Ela apertou o seu laço vermelho, que condizia com o uniforme preto, arranjou o colar que tinha à volta do pescoço para não desfazer o laço. Depois virou-se para arranjar a gravata dele, também vermelha.

—Já chega! – protestou ele, afastando-se dela.

—Tens de te comportar. – queixou-se ela – A partir de hoje somos alunos do Colégio Cross.

—Olha quem fala… - murmurou ele.

—Eh!? O que é que disseste!? – perguntou ela, mas nesse momento, o professor abriu a porta e ela direcionou-lhe um sorriso automático.

—Podem entrar. – disse o professor, esticando o braço num gesto de boas vindas – Não se esqueçam de se apresentarem.

Ela suspirou fundo e entrou, seguida do colega. Bastou olhar uma vez para identificarem os alvos. Um gesto entre os dois deu a indicação que a missão podia começar.

—Oláaaaa! – exclamou ela, com um grande aceno de braço – O meu nome é Rosette Christopher e sou uma aluna transferida da Ordem de Magdalene em Nova Iorque. Ah! Este é o…

—Rosette! Não grites. Eu posso apresentar-me a mim próprio. – protestou ele, virando-se depois para a turma – O meu nome é Chrno e também venho da Ordem de Magdalene em Nova Iorque.

—Se se estão a perguntar porque é que o rapaz é tão pequeno, é porque ele é um prodígio. – explicou o professor, enquanto Rosette tentava conter as gargalhadas – E com isto, podem sentar-se.

Rosette agarrou Chrno com um sorriso rasgado na cara e procurou dois lugares afastados dos restantes alunos…por enquanto.

—Eles devem-se estar a perguntar porque é que dois alunos vindos de um convento estão aqui a fazer. – suspirou Chrno – Podiam ter-nos dado uma história melhor.

—Tu sabes que nós não mentimos. Não é nada demais. – disse Rosette - Se perguntarem, só temos de dizer que queríamos experimentar uma coisa diferente e que apareceu esta oportunidade.

—Isso não é mentir? – perguntou Chrno, vendo Rosette franzir as sobrancelhas.

—Então, se eles perguntarem, tu explicas. Assim eu não tenho de mentir. – Rosette ignorou quando Chrno revirou os olhos – Viste os nossos alvos?

Chrno olhou para trás rapidamente.

— Yuki Cross. – disse ele, olhando para a rapariga – E Zero Kiryu.

Rosette sorriu, enquanto abria o seu caderno e olhava para as informações deles.

—Vamos ser amigos. – murmurou ela.

Tal como previsto, depois de a aula acabar, os alunos juntaram-se para fazerem várias perguntas aos novos alunos e, tal como combinado, foi Chrno que respondeu.

Rosette conseguiu escapulir-se até onde Yuki estava sentada a dormitar.

—Yuki! – exclamou Rosette, acordando-a imediatamente – Posso tratar-te por Yuki, certo? Vamos ser amigas!

—Eh? – Yuki continuava confusa – Quem és tu?

—Eu sou…

—Uma aluna transferida de Nova Iorque. – completou Zero, aproximando-se – Vamos, Yuki. Está na hora.

Mesmo chateada, o sorriso de Rosette, manteve-se. Mesmo antes de saírem, os olhares de Zero e Chrno cruzaram-se por momentos.

—O que é que se passa, Zero? – perguntou Yuki, soltando-se quando já estavam cá fora – Eles só estavam a tentar ser simpáticos.

—Não pressentiste nada… - murmurou Zero, parando – Naquele rapaz.

—Que rapaz? – perguntou Yuki, que tinha estado a dormir enquanto Rosette e Chrno se apresentavam.

—Ele não disse qual era o último nome dele…

—Só isso? – perguntou Yuki, começando a caminhar outra vez – Desconfias de um rapaz só por ele se ter esquecido do último nome?

Não parecia que se tinha esquecido, pensou Zero e, relutantemente, pensou que tinha de ir falar com os vampiros quando a escola noturna começasse.

Chrno e Rosette escapuliram-se quando as aulas diurnas acabaram e sentaram-se na fonte enquanto o sol se punha.

—Ah! Isto traz-me recordações. – disse Rosette, enquanto tirava a arma de debaixo da saia do uniforme e confirmava o número de balas sagradas que tinha – Achas que alguém é um demónio na classe diurna?

Chrno pensou em Zero e no olhar que eles tinham trocado, mas abanou a cabeça.

—Então só falta a classe noturna. – Rosette sorriu, guardou a pistola e pôs o indicador em frente aos lábios – Mas ainda vamos ter de ficar aqui durante algum tempo. Por isso, ninguém pode saber quem nós somos. Devias ter inventado um último nome.

—Mesmo que inventasse, não achas que “Chrno” já é um nome bastante estranho? – perguntou ele – Basta que não os use, certo? Se ninguém os vir…

—Ninguém os vai ver. – murmurou Rosette.

Enquanto isso, Zero caminhava com a classe noturna, em direção à Academia.

—Dois alunos novos? Transferidos? – Kaname olhou para o céu, quase negro, a pensar – Tens razão numa coisa. O nome Chrno não é vulgar. Mas o nome Zero, também não, certo? No entanto, se estás aqui, é porque desconfias de alguma coisa.

—Aqueles dois não são normais. – disse Zero, com convicção – E o rapaz…

—Chrno. – interrompeu Kaname – Sabias, Zero, que o nome “Chrno” é bem conhecido dentro das redes religiosas? Porque é que não fazes uma pequena pesquisa?

Zero parou e deixou a turma noturna entrar na Academia, vendo depois os portões a fecharem-se.

—O que é que se passa, Kaname-san? – perguntou Ruka, quando viu a cara de Kaname.

—Podemos ter um problema em mãos. – respondeu Kaname, suspirando – Ou dois.

—Ah!

O grito de Rosette ouviu-se pela escola inteira.

—Acalma-te, Rosette. – perdiu Chrno.

—Mas ele disse que temos de ficar em quartos separados! – protestou Rosette – Ninguém me informou sobre isso! Quero telefonar para a Ordem!

Estavam correntemente no escritório do diretor, juntamente com Yuki e Zero. Estava tudo a correr bem, até àquele momento.

—Não me digam…que costumavam dormir no mesmo quarto. – comentou Yuki.

—Bem…nós somos…amigos de infância. – explicou Chrno.

—Ele não vai ficar longe de mim! – continuou Rosette, chamando a atenção de Zero quando levou uma mão ao colar que trazia ao pescoço – Eu não vou deixar que o separem de mim!

—Acalma-te, Rosette. – pediu Chrno, outra vez – Já não temos esse problema, lembras-te?

Rosette olhou para Chrno com as sobrancelhas franzidas, os lábios premidos um contra o outro e a mão ainda em cima do colar.

—Vejo-te quando o sol nascer, certo? – perguntou Rosette – Prometes?

Chrno esticou o braço para lhe fazer festinhas na cabeça. – Eu prometo. Eu não vou a lado nenhum.

Depois de se despedir de Rosette, Chrno foi com Zero, que ficou incumbido de lhe mostrar o quarto. Zero olhou para Chrno de lado, que parecia pensativo e distraído e pensou que seria uma boa oportunidade para tentar tirar alguma coisa dele.

—Vocês parecem próximos. – comentou Zero, tirando Chrno do transe.

—Ah! Sim. – Chrno soltou duas gargalhadas fracas – Já passamos por muita coisa juntos ao longo dos anos.

—Porque é que ela não te quer perder de vista? – continuou Zero.

—Digamos que é um trauma. – respondeu Chrno olhando para Zero de lado – Interessado?

—Queremos que todos os alunos se sintam à vontade na Academia Cross. – respondeu Zero, tentando sorrir.

—Ao fim do dia. – murmurou Chrno – Depois do sol se pôr, ela tem medo de me perder de vista.

—Aconteceu alguma coisa no passado? – perguntou Zero.

—Aconteceram muitas coisas. – respondeu Chrno, parando em frente ao seu quarto – Mas, especialmente depois do pôr do sol, ela tem medo de fechar os olhos…e nunca mais acordar.

—Ela tem medo de morrer? – perguntou Zero, um pouco desiludido – Isso não é comum?

Chrno sorriu. – Acho que sim.

Com as sobrancelhas franzidas, Zero viu Chrno abrir a porta do quarto e a fechá-la atrás de si.

Enquanto isso, Yuki acompanhava Rosette ao seu quarto. Esta ia em silêncio, a olhar para todos os lados como se alguma coisa a pudesse atacar a qualquer momento e com a mão ainda em cima do colar.

—Esse colar é bem peculiar. – disse Yuki, para tentar que ela descobrisse.

Rosette baixou a cabeça, olhou para o colar e murmurou. – É um relógio.

—Um relógio? – perguntou Yuki, surpreendida com a resposta – Nunca tinha visto um assim.

—Não há outro assim. – explicou Rosette, olhando para o vidro negro – Mas já não funciona.

—Não podes mandá-lo arranjar? – perguntou Yuki.

—Não pode ser “arranjado”. – respondeu Rosette – Agora é só uma lembrança do que significava.

—O que é que significava? – perguntou Yuki.

Houve um momento. Depois Rosette sorriu e olhou para Yuki. – A minha vida.

Rosette parou quando Yuki lhe disse qual era o seu quarto, entrou e assustou-a quando entrou rapidamente e trancou a porta. Já lá dentro, tirou o relógio lentamente do pescoço, pousou-o na cama, tirou a arma escondida, aproximou-se da janela e apontou os binóculos que a Ordem lhe tinha dado para a Academia onde a classe noturna estava a ter aulas. Pousou a arma à sua frente e decidiu que ia ficar a noite toda acordada. Também sabia que Chrno ia fazer o mesmo.

Chrno estava a fazer exatamente o que Rosette dissera. Mas ele não precisava de binóculos e não tinha armas. As únicas armas que a Ordem o deixava carregar era as de Rosette, para que ela se pudesse movimentar mais depressa se fossem atacados.

Quando um dos alunos da classe noturna que estava próximo da janela olhou na sua direção, Chrno sorriu, levantou-se, espreguiçou-se e sussurrou “apanhei-vos”.

Decidiu que pensaria num plano até amanhecer.

—Podes parar de olhar? – exigiu Kaname a Ruka.

—Mas senti alguma coisa a olhar para aqui. – justificou-se Ruka – Uma coisa má e perigosa.

Kaname suspirou e foi até à janela. Era exatamente o que ele queria, pensou Kaname, confirmando a sua suspeita.

E Zero também estava prestes a confirmar as dele, com um computador portátil ao seu colo. Começou por pesquisar os dois novos alunos transferidos, mas as informações que apareceram foram exatamente aquelas que eles lhes tinham dado.

Depois pesquisou “Chrno” e coisas que ele nunca conseguiria imaginar começaram a aparecer no ecrã. Quanto mais pesquisava, mais coisas apareciam.

Coisas que o fizeram levantar-se e dirigir-se à Academia. No entanto, ainda demorou alguns minutos a encontrar Kaname.

—Tu sabias. – disse Zero, sem folego.

—Do que é que estás a falar? – perguntou Kaname – Da exorcista que veio disfarçada de estudante transferida ou do demónio que a acompanha para todo o lado?

—O demónio…

—Ah, sim, o demónio. – interrompeu Kaname – Se já pesquisaste, deves saber que tens de ter cuidado com ele. – ele aproximou-se mais de Zero – Eu trato de proteger a Yuki.

Enquanto Zero rangia os dentes a Kaname, Yuki dirigia-se ao quarto de Zero para conversar sobre os estudantes transferidos que não eram tão normais como pareciam, tal como ele lhe tinha dito.

No entanto, quando entrou no quarto, só viu o computador em cima da cama de Zero. Sentindo um pouco de remorsos, mas cheia de curiosidade, Yuki aproximou-se do computador, para ver o que Zero tinha andado a pesquisar.

—Chrno? – murmurou Yuki, continuando a ler. Carregou em links que levavam a mais informações e mais links e começou a ficar pálida. No entanto, riu-se – É só uma coincidência.

Só podia ser, pensou Yuki. Se não fosse, Rosette podia estar a correr perigo. E como é que um demónio podia entrar na Academia Cross sem que o pai percebesse. Yuki levantou-se, pousou o computador e dirigiu-se imediatamente para o escritório do pai.

—Eu sei que ele é um demónio. – disse o pai, surpreendendo a filha.

—Então…porque é que o admitiu!? – exclamou Yuki – Sabe que tipo de demónio ele é!?

Ele olhou para a filha, mas depois sorriu.

—Na verdade, nunca imaginei que houvessem demónios, de todo, por isso não sei que tipo de demónio é ele. – disse o pai, levando uma mão à cabeça – Nem sabia que havia “tipos” de demónios. Até agora, só pensava que haviam vampiros e humanos por isso, quando descobri que ele era um demónio fiquei interessado. Mas um demónio tão baixinho quanto ele, não deve ser muito forte, certo?

—Pai!

—Ainda te lembras do meu sonho, certo, Yuki? – perguntou o pai, sem sorrir – Que os vampiros e os humanos se possam tratar como iguais. Os humanos devem temer tanto vampiros e demónios.

—Estás a fazer algum tipo de experiência? – perguntou Yuki.

—Yuki, eu sei quem ele é. – revelou o pai – Mas, se aquela humana também sabe…não, se a Ordem de Magdalena também o sabe e parecem aceitá-lo, porque é que nós não pudemos. Afinal, aceitamos uma turma inteira de vampiros.

—Aquele demónio está num nível completamente diferente! – protestou Yuki – Ele…

—O Chrno. – interrompeu o diretor – Ele chama-se Chrno…e não podes confiar em tudo o que encontras na internet. Ele não é tão mau como achas que ele é.

O diretor suspirou enquanto via a filha a sair.

Olhou para a informação dos dois e franziu as sobrancelhas.

Esperava mesmo que a Ordem não estivesse a mentir.