Chrono Crusade - After Heaven

Capítulo 21 - São Francisco


- Nem pensar. – foi a resposta de Rosette quando o Padre Remington pediu para falar com Chrno sozinho – Ele não sai do meu raio de visão, de agora em diante.

- Estás a exagerar, Rosette. – disse Remington – Eu só preciso de lhe fazer algumas perguntas.

- Não estou a exagerar. – garantiu Rosette – Aliás, nós vamos partir para a Alemanha imediatamente.

- Como assim? – perguntou Remington – Nós precisamos da vossa ajuda aqui. Já te esqueceste da Keiko, ou dos demónios que invadiram a cidade?

- Eu prometi à Fiore que ia procurar a irmã dela. – disse Rosette – E nós vamos precisar da ajuda da Satella se isto continuar.

- Bem, como é que sabes que ela não está em São Francisco? – perguntou Remington – Devíamos pensar bem nisto, primeiro.

- Então vamos a São Francisco, primeiro. – disse Rosette – Vocês deviam estar preparados para isto. Não deviam ter parado de criar exorcistas apenas porque achavam que eles eram “violentos”. O que é que achavam que ia acontecer se o Aion voltasse? Que iam conseguir selá-lo? Em todo o caso, eu não consigo parar os demónios sozinha. Chegar até aqui já foi difícil.

- Rosette… - Remington suspirou, um pouco chateado com Chrno por ele não estar a dizer nada – Se é assim, eu deixo-te ir. Mas tens de prometer que não vais demorar mais de uma semana. Para isso, eu vou deixar que uses o antigo avião da Ordem.

- Eu também quero ir. – disse Azmaria, que tinha entrado há alguns minutos, na sala.

- Nem pensar, Azmaria. – disseram Rosette e Remington ao mesmo tempo.

- Porque não? – perguntou Azmaria, cruzando os braços.

- Porque ainda estás débil. – respondeu Remington – O que é que acontece se forem atacados e a Rosette não te puder proteger.

- O Chrno tem os cornos, agora. – lembrou Azmaria – Se formos atacados, ele pode usar os poderes dele sem ter de usar a vida da Rosette.

Era uma das coisas que o preocupava, pensou Remington. Se ele se descontrolasse, Rosette não poderia fazer nada para o parar.

- Porque não? – perguntou Chrno, surpreendendo Rosette e Remington – Pelo que sabemos, os demónios só se espalharam em Nova Iorque, certo? Nesse caso, até seria mais seguro tirar a Azmaria daqui. Contanto que o Aion e a Keiko também estão aqui…

- É isso! – exclamou Azmaria, colocando-se ao lado de Chrno.

- Quem toma conta do Joshua, então? – perguntou Remington, apelando ao sentido de protecção de Rosette – Tenho a certeza de que a Fiore também vai querer ir convosco. Se assim for, o Joshua vai ficar completamente sozinho.

- Ele não pode vir connosco… - murmurou Rosette, pensando na situação.

- Se falarmos com a Fiore, tenho a certeza que ela não se vai importar de cuidar do Joshua. – disse Chrno – Mas é claro que é só uma sugestão.

- Falamos primeiro com a Fiore, então. – decidiu Rosette, levantando-se da cama – Partimos ainda hoje para São Francisco em qualquer dos casos.

Chrno abriu os portões do Convento, esperou que Rosette entrasse e voltou a fechá-los, restaurando a protecção à volta do edifício.

- Pelo menos os demónios mais fracos não atacaram, desta vez. – suspirou Rosette – Parece que perceberam a tua presença.

Chrno sorriu e olhou para ela, vendo-a corar e desviar o olhar.

- O que é que se passa? – perguntou Chrno – Sentes-te bem?

- Sim, mas…não estou habituada a ver-te na forma adulta. – murmurou Rosette, cruzando os braços – Onde é que o Padre disse que estava o avião da Ordem?

- Ele disse que estava guardado nas traseiras do Convento. – disse Chrno – Sabes que eu não consigo voltar ao meu estado anterior, certo?

- Está tudo bem. – garantiu Rosette – Só vou demorar um bocado a habituar-me. Agora vamos.

Apesar de estarem agradecidos por terem um transporte que era mais rápido do que um carro, ao verem aquele avião, começaram a questionar-se se não seria mais seguro ir a pé.

O avião ferrugento à frente deles era definitivamente da época deles, tal como Remington lhe tinha dito. Mas não era desculpa para estar em tal estado.

- Por alguma razão, isto faz-me sentir mal comigo mesma. – disse Rosette, passando um dedo pelo avião monomotor verde.

- Eles não precisam de viajar tanto, hoje em dia, pelo que o Padre disse. – lembrou Chrno – E, quando precisam, usam transportes públicos.

- Mesmo assim, o meu quarto estava melhor preservado do que este avião. – disse Rosette – Parece um bocado injusto.

- E que tal se o limpássemos um pouco quando voltarmos? – sugeriu Chrno, vendo que Rosette estava realmente perturbada – Entretanto, devíamos ir indo. O Padre Remington só nos deu uma semana para irmos e voltarmos.

- Também não quero demorar muito. – concordou Rosette – A Fiore concordou em ficar com o Joshua, mas não se sabe o que é que o Aion pode fazer a seguir.

- Desculpem o atraso. – pediu Azmaria, entrando no armazém onde tinham guardado o avião.

Chrno e Rosette olharam para Azmaria, que trazia uma mochila às costas e duas malas com rodas nas mãos.

- Az, vais mesmo precisar disso tudo? – perguntou Rosette – Só vamos em viajem durante duas semanas.

- Sim. – disse Azmaria – Mas, se tivermos de ir até à Alemanhã, não sabemos o que pode acontecer.

- E onde é que tencionas meter essa bagagem toda? – perguntou Rosette – O avião não é assim tão grande. Para começar, só tem dois bancos. Foi por isso que insisti que não viesses.

- O Chrno não leva nada e tu só levas as tuas armas. – que o Chrno estava a carregar, reparou Azmaria – Apesar de poder estar a ser um estorvo, eu só queria ajudar.

- Está bem, está bem. – suspirou Rosette, quando viu lágrimas a aparecerem nos olhos de Azmaria – Mas depois não te queixes se estivermos muito apertados.

- Não me vou queixar! – garantiu Azmaria, começando a colocar as malas na traseira do avião, no espaço vazio que ficava atrás do segundo assento.

- Az, como tu és a mais pequena, vais ter de ir aí atrás. – informou Rosette, saltando para trás dos controlos – Chrno, tu levas as armas e as munições no teu colo. Partimos dentro de quinze minutos. Estejam preparados.

Tal como tinha dito, Rosette levantou voo quinze minutos depois, com Azmaria encolhida no meio das malas e Chrno atrás de si. Depois de realizar algumas manobras para escapar dos demónios voadores que preenchiam os céus de Nova Iorque, ela conseguiu finalmente ver o céu azul

Felizmente, a velha Ordem que ficava em São Francisco ainda estava aberta e não se tinha transformado num Convento como tinha acontecido em Nova Iorque, e estes tinham-lhes dado autorização para aterrar o avião no terreno deles.

- Irmã Claire, bem-vinda. – cumprimentou a responsável, depois de eles aterrarem em segurança – Espero que tenham feito uma boa viagem. Este deve ser o seu companheiro, Bobby.

Confusa, Rosette olhou para Chrno e viu-o a encolher os ombros.

- Sim! – confirmou Chrno, esticando o braço para lhe apertar a mão – O meu nome é Bobby.

- O meu nome é Juliet e eu sou a Irmã Superior daqui. – apresentou-se ela – Como estão habituados ao Convento, podem achar que este lugar é um bocado estranho, mas não precisam de ficar assustados.

Rosette sorriu, enquanto Chrno ajudava Azmaria a sair do avião e tirava de lá as malas que tinham trazido.

A grande diferença entre o Convento e a Ordem era que o Convento focava-se mais nas actividades religiosas, mantendo as actividades dos Seladores escondidas, enquanto a Ordem focava-se mais em treinar os Seladores, sem se preocuparem com o que o público achava. E, segundo Remington, recrutavam duas pessoas por ano para se tornarem exorcistas.

Pelos vistos, ainda não se tinham esquecido do incidente anterior e não queriam ser apanhados desprevenidos.

- Muito obrigada por nos receber. – agradeceu Rosette, enquanto se desviava dos membros da Ordem que treinavam no quintal. Talvez pudesse treinar com Chrno à noite. Aquele corpo ainda precisava de mais exercício – Eu sei que pode ser um inconveniente…

- Não faz mal. – garantiu Juliet – Mas fiquei surpreendida quando vi o que trazia vestido. Esse uniformes nunca mais foram usados desde que as Ordens se tornaram Conventos e pararam de treinar exorcistas.

- Na verdade, este uniforme é da minha avó. – mentiu Rosette – A minha mãe deu-mo antes de morrer. Por isso o Padre Remington deixa-me usá-lo.

- Estou a ver. – disse Juliet – E esse colar é uma cópia do que a Irmã Rosette usava.

- Sim. – disse Rosette, mentindo novamente – A minha colega de quarto deu-mo quando passei no teste dos Seladores.

- Tens boas amigas, então. Mas essa é a versão apagada, não é? Normalmente as raparigas usam a outra como amuleto. – disse Juliet, parando quando viu que Rosette tinha parado – O que é que se passa?

- Sim, o que é que se passa? – perguntou Rosette, virando-se para Chrno, que tinha parado no portão da Ordem.

- Claire, preciso de falar contigo. – pediu Chrno.

Desconfiada, Rosette foi até Chrno e olhou para o chão quando ele se baixou para lhe sussurrar ao ouvido.

- Eu não sei se consigo entrar sem disparar os alarmes. – murmurou Chrno – Agora que tenho os cornos, os sistemas de segurança podem reconhecer-me como um demónio.

Rosette deu-lhe a mão. – Se o Aion conseguiu entrar no hospital, tu também consegues entrar na Ordem.

- Mas o sistema de segurança da Ordem é mais sensível do que o sistema do Convento. – lembrou Chrno – Porque é que eu não fico a dormir no avião. Se o sistema se activar, vamos ser todos banidos, ou pior.

- Se fores dormir para o avião, eles vão desconfiar. – sussurrou Rosette, começando a puxá-lo – Lidamos com as coisas quando elas acontecerem.

No entanto, tal como Chrno previra, Rosette tinha passado com facilidade mas, quando chegara a vez dele, a barreira activou-se e repeliu-o para longe, atirando-o ao chão.

- O que é que se chama? – perguntou Juliet, vendo as queimaduras na pele de Chrno quando ele se levantou – Porque é que o Bobby não conseguiu passar?

- Humm…bem…ele foi possuído há alguns dias atrás, está a ver? – disse Rosette, saindo para ajudar Chrno – Na verdade, ele saiu hoje do hospital do Convento.

- Estou a ver. – Juliet franziu as sobrancelhas – Espero que não fiquem ofendidos, mas vou ter de confirmar a vossa história antes de deixar-vos entrar.

- Claro. – disse Rosette, olhando para Azmaria quando a Irmão Juliet virou costas para marcar o número do Convento no telemóvel.

Percebendo o sinal, Azmaria escondeu-se atrás de uma árvore, pegou no telemóvel que o Padre lhe tinha dado e telefonou a Regmintou, para que ele confirmasse a história que tinham acabado de contar.

Em poucos segundos, transmitiu as informações e desligou, para não ser apanhada.

- Estás bem, Chrno? – perguntou Azmaria, voltando para o lado deles.

- Estou. – respondeu Chrno, sorrindo – Mas vai ser difícil ficarmos aqui.

- Só ficamos até confirmarmos que a Satella não está aqui. – lembrou Rosette – Se alguém perguntar, estamos aqui para recrutarmos ajuda para a luta em Nova Iorque.

Quando Juliet voltou, os três tinham sorrisos inocentes na cara.

- Desculpem pela demora. Pelos vistos, a vossa história confirma-se. – pediu Juliet, começando a desligar o sistema de segurança para que Chrno conseguisse entrar – Não que eu queira desconfiar de uma Irmã, mas depois de recebermos as noticias de Nova Iorque, temos de ser mais cuidadosos do que o normal.

- Não faz mal. – garantiu Rosette, entrando com Chrno, ainda de mãos dadas – Nós percebemos exactamente o que diz, e não tencionamos demorar muito tempo.

- E quem é esta menina? – perguntou Juliet, olhando para Azmaria.

- Ela é a Fiore. – disse Rosette – É a minha aprendiz.

- Tão nova e já com um aprendiz? – perguntou Juliet – Deve ser uma Seladora exemplar.

Se falassem em selos, Rosette é que seria aprendiza de Azmaria, pensou Chrno. Perguntou-se quantas mentiras teriam de contar até serem descobertos.

- Eu vi-te a falar com aquelas freiras. – protestou Rosette com duas armas nas mãos, enquanto saía para o quintal, acompanhada por Chrno.

- Elas só estavam a perguntar-me sobre a situação em Nova Iorque. – justificou Chrno – Se viesses connosco em vez de andares com os seladores, já não precisavas de supor.

- Eu vi como é que elas estavam a olhar para ti. – disse Rosette, sentindo a brisa nocturna no pescoço – Se estivesses na tua forma anterior, elas nem sequer se dignavam a falar contigo. Agora vamos treinar. Não estou habituada a ter um companheiro tão grande!

Chrno revirou os olhos. – O que é que se passa contigo? Se a minha forma adulta é assim tão inconveniente, posso voltar para Nova Iorque!

- Porque é que não voltas, então!? – exclamou Rosette, sem pensar. Não fazia a mínima ideia do que é que se estava a passar com ela – Eu consigo desenrascar-me sozinha!

- Se é isso que queres. – murmurou Chrno, virando costas.

Com as sobrancelhas franzidas, Rosette ficou a ver Chrno a sair da Ordem. Ela sabia que ele não voltaria para Nova Iorque. Por muito que estivesse chateado, nunca a deixaria sozinha.

- Vocês têm uma relação bastante íntima, huh?

Ao ouvir a voz atrás de si, Rosette virou-se e apontou a arma à cara de um dos seladores que tinha conhecido há algumas horas. O nome dele era Hector, lembrou-se ela.

- Intima? – Rosette guardou as pistolas – Somos só companheiros.

- Então porque é que estavas com ciúmes? – perguntou Hector – E ele também não parecia melhor.

Ciúmes? Era isso que estava a sentir?