Um terrível pressentimento comprimia meu estômago desde que Aphrodite saiu do campus, então para tentar mudar o foco dos meus pensamentos resolvi ligar para minha mãe. Minha mãe respondeu após o terceiro toque.

— Alô! Abençoada é a manhã! - ela disse, espevitada. Estava na cara que não reconheceu o número.

— Mãe, sou eu.

— Zoey? O que foi? - seu tom mudou completamente, ignorei a mágoa, não era nada inesperado. Estava cansada demais para ficar naqueles joguinhos de mãe e filha.

— Onde John vai estar hoje a noite? Ou melhor, ele tem passado as noites em casa?

— O que está querendo dizer, Zoey?

— Mãe, eu não tenho tempo para essas palhaçadas, diga logo.

— Não estou gostando do seu tom, mocinha.

Segurei a vontade de gritar de frustração.

— Mãe, isso é importante. Caso de vida ou morte.

— Você é sempre tão dramática - ela disse, então soltou uma risadinha nervosa e falsa - Seu pai vem direto pra casa depois do trabalho todos os dias, assistimos algo na tevê e vamos dormir.

— A que horas ele saiu para trabalhar hoje?

— Que pergunta boba! Ele saiu mais ou menos uma hora atrás, como sempre. Zoey, por que isso tudo?

Hesitei. Podia confiar nela quando estava claro que ela estava mentindo? Não. Uma hora atrás? Oh Deusa, não permita que ele se encontre com Aphrodite.

— Zoey, o que você fez agora? - dei-me conta de que seu tom de voz não era preocupado, era aborrecido.

— Nada, melhor ficar de olho no seu próprio lar para descobrir quem fez o quê. - falei friamente - E não se esqueça, eu não moro mais na sua casa.

Seu tom de voz ficou áspero:

— Isso mesmo, com certeza não mora mais. Nem sei por que você está ligando pra cá.

— Você tem razão, eu não devia ter ligado. Seja feliz, mãe - disse e desliguei na cara dela.

Joguei meu corpo pesadamente sobre a cama e suspirei. Precisava me acalmar para pensar com clareza, o cartão que me enviaram de presente de aniversário poderia ser apenas coincidência, o padrastotário poderia ser inocente. Aphrodite poderia apenas ter uma conversa com os pais e voltar para a Morada da Noite em segurança, sim, Conner cuidaria dela. Arrisquei fechar os olhos por um instante, talvez pudesse descansar um pouco.

Nala tinha se aninhado em meu travesseiro e eu me concentrava em seu ronronar para conseguir dormir quando a porta do meu quarto foi aberta abruptamente. Levantei num pulo e encarei a montanha de músculos que se agigantava sobre mim na porta.

— Conner? - o pânico rapidamente subiu para minha cabeça - Onde está Aphrodite?

— Ela entrou no prédio e desapareceu. - ele falou, o maxilar trincado de raiva - Escutei um grito com minha audição apurada, mas não fui rápido o suficiente para chegar a cobertura, eles a levaram.

Um tremor percorreu meu corpo e passei as mãos úmidas com meu nervosismo pelo cabelo, fui até a porta do banheiro e voltei em algumas passadas rápidas. Agarrei meu telefone na escrivaninha e disquei o número de Stevie Rae, chamou inúmeras vezes e ela não atendeu. Claro, depois do nascer do sol Stevie Rae ficava totalmente fora de área. Merda. Conner parecia fazer seus próprios telefonemas, o observei por um momento antes de digitar o número de Damien, uma ideia me ocorrendo. Como uma louca, corri até a escrivaninha e revirei as gavetas a procura de uma fotografia antiga, por sorte encontrei perto da cruz idiota que minha mãe mandou em meu aniversário. Na foto, todos (menos eu) estavam sorridentes, depois do culto de domingo, posando de família perfeita e feliz. Minha mãe, meu irmão e minha irmã pareciam genuinamente felizes e o padrasto otário parecia orgulhoso de sua família, idiotas. Mostrei a foto para Conner.

— Reconhece esse homem?

O guerreiro franziu a testa brevemente enquanto pensava.

— Sim, ele entrou no prédio, mas não o vi saindo.

Mordi o lábio com força enquanto assentia e digitava o número de Damien, meu amigo atendeu sonolento no quarto toque, sem explicações eu pedi:

— Preciso do circulo.

— Estamos indo.

Desliguei e me voltei novamente para Conner, uma coisa se agitando em meu estômago, precisei agradecer a Deusa por me dar uma intuição tão forte.

— Conner, como... não, você chegou a entrar no prédio? Aphrodite disse que os pais ficam na cobertura.

Conner assentiu.

— Eu entrei e isso que foi estranho - o guerreiro explicou - de alguma forma o andar parecia vazio, eu podia sentir a presença dos humanos que estiveram lá recentemente, mas não conseguia indícios de que eles realmente tinham saído.

Pensei sobre isso por algum tempo e a parte do meu cérebro que adora um motivo para desconfiar de Neferet estava trabalhando a mil, Aphrodite uma vez me disse que a Sacerdotisa conseguia fazer as coisas ficarem diferentes, como um espelho. Mas porquê Neferet estaria ajudando os humanos a sequestrar Novatos?

A resposta me ocorreu rápida e dolorosa: ela não estava ajudando diretamente.

Estava manipulando os humanos de modo que eles poderiam nem se lembrar de quem eram as ordens, fazendo-os pensar que eram suas reais intenções quando na verdade não passavam de marionetes nas mãos de uma poderosa Grande Sacerdotisa com influência na memória das pessoas. Sobretudo dos homens. Com isso ela teria humanos massacrando vampiros e o Conselho Supremo dos Vampiros seriam obrigados a agir, talvez até conseguisse a guerra que tanto quer. Se for assim ela precisaria manipular alguém influente: o prefeito. Aphrodite poderia estar correndo sério perigo agora. Engulo secamente com meus próprios pensamentos e espero meus amigos adentrarem o quarto, todos estão amarrotados e sonolentos, mas parecem determinados.

— Então Aphrodite não voltou? - Damien perguntou quando todos estavam presentes, até Stephen.

Me apressei á explicar para eles minha teoria e como eu sentia que estava no caminho certo, a cada palavra eles pareciam mais preocupados. Até as gêmeas que não eram as maiores fãs de Aphrodite trocaram olhares assustados.

— Vamos até a cobertura? - Stephen perguntou, compreendendo meu raciocínio sem esforço e logo se oferecendo para ir também, junto com Conner.

— Sim - comecei, um outro pensamento tomando forma em minha cabeça - Mas Neferet não vai nos deixar sair com facilidade, então eu preciso de uma distração para que eu, Conner e Stephen possamos sair do campus - olhei para os meus amigos que assentiram com os olhos brilhando.

— Damos conta, Z. Vamos bolar uma super distração. - Jack disse, todo atencioso.

— Obrigada, Jack. Quando eu ligar, preciso que todos estejam prontos para invocar seus elementos e direcioná-los para mim. - mais uma vez eles assentiram.

— Ei Z., - Shaunee falou um tanto constrangida - Sentimos muito por todas as coisas horríveis que dissemos para você e Aphrodite, não tínhamos ideia que estavam lidando com coisa tão pesada e toda aquela coisa de leitura de mente sendo tão séria.

— Verdade gêmea, temos que nos desculpar com a bruxa - Erin complementou.

— Ela foi amiga de Z., quando estávamos sendo idiotas. - Damien concluiu.

Sorri para meus amigos e assenti para tranquilizá-los, esperava que Aphrodite estivesse bem para ouvir suas desculpas.

[...]

Uma hora depois, eu estava saindo do dormitório das meninas discretamente, eram quase 10 horas da manhã e todos estavam dormindo, com exceção dos guerreiros patrulhando o pátio. De repente, uma enorme confusão vinda do pátio chamou minha atenção e eu me escondi atrás de uma pilastra, o sol irritava meus olhos e tornava muito irritante enxergar, mas a cena no terreno de frente da escola me fez apertar a mão na boca para não cair na risada.

Beelzebub, o enorme e arrogante gato das gêmeas corria atrás de Malévola, a gata branca de Aphrodite. Malévola ia chiando e pulando enquanto era perseguida por outros gatos, Nala e Cami (gato de Damien) entre eles. Damien e Jack vinham logo atrás, balançando os braços e berrando "Cami, venha!".

Uma excelente distração.

— Aimeudeus! Beelzebub, meu bem! - Shaunee apareceu em meu campo de visão, berrando com a máxima potência de seus saudáveis pulmões.

— Malévola! Nala! Parem! - Erin choramingou, correndo atrás de sua gêmea.

Conner, de repente apareceu no corredor ao meu lado e segurou em meu braço.

— Precisamos ir. - ele disse, e sem esperar por uma resposta agarrou meu braço e partiu em uma arrancada que expeliu todo ar de meus pulmões. Foi a coisa mais bizarra que já vivi, me senti naquelas esteiras de aeroporto, só que a "esteira" era a aura de Conner e o movimento era tão rápido que o mundo ao nosso redor virou um borrão.

Em questão de segundos estávamos fora da escola, de frente para o Lexus com Stephen no banco do motorista, com um sorriso tenso. Arfando um pouquinho, entrei no quarto e comecei a colocar meus cabelos para trás, parecia que tinha passeado de moto sem capacete. Me deram um óculos escuros, minha tatuagem já estava tampada e eu usava meu moletom Borg Ivasion 3D que tinha o cheiro de Aphrodite e que tampava as tatuagens do meu pescoço e ombros. Dirigiram em silêncio até o hotel que o prefeito ficava hospedado. Enquanto estava no carro peguei meu celular e disquei o número de Aphrodite pela primeira vez, uma voz muito familiar atendeu no primeiro toque.

— Filha, pensei que não ia mais ligar. - John Heffer atendeu o telefone.

Um arrepio percorreu meu corpo e fechei minha mão livre em punho, a dor da unha cortando a palma da minha mão servindo como âncora para minha calma.

— Onde está Aphrodite? - perguntei o mais calma que consegui.

— Ela está bem, passando um tempo com a família. - ele disse com sua voz asquerosa - Menina inteligente, reconhece a importância de ficar ao lado da família, a alma dela ainda pode ser salva, ao contrário da sua.

— Se você machucá-la...

— Me poupe, Zoey. Faça um favor para o papai e não se meta em coisas que não são da sua conta- ele disse áspero antes de desligar na minha cara.

Pisquei para evitar que minhas lagrimas escapassem e ergui o queixo, garotas fracas choram, líderes não. Os guerreiros não fizeram perguntas, apenas continuaram o percurso.

Estacionaram atrás do edifício e encontramos a entrada de serviços, eu tinha dois vampiros adultos comigo e ambos eram capazes de manipular alguns humanos no caminho. Disquei o número de Damien e esperei ele atender para desligar, não demoraria para sentir a conexão com os elementos. Sem Stevie Rae, eu mesma teria que invocar a terra, mas sabia que Jack estaria segurando a vela acesa para me ajudar. Com Stephen e Conner me flanqueando, entramos no elevador e apertamos o botão da cobertura.