Estávamos numa estrada de terra, as árvores se erguiam pelos lados e o Sol nos perseguia, bem quente.

O taxista achou estranho quando dei o endereço mas disse que conhecia, e seguimos pela cidade até entrarmos nessa estrada a alguns minutos.

De repente as árvores sumiram do lado direito da estrada e um campo enorme se revelou, era uma fazenda. A cerca de arame estava por toda a propriedade.

O carro parou bem em frente a um enorme portão de madeira e pedi pra ele buzinar, não estava a fim de ficar gritando ali na frente. Rapidamente uma garota que não tinha nem vinte anos veio me atender e logo abriu um sorriso, ela parecia me conhecer e fiquei receosa mas ela logo demonstrou ser apenas gentil.

Falei pra ela quem eu estava procurando e ela me conduziu por um caminho ladrilhado de pedras até a varanda da casa, uma casa que parecia ser bem aconchegante.

O vento soprava meus cabelos ali e eu estava vendo os nós que se formariam, meus disfarces não estavam comigo mais, a pessoa que eu tinha encontrado aquele dia precisava me ver sem eles.

— Boa tarde. _ disse uma voz um pouco familiar no momento em que me relógio marcava 14 h.

No momento em que me virei a mulher que estava a minha frente apenas fechou a boca que estava aberta à procura de palavras. Seus olhos me analisaram por inteiro e a única coisa que fiz foi sorrir.

— Boa tarde Suely.

Seus cabelos negros e volumosos estavam presos e algumas linhas de expressão surgiam ao redor de seus olhos. No passado ela era apenas uma jovem elegante que vivia no escritório do orfanato e poucas vezes conversava com a gente.

— Laurinha? _ disse ela.

— Eu mesma. E você é quem realmente eu estava procurando...

Ela me analisou mais um pouco.

— Por favor, entre. _ me convidou, e eu fui.

CH

— Sinto muito Laurinha, mas isso é muito complicado pra mim e...

— Se você vier comigo vai ver que não precisa ser.

Estávamos sentadas em poltronas na sala de estar da casa cheia de quartos, fotos estavam espalhadas por todo o lado, vasos e flores também, lembranças de aniversários e casamentos, aquele lugar parecia querer me sufocar a qualquer instante.

Um chá já morno estava em minha xícara, a garota havia trazido pra mim a um tempo atrás, ela era filha de Suely.

— Você não tem provas contra ela. A certidão de óbito foi omitida quase que imediatamente e mesmo que as suspeitas fossem de envenenamento todos resolveram acreditar que foi um acidente, uma fatalidade, até que Soraya deu um jeito de encontrar um culpado fazendo a justiça encerrar o caso há anos.

Suely já havia me contado que aquela casa e a fazenda em que estavam era da propriedade de tia Carlota, uma herança de família que ela não fez questão de usufruir, e foi para lá que ela fugiu quando Soraya a ameaçou.

Ela construiu uma nova vida ali, casou com um homem que já não existia mais e teve três filhos e uma filha.

— Mas se nós formos lá e apresentarmos novas testemunhas sobre o caso eles podem reabrir!

— Ah Laurinha... Soraya não ama ninguém e pode nos prejudicar mais ainda. Você teve sorte de ser adotada logo, e se fosse eu não voltaria tão cedo...

— Sim Suely, entendo seu receio mas eu amava muito Tia Carlota e não consigo admitir que ninguém tenha saído impune desse caso. Alguém realmente é o culpado porque Suelen... bem, você sabe.

Suelen já estava bem longe, ela havia sido incriminada pela morte de Tia Carlota mas Suely a ajudou a sair da cadeia e ir para o exterior. Soraya a culpou por isso e ainda teve a coragem de dizer que havia sido por um descuido da irmã que sua mãe tinha tomado substâncias erradas no chá.

— Suely, eu só preciso que você diga sim. Não é nada oficial mas caso eu precise de você quero saber se tenho com quem contar para depor perante alguma autoridade ou algo assim.

Suely baixou os olhos.

— Ela já me fez perder tanta coisa Laurinha... não me arrependo do que tive e tenho aqui, mas minha vida ganhou limitações depois do que aconteceu. E o meu silêncio foi tudo que Soraya pediu.

— E ela te conhece bem... soube quem atingir.

Suely me olhou nos olhos.

— Sinto muito meu anjo, não posso fazer isso.

CH

Ela ainda tinha medo.

Tinha medo de Soraya interferir em seus negócios e levá-la à falência, provocar acidentes em seus filhos, incendiar sua fazenda e até mesmo matá-la.

Voltei pra casa arrasada. Pensei que iria dar certo.

Mesmo assim Suely me alertou para tomar cuidado.

“Não pense que está lidando apenas com Soraya, ela não iria conseguir fazer o que fez e se manter inerte todo esse tempo se estivesse sozinha”

CH

Cheguei em casa e o sol já estava se pondo, antes de abrir a porta do apê Adriana me ligou.

— Amiga!

— Oi! Qual o motivo de toda essa animação?

Um cansaço queria tomar conta do meu corpo.

— Nossa, você me conhece bem hein? Olha só... hoje marcamos um jantar aqui em casa sabe, é um costume nosso.

— Nosso?

— Sim, meu e do Railsom.

— Ah sim...

— E da Renata, e do Antônio e do Tiago.

Um silêncio se fez entre nós e eu respirei fundo pra responder.

— Deixa eu ver se entendi. Você quer que eu vá pra um jantar que você costuma dar de vez em quando mas... pessoas do meu passado que nem sabem se eu ainda existo vão estar presentes?

— Humhum.

— E seria uma coisa que poderia pôr todo o meu plano em risco, tanto por ver eles quanto por ter que ir sem disfarce algum...?

— É, isso mesmo.

— Bem, então você poderia me dar um bom motivo pra ir hoje?

A essa altura eu já estava jogada na cama.

— Olha só, _ começou ela_ eu sei o quanto o seu plano é importante pra você mas sinceramente Laureen, eu não consigo ver futuro nisso. Te apoio porque você é minha amiga mas se tivesse que escolher preferiria que você apenas tivesse um trabalho normal e pudesse vir jantar com seus amigos de infância pelo menos uma vez na semana, entende?

Fiquei em silêncio novamente, a conversa com Suely tinha mexido comigo e agora Adriana estava falando aquilo...

— Tá, tudo bem. Eu vou.

— Eeeeeebaaaa!! _ comemorou ela. _ Antes tarde do que nunca, hein?

Eu apenas ri. Queria tomar um bom banho mesmo e foi isso que eu fiz.

CH

Tiago se ofereceu pra me buscar mesmo sem eu saber. Enquanto trancava a porta do apartamento ele me ligou e disse que estava a postos lá embaixo. Acho que já estávamos dando um passo na nossa relação confusa.

Cheguei no andar térreo e Tiago estava dentro do carro observando a rua, não tinham muitos carros por ali. Entrei no carro e ele se sobressaltou com minha presença, sentei no banco do carona e coloquei o cinto.

— Boa noite. _ falei.

Tiago me encarava.

— Caraca... _ murmurou ele _ você está muito linda.

Sorri e olhei para meu vestido de lantejoulas pretas.

— Obrigada...

Ele se aproximou de mim e sem pestanejar segurei seu rosto com as mãos e lhe dei um beijo lento.

— Você também está lindo com essa camisa rosa. _ Tiago ficou encarando minha boca até que me afastei. _ Agora vamos, se não perdemos a hora.

No caminho até a casa de Adriana fiquei olhando os carros que passavam por nós e meu coração palpitou ao pensar no que me esperava, meus amigos não eram mais crianças, eles tinham um caráter já formado, tinham emprego e uma vida sem a minha presença de certa forma, como me olhariam hoje? O que pensariam de mim? Se algo acontecesse entre mim e Soraya de que lado eles ficariam?

CH

Enquanto subíamos no elevador Tiago entrelaçou seus dedos nos meus, ele sabia que eu estava nervosa e eu mesma não pensei que sentiria isso.

Tiago e eu ficamos diante da porta e quem apareceu quando ela foi aberta foi Railsom, segurei a respiração quando ele me encarou, mas quando ele abriu um sorriso parece que um peso saiu dos meus ombros, ele era aquele garotinho que jogava lama nos meus cabelos, sim, ele mesmo, meu amigo.

Tiago o cumprimentou e foi logo entrando, já era da casa, Railsom me puxou para um abraço.

— Só agora vim me dar conta do quanto você fez falta Laurinha.

Eu apenas sorri.

— Nem sei o que dizer. _ falei enquanto me afastava dele.

— Acho que pode começar com boa noite...

— Oh my God... _ ri _ desculpe pela minha falta.

— Não se preocupe, entre por favor.

Adriana estava na cozinha com a mão na massa, lhe dei um abraço desajeitado e vi o que encheria meu estômago mais tarde: lasanha.

Enquanto Tiago contava piadas, Railsom e Adriana organizavam a mesa, eu fiquei apenas observando já que não me deixaram fazer nada.

Depois de uns minutos a campainha tocou de novo, dessa vez era Antônio, ele era duas vezes o meu tamanho e quase morro quando ele me abraçou me tirando do chão.

— Caramba Laurinha, quanto tempo cara!

— É... _ falei ofegante _ digo o mesmo.

— Nossa, você está muito linda.

— Ah, obrigada.

Antônio sorriu para mim e depois seguiu para cumprimentar os outros até que meu olhar encontrou o de Tiago que parecia estar incomodado com alguma coisa.

Railsom nos convidou pra ir pra sala enquanto Adriana colocava a lasanha no forno. Tiago se sentou no sofá e me puxou pra perto dele colocando a mão em minha coxa, correntes elétricas saíram dele percorrendo todo meu corpo mas tentei permanecer intacta.

Eles conversavam sobre um monte de coisas ao mesmo tempo e eu apenas concordava, analisava cada detalhe, a intimidade que eles possuíam me incomodava. Railsom e sua gentileza, aquilo ainda permanecia ali, Adriana falava coisas bobas a cada minuto, Renata ria do seu jeitinho e falava algumas coisas pra Antônio de vez em quando, eu percebi alguma coisa diferente no olhar dela, no dele... talvez.

Tiago participava da conversa fazendo alguns comentários irônicos de vez em quando, mas eu percebia que seu olhar sempre voltava para mim, ele estava procurando alguma coisa e eu não sabia o que era.

Estava me sentindo deslocada, mas ao mesmo tempo em família, como isso era possível? Apesar de uma inveja querer brotar ali, por saber que eles tinham algo que eu não possuía, eu entendia que o motivo disso não foi por que nós quisemos, tudo na minha vida sempre se voltava para um único ponto, a razão da minha desgraça: Soraya.

CH

Finalmente a lasanha ficou pronta e nos sentamos à mesa pra comer, mesmo sendo apenas Adriana e Railsom morando naquele apartamento a mesa retangular tinha oito lugares, escolha típica de Adriana por seu gosto peculiar por casas cheias, não sei se isso veio do orfanato mas ela dizia que tinha outros irmãos quando era criança.

Enquanto comíamos eu me atualizava com as novas informações, Railsom estava trabalhando em uma empresa de Advocacia, e futuramente pretendia abrir seu próprio negócio, Antônio tinha acabado de terminar seu curso em Engenharia Elétrica e pelo visto era o único que resolvia os problemas de todos em relação à energia e ligações sendo consequentemente explorado, amigos são pra essas coisas...

Renata permanecia calada, suspeitei que era porque Antônio estava ao seu lado na mesa.

— E como anda o curso Renata? _ perguntei.

Ela me encarou meio desnorteada até que entendeu a pergunta.

— Ah vai bem, obrigada.

— Quando você vai terminar? _ Perguntou Antônio.

— Ano que vem, eu espero.

— Vamos fazer uma festa, hein?

Renata riu.

— E você vai bancar?

— Eu espero que até lá eu já esteja milionário, aí te dou uma resposta.

Sorri comigo mesma e deixei os dois conversando. Voltei minha atenção para os outros mas Tiago e Railsom estavam falando de futebol. Adriana estava preocupada em quantos pedaços de lasanha conseguia comer, só não queria que ela passasse mal depois...

— E vocês dois? Quando vão fazer o jantar de noivado? _ perguntou Railsom.

— O quê? _ Tiago sussurrou.

— Noivado? _ me exaltei. Tiago nem tinha me pedido em namoro!

— Que foi? Até parece que vocês não vão casar.

— Mas não é tão simples assim... _ murmurei.

— Não mesmo. _ concordou Tiago.

— Tiago, _ indagou Adriana_ você já pediu a Laurinha em namoro?

Tiago arregalou os olhos.

— É... não de um jeito formal, mas... ela sabe que...

— Sabe o quê? Ela não lê mentes.

— Bem, eu ainda não tinha pensado nisso também. _ falei encarando minha lasanha.

— Então ele não pediu? _ falou Railsom.

Balancei a cabeça negativamente.

— Cara, que mancada...

— Tiago. _ chamou Adriana _O QUE VOCÊ TÁ ESPERANDO PRA PEDIR A LAURINHA?

Tiago me encarou. E eu encarei de volta.

— Sorry. _ ele sussurrou e eu ameacei rir. _ Então, Laureen, como você já sabe, eu estou muito gamado em você e quero saber se você quer ser minha namorada... porque... acho que não foi muito legal da minha parte ficar com você esse tempo sem demonstrar interesse num compromisso e devido a pressão dos nossos amigos e esse contexto no jantar eu...

O puxei e dei um beijo pra ele calar a boca. Ele era bom com as palavras mas estava tão perto e tão cheiroso.

— Eu acho que isso foi um... sim?

— Yes. _ falei sorrindo.

— Imagine quando for o pedido de casamento. _ Railsom murmurou.

Todos rimos e logo depois ajudamos a organizar a bagunça do jantar.

CH

— E como estão seus pais Laurinha? _ perguntou Railsom enquanto se juntava a mim na pia.

— Ah... espero que eles estejam bem, onde quer que se encontrem.

— Espera... você está falando dos pais que nunca conheceu?

— Não Railsom. Estou falando dos meus pais adotivos mesmo.

— Aquele casal que foi ao orfanato?

— Sim, Ellen e Jordan. Meus pais adotivos.

— Nossa, sinto muito. E como você se resolveu depois que eles faleceram?

— Fiquei meio perdida sabe... tenho dois irmãos mas um é casado e o outro é aventureiro, então pra não ficar mofando num apartamento estudando algo que eu não gostava, eu preferi me arriscar.

— E esse risco que você correu foi ótimo. _ Falou Tiago surgindo por trás de mim e me dando um cheiro no pescoço.

— Sim. _ concordei rindo.

— Nossa, se eu soubesse que vocês iam ficar tão melosos nem tinha sugerido o casamento. _ resmungou Railsom.

— Para com isso que eu sei que você é ainda pior com a Adriana. _ retrucou Tiago dando um soquinho no braço de Railsom.

— GENTE! _ berrou Adriana na sala_ QUASE ESQUEÇO O PRINCIPAL!

— Do que ela está falando? _ perguntei.

— Acho que ela lembrou do vinho. _ disse Railsom.

Adriana nos convocou pra sala enquanto Renata e Antônio traziam as taças.

— Então, _ falou ela e pigarreou_ estamos hoje aqui na minha humilde casa.

— Nossa. _ murmurou Railsom.

— Para comemorar a chegada dessa pessoa tão importante pra nós. _ então ela se virou pra mim. _ Você Laurinha.

Senti vontade de chorar mas me controlei, não gostava dessas demonstrações de emoções em público.

— Nossa gente... _ falei _ vocês são muito fofos e especiais pra mim. Só quero agradecer por tudo. Obrigada por serem minha família.

Respirei fundo e senti Tiago apertar minha mão.

— Acho que já está na hora do brinde não é? _ disse Renata baixinho.

— Siiim. _ concordou Adriana despertando do seu transe emocional. _ Um brinde à Laurinha!

E todos brindaram.

— Um brinde à nossa família!

E por um segundo as expressões de todos ficaram gravadas na minha mente. Será que eles estavam sentindo o mesmo que eu? Ou melhor dizendo... será que eu estava sentindo o mesmo que eles?