Acordei com o Sol batendo em meus olhos de modo que eu os abrisse, mas logo fechasse incomodada com a claridade. Resmunguei um breve palavrão em português e ri de mim mesma virando o rosto para a direita enquanto minha vista se acostumava à claridade. Me xingava mentalmente por ter adormecido tão rápido de modo que não tenha sido capaz de aproveitar a luz do luar da noite passada, mas não me sentia fraca ou incapaz, sei que parte da noite a luz do luar se manteve sob meu corpo deitado na cama.

Meu celular despertou como fazia todas as manhãs de segunda a sexta indicando que, oficialmente, era hora de levantar e me arrumar para a escola. Tomei um banho rápido e escovei os dentes descendo para a cozinha e pegando uma maçã. Olhava meu celular enquanto mastigava lentamente meu café da manhã que seria só a maçã porque eu não estava com um pingo de fome. Algumas mensagens da Jullie me mostrando algumas fotos dela com Flash, outras do meu pai me desejando uma boa noite e dizendo que estava com saudades, algumas notificações de redes sociais e outras coisas inúteis. Deixei o celular no balcão enquanto arrumava minha mochila para mais um dia de aula em Midtown High School, retirei alguns cadernos e coloquei os livros de Física e Matemática lembrando que o dia seria bem composto de matérias exatas o que, de certo modo, me animava.

O celular chamou no balcão me dando um leve susto, parecia ser uma mensagem e suspeitei que fosse de Jullie indo checá-la de imediato, provavelmente ela estava perguntando se eu já estava acordada e se iríamos juntas pra aula, como de costume. Estava certa e falei que iríamos juntas, ela fez alguma piadinha sobre eu não abandoná-la com Parker mais uma vez e eu apenas a ignorei pegando minhas coisas, trancando a porta.

Encontramos no ponto de ônibus onde Jullie estava abraçada em si mesma aproveitando o calor de seu casaco acolchoado, estava mais frio que os demais dias, mas isso apenas indicava que o inverno estava cada vez mais próximo. A cumprimentei com um abraço demorado e ela estava com uma cara um pouco ruim, perguntei se estava tudo bem e ela apenas assentiu em silêncio sem esboçar sorriso algum, parecia que ela precisava de algum tempo para si mesma e por mais que eu quisesse saber do que se tratava e ajudá-la, preferi ficar quieta. Ela não parecia querer falar sobre.

Entramos no ônibus escolar e percebi que Flash não estava por lá, talvez ela estivesse nervosa com ele por alguma razão, talvez fosse algo familiar ou até mesmo algo comigo e então comecei a pensar nas coisas que tinha feito e falado com ela de modo que tentasse encontrar alguma razão pela qual ela estaria com raiva de mim. Mas não a encontrei resolvendo, depois de quase o caminho todo, perguntá-la:

— Você quer falar sobre?

— Não.

— Eu fiz algo? – perguntei sem jeito a fitando sentada ao seu lado.

Ela virou seu rosto para me fitar com um fraco sorriso – Não, Luna.

Sorri um pouco mais aliviada, primeiramente por não ter nada a ver com o seu mau humor e em segundo lugar por vê-la sorrindo. Apenas fizemos o trajeto até a escola em silêncio e o mistério terminou no instante em que saímos do ônibus e fui capaz de ver Flash Thompson agarrado com outra garota nas escadas da entrada, virei em direção a Jullie para ver sua reação e ela apenas seguiu em frente com a mesma cara de furiosa com a qual nos encontramos. Então estava tudo explicado, ela não estava de bom humor porque, provavelmente, Flash disse que estava com outra garota.

Assim que entramos na escola escutei Flash sussurrar algo com seu amigo, às vezes escutar certas coisas era algo relativamente bom para mim, mas em outros momentos só servia para me deixar furiosa com a pessoa a qual falava e, naquele caso, segunda opinião era a mais certa, já partindo do pressuposto de que Flash Thompson é um completo babaca.

— Ela não é isso tudo, cara – ele falava – ela mal me conhecia e já tava apaixonada… Sai pra lá.

O amigo riu – Credo, cara.

Olhei para Jullie, ela estava ainda mais encolhida em seu casaco do que antes, ela parecia bem, apenas caminhava sem falar uma mísera palavra e pra quem conhecia Jullie, como eu, sabia que isso não era nem um pouco normal. Entramos na sala e Liz Allen, Jessica Kieran e Maria Maya nos seguiram como boa amigas que eram, e se sentaram ao redor de Jullie lotando-a de perguntas relacionadas ao Flash e a nova garota que ele estava abraçado.

Jullie então sorriu levantando o olhar até as garotas de modo que ela parecesse tão forçada que me assustei, escutava-a falar algo sobre ele ser um completo ogro que não a respeitou e então ela teve que dar um “chega pra lá” nele de modo que ele não aceitou muito bem logo ligando pra Amanda, a garota quem estava abraçada com ele, para substituí-la. Me sentia imensamente mal por acreditar mais em Flash, ao escutá-lo a distância, do que na minha melhor amiga naquele momento.

O sinal bateu e a professora de Experimentos Biológicos entrou na sala com sua pasta mandando que tirássemos os tubos de ensaio de dentro de nossas carteiras e montássemos grupos de quatro pessoas para analisarmos os anfíbios, era a clássica aula de anatomia onde tínhamos que dissecar um sapo. Obedecemos retirando os objetos e Jullie recusou todos os grupos dizendo que queria fazer apenas comigo e logo inventou uma desculpa sobre como se concentrava melhor ao meu lado. Estranhei completamente, mas assenti, inclusive para a professora quem veio insistir para que fizéssemos com Maria e Jessica quem também acabaram ficando em dupla. Colocamos os jalecos, os óculos, as luvas e deixamos os recipientes em cima da mesa de modo que apenas aguardássemos a distribuição dos sapos mortos para a dissecação.

Fitei Jullie na espera de que ela falasse algo, desabafasse ou até mesmo se forçasse a fazer de conta que estava tudo bem, como havia feito com as garotas por perto. Mas ela não o fez, sequer me fitava, apenas olhava na direção do quadro enquanto a professora explicava, em uma projeção do sapo no quadro negro, a análise biológica que teríamos de fazer, nada além de analisar algumas células microscópicas do baço do bichinho.

Ainda em silêncio Jullie empunhou o cortador dando início à dissecação do sapo o que me deixou um tanto quanto nervosa devido à sua tranquilidade para aquele exercício. Eu não estranharia tanto se a matéria que Jullie mais odiasse não fosse a qual estávamos naquele momento, ela odiava dissecar os animais e dizia ser covardia com os pobrezinhos que já estavam mortos.

— Ok – sussurrei segurando sua mão com o bisturi antes que ela chegasse na barriga roxa do sapo – o que tá rolando?

Ela me fitou arqueando uma sobrancelha – O que?

— Eu sempre corto os bichos, Jules – a fitei pegando o bisturi dê sua mão – o que aconteceu com o Flash?

— Ele foi um ogro sem…

— A verdade – interrompi deixando o bisturi ao lado do recipiente com o corpo do sapo – eu quero a verdade.

— Essa é a verdade – ela cruzou os braços endireitando seu corpo mudando o olhar de direção para a porta.

Dei um passo para o lado recebendo sua atenção novamente – E eu te conheço, Jullie. Você até pode enganar e forçar com as meninas, mas sei que não foi isso que aconteceu.

Ela me fitou de braços cruzados e se manteve em silêncio.

— Você não precisa me falar agora – continuei a fitando – só quero que saiba que pode falar comigo quando se sentir confortável.

Ela ainda se manteve em silêncio e eu obtive para mim que aquilo era um sim, tornei a pegar o bisturi cortando a barriga do sapo por completo de modo que conseguíssemos retirar a amostra necessária para o microscópio.

— Ele terminou comigo.

Levantei meu olhar em direção à Jullie parando de abrir o sapo.

— Essa manhã. Não tínhamos nada sério – ela deu de ombros – mas realmente estava gostando desse babaca.

— Sinto muito, Jullie.

— Não sinta. Sei que ele é um babaca e você deve estar aliviada que não estou mais com ele – ela soltou uma breve risada forçada.

— Não é bem assim – retirei os óculos colocando-o no alto da cabeça – é só que você merece coisa melhor. Você é incrível, e o Flash é apenas um babaca egocêntrico.

— Ele é – ela concordou com um tom de voz triste.

— Você não precisa dele.

— Eu sei de tudo isso, Luna – ela pegou o bisturi de minha mão – mas tá difícil de acreditar.

— Vai passar – sorri colocando os óculos novamente.

Ela forçou um sorriso terminando de abrir o sapo, peguei a amostra necessária colocando em um tubo redondo e aberto de ensaio esperando que Jullie me desse a linha para costurar a barriga do sapo enquanto ela analisava as células. Paramos nosso trabalho pela metade quando a professora nos pausou dizendo que tínhamos mais dois colegas de grupo: Peter e Harry. Ela perguntou se nos importávamos e Jullie respondeu por nós duas quando, com euforia, disse que adoraria tê-los em nosso grupo o que deixou Maria e Jessica um tanto quanto confusas, mas após Jullie sussurrar algo para elas na mesa ao lado tudo parecia bem novamente.

Assustei-me com o fato de Jullie querer o Peter por perto enquanto analisava as células, estranhei um pouco mais a quantidade de elogios que ele estava ganhando dela e, vez ou outra, ele me olhava um tanto sem graça fazendo alguma piada para disfarçar o quão constrangido estava com tamanha simpatia de Jullie. Não que ela não fosse simpática com ele antes, ela sempre foi, mas ela estava agindo da mesma maneira como agia quando…

Estava gostando de Peter e o querendo.

E lá estava ela de novo, querendo Peter como antes e tentando conquistá-lo de todas as maneiras possíveis e ele, claro, não havia compreendido nenhum dos sinais que ela lhe dava. Se isso a fazia bem e não ofendia Peter quem sou eu para julgar ou fazê-la parar?

Harry, o melhor amigo de Peter, ria ao meu lado percebendo as indiretas enquanto conversava comigo, às vezes, sobre as celulas descobertas e algumas teorias um pouco sem noção. Estávamos divididos em duplas onde uma consistia em uma nova conquista de Jullie quem, pela primeira vez desde que eu a conheci, repetia seu interesse por alguém.

Harry tinha entendido tanto quanto eu o que estava rolando e segurávamos as risadas de acordo com as respostas lesadas de Peter para as investidas de Jullie, meu sorriso sumiu quando pensei que deveria contá-lo sobre meu passado, sobre o que tinha feito e o que tinha passado, mesmo sabendo que eu podia confiar em Peter eu tinha medo de sua reação e, mais ainda: de machucá-lo como machuquei o único amigo que tive – mesmo que por poucos minutos – que sabia de meus poderes. Harry me cutucou com o cotovelo fazendo com que eu me dispersasse de meus pensamentos, virei meu rosto para olhá-lo, mas ele apenas apontou com o queixo pra frente indicando que Jullie estava cada vez mais próxima de Peter e, desta vez, literalmente.

Ela segurava o rosto de Peter com um sorriso enquanto ele, completamente desconfortável, tentava se soltar educadamente. Mais atrás vi Flash Thompson, com seu grupo concentrado no sapo, olhando para ela e Parker completamente possesso.

— Jules! – minha voz saiu um pouco mais alta que o normal, pigarreei forçando um sorriso no instante em que ela e Peter me fitaram – oi – ri sem graça – você pode ir comigo no banheiro? Sabe como é… Eu não confio na tranca da porta.

— Agora? – ela perguntou soltando Peter.

— Sim, Jules. Agora.

Ela sorriu para Peter e Harry andando em direção a porta, falamos com a professora e então saímos após deixar nossos jalecos, óculos e luvas na lixeira, afinal, eram descartáveis e pegaríamos outros depois.

— Eu sei o que você tá fazendo, Jules – falei assim que saímos da sala.

— E o que eu tô fazendo?

— Usando o Parker pra fazer ciúmes no Flash.

— Você está com ciúmes? – ela cruzou os braços arqueando uma sobrancelha.

— Você acha mesmo que isso é algo legal, Jules? – perguntei a fitando.

— Não estou usando o Parker pra fazer ciúmes no Flash, Luna.

— Porque é o que parece – falei abrindo a porta do banheiro feminino esperando que ela entrasse.

Ela riu parando em frente ao espelho – Acredite em mim, não estou.

— Então você realmente está a fim do Peter? – perguntei cruzando os braços ao seu lado enquanto ela arrumava o cabelo no espelho.

— Sim – ela respondeu – acho que gosto dele.

A fitei sem ter muito o que dizer.

— Ah, não me olha assim – ela revirou os olhos após me lançar um breve olhar – você sabe que já fui a fim dele antes mesmo de olhar para Flash Thompson.

Assenti em silêncio balançando a cabeça positivamente.

— Talvez agora seja só uma válvula de escape porque preciso esquecer o Flash, mas não quero usá-lo.

— Eu acredito em você – falei a fitando séria.

— E como você disse que não está tendo nada com ele e nem gosta eu só pensei que podia ser uma boa me envolver com alguém que não fosse babaca.

Soltei uma breve risada baixa – Olha, você tem meu apoio, mas vai com calma com o Parker. Ele não é como os outros caras, você sabe – dei de ombros virando-me de frente para o espelho – não que eu o conheça bem, mas ele parece ser do tipo tímido, você não acha?

Ela sorriu assentindo em silêncio.

— Você faz o que você bem entender, mas se eu puder dar uma dica…

Ela me interrompeu – Você sempre pode.

Continuei sorrindo – Vá com calma com o Peter. Só deixa rolar, ok?

Ela deitou a cabeça em meu ombro me fitando pelo espelho – Você tá certa. Eu pareço uma desesperada.

— Você está – ri a fitando.

— Eu só não gosto da ideia de ficar sozinha – ela mantinha um fraco e triste sorriso nos lábios.

— Eu sei – sussurrei – mas você não precisa de homem nenhum para ficar bem, você sabe não sabe?

Ela levantou o rosto assentindo em silêncio.

— Você não ter um namorado não significa que você está sozinha porque eu sempre estarei por perto por você, pra isso que servem os amigos não é?

Ela sorriu virando seu corpo de frente pra mim, sorri fazendo o mesmo e ela logo me abraçou com força o que, de certo modo, me assustou. Por mais sentimental e carinhosa que Jullie fosse ela não era muito de abraços apertados, a não ser em momentos de tristeza e talvez aquele fosse um para ela.

— Obrigada – ela sussurrou me soltando.

Apenas sorri e voltamos para a sala. Pegamos acessórios novos e voltamos para nossos devidos lugares na mesa, Peter estava um pouco rígido a medida que Jullie falava com ele, o que fazia com que Harry e eu ríssemos de suas reações assustadas quando ela perguntava algo sobre as células para ele, mas ele logo se tranquilizou ao perceber que Jullie estava normal de novo. Jullie e Peter nunca foram de conversar nada além do necessário, da primeira vez em que ela se atraiu por ele foi algo tão rápido e passageiro que ela sequer teve tempo de tentar investir nele, mas agora ela parecia realmente decidida em conquistá-lo e no que eu pudesse, eu ajudaria. Peter notou que depois que voltamos do banheiro ela havia mudado e sussurrou um “obrigado” no fim da aula que eu compreendi a razão. Não acho que ele não goste de Jullie ou que não queira nada com ela, acho que ele apenas é um garoto tímido que não sabe como agir em tais situações. E só o tempo podia dizer se ambos realmente dariam certo.

O sinal para o intervalo tocou e então fomos os quatro lancharmos juntos na cafeteria, cada segundo que passava eu lembrava dos meus pensamentos na noite passada sobre contar pra Peter o que eu tinha feito com Marcos, a criança na praia, quando perdi o controle de meus poderes. Mas com Harry e Jullie por perto eu não poderia, nem por um segundo, pensar em falar sobre, nem mesmo disfarçadamente.

Tudo aconteceu muito rápido enquanto estávamos na cafeteria. Antes de minha visão ficar turva e meus ouvidos começarem a zumbir incomodamente senti o olhar de Peter sobre meu rosto completamente assustado, ele tinha ficado de pé do banco derrubando sua bandeja e seu suco e então empurrado Harry para o lado o que. Não tive tempo de sequer ver onde Jullie estava, mas quando abri os olhos ardendo de poeira, pude ver Peter, um tanto quanto cinza por causa do cimento esfarelado da parede da janela – estas agora completamente destruídas – e com um corte no rosto, protegendo o corpo de Jullie por baixo do seu. Ele me lançou um breve olhar confuso, piscava os olhos diversas vezes tossindo como os demais alunos próximos de nós e desviei meu olhar quando senti algo em meu braço. Demorei para voltar com meus sentidos, era como se eu não conseguisse me mover, falar ou até mesmo reconhecer a silhueta em minha frente, mas então tudo passou a ficar claro e quando balancei minha cabeça, dolorida, escutei nitidamente os gritos dos alunos e a voz de Harry perguntando se eu estava bem.

Balancei a cabeça rapidamente como resposta enquanto ele me ajudava a sentar no chão frio da cafeteria, os alunos corriam porta a fora sem que ninguém precisasse falar qualquer coisa para eles e então uma mesa voou por cima de nossas cabeças fazendo com que levantássemos tão rápido quanto os alunos corriam em direção a porta.

Peter ficou de pé puxando Jullie, desacordada, para seus braços carregando-a em seu colo. Ele apontou para a porta dupla da cafeteria com o queixo indicando para mim e Harry que devíamos seguir tal caminho, mas logo fomos parados por Flash quem travou Peter segurando-o pelo ombro.

— Larga ela, Parker.

— Flash, precisamos sair daqui.

— Me dá ela – ele puxou Jullie dos braços de Peter como se ela fosse uma simples boneca.

— Flash! – berrei irritada sentindo minha garganta arder – larga ela!

— Vamos, precisamos sair daqui – Harry me empurrou de leve lançando um breve olhar para trás.

Passamos correndo pela porta e seguimos em direção a porta central saindo logo no meio de mais alguns alunos, Flash carregava Jullie nos braços saindo primeiro do que nós, Harry saiu logo atrás de mim quem rondava Flash como um cão de guarda apenas querendo que ele soltasse minha amiga. Peter foi o último de nós a sair sem parar de olhar para trás para entender o que quer que fosse que estava acontecendo.

— Solta ela, Flash.

— Ela precisa de um médico – ele resmungou – liga pra ambulância.

Trêmula coloquei minha mão no bolso da calça jeans e me dei conta de que havia esquecido meu celular dentro da sala.

— Ninguém tem um celular? – ele perguntou parando embaixo de uma das árvores externas.

— Tem um posto policial logo ali – Peter se pronunciou olhando tenso para a escola – eu vou pedir ajuda. Esperem...

— Peter! – Harry gritou ao ver o amigo correndo, assim que deu um impulso para frente para correr atrás do amigo eu o parei colocando a mão em seu tórax e tentando parecer o mais convincente possível – por favor, não me deixa sozinha com esse babaca.

Flash me fitou arqueando as sobrancelhas.

O ignorei após lhe lançar um breve olhar – Por favor, Harry.

— Peter está em perigo, Luna. Sinto muito, mas eu tenho que ir atrás.

— Ele foi chamar por ajuda – mantive minhas mãos em seu tórax – por favor... Só fica aqui com ela, eu confio em você e não nesse...

— Nesse o que? – Flash perguntou me fitando – eu gosto da sua amiga.

— Corta essa – falei entredentes – vá se ferrar.

— Eu preciso ir...

Empurrei Harry para trás com certa força – Eu vou atrás de Peter. Peço pra chamarem uma ambulância, por favor Harry, você é o único que confio.

— É muito...

— Obrigada – agradeci o soltando e correndo na mesma direção em que Peter havia corrido. Minha cabeça estava a mil e eu estava me sentindo completamente enjoada, sentia a poeira entrar em minha boca causando um péssimo gosto e meus olhos ainda ardiam a ponto de lacrimejarem. Praguejei quem quer que fosse que tenha feito isso, mas logo senti meu coração acelerar no instante em que virei pela esquina da escola escorregando de leve na grama molhada. Vi Peter entrando pela janela, pulando-a furtivamente e então o gritei fazendo com que ele travasse sua entrada na escola de modo que curvasse seu corpo para trás, apoiando-se em seus pés na famosa pose de aranha, me fitando.

Rapidamente ele desceu da janela correndo em minha direção enquanto ajeitava um de seus lançadores de teia.

— Você tá maluca? – ele perguntou ofegante estremecendo com o barulho explosivo que viera de dentro da escola – o que você tá fazendo aqui?

— Eu preciso de ligar pra ambulância – respondi – Jullie está desacordada.

— Sai daqui! – ele sussurrou entredentes – é muito perigoso.

— Eu preciso pegar meu celular, Peter.

Ele me olhava com os olhos arregalados – Eu pego pra você... Só sai daqui antes que você se machuque.

— Eu sou como você – falei o fitando – eu sei que posso ajudar.

Ele me fitou sem ter o que falar.

— E quero ajudar minha melhor amiga que está desacordada nos braços do maior babaca da escola!

— Não é tão simples – Peter me puxou pelo pulso até a janela que tinha acabado de abrir, era a janela de nossa sala – você não pode simplesmente sair lutando com caras de chifres gigantes.

— Chifres gigantes?

— É Rhino – ele sussurrou apoiando as mãos na janela – me espera aqui. Eu pego o celular e te dou. Ele é perigoso... Tudo isso é muito perigoso.

Assenti em silêncio me sentindo a maior idiota de todo o universo. Ele estava certo, que diabos eu estava tentando fazer ou provar? É claro que eu só atrapalharia tudo se tentasse ajuda-lo e, mais ainda, talvez até acabasse morta. Eu não sou uma heroína, muito longe disso, eu muito mal posso controlar meus próprios poderes que dirá usá-los para combater o mal como o Homem Aranha. Ri desconcertada completamente nervosa e, agora, trêmula.

O que eu estava pensando em ir atrás de Peter? Como pude deixar minha impulsividade falar mais alto e correr atrás dele na expectativa de ajudá-lo como uma heroína? Eu não era uma e nunca seria. Senti uma vontade imensa de sair correndo na direção contrária e de deixar tudo para lá, mas mesmo que estivesse imensamente arrependida e amedrontada por estar ali sabia que tinha que aguardar o celular porque Jullie não estava bem e, provavelmente, estávamos todos em perigo.

Peter pulou para fora da janela caindo abaixado no chão como costumava ficar em alguns vídeos que havia visto, era sua clássica pose de aranha. Ele mexia em sua mochila pegando as peças de roupa para que ele se transformasse no Homem Aranha, eu olhava para ele e toda sua rapidez completamente assustada, ele retirou as luvas colocando-as, seus dedos ficavam de fora e ele ajeitava ambas embaixo de seu lançador de teias enquanto eu tentava respirar fundo sem saber o que fazer. Estava completamente travada, apenas observando bem de perto Peter Parker se tornar o Homem Aranha. Ele retirou o casaco de moletom azul da escola embolando-o e colocando dentro de sua mochila, colocou a máscara com os óculos redondos e então fechou o zíper de seu casaco azul e vermelho com uma aranha desenhada bem ao meio. Ele me fitou com o rosto completamente tampado e eu não sabia dizer se ele estava me fitando ou não.

— Luna?

Olhei para sua mão percebendo que ele estava me entregando o celular há algum tempo, estava tão entretida com sua mudança e tão assustada com os barulhos dentro da escola que sequer percebi.

— Obrigada – agradeci pegando celular de sua mão.

— Corra de volta pra lá e tira todo mundo daqui – ele fechou a mochila colocando seu capuz – consegue fazer isso?

Balancei a cabeça assentindo.

— Ótimo, eu falo…

Ele pausou o que estava falando mantendo as mãos na cabeça, mais precisamente no capuz da blusa de Aranha. Ele retirou um pedaço do tecido de seu capuz enrolado em algo prateado, aparentemente de metal.

— Droga – ele resmungou segurando o objeto em mãos – Ele colocou um rastreador na minha roupa! Você tem… – ele fez uma breve pausa e então gritou me puxando pela cintura logo em seguida – sentido de aranha!

Antes mesmo que eu pudesse me dar conta estávamos na frente da escola mais uma vez. Peter havia lançado sua teia ao telhado no tempo perfeito, antes de virarmos comida amassada do Rhino. Ele destruiu o outro lado da escola, mais precisamente a parede de nossa sala quase que nos acertando com seu chifre, mas Peter tinha sido mais rápido – assim como fora na cafeteria – e nos tirado, literalmente, da reta de Rino.

Ele soltou a teia fazendo com que pousássemos na grama clara do jardim da escola. Peter retirou o braço da minha cintura jogando a pequena redoma de metal no chão e pisando em cima logo em seguida destruindo-a por completo.

— Tira todo mundo daqui, Luna.

Como um espasmo corri em direção a Flash e Harry, Jullie estava acordada e parecia estar bem, porém estava pálida e no instante em que ordenei para que saíssemos de lá, juntamente com o restante da escola que se aglomerava para ver a confusão, notei que ela não conseguia andar o que fez com que Flash a pegasse no colo mais uma vez.

— Vamos! – eu berrava gesticulando – sai todo mundo daqui! Isso é sério! Saiam!

— Vocês ouviram a moça! – Peter gritou mais a frente com o braço erguido para cima – saiam daqui ou vocês vão se machucar.

Um estrondo fez com que ele virasse para frente novamente e a maioria das pessoas se assustassem soltando grunhidos de pavor. Ao verem a criatura enorme que destruía parte de nossa escola todo mundo começou a correr, mas alguns curiosos permaneceram completamente perplexos ao verem do que se tratava.

Enquanto empurrava algumas pessoas para trás, implorando para que se afastassem dali, olhei para Peter quem parecia ainda menor comparado ao brutamontes com uma espécie de armadura de rinoceronte. Era realmente inacreditável e só de vê-lo já me dava um frio na barriga por pensar no que ele era capaz, o que eu já tinha minha resposta devido a destruição da escola. Sua voz grave e absurdamente ensurdecedora fez com que os vidros da porta tremessem enquanto ele se dirigia ao Homem Aranha:

— Finalmente achei você!

— Que bom te ver também, Rhino. Como vai a vida? – Peter abaixou o braço o fitando.

— Sem mais piadinhas! Estou cansado de você.

Ele tinha um sotaque diferente, seu inglês parecia ser de algum estrangeiro e se eu pudesse chutar diria que ele era russo.

— Saiam! – berrei mais uma vez atraindo a atenção de Rhino para mim, mas ele não pareceu se importar – Sério, caramba! Saiam daqui! Isso não é brincadeira!

— Por que a garotinha estar espantando nosso público? – Rino perguntou soltando uma gargalhada medonha em seguida – quero que eles vejam a aranha sendo esmagada!

Gelei da cabeça aos pés, Peter parecia tenso parado a sua frente, mas prosseguia com as piadas relacionadas a chifres, rinocerontes e russos. Ele lançou teia com ambas as mãos no telhado da escola se tornando uma espécie de estilingue humano, impulsionou seu corpo para trás virando os pés na direção de Rhino acertando-o em cheio no peito, ele urrou de raiva sentindo seu corpo ser arrastado para trás e tentou acertar um soco no Homem Aranha quem, por sua vez, já havia lançado a teia novamente e balançava-se em volta de Rhino o deixando ainda mais furioso.

Puxei os garotos pelas camisas ouvindo protesto de um deles, notei que ele estava com o celular em mãos filmando o que estava acontecendo. Ambos eram os únicos que insistiram em permanecerem por ali enquanto toda a escola, incluindo Flash, Harry e Jullie, já estavam em uma distância razoável da confusão. Os soltei quando passamos por uma das árvores e fitei ambos completamente furiosa, nunca tinha visto ambos na escola e sabia que eles não eram alunos porque pareciam novos demais para estudar ali. Um deles protestava gesticulando com o celular em mãos quando o mais baixo berrou um sonoro cuidado apontando para trás de mim, o que fez com que meu coração acelerasse e meu corpo congelasse internamente.

Virei-me rapidamente para trás dando de cara com Peter voando, sem o auxílio de suas teias, em nossa direção, a medida em que ele se aproximava, em uma velocidade absurdamente rápida, sua voz ficava mais audível para mim, ele gritava enquanto tentava tomar o controle de si mesmo. No instante em que vi que ele bateria no tronco grosso e antigo da árvore a nossa frente corri em direção a árvore implorando, mentalmente, para que o calor em meu peito crescesse a ponto de que, em tempo recorde, eu conseguisse criar um escudo tão grande que protegesse Peter também.

Creio que nunca tenha sido tão rápida em minha vida como naquele momento, sem pensar duas vezes ergui minhas mãos na direção de Peter trincando os dentes e cerrando os olhos enquanto mentalizava alguma coisa. Senti tudo ao meu redor clarear instantaneamente e soltei um grito devido a força que estava fazendo tentando expandir o escudo de mim até Peter. Ele então parou no ar envolto em uma bola levemente transparente que começava a brilhar como a Lua, olhei para minhas mãos erguidas completamente assustada. Apenas Peter estava envolto no escudo, eu estava no jardim completamente indefesa enquanto comandava o escudo que, naquele momento, tinha acabado de salvar um desajeitado Homem Aranha que olhava para todos os lados tentando entender o que tinha acabado de acontecer. Assim como o eu.

Eu nunca tinha dado meu escudo para proteger alguém, nunca tinha sequer tentado e não estava tentando naquele momento quando consegui. Olhava perplexa para Peter enquanto, abaixando minhas mãos, o colocava com os pés no chão dominando o escudo. Ele logo compreendeu que se tratava de mim no instante em que olhou para a direita e me viu com as mãos erguidas, ele não teve muita reação ao me ver controlando o escudo e mesmo se tivesse tido alguma eu não conseguia ver por causa de sua máscara caseira.

Piscando os olhos diversas vezes abaixei as mãos por completo fazendo com que o escudo em volta de Peter sumisse completamente, antes de brilhar e antes mesmo de explodir. Estava completamente perplexa com minha habilidade, não sabia que era capaz daquilo que tinha acabado de fazer, mas não tinha tempo para ficar parada ali, olhando para o Homem Aranha na esperança de que ele me explicasse ou me acudisse. Ele tinha coisas mais importantes para fazer como, por exemplo, parar um rinoceronte humano que corria furioso em sua direção enquanto gritava um sonoro “Ahhhhhh”.

Olhei para os meninos que me fitavam completamente assustados, no instante em que andei em suas direções eles correram na direção oposta o mais rápido que eu havia visto. Senti meu coração acelerar e corri na direção dos dois após escutar Peter, mais uma vez, implorar para que eu saísse dali. Virei-me para trás hesitando em fugir, queria ficar e ajudá-lo, mas eu provavelmente só o atrapalharia e percebi isso ao me assustar completamente ao ver Peter sendo arrastado pelo Rino enquanto segurava em seu chifre e afundava os pés na grama tentando pará-lo.

Apenas corri.

Corri como se não houvesse amanhã.

Corri na direção das sirenes e da multidão me sentindo uma completa covarde por ter fugido sendo que eu possuo habilidades que, certamente, ajudariam Peter. Assim como o escudo improvisado ajudou, assim como o escudo na loja do mercadinho também salvou nossas vidas. Eu sou uma covarde e, definitivamente, não sou uma heroína.