Los Angeles, Academia de Polícia.


Pátio de treinamento armado, nove horas da manhã.



Sabrina Duncan dispara pela terceira vez em seu alvo imóvel enquanto ouve as escassas novidades do dia de suas colegas de treinamento.


- É verdade que poderemos sair hoje? Sabe, dar uma volta...


- Não é bem assim, Lilly. Acho que tem gente nova chegando e por isso vão abrir as portas. Essa prisão vai receber mais uma recruta – ironizou a outra.


Ambas riram e Sabrina percebeu que seu jornal tagarela só tinha essa grande manchete. Nada de novo na parte feminina da polícia, só mais uma “prisioneira”, os treinamentos de tiro e talvez um joguinho de futebol com o treinador Corner. Dia normal na Academia e com um pouco de sorte, purê de batata no almoço, refletiu Sabrina.


Estava prestes a guardar a pequena arma e espiar o refeitório quando um par de olhos inocentemente verdes apareceu no portão do pátio.


- Ei, Bri. O que acha de a gente subornar a velha da cozinha pra preparar um pouco de purê?


- E cadê o seu dinheiro, Miss Munroe? – riu Sabrina, virando-se para encarar a jovem loira naquele horrível uniforme cinza da polícia com o escrito “Munroe” em grandes letras pretas, ao centro do moleton.


- Ah, parece que vamos ter que subornar mais alguém, então, Miss Duncan – replicou Jill Munroe, faiscando os belos olhos verdes e sorrindo marotamente. – Sabia que tem gente nova vindo hoje?


- Ouvi falar – respondeu Sabrina, limpando a arma e pegando sua caixa. – Alguma chance de suborná-la?


- Creio que nossa novata é uma lebre misteriosa.


- O que quer dizer com isso Jill?


- É que... – Jill fez uma pausa - É que quando cheguei aqui, parecia que todo mundo já me conhecia, sabe, como uma atriz famosa. E agora, não há nenhuma informação sobre essa garota. Totalmente oculta, e olha que chequei minhas fontes mais confiáveis.


O que provavelmente significa o guarda do portão, pensou Sabrina, porque a chefe da Academia – L. Taylor – era intratável e nunca aparecia em público.


- A única coisa que eu sei – continuou Jill – é que a novata se chama Garrett. Nem um primeiro nome, nem um apelido, referências, nada.


- Não seja xereta, quando ela chegar você só pergunta para ela tudo o que quiser saber.


- Sabrina, a prática – murmurou Jill consigo mesma.



Saíram do pátio e seguiram para leste, rumo ao jardim mantido pela assistente geral da Academia, Melissa Harper. Era lugar tranqüilo e cheio de árvores tropicais exuberantes, onde podiam conversar calmamente.


- Escuta, em vinte minutos vou para o campo treinar com o Corner – disse Sabrina -, e tenho quase certeza que verei a Garrett, se o que estou observando é um portão se abrindo. – Ela agora olhava por cima de uma bananeira uma movimentação ao longe.


- Isso é cruel, eu vou atirar a cem metros de distância em alvos móveis e barulhentos! – reclamou Jill cruzando os braços.


- Eu dou uma boa olhada nela, e te vejo no almoço – terminou Sabrina começando a andar e piscando para a outra. Ainda ouviu Jill resmungar algo sobre acertar a cabeça da supervisora de tiro sem querer, mas ignorou.



Sabrina e Jill não eram as únicas curiosas. Realmente, a novata era um mistério e já fazia sucesso entre as recrutas, todas ansiosas por ver uma cara nova em tantos meses de treinamentos e saudades de casa.


O treinador Corner apareceu com uma bola oval embaixo do braço e todas puderam adivinhar a atividade do dia. Após se revestirem de ombreiras e joelheiras para evitar grandes acidentes, já estavam em posição para jogar futebol americano. Sabrina pôs o capacete, avaliando fisicamente o time adversário. Era fraco, comparado ao da semana passada (as garotas tinham um horário complicado que as trocava de turmas praticamente toda semana) e ela viu uma chance de vencer.


- Em posição, meninas! – trovejou Corner – Vamos começar!


O jogo transcorreu lento e trincado. Boa parte das garotas era pega de surpresa em algum lance sem bola e caía, estragando a jogada armada e paralisando a partida. Foi numa dessas paradas, na qual Corner não apitou que Sabrina percebeu: Garrett havia chegado.


Estava sentada no banco de reservas, e Corner se apresentava. Como estava no lado oposto do campo, Sabrina mal podia vê-la, mas os garotos nas arquibancadas faziam um estardalhaço que a novata ignorava. Geralmente os recrutas e as recrutas treinavam muito pouco juntos e ficavam em prédios separados, mas ambos podiam fazer alegres visitas ao lado oposto das instalações. Só as recrutas mais velhas e experientes treinavam com os fortes rapazes. Sabrina e a maioria de suas colegas de turma estavam ali havia poucos meses, então evitavam os garotos.


Tudo o que Sabrina pôde ver foi que Garrett tinha cabelos escuros até pouco abaixo do ombro, provavelmente cortados em V. Tirou o capacete para ver melhor. O vento soprava forte e os cabelos curtos de Sabrina atrapalhavam a visão, mas parecia que o jogo recomeçara. Talvez as outras não tivessem notado a presença de Garrett.


O que ocorreu a seguir foi levemente peculiar, mas serviu para Sabrina formar um traço importante da personalidade da nova recruta; Sabrina era avaliadora e detalhista, sempre observando e tirando suas próprias conclusões, ao contrário do conselho que dera à sociável Jill. O fato é que, sendo totalmente desprezado, um dos rapazes da minúscula arquibancada decidiu fazer algo. Levantou-se, chegando por trás da recruta e assim que pôs a mão em seu ombro, ela pulou de susto e virou seu braço, torcendo no chão e deixando o moço de joelhos. Quando percebeu o que fizera, ajudou-o a se levantar e balbuciou tímidas desculpas.


Definitivamente calada, reclusa e pensativa, avaliou Sabrina. Os outros da arquibancada começaram a rir do companheiro que saíra correndo.


Pensando na estranha garota, Sabrina cogitou abandonar a partida e chegar mais perto. Mas não do jeito que aconteceu.


- DUNCAN! – gritou alguém no campo, ao mesmo tempo que uma coisa marrom atingia o lado da cabeça de Sabrina. Tontura, dor, inconsciência. Seu corpo bateu pesadamente no chão.



Quando acordou, não teve certeza de onde estava. Ah, sim, enfermaria. Nunca estivera lá, era bem habilidosa e cuidadosa. Abriu os olhos e se viu em um pequeno aposento quadrado e branco com cortinas, a cama em que estava e um criado-mudo com remédios e um velho abajur apagado. Lembrou-se do que acontecera. Campo, Garrett, muito cabelo no rosto, coisa oval, pancada, olhos fechando. Um curativo fora feito em sua testa perto da sobrancelha. Sentiu um gosto de sangue em sua boca e um hematoma doeu agudamente entre a sobrancelha esquerda e o cabelo, debaixo do curativo, quando Sabrina tentou se sentar.


Nesse instante, Mrs. Crayon, a enfermeira, entrou.


- ... essas garotas, o que tem na cabeça? Andam distraídas, perturbadas e a gente precisa sempre cuidar das cabecinhas de vento! Francamente, isso aqui é um centro de treinamento, não um campo de concentração! Queimaduras e cortes por todo lado... – Ela resmungava para si enquanto abria a cortina. – Ah, já acordou, querida? – disse em voz alta arrumando os óculos que escorregavam para a ponta do nariz – Não, não se esforce, deite aí.


- Desculpe pelo trabalho. – murmurou Sabrina sem jeito.


- O q... ah, não estava falando de você, Miss Duncan! Isso aí obviamente foi um acidente – respondeu apontando para o hematoma de Sabrina. – Mas algumas aqui parecem doidas, realmente! Bem, está na hora de seu remédio, querida. Você dormiu por cinco horas! Que pancada feia, hein?!


- Acho que sim – respondeu Sabrina categoricamente. – Será que eu poderia... – começou Sabrina, mas foi interrompida.


- O QUE RAIOS ACONTECEU COM VOCÊÊ?! – Jill irrompeu pela porta.


- Munroe, isso é uma enfermaria! – escandalizou-se Mrs. Crayon quando Jill arriou as cortinas.


- Eu disse pra ficar de olho na garota, mas não pra esquecer da bola!


- Miss Munroe, por favor...


- Me distraí, ela fez uma performance de apresentação impressionante.


- Miss Duncan!


- É, todo mundo já sabe, mas parece que só você, das garotas, viu a super técnica de luta superior da Kelly.


- Senhoritas, é sério, eu vou...


- Kelly??


- Há! Kelly Garrett, cabelos pretos, olhos verdes, estatura média, corpo de modelo, apesar desse uniforme horroroso... ah, sim! Não conversou com ninguém até agora, só disse seu nome aos treinadores e atira como uma profissional, apesar de lenta para disparar.


- Vocês duas...


- E luta como uma, também.


- Oh, você está horrível, Sabrina! Acho que seu olho vai saltar da órbita esquerda em cinco minutos, e se sua cara inchar mais um pouc...


- CHEGA! SAIA DAQUI, MUNROE! – Mrs. Crayon esgotara sua paciência e empurrou Jill para fora das cortinas e até a saída.


- Volto depois, Bri! – Jill gritou antes da porta ser fechada na sua cara.


Ajeitando uma expressão calma, Mrs. Crayon retornou ao cubículo de Sabrina.


- Miss Duncan, poderá sair antes do jantar, mas descanse um pouco mais, sim? Vou avisar sua amiga para vir buscá-la às sete.


E saiu, fechando violentamente as cortinas. Sem chance de protesto, Sabrina deitou-se novamente, adormecendo em poucos minutos.