Cinzas

Água e Óleo?


30 – Água e Óleo?

Blaise Zabini girava sua taça de firewhiskey na mão, se repreendendo mentalmente porque tinha consciência de que o gesto esquentaria sua bebida. Merlin sabia que Blaise era flexível o suficiente para se adaptar a diversas situações, mas jamais ao desperdício de bom firewhiskey.

Ele bebeu tudo em um só gole e, na sequência, passou a ponta da língua nos lábios para capturar a última gota que ousou escapar dele - ou talvez fosse para desestabilizar seus interlocutores, não havia se decidido sobre o assunto ainda. Sorriu felinamente para os outros dois presentes no seu escritório, catalogando todas as informações que pudesse angariar sobre eles.

Informação é poder, ele repetiu seu mantra apenas por força do hábito. A ideia já estava tão enraizada nele que não necessitava de mais lembretes.

Ele tinha ouvido a história que lhe contaram, absorvido cada detalhe. Visto exatamente onde eles queriam chegar e por que tinham ido até sua Mansão.

Mesmo que os dois presentes não soubessem ainda, Blaise tinha consciência de que havia conseguido mais uma vitória.

Sempre conseguia, afinal.

Entretanto, ainda não era o momento de colher os louros. Por hora, ele se limitaria a selar oficialmente seu acordo, para somente então permanecer na sua verdadeira zona de conforto, traçando estratégias, vislumbrando pontos de pressão, buscando vantagens.

Miles e Isla Rosier estavam sentados nas poltronas à sua frente e eram tão diferentes como dois irmãos tinham o direito de ser. Ele tinha feições delicadas, exalava uma fragilidade que Blaise considerava quase irritante e tinha gestos nervosos, como se esperasse uma tragédia a cada cinco minutos. Ela, por sua vez, era firme, tinha traços angulosos e transpirava a altivez nos movimentos seguros. À parte o cabelo escuro de mesma tonalidade e o desejo de proteger o nome da sua família, os dois não tinham nada em comum.

Cada um era atraente à sua maneira, de fato, mas não era nas diferenças entre os dois que Blaise estava interessado e sim nos objetivos em comum. No caso, ambos estavam profundamente interessados em se livrar de uma garota cujo pai deles - um Comensal da Morte desprestigiado e com inclinações ao alcoolismo-, tinha sido idiota o suficiente para engravidar.

Por que as pessoas insistem em deixar o coração guiar suas decisões?, ele teve que conter o impulso de rolar os olhos.

Obviamente, eles poderiam se livrar da garota com as próprias mãos e esquecer as inconveniências que mais um herdeiro – um herdeiro trouxa – poderiam causar no clã dos Rosier.

Eles eram uma d'As Vinte e Oito Sagradas, as últimas famílias britânicas que ainda eram 'verdadeiramente sangue-puro', com laços com diversas outras famílias seculares; a própria avó materna de Draco, se a sua memória não estava falhando, era uma Rosier que se tornara Black por casamento.

Sim, Blaise se deu conta, eles tinham o poder para se livrar da garota.

Se fariam isso, entretanto, era um outro ponto.

Haviacertos... obstáculos. Primeiro, sob hipótese alguma, eles poderiam levantar suspeitas e perguntas do tipo 'qual o interesse dos Rosier em se livrar de uma trouxa que nem tem ideia da existência dos bruxos?'.

Uma investigação superficial traria à tona o caso amoroso do patriarca da família com alguém que significava menos do que a escória para os sangue-puro conservadores. Para começar, eles perderiam o controle do Departamento de Transporte – que os Rosier detinham na sua totalidade. Depois, cessariam a influência, o prestígio, todos lhe virariam as costas. E seria o fim da família diante dos olhos de Voldemort.

Segundo, ninguém lidava com esses assuntos indesejados como Blaise Zabini. Com sutileza, nunca com brutalidade. Com descrição, longe do escândalo. E, acima de tudo, com eficiência.

"Considerem seu pedido como atendido." Ele disse finalmente para os dois irmãos com seu tom monocórdico e exibiu seu sorriso mais generoso. "Será um prazer ajudá-los."

Isla semicerrou os olhos para ele como se estivesse medindo a veracidade das suas palavras, mas foi Miles quem falou com sua voz melodiosa.

"É preciso que você entenda a gravidade da situação e..." Ele engoliu em seco nervosamente. "Eu não gostaria que houvesse nenhuma sujeira que pudesse respingar no nome da nossa família."

Certo, sem mortes violentas ou desaparecimentos suspeitos, Blaise conteve a vontade de escarnecer a necessidade de tal garantia. O que as pessoas acham que eu sou? Um Comensal da Morte sem classe?

Simplesmente ele seria obrigado a inventar uma história em nome de Rosier, talvez usar um ou outro feitiço de memória e 'sugerir' - através de uma indecente quantia de dinheiro-, que a garota recomeçasse em outro lugar, de preferência bem longe da Inglaterra.

Sem grandes esforços, Blaise reteve qualquer emoção que pudesse manifestar e se levantou, claramente encerrando a conversa.

"Não haverá qualquer chance da sua família ser associada a isso. Nem de que vocês percam o domínio sobre o Departamento de Transportes do Ministério devido às... ações do seu pai." Ele se aproximou de Miles e, à guisa de despedida, esticou a mão para que o outro homem a apertasse. Quando ele o fez, Blaise roçou os dedos na parte interna do pulso de Miles, numa carícia quase imperceptível – sutil, como havia percebido que Rosier gostava. "Pode confiar em mim, Miles."

Sentiu Miles se arrepiar com o toque – com o olhar - e quase sorriu quando confirmou suas suspeitas. Um já está ganho.

Isla se levantou entendendo a deixa para se retirarem do escritório se encaminhou para a porta, seguida do seu irmão e Blaise. Na porta, ela se virou para o anfitrião. "Como poderemos recompensá-lo, Sr. Zabini?"

Blaise esperou que Miles passasse por ele e desse as costas, para segurar a mão de Isla com firmeza – exatamente do jeito que ela gostava -, e pousar um beijo suave na palma da mão dela. "Eu saberei cobrar de você na hora certa, Isla. E será um verdadeiro prazer."

Pelo menos para mim, Blaise racionalizou. Que vou ter vocês na minha mão para qualquer eventualidade.

Isla arregalou os olhos surpresa, mas depois pareceu relaxar visivelmente sentindo a leve pressão dos lábios de Blaise em sua mão. Ela ruborizou e sorriu timidamente – o único gesto sutil que Blaise vira partir dela – e retirou a mão, pela primeira vez confortável diante do homem à sua frente.

Outra garantida. O sorriso de Blaise – o não verdadeiro, aquele que encantava bruxos e bruxas – se alargou.

Quando Miles se virou em busca da irmã, Zabini já estava escoltando-a até a porta. Eles se despediram polidamente e Blaise voltou ao seu escritório, sentando-se à mesa.

O sorriso morreu no seu rosto e deu lugar à sua verdadeira expressão, estoica, pensativa, quase imutável.

Longe das pessoas, Blaise podia ser quem realmente ele era.

"Dois irmãozinhos vieram brincar no esconderijo do Bicho-Papão..." Ele refletiu em voz alta, tamborilando ritmicamente os dedos sobre a mesa.

Depois de um momento, se serviu de mais uma dose de firewhiskey, satisfeito com o rumo das coisas.

Um sexto sentido – que Blaise raramente negligenciava – dizia que, politicamente, quanto mais ajuda ele tivesse, melhor seria nos tempos que estavam por vir.

Quando estava prestes a dar um generoso gole na sua bebida, uma forma prateada e indefinida irrompeu pela sua janela, arrancando-o abruptamente dos seus pensamentos. Gotas de firewhiskey caíram no seu terno, mas, pela primeira vez, Blaise não se importou com a imperfeição na sua aparência elegante.

Um patrono?, Blaise semicerrou os olhos ao reconhecer a forma de um animal. Poucas pessoas com quem ele tinha contato conseguiam realizar tal feitiço.

De um dragão...?

Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa – até mesmo se mexer – uma voz arrastada que ele conhecia bem demais se manifestou através da materialização do animal. A Blaise, só restava ouvir.

E ouvir ele fez.

Assim que o feitiço transmitiu seu recado e se desvaneceu no ar como se nunca tivesse passado por ali, suas mãos estavam tremendo. Ele odiava aquela sensação.

"Ora, ora, ora." Ele suspirou tristemente, apoiando o queixo na mão. "Se essa não é a situação que eu mais tentei evitar durante a vida."

Então, se levantando da poltrona e esticando as pernas como se fosse fazer um exercício físico rotineiro, Blaise se preparou para entrar em contato com o casarão dos Rosier através da lareira. Provavelmente eles já tinham aparatado até lá.

Isla ou Miles, Miles ou Isla?, ele se perguntou mentalmente, pensando em quem seria mais suscetível ao seu charme e mais facilmente manipulável de acordo com seus interesses.

Assim que ele invocou sua escolha e um rosto conhecido apareceu na lareira, Blaise sorriu da maneira mais arrebatadora que podia – isso queria dizer alguma coisa, afinal – e falou suavemente, "Isla, minha cara, sua ausência já é profundamente sentida em minha casa. Não podia esperar sequer um minuto a mais para falar com você."

Isla, que era mais forte, que era mais direta e, na maior parte das vezes, mais assustadora do que o irmão, escondia uma fragilidade e um desejo de atenção a serem adequadamente explorados, Blaise podia sentir isso.

"Oh," Foi tudo o que ela conseguiu dizer a princípio, num misto de embaraço e prazer. "O que você deseja de mim?"

Blaise sequer piscou.

"Uma retribuição pelo o que vou fazer pela sua família." Ele olhava fixamente para ela, sabendo que já havia dito o que queria e, agora, precisava amenizar. Convencer. "E uma promessa, de que nos veremos assim que for conveniente."

Isla Rosier sorriu timidamente mais uma vez. "Como posso te ajudar, Zabini?"

Blaise respirou fundo, seu sorriso falhando por um milésimo de segundo num gesto que passaria despercebido por qualquer um que não o conhecesse há anos. "Preciso de Chaves de Portal totalmente fora dos registros do Ministério, impossíveis de rastrear até mesmo pelo seu departamento."

"O que o faz pensar que eu teria acesso a coisas que são terminantemente proibidas pelo Lorde das Trevas?" Isla perguntou num tom mais defensivo.

Blaise rolou os olhos, torcendo para que sua expressão tivesse ficado clara mesmo através da lareira.

"O que me faz ter certeza – não pensar – que você tem acesso ao que quero é simplesmente o fato de eu ser quem sou." Ele disse sério e introspectivo, numa rara demonstração da sua verdadeira natureza.

Não era preciso dizer mais nada. Era comum acordo que Blaise Zabini detinha informações que ninguém mais possuía e que era melhor não duvidar daquilo.

Isla suspirou, entre resignada e encantada. "Quantas?"

"Tantas quantas você conseguir nos próximos..." Blaise olhou para o relógio na parede, fazendo cálculos sucessivos na sua mente. "cinco minutos."

"Com tanta pressa, só posso supor que há uma mulher envolvida..." Isla disfarçou uma centelha de ciúmes com uma brincadeira que ela não estava acostumada a fazer. "Pretendendo salvar alguma donzela em apuros ou fugir com ela?"

"Digamos que um pouco das suas coisas." Ele respondeu no mesmo tom leve - internamente contando os segundos-, e sorriu para a mulher na lareira, já sentindo na língua o gosto da próxima mentira. "Nada que faça sombra a você, Srta. Rosier."

Ela assentiu retribuindo o sorriso. "Voltamos a nos falar em dez minutos." E, então, a ligação foi cortada.

Blaise respirou fundo.

Durante toda essa conversa, a única coisa que Blaise conseguia pensar de forma frustrada é 'por que eu ainda deixo meu coração tomar decisões por mim?'.

***

Gina deslizava prazerosamente entre a consciência e inconsciência, no estado daqueles que estão prestes a se aprofundar o sono. Ela estava na sala de estar mais confortável da Mansão, com Aries no carrinho ao lado da sua poltrona e James brincando com sua varinha de brinquedo, enquanto Narcissa lia tranquilamente numa poltrona ao lado. O cenário de paz incentivava seu estado e ela deixou sua mente flutuar ao seu bel-prazer.

Estava tão tranquila com a cabeça apoiada numa almofada e com um pé aninhado sob uma coxa enquanto o outro balançava ritmicamente roçando no carpete felpudo, que o sono não demorou a reivindicá-la.

Então ela se rendeu completamente. E sonhou.

Estava de volta a Hogwarts, no dia da Batalha do Castelo. Estava suja, dolorida e com medo, mas não totalmente desprotegida porque... porque Draco estava lá. E ela queria que ele continuasse exatamente ao lugar onde pertencia, junto com ela. Queria abraçá-lo, beijá-lo, permanecer ao lado dele. Era como se a Gina de vinte e cinco anos estivesse no corpo e com a consciência da de dezessete.

Sentiu vontade de gritar para que eles fugissem, mas tudo que disse foi uma representação frágil e pálida daquilo que intencionava realmente dizer. "Eles podem te ajudar. Todo mundo pode ter uma segunda chance. Você só precisa tentar."

Draco estava de costas para ela e era horrível não poder ver a expressão dele. Gina sentiu uma urgência quase desesperadora de ter algo mais concreto do que a voz arrastada, para se garantir de que ele estava realmente ali, com ela.

"Eu não me misturo com gente da sua laia, Weasley. Tanto por minha vontade quanto pela de vocês. Água e óleo, lembra?"

Água e óleo, lembra?

Água e óleo?

Eram mesmo tão diferentes assim, tão imisturáveis?

A Gina do sonho, aquela que não tinha a concepção de mundo que a Gina real e que não entendia as nuances e tons de cinza da vida, se revoltou com todas as suas forças. "Eu não posso acreditar que você realmente ainda dá valor a coisas tão... tão estúpidas! Mesmo depois dessa guerra, depois de tudo que Voldemort fez para você e para sua família."

E a Gina real se entristeceu, por ela mesma, por sua ignorância na época, por Draco, pelas suas famílias e suas perdas.

Ainda de costas, o queixo do Draco do sonho se ergueu altivamente, assim como o Draco real tinha feito, tantos anos atrás. "Essas coisas são a única coisa que eu tenho para acreditar, Weasley. E é pela minha família que eu preciso acreditar nelas."

Pela minha família.

Pela minha família.

Gina se sobressaltou ao acordar, agoniada com sua própria intolerância e intransigência naquele tempo. Tinha sido cega para o fato de que Draco sempre fora extremamente fiel à sua família, assim como ela era a dela. E, de alguma forma, aquilo parecia ser importante agora. Muito importante.

Mas por quê?, ela pensou franzindo a testa.

"Sonhos ruins, Ginevra?" Narcissa perguntou erguendo os olhos do livro que estava lendo e chamando a atenção de Gina para si.

"Não exatamente..." Gina negou com a cabeça, acordando completamente. "Eram lembranças... De situações que eu não pude entender completamente na época." Ela ficou pensativa e passou a mão pelo cabelo, como se quisesse se livrar daquela sensação incômoda. "Parece que o passado nos manda recados através das lembranças."

"O passado é só um prólogo." Narcissa comentou passando os dedos levemente pelas páginas do livro. "Cabe a nós tomarmos posse da pena para escrevermos os novos capítulos."

Gina sorriu suavemente não sabendo se a mãe de Draco queria convencer a si própria ou a nora a se desprender do passado e seguir adiante. Contudo, ela não podia discordar das palavras: há tempos tinha passado da fase que deixava os outros escreverem os capítulos da sua vida.

Vendo que ela acordara, James se aproximou do carrinho de Aries e deu a varinha de brinquedo para o irmão segurar. O bebê, por sua vez, segurou o objeto com uma mão pálida e rechonchuda, observando-o com sua típica curiosidade silenciosa.

"Quando ele vai começar a falar, mamãe?" James apontou para o irmão e a tirou dos seus pensamentos.

"Daqui uns meses, provavelmente." Gina respondeu passando a mão pelo rosto do bebê, que logo esqueceu a varinha de James para segurar a mão da sua mãe. "Ele não completou nem seis meses ainda, querido."

James pareceu frustrado. "Ele é sempre tão quieto."

"Para compensar o fato de que você um tagarela," Gina brincou e apertou o nariz de James com a mão livre, que gargalhou para ela.

"Em menor escala, Draco também era um pouco assim." Narcissa olhou para o bebê de forma pensativa. "O poder do sangue é realmente o único incorruptível."

Gina estava pronta a mudar de assunto – não gostava de conversas envolvendo 'poder' e 'sangue' perto dos seus filhos -, quando viu que James franziu a sobrancelha escura, visivelmente com uma ideia se formando no fundo da sua mente.

O estômago de Gina se apertou porque não precisava ser muito esperto para deduzir o que viria na sequência. E sabia que a situação estava ainda mais crítica, desde a volta de Harry. Não tivera notícias dele desde o encontro na sua loja, mas tinha consciência de que cedo ou tarde aquela seria uma realidade que ela e Harry – e Draco – teriam que enfrentar.

"James, que tal-" Ela começou a falar para tentar distrair o menino da pergunta inevitável.

"Aries é tranquilo, assim como o Sr. Malfoy." James não se deixou interromper, pensando em voz alta. "Eu sou agitado - a Sra. Malfoy diz que eu sou." Ele olhou para Narcissa esperando confirmação, mas ela só o olhou com um misto raro de simpatia e pena que não escapou aos olhos astutos de James. "Sou agitado, assim como..."

"Assim como eu, James." Gina não pôde evitar que sua voz saísse cansada.

James abriu a boca para retrucar – estava se cansando daquelas respostas evasivas, nebulosas. Estava crescendo. E entendendo que havia algo errado.

Entretanto, nada chegou a sair da sua boca porque, naquele exato momento, o Sr. Zabini irrompeu da lareira esbaforido, assustando sua mãe e fazendo a Sra. Malfoy levantar uma sobrancelha que James aprendera a traduzir como 'onde estão suas boas maneiras, mocinho?'

"Blaise!" Gina levou a mão até o coração, dividida entre o susto de ver Blaise tão descomposto e o alívio por não ter aquela conversa com James.

"Graças a Merlin vocês estão aqui." Ele andava pela sala como um animal feroz e enjaulado, pensando consigo mesmo e ignorando os olhares espantados que estava recebendo. "Eu consegui entrar, isso é bom."

Narcissa descansou seu livro no colo calmamente.

"Tinha impressão que os dois fatos não seriam uma surpresa para você, dado que efetivamente moramos aqui e a Mansão tem uma comunicação direta com a sua casa." Narcissa disse com um toque de sarcasmo na voz. "Isso significa que você não precisa de permissões adicionais para entrar."

"Não, Sra. Malfoy." Blaise respondeu distraído, checando nos bolsos do robe os objetos que ativariam as Chaves de Portal. Sabia que devia estar dando um espetáculo e tanto; vê-lo nervoso era o equivalente a ver Draco recitando monólogos sobre as cores que seriam moda na próxima estação. "Isso significa que os feitiços de proteção da Mansão Malfoy não foram ativados, ou seja, que ninguém perigoso para sua família se aproximou daqui. Ainda."

Narcissa abriu a boca para fazer a pergunta que estava estampada na sua expressão fria, mas foi Gina quem falou.

"Se importa de se explicar, Blaise?" Ela cruzou os braços sobre o peito, num gesto que Blaise sabia que ela fazia quando estava começando a se irritar.

Finalmente se recompondo, Blaise olhou para as duas mulheres da sala, pesando suas possibilidades. Ele não podia explicar tudo agora, não quando ele mesmo não sabia os detalhes do que havia acontecido. Precisaria convencê-las.

Contudo, não seria como convencer as outras pessoas. Narcissa Malfoy e Gina Weasley eram duas forças da natureza e não seriam facilmente ludibriadas por seu charme ou por ameaças veladas.

Ele teria que jogar com as armas delas e, sendo duas mulheres extremamente leais, Blaise não poderia dar menos a elas.

Zabini suspirou, baixando todas as suas reservas, todas as suas máscaras.

"Ginevra, você confia em mim?"

"Sim." Gina não hesitou em responder, compreendendo a gravidade da situação ao ouvir seu nome proferido por Blaise.

"Então sabe que eu nunca faria nada para te machucar." Ele continuou enterrando seu olhar nela, fazendo com que ela entendesse tudo que ele não podia – não devia – dizer com palavras.

Narcissa se remexeu inquieta na sua poltrona como uma mãe que pressente o perigo para um filho; se era porque tinha visualizado em Blaise uma ameaça para o casamento de Draco ou porque sua aparição repentina significava que havia algo de muito errado com o filho dela, Zabini não poderia dizer.

Blaise a ignorou e se concentrou em Gina.

"Do que você precisa, Blaise?" Gina perguntou determinada

"Que não apenas confie em mim, mas confie no que eu falo." Dessa vez seu olhar passou por Narcissa e James também. "E preciso que saia dessa Mansão em três minutos."

***

Gina balançava Aries nos braços, enquanto olhava atônita a cena à sua frente. O bebê escondeu o rosto no pescoço dela, notoriamente incomodado com a quantidade de pessoas ao redor deles e que agora o encaravam com irrefreável curiosidade.

Ela estava no Chalé das Conchas confortavelmente sentada num grande sofá, de frente para praticamente toda a sua família e amigos.

Merlin, ela havia sonhado tanto com aquilo e agora... Agora sequer conseguia dizer uma palavra, olhando para todos e se sentindo acuada, fora do seu habitat.

Talvez fossem os acontecimentos da noite que a deixaram daquela forma, mas a verdade era que, por mais covarde que fosse, Gina só queria ir para seu quarto da Mansão e se trancar lá, até entender o que estava acontecendo.

Parecia que a chegada dela no esconderijo da Resistência tinha acionado algum dispositivo de alerta vermelho e todos estavam ali agora.

Esperando pelo que, ela não poderia dizer... Estava tão no escuro quanto eles.

Seu pai, sua mãe, Gui, Fleur, Quingsley, Jorge, Rony, Hermione, Luna, Angelina, Harry. Todos lá. E mais alguns que ela não conhecia, o que a deixou ainda mais inquieta.

"Hey, todo mundo." Ela falou tímida, como se estivesse cumprimentando. "Esse é Aries," Ela tentou fazer com que o bebê virasse para as pessoas e, quando ele ergueu os olhos cinzas, ela não pôde evitar reparar com Harry e Rony torceram o nariz, mesmo que seus pais tivessem aberto um sorriso para o bebê. "E creio que se lembrem de James." Completou, pondo uma mão gentilmente nos espessos cabelos castanhos do menino sentando aos seus pés.

James!, ela desviou os olhos para ele, inconscientemente mordendo o lábio.

Teria tanto trabalho para explicar tudo para seu filho mais velho, que estava olhando para todo mundo com um ar entre curioso e assustado, absorvendo tudo ao seu redor. Como se tivesse lido seus pensamentos, ele levantou o olhar para ela e deu um aperto reconfortante em sua mão, como se naquela idade ele já tivesse a necessidade de protegê-la, de fazê-la se sentir melhor.

A resposta que obteve foram acenos tímidos de cabeça, olhadelas curiosas e mais silêncio. Até Jorge, posicionado de frente para ela, parecia um pouco constrangido.

Para ajudar sua situação, ao seu lado esquerdo estava Narcissa Malfoy, tão impenetrável como sempre, movendo apenas os olhos perscrutadores – num gesto muito parecido com o que o Draco fazia – com uma expressão de nojo no rosto e evitando interagir com as pessoas.

Ao seu lado direito, por sua vez, estava Blaise Zabini, sentado relaxadamente como se o Chalé das Conchas fosse sua casa de férias e fosse muito natural ele estar ali. Depois que eles chegaram até lá, Blaise tinha voltado a ser ele mesmo, deixando para trás todos os gestos nervosos e impensados. E, se Blaise se sentia confortável ali, Gina tinha que admitir que não havia razão para que ela se sentisse tão... fora do ninho.

"Hm, hm." Arthur Weasley pigarreou, chamando a atenção para si e quebrando o silêncio constrangedor. "Gina, filha, quero que você saiba que sempre será bem vinda à casa da sua família e que ver você é um bálsamo para o meu coração," ele sorriu em direção a ela e Gina se sentiu um pouquinho mais aquecida e confortável. "Mas acho que alguns esclarecimentos seriam válidos."

"Não que as palavras não tenham sido verdadeiras, Ginoca." Jorge atravessou sem conseguir se conter por mais um minuto. "Mas o que o papai quis dizer foi: como infernos você chegou aqui?" Ele perguntou não escondendo sua surpresa.

"Jorge!" Molly Weasley repreendeu, mas não pôde dizer mais nada quando Rony tomou a palavra.

"Ainda mais com companhia tão... agradável." Ele completou do canto da sala com expressão emburrada e mal se mexeu quando Hermione deu uma cotovelada discreta em sua barriga. Narcissa levantou uma sobrancelha para ele e Gina fechou os olhos brevemente, preferindo ignorar Rony e responder diretamente a pergunta do pai.

"Eu- eu não sei." Ela gaguejou, mas se forçou a continuar raciocinando. "Simplesmente Blaise apareceu na Mansão e nos tirou de lá, sem tempo para sequer conversarmos e dizendo que nossa vida dependia disso. De chave de portal em chave de portal chegamos até aqui… Gui nos achou ao norte do Chalé e, bem, fomos trazidos para cá. O resto vocês já sabem."

Todos os olhares então se voltaram para Blaise, mas ele não se deu ao trabalho de explicar qualquer coisa. Estava com a atenção fixa em outra pessoa.

"Pelas barbas de Salazar," Ele exclamou depois de um instante. "Você tem quantas vidas, Potter?"

Harry - que estava sentado numa cadeira ao lado de Rony e Hermione -, observava James atentamente, porém, quando ouviu a pergunta de Blaise, desviou o olhar do menino e sorriu fracamente.

"Quantas forem necessárias para destruir um regime com o qual você parece cooperar, Zabini."

Blaise sorriu esplendidamente, mas foi cortado antes que pudesse retrucar com alguma resposta afiada.

"Vamos direto ao ponto, rapazes." A Sra. Weasley falou francamente. "Sr. Zabini, pode nos explicar o que está fazendo aqui e, principalmente, como nos encontrou?"

"É simples, na verdade." Blaise deu de ombros, se focando na mãe de Gina. "Estava na minha casa resolvendo uns... problemas burocráticos quando recebi o patrono do Draco, com uma mensagem dele pedindo para que eu fosse até a Mansão Malfoy, pegasse os meninos, a Sra. Malfoy e a outra Sra. Malfoy," Ele frisou o status de Gina olhando para Harry com um sorriso irritante e desafiador brincando nos lábios. "Me deu as coordenadas exigindo que eu fosse o mais discreto possível para trazê-los para cá e, voilà, aqui estamos."

Gina ficava mais pálida a cada palavra de Blaise e, discretamente, Narcissa fez um gesto para que ela passasse o bebê para seu colo.

"Por que Draco faria uma coisa dessas?" Gina perguntou nervosa depois de Aries se estabilizar no colo da avó, ainda com um olhar de estranhamento para as pessoas desconhecidas ao seu redor.

Blaise só a mediu com os olhos. Havia uma expressão estranha nos olhos escuros, que era quase... preocupada.

Gina não teve tempo de questionar mais porque seu pai havia voltado a falar.

"Só isso? E você não hesitou em obedecer?" Hermione perguntou com um olhar avaliador sobre Blaise.

"Por que hesitaria?" Blaise encarou Hermione como se ela fosse idiota. "Quanto mais eu ajudo as pessoas a obterem o que querem, mais elas se sentem em dívida comigo. Me deixa numa posição vantajosa, como você já deve ter suposto."

Gina levou os dedos até as têmporas, massageando-as para afastar uma iminente dor de cabeça, exatamente como Draco fazia. "Blaise, por favor."

Ela o olhou como se dissesse, 'eu te conheço... pare de fingir que não se importa com ninguém, pelo menos agora.'

Depois de sustentar o olhar dela por alguns segundos, Blaise suspirou, vencido.

"Digamos que eu faço pequenos trabalhos fora dos registros para o Draco desde que saímos da escola. Ele confia em mim quando o assunto é ser discreto. Geralmente não pede nada que poderia ser comprometedor, mas, dessa vez, havia um tom de urgência desesperada na mensagem dele que me intrigou. Então, quando ele me contou para onde eu deveria levar sua família, eu supus que algo tinha dado muito errado para ele com relação a Você-Sabe-Quem." Dessa vez Blaise se virou completamente para Gina, pondo a mão suavemente sobre a dela. "Como não poderia suportar que algo acontecesse com a Ruiva aqui, decidi que era necessário fazer exatamente como Draco havia pedido, sem demora."

"E o meu filho, Blaise?" A postura de gelo de Narcissa finalmente sofreu uma rachadura devido à preocupação.

Blaise olhou para Narcissa e seu tom de voz mudou de irreverente para um muito mais respeitoso pela mulher que havia conhecido desde que usava fraldas e corria pelo jardim da Mansão Malfoy com Draco.

"Mesmo que minha suposição esteja certa – como eu realmente acho que está-, Draco está bem e vivo. Afinal, ele conseguiu me mandar o patrono. Entretanto, não há nada mais para ele lá fora... Está sem aliados, sem acesso a dinheiro, sem proteção..."

"Onde você quer chegar, Blaise?" Narcissa perguntou e Gina teve a convicção de que ela já sabia a resposta.

"Acredito que o único lugar que ele poderá recorrer é aqui, Sra. Malfoy."

A última frase de Blaise causou um alvoroço tremendo e Gina sequer ouviu metade das palavras gritadas, dos resmungos, das exclamações exaltadas. Enquanto Blaise pareceu se divertir com a reação explosiva, ela só conseguia pensar em Draco, se ele estava bem, se precisava de ajuda.

"O quê, mas-"

"Isso é um absurdo, é perigoso e temos crianças aqui-"

"Acho que ele não teria coragem, depois de tudo-"

"Como se ele quisesse vir para cá-" Gina reconheceu a voz de Narcissa, altiva.

"Ele nunca teria a ousadia…" Rony estava dizendo. "Seria uma doninha morta. Melhor ele procurar outro lugar para se esconder e-"

"CHEGA!" Gina se levantou num salto, calando todos ao seu redor. Não queria ouvir mais nada, queria pegar sua capa, sua varinha e ir atrás de Draco, garantir que ele ficaria a salvo. "Ele vai ter que procurar outro lugar?" Ela disse, sem encarar ninguém especificamente. "Ótimo. Porque toda a família dele vai com ele, incluindo James e eu."

Se ela tivesse dito que Voldemort apareceria dali a pouco para o café da manhã, não teria deixado sua família mais chocada. Era notório, pela quantidade de bocas abertas e olhares arregalados.

"Seja lá por qual razão, Draco salvou a minha vida, de James e de Aries!" Ela completou, olhando um a um dessa vez. "O mínimo que podemos fazer é retribuir a gentileza."

"Ginevra, acalme-se," Narcissa falou secamente, embalando Aries que tinha se assustado com o rompante de Gina. "Sequer sabemos se ele vem mesmo para cá e-"

Nesse momento, Anne entrou pela porta da sala com grande alarido, freando bruscamente e escorregando pelo chão de madeira.

"Alguém aparatou próximo demais da gente. Os feitiços de proteção deram um alerta bem escandaloso e, bem, vocês não estavam lá, então vim avisar." Ela disse esbaforida, só então percebeu a reunião estranha no meio da noite e a presença de Gina ali. "Ah, olá Sra. Malfoy! Há quanto tempo!"

Gina assentiu apressadamente, passando pela garota e se encaminhando para a porta. Ela mesma ia verificar o quê – ou quem – tinha disparado os feitiços de alerta.

"Aguenta aí, Gin." Gui bloqueou seu caminho. "Precisamos garantir que é ele mesmo." Ele fez um gesto para Rony, que saiu bufando discretamente, seguido de perto por Jorge.

"Ou garantir que ele não tenha trazido Você-Sabe-Quem e milhares de Comensais da Morte direto para a nossa porta." Rony resmungou para Jorge no instante em que desapareciam pelo batente da porta.

Gina cruzou os braços belicosamente e Gui lhe lançou um olhar embaraçado diante das palavras de Rony, mas não cedeu diante da expressão determinada da irmã. Ele era o único que nunca tinha cedido diante daquela expressão. "Eles estão mais acostumados com o procedimento."

Gina voltou para sua cadeira de má vontade e, no silêncio que se seguiu, ela se forçou a esperar, com a cabeça girando e um nó de preocupação se apertando no peito.

***

Mais de uma hora depois - quando a tensão da sala era quase palpável-, Rony adentrou o ambiente, arrastando Draco por uma espécie de corda conjurada. O rapaz tinha um sorriso malicioso no rosto e o nariz pontudo em pé, como se estivesse sendo recebido com honras.

Contudo, quando ele pousou os olhos em Gina e na mãe, ela notou que o corpo dele relaxou visivelmente e uma onda de alívio pareceu ter tirado toda a tensão disfarçada que estivera no seu rosto no momento anterior.

No instante seguinte, porém, tudo havia sido substituído por uma máscara de frieza com a qual ela não estava mais acostumada.

Com um aperto no coração, Gina se deu conta que ainda não havia decifrado a razão pela qual Draco estava tão arisco com ela e a sombra daquele não entendimento entre eles pesava de forma quase dolorosa sobre os ombros dela.

Entretanto, investigaria a razão daquilo outra hora.

"Merlin, Rony!" Foi a primeira coisa que ela falou, se encaminhando em direção a eles. "Solte-o!"

"Eu estou bem, Ginevra." Draco respondeu friamente, mas, àquela distância, ela pôde ouvir que a voz dele havia tremido um pouco. "Só estamos confraternizando."

Rony o ignorou. "Nossa casa, nossas regras, Gina. Primeiro precisamos saber o que aconteceu, se isso não é uma armadilha, se ele não vai direto dar a informação das nossas coordenadas para Você-Sabe-Quem."

Gina não teve tempo de protestar diante do argumento idiota do irmão – se Draco quisesse realmente entregar a Resistência, não teria mandado a mãe e o filho para lá, afinal- porque Malfoy bufou irritado.

"Eu sei onde vocês estão há meses, seu estúpido imbecil!" Ele arrastou as palavras e rolou os olhos. "Capturei um dos coelhos que você chama de irmão e consegui dele a informação." Gui, Rony e Jorge se olharam espantados e Draco se forçou a explicar. "Daquele que usa óculos. Claro, tive que apagar a memória dele depois de obter a informação que eu queria."

Blaise assobiou baixinho. "Isso é novidade até para mim, por mais que me custe admitir."

"Vindo de você, isso é um grande elogio." Draco sorriu afetadamente para Blaise.

"Se você já sabia onde estávamos, Malfoy," Gui verbalizou a dúvida de todos, chamando a atenção de Draco para si. "Por que você já não nos atacou? Ou, no mínimo, por que não nos denunciou?"

Draco demorou alguns segundos para responder e então fez um careta como se estivesse mastigando algo com o gosto muito ruim.

"Minhas razões são o que menos interessam agora." Ele olhou diretamente para Gina, mas ela não conseguiu ler nada na expressão vazia.

Ele tinha sabido há quanto tempo? E por que não falara nada para ela? A mente de Gina dava voltas.

"Muito pelo contrário, Malfoy. Elas interessam, e muito." Harry se manifestou pela primeira vez, saindo das sombras da sala. Gina prendeu a respiração esperando o choque de Draco pela descoberta de que Harry estava vivo, mas nada apareceu, a não ser um olhar duro, cheio de ódio. Mas não havia surpresa nele.

Draco já sabia que Harry estava vivo? A cabeça de Gina girou mais um pouco e um gosto amargo chegou à sua boca. Quantos segredos mais ele esconde de mim?

"Certamente você, mais do que qualquer um aqui, não gostaria de ouvi-las." Draco respondeu e um sorriso de superioridade cruzou seus lábios rapidamente, como se eles ainda fossem adolescentes e Draco tivesse capturado o pomo de ouro antes de Harry.

Gina não queria pensar que ela era o pomo em questão.

Homens, ela pensou e teria rolado os olhos, senão estivesse absurdamente tensa.

Gina viu o olhar cinza preso no verde, tão essencialmente parecidos com os olhares dos seus próprios filhos e sentiu um nó no estômago. Não era preciso mais palavras para saber que agora eles se digladiavam em outros termos.

"Tente a sorte, Malfoy." Harry respondeu com um toque de desafio na voz. "Aposto que não vou me importar de ouvir aquilo que já é passado."

Draco semicerrou os olhos perigosamente, mas não respondeu nada.

"Harry, por favor. Não creio que seja o momento apropriado." Arthur disse chamando a atenção de todos, ajeitando os óculos e dando a entender que aquela conversa estava acabada, por aquela noite. "Vamos deixar Draco confinado até que possamos confirmar que Percy sofreu mesmo um feitiço de memória e garantirmos que ele não terá comunicação com mais ninguém."

"Já quanto a mim..." Blaise afirmou casualmente e todos se voltaram para sua figura esguia, ainda sentada relaxadamente no sofá da Resistência. "Fiz o que deveria fazer aqui." Ele acenou em direção a Draco, que por sua vez assentiu quase que imperceptivelmente num gesto de agradecimento que só os dois poderiam entender.

As implicações do que Blaise tinha dito e feito pairaram no ar com aquela simples frase. Não chegava a ser um aviso propriamente dito, mas ficou evidente que Blaise sabia – e tiraria proveito disso - que eles não poderiam retê-lo ou tratá-lo da maneira que faziam com Draco; ele não tinha feito nada de errado – muito pelo contrário- e sequer era um Comensal da Morte.

Arthur suspirou cansadamente.

"Se você se expôs dessa maneira para trazer minha filha até aqui, Sr. Zabini, só posso concluir que você tem uma consideração muito grande por ela. Estou correto?"

Blaise olhou para Draco, depois para Harry, só então para pousar os olhos em Gina, sua expressão não revelando nada. Só era perceptível que ele respirava pelo fato de que seu peito subia e descia eventualmente, mas ainda isso era constante e suave, como o próprio Blaise. Gina fez uma nota mental para investigar se a arte de esconder as emoções daquele jeito era uma matéria secreta em Hogwarts que só os alunos da Sonserina cursavam.

"Sim." Foi tudo que ele respondeu.

"Então eu peço, em nome da segurança da Gina e seu filhos, que você fique só até termos garantias de que temos a situação sob controle."

Nada no mundo faria Blaise ficar num lugar que poderia prejudicá-lo, Gina pensou antecipando a resposta do amigo.

Depois de um momento Blaise assentiu pensativamente e Gina não poderia ficar mais chocada.

"Vocês tem um dia." Ele disse simplesmente.

Aquela noite estava realmente acontecendo?, Gina ofegou.

Draco e sua família no covil da Resistência, junto com Harry. Blaise admitindo abertamente que tinha consideração por ela e decidindo ficar em nome da sua segurança. Sua família ao seu redor, Harry e James, James e Harry. Todos sob um mesmo teto.

Iria ficar louca.

Entretanto, antes que ela surtasse de uma vez por todas, havia assuntos mais urgentes a serem resolvidos. Draco, para começar.

"Papai," Gina chamou com a voz fraca. "Draco não vai fazer nada contra nós. Não pode fazer nada contra nós."

Quando todos os olhos pousaram curiosos sobre ela, Gina engoliu em seco, vendo Draco olhá-la fixamente – inexpressivamente - e Blaise cruzar os braços, como se estivesse observando um espetáculo interessante. Ela olhou ao redor, mas evitou Narcissa e Harry; para eles não queria olhar.

"Ele fez um voto perpétuo que protege James. Entregar nossa posição significa entregar James e Draco perderia a vida se fizesse isso."

Arthur a observou com uma expressão curiosa e preocupada. "Esse é um dos assuntos que também teremos que tratar. Mas não hoje. Amanhã discutiremos melhor sobre tudo isso, filha. Ele será bem tratado, como qualquer um nessa casa. Por enquanto, creio que seja melhor que todos descansem um pouco." E o tom de seu pai não admitia contestação.

Gina suspirou resignada, se curvando diante da autoridade natural de todo pai.

Por sua vez, como se não tivesse ouvido as palavras do pai de Gina, Draco finalmente pousou o olhar sobre James e uma centelha de embaraço passou por seu rosto.

Rony tentou puxá-lo para levá-lo até o lugar onde ele passaria a noite sendo vigiado, mas Draco não se moveu na direção que Weasley desejava. Ao contrário, ele se aproximou de James e se agachou na frente do menino.

Gina notou que seu filho parecia confuso, assustado, com os olhos em Harry como se tivesse notado algo de estranho na aparência do homem.

"Olá, James." Draco disse hesitante, chamando a atenção do menino para si.

"Olá, Sr. Malfoy!" O menino acenou, dando um sorriso tímido e trêmulo. "Quanta confusão, não é?" E Gina se deu conta que Draco fora a única pessoa que se incomodara em falar diretamente com James naquela noite maluca.

"Um pouco…" Draco concordou e suas bochechas ficaram levemente vermelhas. Gina não sabia dizer da onde vinha o embaraço. "Quero te pedir uma coisa: eu preciso que você seja forte agora, pela sua mãe e pelo seu irmão. Pode fazer isso?" O menino assentiu vivamente e Draco continuou com um pouco de calor na voz arrastada que só Gina, Narcissa e talvez James, podiam perceber. "Sua elfo mandou dizer que você é um bom garoto, o melhor que ela já tinha conhecido," James sorriu e Draco torceu o nariz, sabendo que não foram bem aquelas palavras da elfo – não reproduziria o elogio ao Potter na frente dele e de todos os Weasleys do mundo nem que o ameaçassem-, mas se consolou sabendo que aquela tinha sido a ideia geral.

"Ela..." Ele engoliu em seco, com a garganta subitamente seca. "Ela se foi. Partiu tentando te proteger."

Depois de alguns segundos, os olhos de James se encheram de lágrimas quando ele entendeu o que Draco quisera dizer. E os de Gina também, assim que ela fez todas as conexões; só podia ter sido através de Della que Voldemort conseguira chegar até eles. Ela era uma elfo convivendo com sua família, mas presa por tradição à outra.

"Não!" James gritou saindo do seu estupor. "Eu não acredito! Ela é um elfo, pode se virar contra qualquer um. Eles são mágicos, podem fazer coisas, podem-" A vozinha dele morreu aos poucos, junto com todo o clima belicoso do ambiente.

Não contra aquele um, Gina pensou em Voldemort, tentando desesperadamente não chorar ao se lembrar da sua companheira durante todos aqueles anos. Della era muito mais do que um elfo, mais do que uma amiga. Ela era da família e, durante muito tempo, foi a única família que Gina e James possuíram.

Ela lutou contra as lágrimas. Precisava ser forte, por James.

"James, querido-" Ela começou a dizer, se aproximando mais de Draco e do filho.

"Não, não quero saber, ela está viva, eu sei que está!" James falou alto e Gina estacou onde estava. O garoto olhou para Draco, esperançoso. "O senhor deve ter visto errado, não foi, Sr. Malfoy?" James perguntou e Draco negou lentamente com a cabeça, parecendo querer estar em qualquer outro lugar, menos ali.

"Era um bom elfo doméstico e morreu tentando te proteger." Foi tudo o que ele conseguiu dizer. "Ela não tinha obrigação de te proteger, não tinha vínculos. E, ainda assim, ela fez sua escolha por lealdade."

Draco não era bom com palavras. Já tinha feito as pazes com essa ideia há muitos anos. Entretanto, naquele momento, ele sentiu que era de vital importância tentar fazer James entender que o gesto do elfo – um ser tão insignificante - fazia um mundo de diferença. Além dos seus pais, nunca ninguém quis proteger Draco por alguma razão que não fosse obrigação.

James deveria se sentir privilegiado por ter convivido por algum tempo com alguém capaz de se sacrificar por ele daquela forma.

Mas, como era de se esperar, Draco não conseguiu comandar as palavras para que o obedecessem e, para não gaguejar algo sem sentido, ele preferiu ficar com a boca bem fechada, pressionada numa linha fina.

O menino o olhou fixamente procurando uma negação, como se desejasse que Draco tivesse feito uma brincadeira de mau gosto com ele, como havia feito tanto tempo atrás com o Bicho-Papão no escritório da sua mãe. Não encontrou nada.

Ainda com os olhos em Draco, James fungou para evitar chorar diante de tanta gente que o observava atentamente, mas não resistiu por muito tempo. Quando a primeira lágrima rolou pelo seu rosto, dezenas de outras a seguiram compulsivamente. E, num gesto desesperado, ele se inclinou para frente e se jogou nos braços de Draco, chorando copiosamente contra a camisa negra.

Draco congelou como se tivessem colocado a ponta de uma varinha contra suas costas. Mas então, mesmo com as mãos presas pelas cordas de Rony, envolveu o menino nos braços e o apertou, descansando o rosto contra o topo da cabeça de cabelos escuros.

E eles ficaram naquela posição por muito tempo, onde nenhum dos presentes da sala conseguiu interromper.

Gina se sentia absolutamente vazia de todas as coisas que não fossem pensamentos sobre Della, que não fosse a dor pelo seu filho.

E as pessoas pareciam partilhar do seu vazio.

A expressão de arrogância saiu do rosto de Narcissa, o grande sorriso saiu dos lábios de Blaise, a expressão preocupada não acentuava mais as cicatrizes do rosto de Gui. Não havia mais fadiga no rosto nos rostos de Arthur e Molly Weasley, nem uma piada pronta na boca de Jorge. Não havia mais raiva em todos os gestos de Rony. Não havia distração na expressão de Luna, nem vivacidade nos gestos de Angelina. Não havia mais seriedade nas rugas de Quingsley ou determinação nos olhos de Hermione.

Só havia dor entre eles.

E somado a dor, um único brilho de ciúmes e mágoa que cintilou nos olhos de Harry.

Entretanto, perdidos em seus próprios pensamentos, todos respeitaram a dor do menino nos braços de Draco, sentindo a sua primeira perda pela guerra.

Algo que todos eles, sem exceção, já tinham sentido.