Chrono Crusade - After Heaven

Capítulo 29 - Maria de Magdala


Porque Maria Madalena tinha sido treinada desde pequena, tinha aprendido a defender-se contra demónios de nível básico sem usar armas. Aliás, ela não sabia usar armas. Limitava-se a criar uma barreira à sua volta que transformava os demónios em cinza.

Por isso, mesmo com o excesso de demónios em Nova Iorque, ela caminhava nas ruas sem se preocupar com nada. Não sabia onde era a base de Nova Iorque. Só saberia quando visse um edifício com a mesma barreira que ela conseguia criar.

Enquanto caminhava descalça pelas ruas, a ouvir os demónios a murmurarem o nome dela, olhou para o relógio que muito provavelmente era uma réplica do original. Porque tinha quase a certeza de que Chrno tinha ficado com o original como lembrança do que tinha feito. Ele era assim.

Ao lembrar-se de Chrno, sorriu. Estava ansiosa por vê-lo outra vez. Não sabia quanto tempo tinha passado, mas sabia que os demónios não envelheciam.

Quando viu um edifício que repelia demónios, parou e viu que era um hospital. Vagarosamente, começou a dirigir-se para ele até um demónio de nível seis pôr-se à frente dela.

– Maria Madalena. – murmurou o demónio com uma voz monstruosa – Lembras-te de mim?

Ela olhou para ele e reconheceu-o passados alguns segundos. Ele tinha atacado a sua carruagem quando ela se dirigia para o convento quando ela era pequena. Os exorcistas tinham tratado dele mas, pelos vistos, não o tinham matado.

A sua barreira não era suficiente para afastá-lo. Mas o seu sangue era.

Sem dizer nada, levantou o braço. Não gostava de matar ninguém, mesmo demónios mas, se a sua vida estivesse em perigo, não o podia evitar. No entanto, quando ouviu o demónio a rir-se, ela olhou para o pulso e viu as chagas cicatrizadas; quase já não se notavam as cruzes.

Nem teve tempo de voltar a olhar para o demónio antes de ser atirada contra um carro. Estava a tentar levantar-se quando o demónio levantou-a pela garganta até ela estar em bicos de pés.

– Achas que continuas a ser a reencarnação? – perguntou o demónio, enquanto apertava a garganta de Madalena – E, sabes que mais, a actual reencarnação odeia os poderes que tu tinhas tanto orgulho de usar. Não é divertido? Hora de morre…

Ela viu água benta a acertar no demónio e caiu ao chão quando ele a largou subitamente. Confusa, olhou em volta e viu um homem com o que parecia ser a farda do Convento.

– Fuja para o hospital! – gritou o homem, enquanto tentava matar outros demónios.

Pálida e a tremer, levantou-se e começou a correr até estar dentro do hospital. Tinha-se passado assim tanto tempo? Quem era a reencarnação? Não, quantas reencarnações já tinham havido depois dela?

Ajoelhou-se no chão e ficou a ver pessoas que tinham sido vítimas de demónios a serem levadas para serem curadas.

– Senhora, está bem? – perguntou uma enfermeira, vendo Madalena a olhar para ela com um olhar vazio – Pode acompanhar-me? Pode pôr-se em pé? Está ferida?

– Em que ano é que estamos? – murmurou Madalena.

– Senhora, venha comigo. – pediu a enfermeira, ajudando-a a levantar-se – Temos de fazer alguns exames à sua cabeça.

– Onde é que está o Chrno? – perguntou Madalena, enquanto era arrastada pela enfermeira.

– Senhora, pode dizer-me o seu nome? – perguntou a enfermeira.

– Maria Madalena. – respondeu ela, mas subitamente lembrou-se e parou de andar. Os demónios e todos os envolvidos na reencarnação não a chamavam de Maria Madalena – Eu sou a Maria de Magdala!

Como se o tempo tivesse parado, os doentes, médicos e enfermeiras olharam para ela. Um dos médicos aproximou-se dela rapidamente.

– Leva-a para a outra ala. – murmurou ele, fazendo com que a enfermeira anuísse rapidamente e puxasse Madalena até ela estar num andar completamente diferente, protegido por vários seladores de grau elevado.

– O que é que se passa? – perguntou Madalena, assustada.

– Tem de ficar aqui, durante alguns minutos. – pediu a enfermeira, deitando-a numa cama – Um doutor vem já falar consigo.

Antes de Madalena ter tempo de perguntar mais alguma coisa, a enfermeira saiu do quarto, deixando-a sozinha. Ela olhou em volta, mas só viu um bando de máquinas que nunca tinha visto antes, por isso decidiu esperar até que alguém fosse falar com ela.

Quando um homem fardado entrou no quarto, ela encolheu-se.

– Presumo que você seja a “Maria de Magdala”? – perguntou o homem, num tom de gozo – Eu chamo-me Bobby e sou um selador. Bateu com a cabeça em algum lado? O médico já está a caminho, mas mandaram-me para fazer algumas perguntas primeiro, por causa do que disse na entrada. Tem de ter cuidado com o que diz. Algumas pessoas podem estar à espera de um milagre se disser coisas como essas.

– Mas eu SOU a Maria de Magdala…ou pelo menos a reencarnação dela. – corrigiu Madalena.

– Maria Madalena, reencarnação de Maria de Magdala, morreu há muito tempo nas mãos de um demónio. – disse Bobby, coçando a cabeça.

– O Chrno. – disse Madalena, obtendo a atenção de Bobby – Foi o Chrno. Eu dei-lhe a minha vida.

– Olhe… - Bobby suspirou. Apesar de ser uma coincidência estranha, tinham-lhe dito para largar o assunto de Chrno, por isso ele decidiu não questiona-la demais. Provavelmente tinha batido com a cabeça nalgum sitio e estava confusa – Já tivemos algum trabalho quando uma rapariga apareceu no convento a dizer que era a Rosette Christopher. Não podemos fazer disto um hábito.

– Rosette Christopher? – Madalena pensou, mas não conhecia nenhuma Rosette Christopher.

– A Santa. – disse Bobby. Já que ela estava naquela ala, queria dizer que devia saber pelo menos o mais básico dos básicos. Um dos básicos era o nome da Santa – A rapariga tinha o aspecto que a Santa, mas isso pode acontecer às vezes. Já que a Santa foi morta pelo mesmo demónio que matou Madalena, claro que não podia ser ela.

– O Chrno! – exclamou Madalena – O Chrno também estava com essa tal de Rosette Christopher?

– Sim. – confirmou Bobby – Mas não diga nada contra a Santa. As pessoas do Convento idolatrizam-na. Por ela ter dado a vida para matar o Aion e tal…

– E tal. – murmurou Madalena, agora com pena da rapariga. Ela tinha ido de livre vontade, disposta a ajudar Aion, só porque amava Chrno. Mas a rapariga tinha dado a vida para matar Aion – Que idade é que ela tinha quando morreu?

– Ia fazer dezassete. – respondeu Bobby, vendo Madalena levar as duas mãos à cara – Não se sinta mal. Ela era uma exorcista. Tinham-na ensinado a morrer para matar esse tipo de demónios, se fosse preciso.

– O que é que está a dizer? – perguntou Madalena, agora chateada – Ela nem sequer era adulta! Eu tenho vinte anos e não sei se teria a coragem…!

– É por isso que toda a gente a idolatriza. – interrompeu Bobby, levantando-se – Agora porque é que não fica aqui enquanto eu vou chamar o médico.

– Espere. – pediu Madalena, antes de Bobby sair do quarto – Onde é que está a rapariga que se fez passar pela Santa?

– Ela foi declarada pelo convento como exorcista e foi para São Francisco. – disse Bobby, saindo logo depois. Só lhe apareciam malucas.

Madalena olhou pela janela e viu o céu cheio de demónios. Tinha a certeza de que a pessoa que se tinha feito passar pela Santa ERA a Santa. Mas não lhe parecia que tivesse sido Aion a trazê-la de volta, já que ela era um perigo para ele. Acreditava que Aion estava a trazer as anteriores reencarnações para realizar algum tipo de plano para a matar.

Queria ir até São Francisco, mas não sabia nada daquele mundo. Desde os seus oito anos, quando as chagas tinham aparecido, o Convento tinha-a protegido como se ela fosse uma boneca de porcelana, confinada num quarto.

Enquanto que aquela rapariga de dezasseis anos tinha sido treinado para ser Exorcista…ela olhou outra vez para os pulsos.

Perguntava-se com que idade Rosette descobrira que era a Santa.

– Eu não sou a Santa! Nunca fui a Santa nem a sua reencarnação! – exclamou Rosette, enquanto Trugy espetava os dentes no seu pulso pela segunda vez naquele dia – Porque é que a porcaria do veneno não está a funcionar.

– Não culpes o veneno. – disse Trugy, espetando a cruz nos buracos que tinha feito – As circunstâncias é que não são as melhores. E tu foste a Santa. Nenhuma das anteriores tinha sido “acordada” como tu foste.

– O ritual que o Aion fez? Foi isso o verdadeiro “acordar”? – perguntou Rosette – Então não foram as chagas.

– As chagas foram como uma mensagem Dele para o Aion parar o que estava a fazer. – explicou Trugy – Como se Ele estivesse a dizer ao Aion que podia usar-te se ele continuasse.

– Então eu sou uma arma. – resmungou Rosette, chateada.

– Praticamente. – disse Trugy, anuindo com a cabeça, enquanto via a cobra a reaparecer na cruz – A melhor arma contra os demónios. Contra o Aion. Podias ter parado o plano dele se não tivesses sido hipnotizada.

Rosette suspirou e saiu do quarto onde se tinham escondido para que Trugy fizesse aquilo.

– Temos de voltar para Nova Iorque. – disse Rosette, entrando na sala – Agora mesmo.

– Nem pensar. – recusou Satella, surpreendo Rosette – Eu estou cansada. Partimos amanhã.

Rosette olhou para Chrno, que já tinha saído do quarto. Depois olhou para Trugy quando ela lhe cutucou o braço.

– Madalena foi despertada. – sussurrou Trugy, ao ouvido de Rosette – É aconselhável ficarmos aqui. O meu veneno não está a funcionar como devia por causa do despertar das anteriores reencarnações. Se te aproximares delas, as chagas podem aparecer de uma vez.

– O que é que se passa entre vocês e os segredinhos!? – exclamou Satella chateada – Porque é que estão sempre a ir sozinhas para o quarto do mordomo!?

– Não posso dizer-te. – disse Rosette, abanando a cabeça.

– Estás a esconder as chagas, como escondeste antes? – perguntou Satella, fazendo com que Chrno e Zalia se levantassem.

– Chagas? – perguntou Zalia, dando um passo em frente como se quisesse ver – Como as da Santa?

– Para trás! – exclamou Trugy, fazendo os dois demónios estremecer – Se ela não quer dizer, não é obrigada a dizer!

Aquela rapariga começava a chateá-la, pensou Satella enquanto saía da sala sem dizer mais nada.

– Eu vou dormir lá fora. – disse Trugy – Vou servir de barreira para vocês dormirem em paz.

Trugy saiu, sentou-se no relvado, levantou uma manga e viu uma queimadura em forma de cruz gravada na pele. Olhou para cima e sorriu.

– Não estás a gostar do que eu estou a fazer, pois não? – depois franziu as sobrancelhas e o sorriso desapareceu – Pois, eu também não gosto o que estás a tentar fazer com esta rapariga.

Na manhã seguinte, como dito, meteram-se dentro dos carros, deixaram o avião para trás e dirigiram-se para Nova Iorque. Satella ia no banco da frente, atrás do volante, com Chrno ao seu lado. Rosette ia no banco de trás, com Trugy e Azmaria. Os outros dois iam no carro atrás deles.

No meio da viagem, Trugy chamou a atenção de Azmaria silenciosamente, piscou-lhe um olho e fez sinal para ela não dizer nada. Depois baixou-se e cravou os dentes no pulso de Rosette pela quarta vez, repetindo o procedimento.

Azmaria ficou de boca aberta, mas não disse nada.

– O que é que se passa aí atrás? – perguntou Satella, tentando espreitar pelo vido retrovisor.

– Nada. – respondeu Rosette, com um sorriso forçado – Dirigimo-nos directamente para o hospital. A tua irmã está lá com o meu irmão e o Padre Remington.

A viagem foi comprida por isso, quando chegaram lá, Rosette saiu do carro e espreguiçou-se prolongadamente. Os demónios ainda eram muitos. Se calhar podia ir dar uma ajuda, depois de ver como estava o irmão.

Como esperado, o encontro das irmãs Harvenheit foi emotivo, por isso Rosette apressou-se pelos corredores antes que Fiore tivesse tempo de agradecer-lhe e abraça-la.

– Fizeste aquelas duas contentes, hoje. – disse Chrno, gentilmente, enquanto seguia Rosette.

– Nós fizemos. – corrigiu Rosette, olhando para ele com um sorriso, enquanto entrava na ala do Convento.

E, por não estar a olhar para a frente, foi contra alguém e ouviu a pessoa a cair. Quando olhou, viu uma mulher linda com o cabelo quase tão branco quanto o de Azmaria e os olhos azuis no chão.

– Ah! Desculpe! – Rosette estendeu uma mão para a ajudar a levantar-se, mas a mulher parecia estar congelada, a olhar para Chrno – Está bem?

– Chrno? – murmurou a mulher.

– Madalena? – perguntou ele, sem acreditar nos próprios olhos.

– Madalena? – Rosette olhou para Chrno e depois para a mulher…e depois para as pingas de sangue que começaram a cair dos seus pulsos.

Com as mãos a tremer, Rosette olhou para os pulsos e viu as malditas cruzes de sangue.