Chiaroscuro — capítulo único

As teclas do piano sempre foram brancas e pretas, seus dedos graduavam entre essas duas cores sempre que tocava e quando terminava o cenário ao seu redor não se diluía em outras cores, apenas em tons de preto, branco e cinza.

Se a realidade conseguia ser mais melancólica e monótona ele prontamente duvidaria.

A melodia que repetia sempre que chegava a última nota representava a apatia que sentia diante do que via e assim, sucessivamente, se repetia novamente até que algo de diferente finalmente acontecesse diante de seus olhos. Uma surpresa, quem sabe. Poder ver cores, talvez. Todavia não eram todos os afortunados por elas ali, nem todos conseguiam distinguir algo além do monocromático e ele acabava por estar incluso em tal contagem. Era dito que somente aqueles que encontravam seu coração poderiam realmente enxergá-las mas como em toda a sua vida o garoto não conhecera ninguém dotado de tamanha habilidade, ele não saberia definir por quando ou como isso ocorreria. Se ocorreria.

Por isso, a melodia se repetia.

E quando terminava, ele a tocava mais uma vez.

Até que alguém surgisse em seu tablado com uma capa escura e cabelos cinza claro mas seus olhos, aqueles eram diferentes dos que ele já vira e ele não sabia que cor seria aquela ou se ela realmente tinha um nome e então, como em um passe de mágica, tudo ganhara cor ao redor dele. Sua cabeça doía diante da diferença, seu cérebro mal conseguindo processar a novidade. As teclas ainda continuavam pretas e brancas mas o branco não era realmente branco e o preto tão pouco, seu piano não era mais tão escuro como ele se lembrava e notar a diferença o deixava inquieto, tão inquieto que seus dedos procuraram refletir seu cerne e tão repentinamente quanto as cores chegaram, sua melodia mudara, a melancolia deixara de ser importante. Havia tanto a se admirar, tanto a explorar.

A garota a sua frente inclusa.

Quais seriam as cores dela?

Como se chamava a cor de seus olhos?

Ele adoraria poder descobrir.