Chrono Crusade - After Heaven
Capítulo 32 - A Rainha
Trugy estava obedientemente atada a uma cadeira, numa das prisões do Convento. Madalena, a quem já tinham dado um par de sapatos, encontrava-se a andar de um lado para o outro, seguida pelos olhos de Trugy. À porta, estava um exorcista e um selador, só para prevenir. Remington estava a olhar para Trugy, noutra cadeira.
– Tu podias facilmente sair daqui. – começou Remington – Porque é que ainda estás aqui?
– Então? Eu deixei-me apanhar pelos seladores e até estou a fingir que estas cordas sagradas estão a funcionar. Deviam estar a agradecer-me – disse Trugy, continuando a olhar para Madalena – Tu devias estar a pensar que o Chrno ia ficar do teu lado. Azar. É uma pena que estão todos do lado da Rosette. Todos menos a Ordem. Pergunto-me onde estão os amigos dela agora.
– Olha para mim, Trugy. – mandou Remington, já que Trugy continuava a olhar para Madalena.
– Porquê? – perguntou Trugy – Parece que é ela que quer fazer as perguntas. A santinha que denunciou a rapariga inocente que está perseguida.
– Ela não é inocente! – gritou Madalena, encarando Trugy – Que tipo de pessoa inocente é que foge daquela maneira!?
– Fui eu que lhe disse para fugir. Ela queria voltar para o hospital. – revelou Trugy, chocando Remington e Madalena – Mas eu não queria que a Ordem a transformasse numa arma, por isso fiz uma coisa.
– O que é que lhe fizeste!? – exclamou Remington.
– Vamos apenas dizer que o despertar não está para perto. – disse Trugy com um sorriso – Aposto que, se fosse ali a santinha, fazia tudinho o que fosses querem. Porquê é que não tentam cortar-lhe os pulsos para ver se ela volta a ter os poderes que tanto ama?
– Só vieste aqui para tentar chateá-la? – perguntou Remington.
– Em cheio. – respondeu Trugy – Está a ver, Ele não está muito contente com o que eu estou a fazer e eu não estou muito contente com o que Ele está a fazer. Por isso, estamos a jogar xadrez. Eu roubei-lhe a rainha e protegi-a com um dos meus bispos, por isso Ele deve estar chateado. Ele pode pensar que os piões dele estão bem protegidos, mas está enganado.
– Porque é que alguém haveria de querer proteger os peões? – perguntou Madalena, confusa – Os peões são dispensáveis.
– Os peões são os apóstolos, não são? – perguntou Remington, vendo-a a anuir – Quem é a tua rainha?
Remington viu o sorriso dela desaparecer.
– Ele tem-na presa há muitos anos. – disse Trugy, numa voz sombria – E mataram o eu rei há muito tempo atrás. – ela levantou a cabeça – Por isso, agora percebe porque é que eu não gosto do que ele está a fazer? Ele faz o que lhe apetece e as pessoas chamam-lhe de milagres ou de punições divinas.
– Então queres vingar-te dele? – perguntou Remington – Tal como o Aion?
– Eu só quero ganhar esta partida de xadrez. – respondeu Trugy, seriamente – E salvar a rainha dele próprio.
– Quem é o rei Dele, Trugy? – perguntou Remington, vendo o sorriso dela a voltar.
– Quem é que trouxe a rainha Dele de volta? – perguntou Trugy, fazendo Remington abrir a boca – E não penses que os peões dele estão protegidos pelas torres dele. O meu segundo bispo já se começou a mexer. – ela olhou para Madalena – Ele trouxe a rainha mais forte de volta. Não é uma coincidência de não teres sido tu.
E depois desapareceu. Remington nem se mexeu para tentar apanhá-la.
– Os bispos Dele são os apóstolos. As torres Dele são… - mururou Remington – O hospital que está a proteger dois dos peões. O primeiro bispo dela está a proteger a rainha que ela Lhe roubou. Isso são o Chrno e a Rosette. Quem é o segundo bispo dela?
– Aquela amiga dela. – tentou Madalena – Satella?
– Não. Ela é um dos bispos Dele. – Remington abanou a cabeça, começando a perceber aquele “jogo de xadrez” – O segundo bispo dela é…a Fiore!
Ele levantou-se imediatamente.
– Temos de voltar imediatamente para o hospital! Liga para a segurança de lá! – ordenou Remington ao exorcista, enquanto passava uma mão pelo cabelo – Quem é o rei Dele?
“Quem é que trouxe a rainha Dele de volta?”
– O Tyler! – exclamou Remington – O Tyler é o rei Dele!
Onde é que ficava o Aion naquele jogo de xadrez.
…
Aion tinha matado a rainha Dele duas vezes, por isso alguns podiam dizer que ele estava a jogar para Trugy, mas tinha matado o rei dela há muito tempo atrás, o que o tirava do jogo de xadrez. Tirava, depois de ele roubar o bispo de Trugy que estava a proteger a rainha Dele.
Depois disso, começaria um jogo bem diferente, onde os piões de Trugy não seriam os demónios que ele tinha libertado e os piões Dele não seriam os apóstolos. Os piões seriam os humanos, e esses seriam tão inúteis como num jogo normal de xadrez. Enquanto esperava pela altura perfeita para destruir a mesa de xadrez, deixava-os brincar mais um bocado.
Entretanto, no hospital, tal como Trugy dissera, o seu bispo estava a mover-se.
Depois de utilizar o poder do seu cristal e derrotado os guardas que protegiam a ala onde se encontravam Joshua e Azmaria, encontrava-se com o bastão apontado ao bispo Dele.
– Satella, eu tenho de fazer isto. – disse Fiore, enquanto via a irmã a olhar para ela, pasmada – Eles estão a enganar-nos.
– Eles precisam de ficar aqui! – exclamou Satella, sem perceber porque é que a irmã estava a fazer aquilo do nada – O Joshua está fraco e a Azmaria pode colapsar a qualquer momento.
– Eu vou tomar conta deles. – garantiu Fiore, andando para trás, até entrar na ala onde estavam os dois piões. Apontou o bastão ao médico e às enfermeiras para que estas se afastassem e entrou primeiro no quarto de Joshua. Este estava ligado a várias máquinas e tubos, uma das quais o ajudava a respirar. Fiore aproximou-se dele com as lágrimas nos olhos – Joshua.
Com cuidado, desligou-o das máquinas, pousou o bastão, foi buscar uma garrafa de oxigénio e prendeu a mascara à cabeça dele antes de pôr um ombro dele por cima dos dela e o ajudar a levantar-se.
– Joshua. – chamou Fiore, baixando-se um pouco para pegar no bastão – Tens de acordar, agora.
Joshua abriu os olhos devagar, a respirar com dificuldade e olhou em volta.
– Onde é que está a minha irmã? – perguntou Joshua, chocando Fiore – Onde…
– Ela está à tua espera. – interrompeu Fiore, para ele não gastar forças. Começaram a mover-se lentamente – Temos de ir, para veres a Claire.
– Rosette. – disse Joshua, fazendo com que Fiore parasse – A minha irmã chama-se Rosette.
Ela anuiu com a cabeça, enquanto começavam a andar novamente e as lágrimas escorriam pela face.
– Sim. – concordou Fiore, abrindo a porta – Vamos ver a Rosette.
– Ela sempre foi uma desastrada. – disse Joshua, começando a rir-se e depois a tossir – Se eu não estiver com ela…
Quando ele perdeu a consciência, Fiore agarrou-o e começou a soluçar. Olhou em volta e encontrou uma enfermeira, encostada a uma parede, assustada.
– Você! – exclamou Fiore, apontando-lhe o bastão – Ajude-me!
Depois de alguns segundos de hesitação, a enfermeira levantou-se e foi ter com ela e com Joshua, pegou na garrafa de oxigénio e pôs o outro braço dele por cima dos ombros dela. Praticamente a arrastá-lo, entraram as duas no quarto de Azmaria.
Esta estava deitada na cama, com os olhos fechados e uma toalha molhada na testa. No entanto, quando ouviu a porta a abrir-se, levantou-se.
– O que é que se passa? – perguntou Azmaria, levantando-se imediatamente.
– Temos de sair daqui, Azmaria-san. – disse Fiore, fazendo sinal para que ela substituísse a enfermeira – A Rosette-san e o Chrno desapareceram. Reforçaram a segurança à volta da vossa ala. Passa-se alguma coisa e, desta vez, eu prefiro estar do lado da Rosette-san.
Azmaria anuiu e forçou-se a andar e a fingir que estava bem. Descalça e a suportar Joshua, Azmaria caminhou até à janela, tentando manter-se consciente.
– E agora? – perguntou Azmaria, começando a respirar com dificuldade.
– Tenho de invocar uma das minhas jóias para sairmos daqui sem sermos atacados pela Ordem ou pelos demónios. – Fiore olhou para Azmaria – Tens de levar o Joshua para a cama, enquanto eu faço isso.
Azmaria anuiu e sentiu o peso todo de Joshua quando Fiore o largou. Começou a ver o quarto a andar à roda e pensou que, se cantasse, ele ficaria bem. Sorriu, abriu a boca e depois ficou tudo negro.
Quando ouviu alguma coisa a cair ao chão, Fiore olhou para o chão e viu os dois piões inconscientes.
Fiore cerrou os dentes quando ouviu sons no corredor a aproximarem-se. Invocou a jóia, que derrubou a parede do quarto e atraiu vários demónios. Felizmente, ainda estavam dentro da barreira do hospital e, os demónios que se aproximavam, desfaziam-se em pó mal tocavam nela.
Pousou o bastão em cima da invocação e foi a correr para trancar a porta. Pegou em Azmaria por ela ser a mais leve e pousou-a com cuidado ao lado do bastão. Depois foi buscar Joshua, enquanto os guardas tentavam deitar a porta abaixo. Quando finalmente já tinha deitado Joshua ao lado de Azmaria, eles arrombaram a porta e apontaram as armas a Fiore.
– Vão mesmo matar a pessoa que possui como reféns dois apóstolos? – perguntou Fiore, simplesmente – Porque, se me matarem, a minha invocação desaparece e os dois caem do terceiro andar do hospital.
Os guardas baixaram as armas relutantemente, enquanto viam Fiore a subir para a invocação.
– Não venham atrás de mim, ou eu mato um deles. – ameaçou Fiore, enquanto pegava no bastão e via Remington a entrar de rompante – Era suposto estar do lado deles.
Sem lhe dar tempo para se defender, a invocação começou a mover-se. Rapidamente, Remington saiu da ala e foi ter com Satella, que continuava na sala-de-espera, em estado de choque.
– Porque é que não fazes nada!? – perguntou Remington.
– O que é que se passa Padre? – perguntou Satella, com as lágrimas nos olhos – Porque é que a minha irmã me atacou? O que é isto tudo?
– É um jogo de xadrez. – respondeu Remington, suspirando – E nós estamos a perder.
…
Chrno e Rosette encontravam-se em frente à casa onde tinham morrido.
– Achas que eles não nos vão encontrar aqui? – perguntou Rosette, olhando para Chrno.
– Tenho a certeza de que nos vão encontrar se ficarmos aqui durante muito tempo. – respondeu Chrno – Mas só vamos ficar aqui até a Trugy nos encontrar. Depois procuramos outro lugar para nos escondermos.
Rosette olhou para a casa que ainda lhe dava arrepios. Principalmente agora, que o sol se estava a pôr. Era como se tivesse a certeza que ia morrer quando o sol se apagasse.
– É melhor entrarmos. – disse Chrno, assustando Rosette – Está quase a anoitecer e alguém pode ver-nos.
Rosette anuiu, olhou em volta e depois para o baloiço parado, no alpendre. Quando sentiu o braço de Chrno por cima dos seus ombros, fechou os olhos.
– Está tudo bem. – garantiu Chrno – Se só quiseres dormir depois de o sol se pôr, pode ser. Mas temos de entrar.
Rosette olhou para Chrno. Não era aquilo que ela tinha imaginado para eles. Porque é que estava a acontecer tudo outra vez.
– Porque é que não vais ver se há aranhas lá dentro? – pediu Rosette – Eu fico cá fora até te livrares dos insectos.
Chrno sorriu, afagou-lhe os cabelos e entrou.
Rosette subiu as escadas devagar, ouvindo o ranger da madeira, dirigiu-se ao baloiço e sentou-se lentamente. Quando Chrno saiu, ela estava a olhar para o relógio, molhado de lágrimas. Quando o ouviu, ela levantou a cara e sorriu, enquanto as lágrimas lhe escorriam pelo rosto.
– Quantas vidas é que já desapareceram por eu ter renascido? – perguntou Rosette, fazendo Chrno aproximar-se – Não seria melhor perder apenas uma para salvar centenas?
Chrno pôs-se à frente dela e puxou-a para cima até ela estar de pé, para a abraçar.
– Não vais acabar com a tua vida. – disse Chrno, ouvindo-a a soluçar – Porque não é por tua culpa que se perderam essas centenas de vidas.
Uma hora, quando conseguiu pô-la a dormir na cama, Chrno suspirou e limpou-lhe uma última lágrima do rosto.
Ficou acordado, a vê-la a dormir até o sol se pôr. Depois pegou-lhe numa mão gentilmente e, quando sentiu o bater do coração dela, sorriu e adormeceu na cadeira ao lado dela.
Fale com o autor