado e uma poça nojenta de agua suja. Eu tento me erguer para sair dali, daquela armadilha, mas parece que quanto mais me movo, mais me enterro na poça, principalmente quando algumas gotas atingem meu rosto e sinto um cheiro diferente. Ferro e sal.

Eu abro os olhos com força e encaro meu chão. Isso não é agua, ou não cem por centro, isso é sangue!

– Meu-deus!

Eu entro em despero e choro mais do que antes, eu quero sair daqui, quero me livrar desse sangue, eu não estou conseguindo, a poça se apodera do meu corpo e das minhas roupas, eu acho que estou afundando. Ergo meu corpo para frente que é quando observo caixas empilhadas perto da parede proximas o suficiente de mim para eu cravar minhas unhas nos restos da madeira umida e conseguir me colocar de pé. Minhas pernas bambas tremem quando eu começo a acrescentar distância entre mim e a poça, chego a me negar a olhar para o sangue novamente, negando-me a acreditar que eu estou presente num lugar que agora a pouco foi palco de um assassinato.

Eu tento parar de chorar, me viro para fora e vejo que eu não estou mais sozinha.

O homem está lá, parado e me olhando como se estivesse ali a mais tempo do que eu o percebi, ele não parece nem um pouco apavorado por eu ter sido uma testemunha, em contra partida, eu sinto que preciso gritar, ele está intalado na minha garganta desde o momento que tudo isso aconteceu. Quando eu grito, sinto meu corpo estremecer e meus pulmões arderem, o homem dá um passo para frente e eu não consigo agilizar meus pensamentos, o que eu faço, o que faço? Eu estou apavorada, minha respiração não está saindo, eu estou esmorecendo, o que eu faço? Meus movimentos estão sendo contaminados pelo panico, eu acho que vou cair no chão.

Corra Nina, eu disse Corra. A voz interior grita para mim. E é ai que eu desperto.

Corro opostamente ao homem, adentrando no beco, uma especie de tunel sem rumo, tão escuro quanto o proprio termo escuro. O frio que me percorre quando corro faz doer meu corpo toda vez que tento respirar para ganhar folego, não é hora da minha asma voltar, não é a hora. Eu corro muito rápido, corro muito, mesmo que minhas pernas tremulem o tempo todo e minhas forças estejam começando a se esgotar, eu ignoro o desejo de puxar o ar e acalmar minha respiração para correr com mais força, com mais rapidez. Eu não me atrevi a olhar para trás, isso me desconcentraria e me faria tropeçar, o breu por aqui não é tão diferente do que é lá fora, mas consegue ser mais perturbador quando me pego pensando sobre a possibilidade dessa correria toda não servir para nada se o beco não tiver uma saída na extremidade.

Eu não devia pensar nisso, eu só devia correr e tirar as duvidas depois.

Eu aindo sou capaz de ouvir os passos do homem atrás de mim, mas, para o meu desespero, eu tombo numa grade alta que marca o fim da linha, eu dou quatro passos para trás e caio no chão, sentindo minha visão turva, meus movimentos sendo massacrados pelo o gélido e áspiro chão. Eu tento piscar para despertar, estou sentindo que meu cérebro vai apagar a qualquer momento, que eu nçao estou mais aguentando mais, além da pressão de estar sendo seguida e a pressão que a temperatura faz em mim. Eu quero desistir, mas não posso. Céus, isso não pode estar acontecendo, começo a chorar novamente, sentindo as lágrimas sairem com mais dor, eu estou destruida, eu estou em pânico, eu sinto o sangue se enrijecer na minha pele, eu sinto que vou apagar a qualquer momento. Eu não posso fazer isso, vamos Nina, acorde, se levante!

Mesmo me sentindo destruida, eu ainda tento me levantar, apoio minha mão no chão e ergo meu corpo, os braços falham, eu tombo no chão de novo e é quando eu vejo a silhueta do assassino correr com tanta velocidade que penso se tratar de uma ilusão, mas eu tenho que confessar que tudo que está acontecendo comigo é a mais pura e macabra realidade, é quase despertar de um pesadelo para o outro. Eu olho novamente para ele e percebo que ao mesmo tempo que eu o noto se aproximando, ele me nota caida no chão e é por isso que o assassino diminui a velocidade, só para me testar, só para brincar com a sua nova vitima. Ele parece feliz, parece feliz com a minha derrota e isso faz meu peito se encher de raiva.

Eu não posso dar isso a ele, simplesmente desistir de tudo, eu tenho que me levantar, eu tenho que fazer alguma coisa, eu não posso simplesmente ficar e esperar pelo pior, eu tenho que ser forte, grito para mim mesma mentalmente.

A raiva começa a me conssumir agora, congiso força o suficiente para tentar me levantar e conseguir fazê-lo. A primeira coisa que se passa na minha cabeça é procurar qualquer coisa na qual eu possa me defender e ganhar tempo de fugir. Entre eu não-armada e o homem, infelizmente sou mais ele do que eu. Procuro desesperedamente qualquer coisa forte, empurro algumas caixas e tateio a mão pelo chão, a falta de iluminação dificulta qualquer possibilidade de tornar isso mais fácil. Esbarro os dedos numa fina barra de ferro, ou era o que eu suspeitava ser, forte o suficiente para que numa batida certeira mobilizar o homem por alguns minutos afastando-o de mim o necessário para dar a volta e correr novamente. Eu não penso na possibilidade de dar errado, não é a hora para pensamentos pessimistas, porque esta é a minha única chance.

Como minha única chance empunho a arma na minha mão e me viro para o assassino, mas... Onde ele está? Ele sumiu, de novo, evaporou-se, assim de repente, eu sei que ele estava perto, eu podia sentir aquele cheiro de umidade e planta seca se aproximando, por que ele não está aqui agora? É um truque? Eu não consigo enxergar no escuro, inferno!

Desespero-me com a ideia dele ter usado meu tempo de procura por algo suficientemente forte afim me defender para se esconder ou qualquer coisa do tipo que o fizesse me pegar de surpresa, sem chance alguma de eu consegui achá-lo.

Eu tento pensar em algo pratico, enquanto eu faço isso, começo a correr pelos lados, ao mesmo tempo que verifico qualquer coisa que remeta a alguém tentando me matar. Eu procuro descontrolavelmente qualquer pista ou qualquer saida, ando alguns passos para frente nesse breu, não há nada dele nos próximos minutos – além de mim e a minha respiração asmática - e muito menos uma saída, são apenas minha respiração forte, meu coração acelerado e o ruído do vento.

Como ele pode desaparecer tão rapido?

Se ele, se ele tivesse ido embora? Se ele percebeu que eu era apenas uma garota assustada que não foi capaz de ver seu rosto por inteiro? E se... Não, ele não me deixaria livre, eu vi na expressão dele sua sede por vingança ou por qualquer outra coisa que causasse aquela expressão. Você não pode ser ingenua, Nina. Ando mais alguns metros a frente, odiando a falta de luz, o fato deste beco ser nojento e fedorento, das paredes serem altas demais para alguma infiltração de luz, odeio-me também por ter me perdido e enquanto eu odeio tudo isso, esbarro numa parede gelada, apavorada tropeço em algo duro no chão e paro a alguns centimetros para o lado ao que parece ser uma saida extra, mas há tantas caixas empilhadas pela frente que eu não sei se deveria ser o lugar certo para fugir de um assassino.

De qualquer forma parece ser uma saída. De qualquer forma é minha “única” saída.

Ultrapasso uma parte das pilhas e começo a procurar alguma pista sobre o homem ter se infiltrado aqui, mas não há nada dele, na verdade, não tinha passado pela minha cabeça desse lugar ser uma armadilha, eu apenas entrei, pensei na possibilidade dessa entrada ser minha única saída, por isso eu estou aqui descontrolada procurando por qualquer brecha de luz, qualquer sensação de esperança. Quanto mais adentro nesse lugar e tateio as paredes e as caixas, mais desacredito na possibilidade de ter esperança e mais confio na inexistência de uma saída para isso. Eu sei que eu estou esmorecendo aos poucos, mas tem uma voz interior que me impede de sair daqui, de alguma forma, existe uma chama bem minuscula dentro de mim que me trás uma pequena porcentagem de esperança.

Quando eu estou ultrapassando a próxima pilha de caixas, eu sinto mãos grandes alcançando meus ombros e me puxando para trás, que é quando tropeço em pés e sou fisgada por braços muito mais potentes que as minhas chances de correr. Eu sinto o pânico correr pelo meu corpo junto com a pulsação acelerada do meu sangue, são segundos rápidos, eu não consigo processar nada até estar nos braços do meu possível assassino. Eu tento me desprender de seus braços fortes, que é quando ele ergue uma de suas mãos e a prende na minha boca travando a única arma que pensei primeiramente: meu grito. Eu sinto minhas pernas estremecerem com o pavor. Eu fui pega, acabou. Meu grito fica preso ali, há apenas o barulho das batidas do meu coração, em descompasso.

Eu sei que é ele, só pode ser ele, algo dentro de mim apita de terror. O cheiro úmido nele está contaminando toda minha roupa, mesmo que o odor de uma planta desconhecida tenha se evaporada assim, rapidamente. Eu sei que se trata do assassino e que eu sou sua proxima vitima. Eu sinto o barulho do round sendo terminado. Eu perdi!

Até que...

Entre o pânico e as maneiras do homem tentar me calar e tentar me deixar calma, eu percebo que nem ele e nem eu estavamos lembrando da barra de ferro que eu ainda seguro com muita força nas minhas mãos, mesmo depois do pavor de ter sido encurralada na armadilha do assassino. Ela está nas minhas mãos, eu tenho essa chance, eu tenho e parece que posso me iluminar com a esperança de novo. Além disso, eu sei que se eu não fizesse nada, ele me mataria ou me torturaria, não teria mais chance, ou era agora ou ele vencia.

Fui corajosa o suficiente para apertar meus dedos na barra de ferro até erguê-la tão rapidamente que a ultima coisa que me lembro foi um raio de luz vindo da única iluminação neste beco, a lua, fazendo o ferro brilhar nas minhas mãos um segundo antes de acertar a perna do homem o mais forte que consegui. Ele me soltou muito em seguida de gritar algum palavrão, mas eu não ficaria ali para tentar desvendar. Eu corri mesmo tombando na parede sem conseguir ver absolutamente nada.

– Oh, deus, socorro, socorro... – grito desesperadamente.

Eu tento correr, de novo e de novo, mesmo errando a mira e batendo nas entraves, nas paredes. Ando de um lado a outro, percebo as pilhas de madeiras aqui dentro também, todas empilhadas exalando cheiro de madeira e mofo. Tento procurar qualquer caminho de saída, eu ainda tenho tempo.

– Alguém? Por favor, socorro!

Minha pulsação acelera tão rapido quanto a falta de respiração no cérebro, eu estou começando a pender para os lados, é o efeito do panico e da asma, em um segundo mais tarde deparo com uma pilha inteira de caixas desmoronando em cima de mim, não rápidas o suficiente para impedir que o homem não me tirasse primeiro.

Eu grito desesperadamente algum murmuro não compreendido, porque eu não sei mais o que fazer. Eu estou presa novamente.

– Nathalie, por favor, Nathalie, sou eu. Eu estou aqui, eu estou aqui. – ele me abraça e eu me sinto segura.

Porque é somente agora que eu percebo que não se trata do assassino, muito pelo contrário, para a minha surpresa é justamente Andrew. O McDowell.