Chuva

Capítulo Único


A porta automática de vidro se abriu fazendo um som pesado revelando dois homens se aproximando da passagem e uma grande sala de recepção atrás. Os dois caminhavam lado a lado, porém com posturas completamente diferentes.

Um deles vestia camisa social branca e um blazer marrom por cima, seu cabelo azul marinho meticulosamente reto acompanhava a expressão séria. Não aquele tipo de expressão fria como de costume, mas algo que o fazia parecer pensativo. Ao lado dele o outro, que era alguns centímetros mais alto, também usava roupa social com um sobretudo preto aberto por cima, porém sua elegância e charme o destacava muito mais. Esse, por sua vez, não tinha medo de se exibir e com uma mão bagunçando o cabelo alaranjado sorriu dando uma última olhada para a mesa no centro da sala – onde duas mulheres atrás se esforçavam ao máximo para conter a emoção em suas vozes – e com a outra mão acenou suavemente passando pela porta.

A porta se fechou deixando o calor que aquela sala proporcionava para trás enquanto era permitido que as vozes femininas animadas fossem ouvidas distantes respondendo a despedida. Os pês sobre o tapete vermelho pequeno na entrada logo pararam, a mão que antes no ar acenava agora estava apoiada sobre sua cintura, os olhos azuis calmos fitavam a calçada a frente e, frustrados, se levantavam tentando ver o céu cinzento atrás do toldo sobre eles. Estava chovendo.

A pista molhada com quase nenhum movimento de carro estava mais escura que o normal por conta das águas que limpavam o asfalto. Em baixo do toldo eles ouviam pesadas gotas batendo e logo escorrendo bem à frente de seus olhos como finos véus de noivas. Parecia que a manhã calorosa que tinham encontrado quando saíram de casa acabou se derretendo em lágrimas naquela tarde.

O maior suspirou virando seu olhar para os azulejos brancos molhados ao lado. Os dois tiveram um longo dia de gravações e acabar dessa forma só o deixava ainda mais cansado. Em meio aos pensamentos ele ouviu algo além do som da chuva bem próximo dele. Como se já soubesse o que aconteceria virou o rosto com uma sobrancelha levantada encarando as costas do rapaz parado poucos centímetros à frente.

— Disse algo, Hijirikawa?

— Disse. – Com um tom baixo e extremamente irritado respondeu pausando logo em seguida. O ruivo sabia que qualquer coisa que dissesse seria ainda pior então apenas aguardou o vendo tomar um longo suspiro. — Disse para trazer as sombrinhas, disse para desligar o celular e disse para não perder tempo com as recepcionistas porque estava chovendo! – Sem se virar ele desabafou enquanto o outro de braços cruzados aguardava a conclusão. — Mas você me ouviu, Jinguji? Uma vez me ouviu?

— Hijiri-

— Não. Essa é a resposta. – Bufando baixo, tentou se acalmar. — Você nunca me ouve.

Pelo tom incomodado do amigo, Ren sabia que seria impossível tentar dialogar ou se defender no momento. Ainda com os braços cruzados inclinou a cabeça para o lado vendo levemente o rosto dele que mostrava a irritação pela força que as sobrancelhas se uniam. Esse tipo de expressão era tão típica e ainda assim trazia sorrisos ao rosto dele sempre que a via. Masato era do tipo que se incomodava fácil com o jeito de Ren e isso só o fazia querer provoca-lo ainda mais.

— Ah, – controlando seu sorriso o ruivo começou a falar com uma ideia em mente — ontem à noite você não parecia tão incomodado com tantos detalhes.

— O que? – Sem entender Hijirikawa se virou estreitando os olhos encontrando o rosto brincalhão o fitando.

— É, ontem. Nos meus sonhos.

Os lábios se partiram, mas a surpresa foi tão grande que nenhuma palavra conseguiu sair. Suas sobrancelhas se curvaram formando pequenas marcas entre elas enquanto seu rosto mudava de cor com o calor da timidez. Ele se virou prendendo a respiração ouvindo o riso do rapaz atrás e apesar de envergonhado seus olhos pareciam ainda mais furiosos que antes.

— Heh, eu disse a mesma coisa para o Ichi ontem, mas a sua reação nem se compara.

— Você poderia parar de rir da minha cara? – Questionou rispidamente enquanto passava a mão nas bochechas na tentativa de diminuir o rubor.

— Hijirikawa, não precisa ficar chateado. – Ainda com o sorriso Ren se aproximou dele diminuindo o tom de sua voz quase sussurrando. — Posso não ter sonhado com você, mas – aproximando seus lábios da orelha continuou — é em você que penso todos os dias.

— Jinguji! – Mais vermelho do que antes se afastou em um pulo trazendo risos novamente ao homem.

A intenção dele foi desviar o foco da conversa exatamente para poder acalmar os ânimos de Masato. Ele sabia como os dois eram teimosos e a chance de Ren simplesmente sair andando pela chuva depois de uma discussão desnecessária era grande e isso, claramente, só pioraria tudo.

Olhando ao redor ele suspirou sentindo o ar gelado entrar em seus pulmões vendo a chuva não diminuir.

— Tá bem. – Passando a mão pelo cabelo começou a falar calmamente retomando a conversa. Masato por outro lado nem se atrevia a olhar para trás no estado em que estava. — Olha, eu talvez esteja errado, mas-

— Talvez?

— Mas – ignorando a pergunta continuou a frase o vendo balançar a cabeça negativamente mexendo os cabelos enquanto tentava se recompor — não adianta ficar reclamando agora. – Colocando a mão no bolso pegou o celular. — Eu vou ligar para alguém e... – se interrompeu fazendo o outro se virar relutantemente.

— O que foi?

— Acabou minha bateria. – Respondeu assistindo a expressão cansada do amigo se contorcer em raiva seguida de um olhar incrédulo.

— Jinguji... – Pegando o aparelho na bolsa resmungou já entregando.

— Não vou demorar.

Frustrado ele se virou cruzando os braços vendo a chuva que parecia apertar cada vez mais. O som era alto o suficiente para fazê-lo ignorar por completo a conversa no celular, mas não as coisas que tinha ouvido. O riso, as piadas e falta de importância que Ren demonstrava o fez apertar o braço segurando em sua garganta o que quer que tivesse para dizer.

O vento era forte suficiente para agitar suas roupas e trazer gotas pequenas e frias até seu rosto. Lentamente sua mão foi relaxando juntamente com sua expressão. O frio daquela tarde o cobriu normalizando sua respiração o trazendo de volta ao estado de sempre. Sua cabeça se virou para a direita observando a rua vazia e cinzenta que parecia não ter fim. Ele pensava em tantas coisas que se esqueceu até onde estava.

De repente o som de rodas aceleradas o fez acordar. Sua cabeça se virou na direção oposta e no mesmo instante seu corpo foi puxado bruscamente para o lado. Seus olhos calmos se arregalaram e antes que pudesse dar conta do que estava acontecendo ouviu o som da água se levantar.

Os olhos não se fecharam ao invés disso encararam o chão encontrando seus pés ensopados encaixando perfeitamente aos pés ensopados do homem a sua frente. Apesar do som e das águas ao seu redor, não estava frio. Sua respiração batia contra o peitoral quente do outro onde seu corpo estava pressionado sentindo o cheiro cítrico do perfume. Timidamente levantou o rosto encontrando os olhos azuis caídos formando um par perfeito com o sorriso preguiçoso que o encarava de volta. Gotas escorreram pelo cabelo laranja respingando em sua face o fazendo piscar.

Quando se deu conta da situação Masato esticou os braços empurrando rapidamente afastando os corpos. Ele nem se deu tempo de entender a situação e já colocou as mãos no rosto escondendo o rubor que seu coração honesto causava. Ela sabia que sua atitude tinha sido grosseira, mas os batimentos altos o impedia de raciocinar o que dizer.

Ren permitiu que o corpo perdesse levemente o equilíbrio dando mais espaço ao amigo. Ele não esperava agradecimentos e sem se abalar riu esticando a mão para entregar o celular.

— Ele não vai demorar.

Sem mudar a posição Masato encarou de canto o objeto antes de tomar coragem de pegá-lo. Sua mão rapidamente o trouxe para perto do corpo como se tivesse medo de que se demorasse um segundo há mais seria atacado pelo outro. Ren fingiu não ver e logo se afastou indo de volta ao ponto inicial no prédio.

O jovem ficou parado ali por alguns instantes antes de, relutantemente, se virar e ver o ruivo tirando o casaco molhado o dobrando seriamente e colocando sobre o tapete vermelho em frente a porta. Sem dar atenção ao olhar culpado que o seguia, o Jinguji apoiou as costas na parede fria e úmida observando a estrada pacificamente.

Masato queria dizer algo nem que fosse somente um obrigado, mas as palavras não conseguiam se formar corretamente e seu orgulho só o fazia morder a língua ao pensar em se dirigir ao outro.

— Vai pegar um resfriado. – Foi o máximo que conseguiu dizer em um tom baixo e desajeitado.

— Está preocupado comigo, Hijirikawa? – Sem olhar questionou em ironia como de costume.

— Não! – A resposta saiu mais agressiva do que deveria. Contudo isso não parecia incomodar Ren, o que deixou Masato ainda mais desajustado.

A situação não estava melhorando e o silêncio que se seguiu só tornou tudo ainda mais constrangedor. Perdido ele caminhou até a parede do prédio apoiando suavemente as costas nela. Seus olhos constrangidos e confusos não sabiam aonde deveriam olhar. Estavam um ao lado do outro tendo somente uma porta os afastando.

— Você não precisava... – Timidamente começou a falar apertando o cotovelo enquanto fitava os postes de luz apagados.

— E deixar você se molhar? – Ren se virou para olha-lo, questionando confuso. — Pra quê?

— Eu não quero que fique doente por minha causa.

— Heh... – Um sorriso apareceu no canto de seu rosto junto a oportunidade de uma nova provocação. — Bom, então por que não vem aqui me aquecer?

— Jingu- – As palavras se interromperam assim que viu o rosto de Ren convencido.

Masato sabia que Ren tinha dito aquilo exatamente porque sabia que ele nunca faria isso. Seu rosto mirou o chão sentindo-se menor enquanto sua mão novamente apertava o braço. De canto ele percebeu o outro dar de ombros como se tivesse vencido uma disputa onde o rapaz não tinha chances.

Ele sempre foi assim. Agindo como se soubesse de tudo. Com um longo suspiro ele encheu o peito e logo se pôs a caminhar em direção a Ren parando bem ao lado dele o surpreendendo. Apesar das atitudes de Masato serem sempre tão previsíveis, às vezes o ruivo não conseguia entender o que ele tinha em mente. O rosto dele começou a ficar vermelho enquanto seus dedos se agitavam nas mãos. Repentinamente esticou o braço segurando sem jeito a mão do amigo.

O maior assistiu à cena incrédulo sem saber como reagir. O som da chuva diminuiu como se tentasse suavizar a situação, o movimentos trêmulos dos dedos aumentaram mostrando a tensão que o menor sentia e logo, como se num estalar de dedos, Ren percebeu a situação caindo no riso.

Masato ao lado olhou para o lado contrário com as sobrancelhas curvas de irritação e o rosto tão vermelho quanto o semáforo a frente.

— Qual é a graça? Eu... Esquec-

O rapaz absorto em sua vergonha puxou o corpo tentando se afastar dali, contudo Ren segurou sua mão com mais força como um sinal para ficar. O menor parou calado ainda de costas sentindo a vontade de puxar o pulso para longe do outro diminuir. O ruivo o assistiu com olhos contentes o amigo vermelho abaixar a cabeça e voltar para seu lado.

— Hm. – Apertando gentilmente a mão do rapaz que afundava o rosto entre os ombros ele suspirou olhando para a pista novamente. — Está bom assim.

Masato realmente não era capaz de fazer as coisas que Ren sempre fazia, mas aquele gesto tão inocente foi o suficiente para aquecer o coração do outro mesmo que a pessoa que acabou derretendo nesse calor fosse o próprio Masato.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.