Antes de anoitecer comecei a me preparar. Coloquei a peruca que não usava a alguns dias, encarei a lente de contato mas não a coloquei, peguei uma jaqueta que estava guardada e repassei mentalmente tudo que tinha planejado fazer.

Antes de sair de casa liguei pra Antônio e lhe repassei o endereço mas desliguei o telefone antes que ele me fizesse mais perguntas.

CH

— É sério que você quer invadir o orfanato? _ perguntou Antônio de olhos esbugalhados.

— E vou. _ o encarei. _ Paguei você por esse serviço, não venha me dizer que não vai fazer agora.

— Nossa Laurinha... eu posso fazer mas isso pode me prejudicar.

— Isso não vai prejudicar ninguém. Pelo contrário, vai salvar a vida das crianças que estão lá dentro, você já foi uma delas, e também não existe mais a câmera da frente.

— Têm câmeras?!

— Não na frente!

Nossa, nunca pensei que seria tão difícil convencer uma pessoa com bons princípios.

— Tudo que você precisa fazer é abrir a caixa de força que está lá no cantinho, e bum!

Antônio respirou fundo e fugiu dos meus olhos, ele parecia não me reconhecer. Mas tudo bem, nem eu mesma me reconhecia.

CH

Com um gatilho só o orfanato ficou no breu e pude ouvir o grito das crianças do lado de dentro. Aproveitei o alvoroço e mexi na maçaneta. Aberta.

Fiz sinal de positivo para Antônio e prossegui sozinha.

A sala do orfanato estava escura, algumas crianças corriam pela escada. Logo fechei a porta pra que nenhuma luz entrasse.

— Laureen! Mudou o cabelo de novo? _ a voz de Audalice ressoou ao meu lado.

— Shhh_ sussurrei_ Audalice, leve todas as crianças pro andar de cima, ninguém deve ficar aqui embaixo.

— Por quê?

— Vou ter uma conversa séria com a Soraya agora.

— Iii, boa sorte então, porque ela está virada num dragão.

— Vai logo.

Audalice começou a chamar as crianças e logo o andar de baixo ficou mais calmo. Ouvia as vozes delas nos quartos de cima mas então um grito veio do quarto de Soraya.

Parei em frente ao quarto, a porta estava fechada mas tinha uma fresta de luz, então girei a maçaneta.

O quarto estava um pouco iluminado pela luz da janela aberta, Soraya estava sentada no chão perto do guarda roupa com pastas e papéis espalhados por todo o lado, quando ela percebeu minha presença me encarou e eu percebi seus olhos cheios de lágrimas.

— O que você faz aqui? _ disse ela com uma voz tremida. Acho que a voz dela deveria estar assim no dia da morte de tia Carlota.

— Eu estava passando aqui e ouvi os gritos.

— Isso não te dá o direito de entrar sem bater. Não deveria estar com o Nil agora?

— Nil?

— Sim, aquele filho da puta, ele não ia fugir com você? Se não foi com você, foi com outra.

— Deve ter sido com outra mesmo. Não falei com ele, o que ele disse pra você? Vão se divorciar?

— Divorciar? Você tá louca garota? Ele não era meu marido!

— Nossa, então você vivia com um cara que nem era seu marido, e ainda confiava tanto nele, o que ele tinha?

Soraya me encarou. Sabia que a raiva estava crescendo dentro dela.

— Escuta aqui Laureen, vai embora agora.

— Olha só, bem que eu queria, não aguento mais ficar olhando pra essa sua cara, _ Soraya arqueou as sobrancelhas pra mim. _ mas tenho que resolver umas coisas.

— Que coisas o quê, você não passa de uma adolescente, nem deve ter namorado, ainda é virgem?

— Isso não te interessa Soraya, e por que me diz isso? Quer me ensinar a ter uma vida de fracasso como a sua? Transando com um cara que sempre quis te usar e mentindo pra sua mãe que te dava tudo?

— O que você sabe sobre a minha mãe?

— Bem, depende, _ cruzei os braços_ qual das duas que você quer saber?

Soraya me olhou assombrada.

— Quem é você garota? _ disse ela se levantando.

Sorri e me sentei na cama me encostando no travesseiro, e então tirei a peruca. Meus cabelos caíram como cascata nos meus ombros enquanto eu observava Soraya paralisada.

— E aí, estou parecida com o seu fantasma mais recente? Ou eu sou o próprio fantasma?

— Sua desgraçada. Isso não pode estar acontecendo.

— Ah está assim, nem adianta se beliscar.

— Você esteve todo esse tempo aqui, me rondando, a Loirinha de peruca, me espreitando como uma vadia.

Soraya deu um passo em minha direção e rapidamente me levantei tirando a Beretta 92 do cós de trás da calça, a apontei pra Soraya e seus olhos arregalados.

— O que é isso? O que pensa que vai fazer?

— Eu não estou pensando nada no momento, mas se você se mexer a minha princesa pode se assustar.

— Laurinha, vai embora da minha casa agora.

— Sua casa? Isso nunca foi seu, a tia Carlota deu a vida por esse lugar, e você destruiu a vida de todos os outros que passaram por aqui. Acha que eu sigo plena e feliz depois de tudo que você me fez? Por que acha que eu estou aqui?

— Você está louca garota, foi traumatizada por seus pais adotivos.

— Não fala daquilo que você não sabe. Os pais que você usou pra me afastar foram os que eu precisava pra ter coragem de voltar aqui. Acha que eu não vi os hematomas nas crianças? E o sistema de corrupção que você e Nilson armaram?

— O quê?

— Não se faça de sonsa, apesar de você ser um pouco, sua casa caiu Soraya, sua sorte é que Suely morre de medo de você, se não ela teria me entregado o paradeiro de Suelen, acha que ela iria proteger você? Pelo que eu lembre, do jeito que ela era, ela iria rir na sua cara.

— E o que você espera com isso tudo então?

— Quero sua confissão. Assuma de uma vez por todas tudo o que fez.

— Você só pode estar delirando.

— A justiça precisa acontecer Soraya, quer você queira ou não.

— Garota, cala a boca, você está me estressando.

— Essa era a minha intenção...

Não aguentava mais, tinha que pôr um fim naquilo tudo, só queria justiça afinal, ou seria vingança? Não... eu só queria deixar as coisas em equilíbrio, como a lei do velho testamento, olho por olho, dente por dente, uma vida por outra vida, tia Carlota morreu nesse quarto, e agora, a culpada iria se juntar a ela para se redimir. Eu até ofereci outros meios mas ela não quis colaborar.

Segundos antes de eu olhar nos olhos negros de Soraya e mirar o meu alvo, prendi a respiração, e pensei ter visto luzes sobre Soraya, me fazendo imaginá-la como um anjo caído. Mas não me atentei ao que me cercava, e apertei o gatilho.