Chaves

- O Aniversário de Dona Florinda. Parte 1


A vila estava um tanto quieta. Sem ao menos um sinal de Chaves, Quico ou Chiquinha. A vila estava quieta até demais, e isso incomodava os habitantes dela, pois eles sabiam que toda vez que a vila está quieta é sinal de encrenca. Seu Madruga sabia disso perfeitamente, mas não se preocupou, pois deveria aproveitar esse momento raro do dia. Continuou ele, então, sentado em seu sofá de pernas cruzadas lendo o jornal de hoje segurando em uma de suas mãos uma xícara de café quente.

Saindo pela porta da casa 14, onde Dona Florinda mora. Quico saiu da casa procurando por alguma coisa, ou alguém. Sua expressão facial deixava claro e preocupado.

Se afastava mais da porta ainda virando sua cabeça para esquerda e direita, vasculhando dentro do barril do Chaves e embaixo do tanque de lavar roupas.

Dado por vencido, Quico dá um suspiro pesado e por fim para no meio da vila.

— CHAVES – seu alto grito assustara Seu Madruga a qual o mesmo pulou do sofá entornando em si o café que segurava.

O café derramado começou a queimar sobre e pele de Seu Madruga, mais que depressa, se levantou do sofá jogando o jornal no chão indo diretamente ao banheiro se limpar.

— CHAVES – Quico continua a gritar no meio do pátio da vila pelo simples garoto conhecido por todos da vila como Chaves.

Após terminar de se limpar, Seu Madruga, sem perder tempo, foi-se em direção a porta de sua casa abrindo-a em seguida saindo da mesma.

— O que que foi? Que que foi? O que que há? – Seu Madruga se depara com Quico ainda no pátio com a sua famosa expressão preocupado. – Quando penso que finalmente teremos ao menos um dia de descanso me aparece VOCÊ gritando. – disse ele se aproximando ainda mais do bochechudo a sua frente.

— Sabe o que é, Seu Madruga... – começou o garoto meio intimidado cruzando e descruzando os dedos de sua mão num ritmo constante. – É que eu não encontro o Chaves, e hoje o dia está tão chato, dai eu queria chamá-lo para brincarmos.

— Daí eu queria chamá-lo para brincarmos. – em uma voz falida e fina, Seu Madruga tenta imitar a voz do garoto fazendo suas famosas caras feias. – Ah, vai brincar no outro pátio! – saiu ele mal-humorado indo em direção a sua casa entrando nela em seguida, deixando um certo bochechudo ainda chateado no meio do pátio.

Após perceber que era inútil chamá-lo, que Chaves não iria aparecer, Quico se vira para voltar para a sua casa dando vários chutes no chão. Até que numa velocidade e força enorme, e sem Quico perceber, sua bola grande voa em sua direção batendo, enfim, em seu rosto fazendo-o cair no chão.

— GOL DO PELÉ! – Chaves gritou lá do outro pátio correndo e saltitando em direção a bola lançada dando de cara com o Quico caído no chão e a bola ainda em sua cara. – Quico, eu sei que de vez em quando a fome aperta, mas a bola não foi feita para comer. – Chaves dizia com as suas pequenas mãos mexendo na sua camisa branca listrada.

Quico mais que depressa, levanta do chão segurando sua grande bola entre os braços com uma expressão de raiva e superioridade.

— Você não vai com a minha cara?! – disse Quico levantando a ponta do chapéu verde do Chaves.

Logo, Seu Madruga sai de novo de sua casa, porém um tanto agitado em direção aos garotos.

— O que houve? O que houve? – perguntou aos garotos a sua frente esperando uma resposta rápida e clara.

— Chaves jogou a bola na minha cara! – Quico disse apontando para o pequenino garoto ao seu lado, Seu Madruga olha para o garoto de cara amarrada e Chaves se encolhe entre as suas roupas.

— Tinha que ser o Chaves mesmo. – disse ele ainda de cara amarrada.

— Mas foi sem querer querendo. – se explicou Chaves ainda encolhido entre suas roupas.

— Você vai ver chaves, eu vou contar tudo para a minha mamãe que você me deu uma bolada na cara. – disse Quico indo em direção a sua casa fazendo movimentos com a sua mão expressando para Chaves aguardá-lo ali no pátio.

— Eu não me importo! – Chaves se vira em direção a porta da casa de Quico após ele já ter entrado na mesma. – Pois saiba que eu não tenho medo dessa velha tripas soltas!

—*-

Após entrar em sua casa, Quico vai em direção a cozinha onde sua mãe se encontrava sentada na mesa de cabeça baixa. A mulher dava rápidos soluços e em seguida se recuperava ainda soluçando.

— Mamãe, mamãe – Quico chega em direção a sua mãe a chamando, a mulher levanta sua cabeça lentamente. Seu rosto estava marcado pelas lágrimas e a mesma estava triste com alguma coisa. – Mamãe, o que aconteceu? – Quico perguntou assustado após reparar em seu rosto.

— Sabe, tesouro, é que..

— Sua cara está toda amassada, parece até que a Senhora voltou naquele salão que a Senhora sempre vai! – Quico completou o que ia dizendo interrompendo as explicações de sua mãe. A mesma olha pro Quico indignada com o que disse. O mesmo vira os olhos intimidado com sua mãe e em seguida olha de novo para a mesma que o encarava. – Um caminhão passou por cima? – Quico começa a dar palpites sobre o que aconteceu sua mãe num tom de voz encolhido. – Um trator?! – seu tom de voz aumenta como se ele tivesse adivinhado o que havia acontecido com ela, porém a expressão de Dona Florinda era a mesma. – Um avião... – sua voz novamente se encolheu junto com ele, mas dessa vez ele passava seu dedo indicador no nariz da mulher que o encarava inconformada com o que ouvia de seu próprio filho. – Não deu. – desistiu ele se afastando da mesma ainda encolhido.

Sua mãe suspira pesado levantando-se da cadeira em seguida, enxugando suas mãos, lavadas pelas lágrimas, sobre o seu avental.

— Deixa Tesouro – começa ela terminando de enxugar suas mãos. – vai brincar, vai... – pede ela após terminar de enxugar as mãos voltando, por fim, a olhar pro seu filho.

— Aaah é! – Quico volta em direção a sua mãe. – Era disso que eu queria falar – termina ele já estando frente a mulher. – Mamãe, o chaves pegou a minha bola e deu uma bolada na minha cara. – seu tom de voz era acusador, fazia cara de cão arrependido, como se fosse chorar a qualquer momento.

Dona Florinda olha para o seu filho e em seguida para a bola em que estava de baixo dos braços do garoto voltando, de novo, a cair em choros sobre a mesa da cozinha.

— Bolada vem da palavra bolo – começou ela se encolhendo ainda mais na cadeira em que sentava. – O bolo que nunca irei ganhar. – voltou a chorar de cabeça baixa sobre a mesa. Quico a observava sem entender o que acontecia com ela.

—*-

No pátio da vila, lá estava Chaves a qual chutava o chão numa expressão de tédio.

— Tinha que ser o Chaves, tinha que ser. – seu Madruga reclamava andando pra lá e pra cá no pátio da vila. Chaves continuava a chutar o chão até finalmente ser parado por seu Madtuga que o segura pelos ombros. – Você não entende, se Quico chamar a sua mamãe ela não vai bater em você, ela vai bater em mim! – terminou ele apontando para si mesmo.

— Ah, se for assim, assim sim. – Chaves diz se afastando do homem com as mãos levantadas dando de ombros.

— Ora seu. – seu Madruga ameaça bater nele com o cotovelo, mas para na hora ao ver Quico saindo de sua casa com o astral um tanto para baixo. – E então, Quico? – Seu Madruga pergunta ao Quico se aproximar dos dois.

O bochechudo dá uma rápida olhada os dois e sai de suas presenças indo diretamente a sua famosa parede dos choros. Parou ele ali encostando seu braço direito na parede dando mais uma vez rápidas olhadas para os dois e, por fim, começando a chorar com o rosto colado no seu braço direito.

Seu Madruga e Chaves se encaram não entendendo o motivo de seus choros. E aquele barulho irritante de seus choros acaba chamando a atenção da Dona Clotilde que saía de sua casa segurando uma cesta de roupas lavadas prontas para serem postas no varal da vila.

— Mas, o que aconteceu com ele? – Dona Clotilde pergunta se aproximando de Seu Madruga e do Chaves. – Porque está chorando?

— Não sei, não sei – Seu Madruga responde mexendo os ombros pra cima e para baixo indicando não saber de nada. – Ele foi contar a mãe dele o que Chaves fez com ele, e ele saiu da casa assim – deu uma pausa em suas falas apontando para o garoto. – desse jeito.

Dona Clotilde o observa chorar incrédula, assim como Seu Madruga e Chaves.

Logo, chega o Professor Girafales na vila segurando, no braço esquerdo, o buquê de flores avermelhadas. E, na mão direita, uma bandeja com um enorme bolo coberto com chantili branco e uma cereja ao meio do bolo a enfeitar. Com o seu famoso charuto em sua boca.

Chaves olha logo para o bolo em sua mão e logo começa a lamber seus beiços com os olhos brilhando no tentador bolo.

Ele repara que Quico chorava entre a parede da vila e logo vai em direção ao garoto.

— O que houve, Quico? – ele pergunta chamando a atenção do garoto a qual se vira para ele em seguida com finas lágrimas nos olhos.

— Papi – após perceber o que falou, Quico se endireita e dá falsas tossis voltando a se virar para o Professor Girafales. – Quer dizer... Professor Girafales! – seu tom de voz estava surpreso, mas Quico em si não estava tão surpresa, pois ele vinha visitar sua mãe sempre, já era quase da família. – É a minha mãe, ela não para de chorar lá em casa e eu não sei por quê. – termina ele voltando a fazer cara triste.

Seu madruga surpreso, se aproxima dos dois ficando entre eles. O homem dá uma rápida olhada para o Professor Girafales e em seguida para o Quico.

— Sua mãe? Chorando? – pergunta ele surpreso. Quico assente com a cabeça. – Sinto muito Quico, mas acho que é o fim. – Seu Madruga diz fazendo cara triste, suas mãos pousam sobre o ombro do menino assim assustando-o.

— O fim? – ele pergunta para si mesmo olhando para o nada, em seguida volta a chorar na parede da vila.

— Sai daqui, Seu Madruga. – Professor Girafales coloca seu buquê na outra mão, e com a mão disponível o pega pela manga de sua camisa e o empurra dali. – Não o escuta, Quico, ele só está brincando. – Professor Girafales tenta consolá-lo. Quico para de chorar e volta a se virar para o homem a sua frente.

Chaves se aproxima do professor Girafales estando logo ao lado dele. Professor Girafales repara que o garoto estava de olho em seu bolo e logo em seguida levanta os seus braços para o bolo não ser pego pelo garoto.

Chaves levanta na ponta dos pés e segura o braço do Professor puxando-o para baixo assim trazendo o bolo para si.

— Chaves, você quer parar com isso? – O professor diz se livrando das mãos do garoto e saindo dali em seguida deixando um certo Chaves somente com suas vontades. – Esse bolo não é pra você! – completou ele voltando a segurar o buquê de flores na outra mão.

— Então é pra quem? – Dona Clotilde, curiosa, faz a seguinte pergunta.

— É pra Dona Florinda! – responde o professor olhando para a dona da pergunta.

— Pra minha mãe?! – Quico logo sai da parede e vai em direção ao professor fazendo a seguinte pergunta surpreso.

— Mas não podemos dividir? – Chaves também pergunta mexendo na sua camisa branca listrada.

— Não! – responde o professor em um tom alto e autoritário. – Quico, vai me dizer que não se lembra que hoje é o aniversário de sua mãe? – ele se vira para o garoto que logo se surpreende com a pergunta retórica de seu professor.

— Hoje é o aniversário da minha mãe?! – pergunta ele surpreso. Professor Girafales o olha inconformado com o garoto por não lembrar do aniversário de sua própria mãe.

Professor dá um suspiro pesado e em seguida volta a se virar para o garoto.

— Sua mãe está em casa? – volta ele a perguntar esperando uma rápida resposta.

— Se eu disse que minha mamãe estava chorando é porque ela está em casa, neh, besta! – Quico responde num tom de superioridade, mas logo se desfaz de sua superioridade após perceber o que acabara de dizer.

— Tá, ta, ta, ta... Tá! – começou ele com os seus bordões, porém, sem condições de tirar os seu chapéu por suas mãos estarem ocupadas. Logo, ele ignora tudo e sai em direção a porta 14, onde Dona Florindo se encontrava.

Ele abre a porta sem bater e sai entrando assustando a mulher que estava ainda sentada na mesa com o rosto marcado pelas lágrimas.

Após perceber a entrada do homem em sua casa, Dona Florinda se levanta da cadeira desesperadamente e a cadeira cai, porém ela ignora, e abre aquele enorme sorriso.

— Professor Girafales. – diz ela indo em direção ao homem estando por fim frente a ele.

— Dona Florinda. – diz o professor com um pequeno sorriso canteiro nos lábios e com os olhos brilhando ao ver a mulher em sua frente.

— Que milagre o senhor por aqui.

— Vim lhe trazer esse humilde presente. – ele lhe entrega o buquê a qual a mesma abre um enorme sorriso abraçando o buquê em seguida.

— Ah, elas são lindas, não pre... – Dona Florinda repara o bolo nas mãos do professor Girafales e abre novamente aquele enorme sorriso. – E esse bolo, hein? – pergunta ainda abraçando o buquê de flores.

— Ah, sim, é para a Senhora. – responde ele entregando a ela o bolo. Mais que depressa o mulher joga o buquê no sofá ao lado, em seguida pega o bolo com mais um enorme sorriso.

— Ah, que lindo! – se encanta ela olhando para o bolo em suas mãos.

— A-ah, sim... é que... sabe... nem deu tempo de eu me arrumar direito... – diz o professor achando que o elogio de dona Florinda era na verdade para ele. Ao perceber o mal entendido, Dona Florinda logo se envergonha.

— Ah, não, eu estou falando do bolo. – responde ela ainda envergonhada com a situação.

— A-ah sim... – o professor começa a rir do mal entendido também envergonhado. – É para celebrar essa data tão maravilhosa. O seu aniversário! – responde ele numa voz melancólica fazendo abrir novamente um enorme sorriso apaixonante de dona Florinda.

— Ah, não precisava. – diz dona Florinda voltando a olhar para o bolo envergonhada.

— Bom, se não precisa, eu preciso! – mais que depressa, Chaves vai em direção a dona Florinda tirando o bolo de suas mãos e abrindo o pacote em seguida revelando aquele lindo bolo por trás do pacote. Professor Girafales e Dona Florinda o encaravam incrédulos. Seu Madruga se segurava para não rir, pois sabia que se risse ia levar mais uma das famosas bofetadas de Dona Florinda.

Chaves passa o seu dedo indicador no bolo e em seguida lambe saboreando aquele doce bolo. Mais que depressa, Quico se aproxima do garoto de cara feia.

— Chaves. – Quico o chama e logo Chaves dar um pouco de atenção ao bochechudo. – Esse bolo é de MINHA MÃE. – continuou ele num tom de superioridade, Chaves ignora e mais uma vez passa o seu dedo indicador no bolo e o bota na boca. – Me dá essa bolo aqui. – mais que depressa, Quico segura o bolo e tenta tirar das mãos de Chaves a qual o mesmo segura o bolo com força não querendo devolver o bolo.

Os dois ficaram no vai e vem com o bolo, logo, professor Girafales se aproxima afim de parar os dois e pegar o bolo de volta. Porém, Quico solta o bolo e Chaves acaba, sem querer, jogando o bolo nas roupas do professor que por pouco não acerta em sua cara pelo simples fato de ele ser muito grande pra Chaves lhe alcançar.

— Tá, ta, ta, ta, ta... Tá! – diz o professor tirando o chapéu de sua cabeça. Chaves, de mansinho, se aproxima do professor e com o dedo indicador tira um pouco do recheio do bolo da roupa do professor e lambe o dedo.

Seu Madruga não consegue se segurar e começa a rir da cena que nem um desesperado irritando dona Florinda a qual a mesma, sem pensar duas vezes, vai em direção ao seu Madruga e lhe emprega um tapa na cara a qual o faz girar.

— Vamos professor Girafales, não se misture com essa gentalha! – diz dona Florinda num tom de superioridade.

— Sim, dona Florinda... – diz o professor, porém ele logo para após perceber que acabara de trocar de papel com Quico.

— Q-Quer dizer... – dona Florinda envergonhada diz dando rápidas olhadas para o professor e para o Quico. – Tesouro, não se misture com essa gentalha! – termina ela novamente em um tom de superioridade.

— Sim, mamãe... – Quico atende o seu pedido e se aproxima de Seu Madruga num olhar superior. – Gentalha, gentalha! – diz ele pulando e empurrando seu Madruga.

Logo, seu Madruga tira seu chapéu azulado o jogando no chão e pulando, em seguida, em cima dele com fogo nos olhos.

— E da próxima vez vai rir do bolo na cara de sua vó! – termina ela cruzando os braços e virando a cara com uma expressão de superioridade.

— Seu Madruga. – Chaves se aproxima de mansinho do homem rabugento chamando sua atenção. – Sua vó não gosta de bolo, não? – pergunta ele irritando ainda mais o homem. – Porque se não gostar eu posso comer por ela. – disse ele dando de ombros.

Seu Madruga, sem pensar duas vezes, não se segura levantando uma ponta de seu chapéu esverdeado e empregando um cascudo na cabeça de Chaves a qual o mesmo começa a chorar em seguida.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.