Cinzas

Uma sensação


23/04/2018

Edimburgo, Escócia

20:03

James Barnes encarava o horizonte noturno através da janela, apoiado com o braço direito na borda. O ar lá fora soprava tão frio quanto a cor de seus olhos, mas a temperatura dentro do quarto jazia morna, aconchegante. Seu corpo, tão acostumado a eletrochoques e penúria, ainda parecia um tanto surpreso por estar seguro, embora já fizesse muitos meses que não passava fome ou que era castigado por um agente da HYDRA.

Um pouco mais de um ano desde o momento que Steve apareceu no seu loft em Bucareste; que toda aquela confusão com Tony Stark aconteceu no gelo da Sibéria. E também fazia um pouco mais de um ano que despertou da criogenia em Wakanda, fez amizade com a Feiticeira Escarlate… Depois, mais do que amizade.

Hoje, ele estava curado da lavagem cerebral. O trauma, é claro, era uma coisa mais difícil de lidar e era aí que morava a sua dificuldade. Existiam ainda noites insones, pesadelos. Às vezes, o dia não parecia tão iluminado assim. No entanto, havia também certo conforto em seu peito, uma certeza talvez. Ele não estava sozinho.

Inúmeros devaneios corriam por sua cabeça e ele imaginava se ela estava o escutando naquele momento.

Mas isso era uma pergunta tola, não? Wanda simplesmente captava sempre o que ele estava sentindo, mesmo que não usasse seus poderes escarlates mais a fundo para vislumbrar seus pensamentos. Respeitava sua privacidade. Isso não a impedia de ser perspicaz, porém.

— O que você tanto observa aí da janela, James?

Ele lhe ofereceu um sorriso de lado, trocando um olhar curto e doce com Wanda. Ela estava ainda sentada na cama do hotel, lendo alguma coisa com uma caneca enorme de chá na mão. Bucky preferia café, mas sabia apreciar o cheiro dos chás que ela preparava. Passou a ser um aroma familiar. Cogitou em dizer isso à ela, assim como calculou outras respostas. No fim, apenas disse:

— Só… Estou pensando.

Wanda ergueu somente uma sobrancelha, de súbito fisgada por aquela resposta evasiva. Seus olhos faiscaram em vermelho por um instante, mas logo a cor verde retornou à suas íris.

— Hm, um homem misterioso.

— Eu tento. — Sorriu fraco, depois cruzou os braços e apoiou-se na parede com as costas. Uma falsa expressão de preocupação surgiu em sua face quando ele desviou o rosto e mais uma vez encarou a janela de forma reticente, teatral. — Afinal, há um mago interessante com uma capa mágica por aí. Um concorrente forte.

Wanda quase engasgou com o gole de chá.

— Céus, James! Faz um ano que não o vejo.

Foi a vez dele lhe lançar uma expressão incrédula, seu tom de voz humorado:

— E, ainda assim, você deu uma descrição bem detalhada da aura esmeralda dele. — Bucky foi obrigado a segurar um travesseiro arremessado de repente pelos poderes de Wanda. Ele soltou uma risada, se sentindo um tanto infantil por aborrecê-la de propósito e também grato por seu braço metálico ter uma reação rápida. Quando jogou o travesseiro de volta para a cama, viu que ela estava rindo. — Você sabe que é brincadeira, boneca. Só… Estou olhando a noite. Apreciando a visão. Tentando não lembrar de fadas.

A jovem lhe ofereceu um sorriso culpado, embora ainda fosse claro em sua expressão que tinha achado a memória daquela tarde engraçada

Depois que Wanda enfrentou uma entidade demoníaca na Montanha Wundagore, ela e Bucky se puseram a passear pelo mundo sem muitas preocupações. O Projeto Sentinela foi cancelado, o Serviço Mata-Capas afrouxou e o trabalho diplomático de Instituto Xavier rendia frutos na América, enquanto a nação de Genosha despertava interesse e gradual simpatia dos demais países.

Os dois mereciam uma pausa e, na realidade, eram raras as situações que mereciam uma intervenção direta dos Vingadores Secretos — e isso Steve, Natasha e Sam poderiam resolver.

No entanto, Wanda ainda era uma feiticeira e parecia não ficar longe de acontecimentos, no mínimo, inusitados. Encrencas, como ele gostava de debochar. Ela pesquisava uma forma de recuperar a voz rouca de Ebony, o gato preto de Agatha Harkness, e naquela tarde o casal se deparou com fadas. Bucky gostava de pensar, talvez num tom de alívio, que já tinha visto tudo na vida e não poderia mais se surpreender com mais nada.

Segunda Guerra Mundial? Confere.

Lavagem cerebral? Confere.

Criogenia? Confere.

Lutar contra robôs e um cara insano que se transformou numa IA? Confere.

Namorada bruxa, gatos falantes, demônios e sogro mutante? Confere, confere e confere.

Até que ele viu aquelas criaturinhas pequenas e cheias de dentes pontiagudos nos morros esverdeados da periferia de Edimburgo. Elas tentavam falar com ele, brincaram em seus cabelos e arranharam seu braço metálico através do tecido de seu casaco. Seu impulso era de espantá-las feito mosquitos, mas Wanda segurou bem a sua outra mão e lhe mostrou a sombra de uma criatura muito maior adiante. Uma coisa que era maior do que um búfalo da fauna local, mas mais perigosa e ancestral. Uma fada em sua forma de criatura.

Então ele achou mais sábio tentar deixar para lá. Wanda e Bucky voltaram para o hotel, rodeados de pequeninas e travessas fadas escocesas.

Mas na realidade, responder que ele pensava em fadas era esboçar uma resposta óbvia e, infelizmente, falsa à Wanda. Todas essas coisas estranhas que James Barnes inevitavelmente passava ao lado dela não o incomodavam de verdade. Enquanto encarava a janela há alguns instantes, o soldado estava imerso em pensamentos muito mais profundos.

Cogitava se não era hora de… Dar um passo adiante. Ele não era mais um rapazote do Brooklyn que queria aproveitar a juventude, seu cabelo bem cortado e roupa alinhada. Mas também não era um homem tradicional que achou que seria quando amadurecesse, lá nos anos 50 que não viveu. Era pleno 2018 e James Buchanan Barnes já tinha passado por muitas coisas.

E aí estava a questão. Matrimônio… seria uma dessas experiências?

Pensou nisso quando viu uma joalheria no caminho de volta. Se perguntava a mesma questão quando encarava o sorriso dela.

E, ainda assim, não parecia um destino real para um ex-assassino da HYDRA.

Alheia àquelas divagações, Wanda deu de ombros.

— Ao menos a Montanha Wundagore está pacífica hoje. Algumas fadas voltaram pra lá e até que são amigáveis.

Bucky franziu os cenhos, os olhos agora estreitos. Enumerou as evidências em sua cabeça, o fato de que Wanda sempre retornava ao assunto de fadas e criaturas, e começou a calcular uma teoria palpável: Ele não era o único a esconder alguma coisa. Wanda estava não apenas com um livro ou revista qualquer acima do colchão, era algo esotérico e seu caderno estava ali perto. Bucky então se recordou que sua boneca vinha reclamando sobre só tirar a carta “A Torre” no tarot nos últimos dias, coisa que muito a intrigava e a aborrecia. A Feiticeira Escarlate estava, portanto, estudando e aquela dita viagem não era um mero passeio.

Já com uma conclusão formada, James decidiu ainda testá-la apenas por diversão:

— Por que estamos aqui, mesmo?

— Porque a Escócia é um lugar bonito e nós estamos de férias.

— Você é muitas coisas, menos mentirosa.

Até então distraída, ela riu e encarou, ainda encostado próximo a janela.

— Tá, eu posso ter aproveitado um pouquinho pra aprender mais sobre pedras mágicas e algumas criaturas, mas… — No meio da confissão, a jovem se interrompeu. — Espera, o que são essas “muitas coisas” que eu sou?

— Por que você não descobre? — É claro que se referia ao fato da Feiticeira poder simplesmente tocar-lhe com seus poderes e ouvir cada adjetivo que ele lhe atribuía, mas Wanda somente lançou-lhe mais uma vez aquela sua expressão calma e silenciosa, seus olhos muito brandos. Ela desceu do colchão e caminhou até James, que - sem resistir - em seguida envolveu-a num abraço terno, apertado. Ela riu baixinho, se aninhando em seu peitoral e querendo ouvir seu coração. James Barnes mal acreditava que vivia dias e noites assim, amenas. — Você é um boneca mesmo, huh? — Beijou o topo de sua testa, depois seus cabelos. — Faz mais de um ano que… Que eu fui descongelado, que você bisbilhotou minha cabeça e que…

Wanda descolou-se um instante dele, encarando-o com o esboço de um sorriso nos lábios. Que as fadas da Escócia não ouvissem os pensamentos dele, mas os famosos campos esmeraldas daquele país não poderiam sequer competir com a cor dos olhos da sokoviana.

— A gente se apaixonou. — Ela completou, arrumando uma mecha de cabelo dele.

É.

— Parece bem mais.

Oh. Isso o surpreendeu.

— Tipo quanto?

— Tipo… Quatro anos.

Bucky apertou-a mais contra si, rindo de sua resposta tola e de humor barato. Esperava uma afirmação enigmática, algo pomposo e cheio de magia. Esperava, talvez, que ela lhe respondesse que parecia que estavam juntos há uma vida, ou quem sabe mais de uma. No entanto, aquela resposta boba que recebeu pareceu justa e palpável, apesar de estranha. Era tal qual a variação de seus flertes no passado, entre comparações idiotas com limões e coisas rebuscadas como Shakespeare.

— Eu às vezes me pergunto… O que uma boneca como você quis com um cara velho como eu?

Eles já tinham tido essa conversa antes em Bucareste, há meses. Gostava de se lembrar daqueles dias, das panquecas, das aventuras e das flores caninas; de como ela tinha concordado com as sábias palavras de Ebony, sobre James Buchanan Barnes ser o seu amante.

Gostava de poder se lembrar, enfim. Não existiam mais palavras que lhe acorrentavam e ele… Vinha fazendo o seu melhor para tecer mais memórias boas. Ter nascido em 1916 tornava as coisas mais esquisitas, mas ele preferia pensar que estava indo bem, apesar de tudo. Talvez seu coração tenha respingado muito sentimento naquele instante, pois Wanda pôs as duas mãos em seu rosto, tocando delicadamente na linha de seu queixo e mandíbula.

— Eu gosto da nossa bagunça, James.

Ele a beijou com vigor, de forma vagarosa e querendo lhe provocar suspiros e arrepios. Não foi difícil quando alcançou seu pescoço, depois sua clavícula. Parou para buscar um pouco de fôlego, mas um pensamento tolo o fez sorrir e dizer:

— E gosta de caras mais velhos, aparentemente. Viu? Por isso temo pelo mago.

— Tecnicamente, era pra eu ter nascido em 1953.

O sargento fez os cálculos, ergueu uma sobrancelha.

— Ainda são trinta e seis anos de diferença entre a minha data de nascimento e a sua, senhorita Wanda.

A sokoviana olhou para o nada, depois voltou-se para ele e concordou:

— Que loucura.

— Que loucura. — Ele lhe ofereceu um sorriso miúdo, em seguida deu lhe um beijo curto, afastando-se delicadamente de seu abraço e indo para outra direção dentro do quarto. — Eu vou tomar um banho antes de sairmos pra pegar o trem.

Wanda, no entanto, permaneceu perto da janela e foi a vez dela de parecer distraída por algo lá fora, algo mais pesado que um pensamento. Seria uma memória? Era provável. A jovem havia passado por sua própria e espinhosa cota de lembranças ruins e, assim como acontecia com ele, existiam momentos súbitos de silêncio.

— Boneca? — A voz rouca dele foi cuidadosa, suave. Arriscou copiar a questão que ela tinha lhe dito há alguns minutos. — O que tanto observa aí na janela?

Houve uma pausa… Em seguida, como se afastasse um devaneio, Wanda gesticulou no ar e finalmente lhe respondeu:

— Uma sensação. Não deve ser nada.

Ele respeitou sua quietude. Levou mais alguns segundos para indicar a direção do banheiro da suíte com um movimento curto da cabeça e lhe fazer um convite indiscreto:

— Você vem?

— Ah. Sim, claro. — Um tanto corada, mas sem negar a oferta. — Eu já tô indo.

Os olhos dela, no entanto, demoraram-se um pouco mais em algum ponto atrás do vidro e, mesmo sem ter sido tocado pelo dom da magia, Bucky Barnes tinha a nítida impressão de que as fadas não estavam relacionadas com aquela etérea situação.

***

Na rua abaixo da “Cidade Velha” de Edimburgo, Bucky caminhava de mãos dadas com Wanda; os dois sozinhos abaixo do céu sereno e frio da rua Cockburn. Passar em frente à mesma joalheria perto do hotel reavivou as fagulhas ainda quentes de seus pensamentos sobre anéis e sobre os lábios macios da jovem Maximoff; e também como ela, conforme a promessa, tirou seu fôlego ao beijá-lo na Wonder Wheel.

No entanto, o vento aquietou essas memórias. A cada passo mais longe do hotel e mais próximo da estação de trem, a cabeça do sargento ocupava-se com seus planos futuros.

As férias dos dois estavam oficialmente se encerrando, pois Bucky havia se comprometido em ajudar uma mulher chamada Ava Starr, uma ex-espiã da SHIELD com um histórico difícil e que recentemente havia conseguido superar a deterioração de sua matéria quântica. Bucky não era especialista no assunto de física quântica, mas não era complicado identificar uma vítima cheia de dor e sem lugar para ir. Com a ajuda de Yelena Belova, o objetivo era realocar a agente num local seguro onde ela pudesse construir uma nova vida. Para isso, primeiramente ele voltaria para Outer Heaven - que estava acima de Glasgow no momento - e checaria mais detalhes da missão.

Wanda, por sua vez, tinha compromisso com o pai, Erik Lensherr. A vida de Magneto, líder de uma nação inteira e figura importante nas discussões de direitos mutantes, havia se tornado mais social ao longo dos últimos meses. Além de supostamente ajudar a construir as vilas e a capital de Genosha com seus poderes magnéticos - já que ninguém realmente tinha boas imagens de lá, embora os boatos salientassem o metal - Erik também estreitara relações com Instituto Xavier. Genosha era mais que uma emergente potência alicerçada nos talentos de seus novos habitantes, era também um símbolo e Magneto desejava deixá-la acessível a todos os mutantes.

O protagonismo de Magneto muitas vezes mexia com os nervos da Feiticeira Escarlate. Ele era bem recebido por todos na ilha, é claro. No entanto, Wanda confessava a Bucky que ainda não se sentia à vontade com o fato de também ser bem vista lá dentro. Mesmo depois de ser uma Vingadora, mesmo ajudando aqui e ali a reconstruir Sokovia, ela jamais se sentiu assim. Isso lhe trazia conflito. Ela não queria que as pessoas a vissem como uma espécie de herdeira.

Felizmente, Erik a encontraria em outro país. Alemanha, especificamente. Era um compromisso familiar. Mas isso também trouxe mais peso para o coração tão passional da jovem sokoviana. Aquela viagem, o local, o que tudo significava para os dois judeus e mutantes… e Bucky sabia o porquê a mão dela estava mais fria que o normal, porquê seu sono parecia mais leve nos últimos dias.

Nem todas as noites eram fáceis. Haviam as manhãs quietas, silêncios. Mas os dois podiam entender a quietude um do outro.

Alheia a estas considerações do soldado, Wanda olhou o horário através do mecanismo de sua pulseira wakandana e murmurou:

— O próximo trem pra Glasgow parte às dez da noite, então a gente ainda tem tempo pra andar mais um pouco e jantar alguma coisa. Depois é só pegar a bagagem de volta e fazer check-out do hotel.

— Eu também posso esperar o próximo trem.

— Que é às onze.

— Ou então o próximo depois dele.

James.

Os dois pararam. Wanda ainda segurava sua mão e o encarava a expressão intrigada, franzida. Bucky apressou-se em explicar a razão de sua súbita, e um tanto infantil, perda de vontade de pegar o trem para Glasgow:

— Eu não queria que nossas férias acabassem.

— Mas gente fez tanta coisa! Até ficamos com meu pai durante o Pessach.

Ele sentiu um peso nervoso no estômago.

— Aquilo pra mim foi pior que uma missão. Aliás, qualquer missão é menos assustadora que seu pai.

Ela riu sem discordar. O feriado judaico que ela mencionara foi o primeiro evento que os dois tinham passado junto com Erik Lensherr, mais no início do mês. Caso não tivesse sido na casa de Agatha Harkness, um território neutro por assim dizer, Bucky teria ficado ainda mais tenso na presença do líder mutante. Queria fazer tudo certo, por mais que não conhecesse a fundo os feriados daquela religião, mas era difícil não ficar ansioso com o peso do olhar do sogro sobre si durante o jantar.

Ao menos Natalya Maximoff estivera lá na ocasião e não poupou elogios ao soldado, sobre como temperava bem a comida e como era um bom rapaz para sua querida Wanda. A romi não se intimidava pelo semblante sério e austero de Erik, muito pelo contrário. Parecia se divertir às custas disso.

E era bom ter um familiar de Wanda ao seu lado.

— Não vou demorar. — A Feiticeira se justificou, numa tentativa de tranquilizá-lo. Não adiantou. — Erik só quer conversar, devo passar só alguns dias com ele. Depois volto pra Outer Heaven, ok? Urgh, pare de fazer essa cara!

— É a sua punição por me seduzir.

Ela soltou sua mão e afastou alguns passos, rindo enquanto se aproximava da luz de uma loja ainda aberta esquina. Pôs as mãos no bolso do casaco esverdeado, depois girou os calcanhares para lhe encarar.

— James. Eu poderia comer as panquecas que você faz pelo resto da minha vida.

Bucky sentiu um sopro frio em suas entranhas, uma descarga repentina de adrenalina que o obrigou a esquecer da sensação do vento sobre seu nariz, a tensão quando encontrava Erik Lensherr ou qualquer outro problema que mordiscava o fundo de seu cérebro.

De súbito, ele se sentiu ali. Presente no agora, só respirando de frente a Wanda, cuja expressão doce o estremecia por dentro. Ele desviou o olhar para o piso da calçada, a ponta de suas botinas, levando também as mãos aos bolsos. Quando voltou a encará-la nos olhos, sua boca hesitava um pouco, numa confissão que talvez soasse absurda, precoce.

Quem sabe ainda restasse um pouco do rapazote do Brooklyn em si, carregando sonhos tolos e um quê de romantismo.

— … De verdade? — Engoliu seco quando ela concordou. — Oh. Hm. É engraçado porque... Porque eu andei pensando se… Boneca?

Ela estava encarando a televisão através do vidro da loja, seus olhos redondos muito arregalados. O soldado aproximou-se dela para conferir o motivo de tamanho horror e não precisou escutar a narração do noticiário local para entender a seriedade do problema. Uma larga e circular nave alienígena tinha entrado na atmosfera terrestre e sobrevoado Nova York.

— O que diabos…?

Cenas de destruição gravadas por civis mostraram as criaturas que ali apareceram, o poder absurdo que tinham. Tony Stark havia se envolvido na questão, junto a uma espécie de mago e aquele adolescente vestido de vermelho e azul com poderes de aranha. A nave então se foi pelo céu, sem mais respostas.

E sem sinal do Homem de Ferro.

A voz de Wanda foi um sussurro, sua mão magra e pálida tampava a própria boca:

— O que eles são?

Antes que eles pudessem decidir o que fazer - se é que podiam coisa alguma ali em Edimburgo - uma figura abordou-os pela lateral. Um homem alto, loiro. Bucky definitivamente não sabia quem o homem era, mas o estranho, por sua vez, parecia conhecer a Feiticeira a ponto de dar um passo em sua direção, chamando-a pelo nome:

Wanda.

Os dois, que até então jaziam com a atenção ancorada no noticiário da televisão, assustaram-se com o desconhecido. As reclamações que escaparam de cada uma de suas bocas não poderiam ser mais antagônicas:

— Céus!

— Inferno.

Wanda franziu os cenhos, incrédula. Seus olhos faiscaram vermelhos por apenas um momento, enquanto o soldado sentia o peso do próprio braço metálico e preparava-se para usá-lo caso necessário. No entanto, a jovem parecia mais abismada com o desconhecido do que alarmada, receosa ou prestes a usar seus poderes para se defender. Inclusive, deu um passo em sua direção.

Wanda o encarava bem, prestando atenção ao rosto anguloso dele, sua pele clara e uniforme. Havia algo… diferente naquele homem, isso Bucky também podia notar. Os vincos da expressão dele pareciam esculpidos, calculados. Por estar escuro, o soldado não podia ver os olhos dele com exatidão, mas tinha a impressão de que a cor azul deles não era clara assim pela iluminação próxima e sim por algo de dentro. Era artificial.

— Visão, o que você…? — Algo acendeu em Bucky quando ouviu o nome. Visão? Não era aquele robô - aquele sintozóide, conforme lhe corrigiram na época - que basicamente estava ao lado de Stark enquanto ele e Steve só tentavam ir até a Sibéria? Aquele que tinha uma pele vermelha e verde e soltava rajadas de energia da testa? Aquele mesmo que… Foi conivente com a prisão de Wanda na Balsa? — É você mesmo? Como nos encontrou?

Ele deu mais passos adiante.

Bucky não gostava daquilo. Não gostava nada daquilo. Não entendia como o robô teria trocado sua aparência ou como poderia tê-los encontrado, mas sabia que ele ainda era uma memória pontiaguda para Wanda. Ficou satisfeito de carregar sempre um canivete consigo, talvez pudesse usá-lo se algo desse errado. Seu braço de vibranium com certeza seria de grande ajuda. Quem sabe lhe desse um golpe certeiro naquele olho claro demais ou tirasse a sua discreta arma Glock da cintura.

O soldado conservava seu melhor lado para amigos e para Wanda. Ali, agora, era só uma figura parada e séria, seus dentes cerrados.

— A jóia. — Gesticulou próximo a testa, revelando um ponto brilhante e amarelo. Um pequeno sol cravejado em sua estrutura. — Ela tem falado comigo.

A Feiticeira Escarlate anuiu, engolindo seco. A jóia era algo que unia a história dos dois, mesmo que de forma indireta, pois a sokoviana sofrera experimentos através daquela pedra no passado; Visão ganhara vida também por causa dela.

O diálogo entre os dois era quebrado, inconsistente. Wanda queria ajudá-lo - pois o assunto Joia do Infinito era sério - no entanto não havia superado ter sido mandada para a prisão com o aval dele. Ela nunca tinha dito tal coisa em voz alta para Bucky e, ainda assim, ele sabia que um dia existiram sentimentos entre os dois. Algo que acabou antes de começar e que doía nela.

— Ela me levou a você. Talvez consiga me ajudar, descobrir o que a Joia fala.. — Visão bambeou de dor, tontura. A diminuta pedra em sua testa reluziu naquele meio segundo. — Não sei o que significa, mas… Argh.

Assim que Wanda deu um passo, projetando seu corpo adiante para ajudá-lo a recuperar o equilíbrio, uma lâmina enorme atravessou o peito artificial do robô, arrancando-lhe um grito esmagado e estalos.

Visão!

Bucky soltou um impropério ao ver aquele ser ali na calçada, o monstro de outro planeta que ferira o robô. Tinha a coluna um tanto encurvada e trajava um manto escuro; carregava um cetro com a lâmina, tal qual a figura de um ceifeiro. Simplesmente jogou o corpo ainda agonizante de Visão ao outro lado da rua.

Houve tempo apenas para vislumbra-lo. No momento seguinte, quando Wanda invocou energia escarlate nas mãos e Bucky preparou-se para o combate, foram atingidos nas costas por um inimigo desconhecido.

O soldado perdeu o ar por alguns instantes, seu corpo arremessado para frente. Sentiu o impacto de uma parede, apesar de tentar proteger o rosto com o braço metálico. Zonzo, tentou ficar de pé o mais rápido possível. Tinha ouvido o som de vidro quebrando e Wanda não tinha sido jogada junto dele, na calçada.

Apesar da preocupação, algo maior captou sua atenção. A criatura que havia atingido os dois era um ser corpulento, com chifres que cresciam das laterais do rosto e um longo cabelo azul. Tinha ombreiras e uma postura sólida, e apesar de ser difícil supor o gênero - ainda mais de um alienígena - Bucky cogitava que fosse uma guerreira. A arma que carregava era um tipo de cajado com a ponta capaz de realizar disparos. Ela aproximou-se do primeiro monstro, que por sua vez enfiou a lâmina na direção da Jóia do Infinito. A aparência de Visão, antes tão humana, se desfez em sua forma original vermelha e verde, enquanto mais uma vez o seu grito preenchia as vielas de Edimburgo.

Bucky tirou sua Glock da cintura e torceu para que ambos fossem vulneráveis a balas daquele calibre. Mirou no olho da segunda criatura que apareceu, mas tiros de energia psiônica vermelha alcançaram os dois seres vis antes que seu dedo puxasse o gatilho.

Era Wanda, suas íris iluminadas em vermelho e ódio estampado na face. Estava de pé adiante da vitrine da loja na qual foi arremessada e parecia saber que aqueles seus disparos não segurariam as criaturas por muito tempo. Ela rapidamente envolveu Bucky e Visão em magia e, num impulso só, voou para longe dali.

Pousaram de uma forma patética e bruta. Isso não era normal para o jeito cuidadoso dela e logo o soldado pôde ver o porquê: Havia um caco de vidro fincado em sua coxa, além de vários hematomas e rasgos em sua pele, incluindo o rosto. Soltou mais um xingamento enquanto ajudava-a a mover o corpo do robô para o outro lado da praça, sem saber se amaldiçoava mais as criaturas ou aquele desgraçado sintozóide por aparecer de repente.

Bucky duvidou das palavras que uma telepata - Jean Grey - lhe disse há mais de um ano, sobre feiticeiros simplesmente estarem no lugar certo, onde precisavam estar. Naquela noite, Wanda e Bucky estavam no lugar errado e na hora errada.

Não estavam seguros e nem mesmo muito escondidos, mas ao menos o soldado conseguiu retirar o caco de Wanda e rasgou um pedaço da própria blusa para tentar estancar o ferimento. Ela só soltou um grunhido dolorido, murmurando:

— Eu mal consigo me concentrar direito… Também não quero usar tantos meus poderes de magia, James. Não sei como a Joia pode reagir contra eles.

Merda, pensou. Ela era a melhor oponente contra aquelas duas criaturas. Naquele estado, não conseguiria se focar em golpes mais poderosos ou abrir um daqueles portais para se teletransportarem; mesmo assim fez o seu melhor para usar magia e cuidar de alguns machucados seus e de Bucky.

Ela também se agachou para conferir o estado de Visão.

— A lâmina impediu a transformação. — Disse ele com a voz dolorida, referindo-se à aparência de seu corpo artificial. Bucky não queria que ele morresse, mas se questionava se máquinas podiam ou não morrer no sentido que os humanos conheciam a morte. O ferimento do sintozóide deveria já ter apagado alguém de carne e osso devido ao excesso de sangue que perderia.

Wanda inclinou o rosto preocupada.

— Isso é possível?

— Não deveria.

Bucky conferiu de novo as balas em sua arma e tirou o canivete de um bolso lateral da calça.

— Meu comunicador com Outer Heaven ficou no hotel. — Raciocinou em voz alta, sua cabeça se esvaziando de distrações para manter o foco. Era claro que o interesse daquelas duas criaturas era majoritariamente a Joia, e a probabilidade de terem problemas sérios em derrotá-los sozinhos era alta. — Wanda, mande um sinal de alerta através da sua pulseira. Talvez demorem pra responder, mas ao menos é uma sinalização.

Enquanto ela acionava o mecanismo na pulseira, Bucky soltou um longo suspiro, sabendo que seria mais uma daquelas noites em que ele deixaria de lado seus julgamentos pessoais em benefício de algo maior.

Mesmo que fosse pela vida sintética do quase ex-namorado de Wanda Maximoff. Ou, ele poderia dizer à si mesmo que se tratava apenas da Joia grudada na testa dele.

Encarou o rosto de Wanda e disse, sem conter o gracejo:

Boneca. Acho que deveríamos ter ficado na cama. Ou na banheira.

Ela mal pôde sorrir para aquela piada tola. Logo uma das criaturas veio através das vielas e agarrou o corpo de Visão, enquanto a que tinha chifres fincou seu cajado em direção de Wanda - que desviou a tempo.

A situação saiu de controle rápido. O sintozóide foi levado para cima de uma construção antiga e era possível enxergar apenas vislumbres de sua luta contra a criatura, mais os barulhos de impacto em pedras, urros. Enquanto isso, Wanda e Bucky tinham que se preocupar com o ser corpulento que lhes atacava. Ali, mais perto e com mais luz, o soldado pôde distinguir mais características de sua fisionomia trabalhada, sua técnica implacável.

Seus golpes eram rápidos, descomunais e projetados para atingir pontos vitais. A Feiticeira era seu alvo principal e talvez o motivo disso fosse que a criatura percebeu que ela era ameaça maior, não o humano com uma pistola.

Para o seu próprio bem, Wanda era veloz e conseguia neutralizar os ataques através de seus poderes. Luz vermelha escapava de suas mãos, aparando joelhadas e tentativas de acertar seu pescoço com aquele cajado. A tal arma não podia ser daquele mundo. Brilhava, tinha uma lâmina e também disparava.

O movimento incessante das duas reduzia uma mira precisa e limpa para o soldado, mas ele decidiu confiar em seu instinto. Atirou uma, duas vezes. Primeiro acertou o concreto, pois a criatura desviou; depois acertou-lhe no quadril. Em fúria, ela soltou um urro e disparou tiros de energia azulada na Feiticeira, que mais uma vez foi jogada metros adiante.

Bucky avançou. Sua expressão era dura, seus passos pesados. Aparou um golpe com o braço metálico, em seguida mais outro e mais outro. Atacou também, a Glock em uma mão e o canivete na outra. Fez um corte na clavícula da criatura, mas errou o tiro - que passou de raspão. Percebendo o risco, a criatura fez o possível para tirar a arma dele num contragolpe e infelizmente teve sucesso. Em sequência, voltou seu foco a pontos vitais dele e de novo Bucky foi obrigado a se defender com o braço protético.

Sentiu cada uma das investidas reverberar muito levemente dentro de si, pois justamente aquele braço era de vibranium e a tecnologia wakandana ainda lhe dava outros benefícios. Por debaixo de seu casaco, linhas finas da estrutura de metal acenderam em dourado, indicando que a absorção de impacto tinha carregado o suficiente para redirecionar essa energia.

Então liberou-a num único soco.

Os dois foram arremessados em direções opostas. Bucky não estava satisfeito com aquele efeito colateral, pois não estava com a postura firme o suficiente para se manter no lugar, mas ao menos parecia ter sofrido menos do que seu alvo. Ele rolou no chão histórico de Edimburgo até parar próximo de Wanda, ainda se recuperando do último ataque que sofrera.

Sem nem dialogar, os dois entraram em sintonia. A Feiticeira Escarlate o ajudou a se levantar e, com seus poderes telecinéticos trouxe de volta a pistola Glock para a mão dele, que em resposta já a recarregou com o seu segundo - e último - cartucho de munição.

A luta recomeçou mais rápida, mais desesperada. Wanda ainda tinha o ferimento na coxa, a criatura tinha levado um tiro no quadril. Se essa guerreira alienígena fosse uma pessoa normal ou até mesmo um humano aprimorado ou um mutante, já estaria imobilizada. Quem sabe tivesse a epiderme grossa, uma constituição física nada conhecida. Era um ser do espaço muito provavelmente relacionado aos aliens que tinham pousado em Nova York, Bucky cogitou, enquanto tentava acertar um tiro em seu tórax.

Uma rajada de luz, uma espécie de laser amarelo veio do topo de uma construção, atravessando o piso da Royal Mile com violência e destruindo tudo o que tocava até atingir um automóvel. Nenhum dos três - Wanda, Bucky ou criatura - sofreu um único ferimento daquele raio, mas a explosão custou um instante de atenção que quase custou o pescoço de Wanda.

Depois, um grito lamurioso de dor. A rajada de luz tinha vindo de Visão, o soldado tinha certeza disto porque ainda se recordava de tal artifício usado há mais de um ano durante a luta no aeroporto da Alemanha. Pela intensidade de seu brado, era óbvio que estava com sérios problemas.

— James, vamos subir!

A Feiticeira Escarlate aparou mais um golpe da criatura com chifres, em seguida lançou-a rumo ao automóvel que ainda queimava com um baque alto, dolorido. Não esperou contragolpe, apenas usou seus poderes para levitar seu próprio corpo e o de Bucky para cima, pousando agora na estrutura gótica da Catedral St. Giles, exatamente onde o sintozóide estava. Mesmo ferida e cansada, ela não levou mais do que segundos para disparar energia escarlate em direção ao algoz de Visão. Derrubou-o rápido, jogando-o para dentro da construção e quebrando os vitrais no processo.

Bucky ajudou a amparar o sintozóide, carregando seu corpo pesado pelo ombro. Sem mais uma única palavra, a Feiticeira envolveu todos em magia e se pôs a alcançar o céu mais uma vez.

Foi nesse momento que foram atingidos por disparos daquela mesma arma da criatura com cabelos azuis.

Bucky segurou Wanda forte com um dos braços, enquanto o outro ainda carregava Visão. A queda foi veloz, mas a Feiticeira tentou ao máximo usar suas habilidades para retardar a queda e amenizar o impacto contra o vidro da estação de trem Waverley. Não adiantou. O soldado ouviu algum dos seus ossos estralarem com choque contra o piso, sem falar que a superfície era lisa e o fez deslizar até bater em uma das grades verdes. O peso do corpo artificial de Visão sobre si também contribuiu para que se sentisse um inútil e sem vida saco de batatas largado com desprezo ao chão.

Só existiam xingamentos na mente de James Barnes.

— Desgraça! — Ele tentou recuperar o fôlego e a postura. — Merda. Por que sempre estações?

Em 2017, ele e o resto do grupo enfrentaram agentes do Serviço Mata-Capas, robôs e Sentinelas em Zurique. Após uma explosão, Wanda ficou presa em uma estação com Magneto. No mesmo ano, em Bucareste, o Soldado e a Feiticeira também foram obrigados a lutar contra um modelo novo de Sentinela. E agora isso?

Bucky jamais iria querer pegar um trem ou metrô de novo.

Já bastava ter caído de um e perdido o braço nos anos quarenta.

Deixou Visão no chão, encostado ligeiramente inconsciente na grade, enquanto ficava de pé ao lado de Wanda. A Glock tinha se perdido durante a queda, mas ele ainda tinha o canivete e o próprio braço. Ele aproveitou o instante para conferir o estado de Wanda e não era muito bom. Já tinha visto-a pior, mas isso não significava que ela devesse aguentar mais ainda.

Algo dentro dele se quebrava ao observar seus olhos arregalados numa expressão assustada e confusa, sem saber o que fazer primeiro. Havia um corte feio atravessando sua testa, acima da sobrancelha esquerda. Ela aproximou-se, segurou sua mão e desatou a perguntar se Bucky sentia dor, se conseguia se mover direito.

E, se antes ele queria que Wanda não fosse embora, agora desejava justamente o contrário:

— Talvez seja você quem deve partir num próximo trem, boneca.

O sorriso dela foi feroz.

— Eu não vou mais a lugar algum, James.

Ele anuiu, ciente de que não teria condições de mudar sua decisão, por mais que valorizasse mais sua segurança.

— Era isso o que eu mais queria ouvir. — Admitiu. — Talvez só não agora.

Dito isso, as duas criaturas estilhaçaram o vidro do alto da estação e pousaram logo adiante, cada um com sua respectiva arma: cajado e cetro. A frieza do pensamento e do foco retornou à mente do soldado, enquanto ao seu lado Wanda ardia em poder e névoa escarlate.

Um trem passou na linha atrás deles, trazendo vento e barulho para aquele momento de antecipação.

Bucky estreitou as pálpebras enquanto o som agudo de metal raspando em metal ressoava no ambiente. A criatura de chifres e cabelos azuis havia desviado sua atenção para um ponto adiante, além dele próprio e de Wanda. De maneira cautelosa, o soldado decidiu checar o que ela tanto olhava e qual não foi seu choque em perceber que havia, de fato, uma silhueta escondida na penumbra.

Assim que o trem partiu e o caminho estava livre, a criatura lançou o seu cajado na direção da silhueta com força, na intenção de empalá-la. A pessoa apenas desviou com o torso e pegou a arma com um dos braços, dando em seguida um passo adiante, em direção à luz.

Era Steve.

Bucky soltou um suspiro de alívio misturado a um xingamento, pensando o quanto aquele seu amigo era dramático. Sério? Vindo das sombras? Mas combinava com expressão dura do Capitão América, a barba cheia e o cabelo mais comprido. Parecia ser capaz de moer seus inimigos só com o olhar.

De soslaio, Bucky notou que Wanda também tinha desanuviado a expressão, um pequeno sorriso escapando do canto da sua boca. Aquele instante parecia ter acendido uma melodia vitoriosa na atmosfera.

De repente uma ação coordenada começou a se desenrolar a frente do soldado e da feiticeira. Sam Wilson entrou voando na estação de súbito e usou as pernas para jogar a criatura com chifres metros e metros adiante, obrigando-a cruzar o saguão e colidir contra mesas de uma lanchonete. No instante seguinte e ainda no ar, ele acionou pequenos mísseis para acertar o ser que ainda restava.

Mesmo que tenha defendido-se com o cetro, o monstro não se recuperou rápido o suficiente para aparar os golpes da Viúva Negra, que adentrou o cenário de combate e logo pegou o cajado da outra oponente, lançado por Steve. Numa sequência acrobática e letal, Natasha foi capaz de atravessar a arma no tronco do monstro e desviar de suas tentativas frustradas de golpeá-la. A criatura acabou no chão, ferida e desarmada.

A guerreira com chifres, por sua vez, retornou à luta com mais fúria, na intenção de matar a espiã. Recuperou seu cajado, girou seu torso e se pôs a mover com destreza, usando seus músculos pesados para acertar sua oponente onde pudesse. Se não fosse pela intervenção de Steve, Natasha teria sofrido um ataque sério. Morrido no mesmo segundo, muito provavelmente. O Capitão saiu de perto dos trilhos e rapidamente aproximou-se das duas, pegando o cetro da criatura abatida no chão com um só gesto. Aparou o golpe do cajado com o cetro e logo os dois passaram a se enfrentar, dentes cerrados e expressões endurecidas.

Natasha e Steve alternavam nos golpes em sincronia perfeita. Estavam há muito tempo juntos, sempre lutando lado a lado e protegendo um ao outro quando a situação pedisse. Não surpreendia que o tempo apenas estreitasse tais laços.

Bucky aproveitou esse momento para amparar Wanda, que perdia o equilíbrio por conta do ferimento na coxa, ainda sangrando. Ela tentava contribuir ao máximo na luta travada entre seus amigos e a terrível guerreira do espaço, usando flashes de sua magia escarlate para evitar que os tiros ou impactos alcançassem o Capitão América ou a Viúva Negra. Isso não durou muito, porém. Wanda estava sem foco devido a dor.

Apesar de nem Steve, nem Natasha receberem golpes sérios, quem terminou a questão foi Sam Wilson: Novamente, ele usou as pernas para lançar a guerreira ao chão, próxima ao seu colega, mas desta vez o herói pousou e já engatilhou uma arma em cada mão. Os dois seres agora estavam sob mira perfeita, um deles gravemente ferido. Sem chances de contra atacar. Trocaram um breve diálogo numa língua estranha, pareciam preocupados um com o outro.

Natasha deu um passo adiante, sua voz muito limpa e direta:

— Não queremos matá-los. — Uma pausa. A criatura com chifres só lhe encarava com ódio. A russa só esboçou uma reação leve, quase um sorriso. — Mas iremos.

A guerreira rosnou baixo, depois sua boca articulou cuidadosamente cada palavra:

— Não terão outra chance.

Uma luz azulada atingiu-os de cima, além do vidro quebrado da construção. Era uma nave espacial. A luz amena que envolveu os dois transportou-os para cima com velocidade e, simultaneamente, delicadeza; colocando-os em perfeita segurança de seu veículo extraterrestre. Antes de partirem, as armas - cetro e cajado - também foram sugadas de volta para seu lugar de origem, deixando somente silêncio e confusão no saguão da estação de trem Waverley.