2 semanas depois...

P.O.V Da Sam

— Sam, preciso te contar uma coisa. Não contei tudo sobre o meu passado, mas você precisa saber. - Sentamos para conversar.

— Tudo bem, não se sinta pressionado. Se quiser mesmo compartilhar...

— Eu quero. - Decidiu. - Já fui adotado. Uma única vez. Quando eu tinha a idade do Dylan, um casal sem filhos me adotou... - Sua expressão mudou, ele balançou a cabeça espantando qualquer pensamento ou lembrança ruim. - O homem... Meu pai adotivo começou a me agredir, começou com gritos e puxões de orelha, depois ele começou a bater em mim... Quase todos os dias. Por qualquer motivo. Ele vivia irritado e descontava em mim... - Seus olhos ficaram marejados. - Fugi daquela casa. Voltei para o orfanato... Não gosto de ficar recordando... - Era muito doloroso ouvir tudo aquilo.

Imagina para ele ter que desabafar?

— Mas e a sua mãe adotiva? - Minha voz saiu embargada.

— Ela não fazia nada, tinha medo dele. - Respondeu.

Me aproximei o abraçando, ele me apertou.

— Está aliviado por ter me contado? - Beijei seu ombro.

— Sim, sim... - Fez carinho em minhas costas.

— Você é um homem forte, deve se orgulhar muito de quem se tornou. Você é maravilhoso, tão bom e... Obrigada por tudo. - Encostei nossas testas.

Ele apareceu na minha vida para me ajudar. Para me motivar. Um exemplo de ser humano com um coração genuíno. Me deu forças sem saber, me fez ter fé, possuía uma pequena Bíblia, eu ouvia ele lendo para Dylan e Nicole na sala, enquanto eu tricotava sentada na poltrona que havia pertencido a David.

Freddie tinha muita fé, o cordão simples com o pingente de crucifixo sempre em seu pescoço já dizia muito... Nunca frequentei uma igreja, eu nem mesmo tinha uma Bíblia em casa. Mas entre uma tricotada e outra eu me via atenta ouvindo ele ler o Livro Sagrado para as crianças com tanta devoção.

Minhas esperanças voltaram graças a ele. Então eu me conformei aos poucos, o acalento chegou em meu coração, amenizando a dor da perda, eu deveria seguir em frente e ser feliz novamente.

Deus levou David e colocou Freddie em minha vida.

Tudo têm um propósito.

[...]

— Meu sogro, quer dizer, o George, avô dos meninos conseguiu um emprego para você na fábrica onde trabalhou por muitos anos. - Dei a boa notícia.

— Isso é sério? - Se animou.

— Sim, ele é como um pai para mim. Sempre me ajudou. Falei sobre você... Sobre nós. George não pensou duas vezes em ajudar, você começa a trabalhar segunda-feira, só precisa ir amanhã levar seus documentos e assinar o contrato, não se preocupe com mais nada, George cuidou de todo o resto... - Havia mexido os pauzinhos para conseguir aquele emprego para Freddie.

Ele ficou muito feliz.

— Também já vai poder tirar sua habilitação, é necessário. - O lembrei.

A fábrica ficava no centro da cidade, ele teria que ir dirigindo.

— Ele falou sobre o cargo? - Perguntou ansioso.

— Operador de máquina, não deve ser tão difícil... Você aprende rápido. É uma fábrica de Iogurte. - Expliquei.

Segundo George, o salário era bom.

— Certo, nunca tive um emprego. Agradeça a esse senhor por mim. - Ficou emocionado.

Estávamos juntos... As crianças não sabiam, também não iriam entender. Freddie não estava dormindo comigo... Não literalmente.

Ainda era cedo para compartilhar o quarto.

Sorri lhe dando um selinho.

— Mãe! - Ouvi Dylan me chamar.

Me virei dando de cara com meus dois filhos mais velhos.

— Por quê beijou o Freddie na boca? - Meu menino ficou nos olhando.

— Nós estamos juntos. - Falei com calma.

— Como... Namorados? - Franziu o cenho.

Nicole deu risadinhas.

Freddie e eu nos entreolhamos.

— É, filho. Estamos namorando. - Achei que ele fosse surtar.

— Tá... - Acho que ele entendeu.

Minha filha riu novamente.

— O que foi, Nicky? - Indaguei.

— Olha a cara dele, mamãe! - Apontou para o Benson.

Freddie estava muito vermelho, super envergonhado, meio encolhido no sofá.

Nicole continuou rindo.

— Freddie, se fizer minha mãe gritar vai se ver comigo! - Dylan avisou.

Era mesmo um rapazinho com aquela pose.

— Não se preocupe, não vou fazer. - Freddie finalmente disse algo.

— O Tony falou que o pai dele faz a mãe dele gritar quase todas as noites. Ele acorda assustado... Não quero ouvir gritos da mamãe, não faz nada com ela, ok? Porque a coitada da mãe do Tony grita muito! - Santa inocência.

E eu achando que o moreno não conseguisse ficar mais envergonhado.

Me enganei.

Eu levantei dali explodindo em gargalhadas porque não me aguentei.

Dylan ficou confuso e Nicole se calou me olhando.

Freddie nem se movia, abraçava uma almofada quase se escondendo.

— Desculpe... - Falei para ele. - Filho. - Olhei para o meu garoto. - O Freddie é bonzinho, ele não vai me fazer gritar. - Mordi o lábio.

Segurei o riso.

— Tá bom. - Concordou comigo.

[...]

Dias depois...

— Mãe, o dente da Nicky tá mole. Ela não quer tirar. Tá com medo. - Dylan dedurou a irmã.

— Filha, vem cá! - Chamei.

— Não, mamãe, não vou ao dentista... - Tinha pavor.

— Só vem aqui, deixa a mamãe ver o dentinho. - Falei.

Ela se aproximou temerosa. Abriu a boca. Era um da frente, na parte de cima. Balancei, estava bem molinho.

— Vai ficar com janelinha. - Seu irmão riu.

Nicole fez cara de choro.

— Dentista não, mamãe... - Pulou agoniada.

— Abre a boca, vou tirar aqui em casa, querida, não precisa ter medo... - Novamente balancei.

Estava tão mole que acabou ficando pendurado.

Ela se apavorou e correu. Só deixava o pai tirar em casa.

— Ela não vai me deixar tirar, era só o David que fazia isso. - Suspirei.

— Pega o fio dental, vou tentar. - Freddie se prontificou.

Minha filha deixou ele prender o fio dental no dente mole, deu apenas um nó firme.

Ele puxou tão rápido que ela nem sentiu nada.

Fiz ela gargarejar e limpar a boca. Nicole cuspiu o sangue misturado à saliva.

— Me fala qual é o seu segredo. - Cutuquei ele.

— Você parece ter mão pesada... - Brincou.

Bati no braço dele. Peguei o dentinho amarrado no fio dental.

— É meu, mamãe, me dá! - Estendeu a mãozinha.

— Ela vai guardar para a fada. - Dylan riu.

— Só tem fadas nos desenhos e filmes, bobão! Vou colocar o dente no potinho. - Garota esperta.

— Você vai trocar por moedas? - Freddie sussurrou.

— Não... Vou deixar ela colecionar os dentinhos de leite. - Contei.

Ela já tinha outros guardados.

[...]

— Vem cá, deixa a mamãe ver! - Puxei Josh pela fralda.

Ele resmungou e tentou correr.

— Filho, olha o piniquinho. Vamos tirar essa fralda... - O peguei.

Com muito custo, consegui tirá-lo do peito. Ele se acostumou a tomar leite na mamadeira antes de dormir.

Só estava mijada. Sentei ele no pinico.

Era um daqueles coloridos personalizados num troninho.

Totô! - Fez careta.

— Isso, faça aí dentro. - Me encostei na porta do banheiro.

Esperei... Esperei... Esperei.

— Mamãe... Totô. — Levantou depressa.

O engraçado é que ele tinha nojo e ainda tapava o nariz.

Ri pegando-o no colo para lavá-lo.

— Bebê usou o troninho hoje... - Beijei ele.

Eu só ia colocar fraldas nele à noite na hora de dormir.

— Mamãe, o tio Freddie foi embora? - Minha filha perguntou.

— Ele está trabalhando. Já deve estar voltando pra casa, filha. - Deitei Josh no trocador.

Quando deu 20:40, comecei a me preocupar.

Ele chegava em casa sempre por volta das 19h:30min.

Liguei para o celular que dei de presente, só caia na caixa postal.

— Mãe, o tio Freddie tá demorando. - Dylan percebeu.

Eram apenas 2 horas de viagem.

Meu coração batia dolorosamente à cada minuto... E se... Não... Eu não deveria nem cogitar.

Eu pulei do banco da varanda quando ouvimos o som do motor da caminhonete.

Graças a Deus.

Dylan correu indo de encontro ao Benson.

— Meu Deus, Freddie... Eu já estava ficando louca de preocupação. - Senti alívio.

— Desculpe, aconteceu um imprevisto. Não consegui te ligar... O celular caiu e não tá mais funcionando. - Entregou o pequeno aparelho.

Era um simples, ele não sabia como usar um moderno.

—Tudo bem... - O abracei.

Ele afagou minhas costas.

— Vamos entrar, está frio aqui fora. - Beijou minha cabeça.

[...]

P.O.V Do Freddie

Estávamos fazendo compras, eu empurrava o carrinho, o bebê ia na cadeirinha acoplada. Sam tinha a lista, ainda bem que tinha muitos ovos e uma horta farta e completa em casa... Casa. Eu finalmente tinha um lar. Um lar e uma família. Deus me abençoou. Até um emprego consegui. Tirei minha habilitação.

Nem parecia que havia se passado mais um mês.

Eu já estava com eles há mais de 4 meses. 4 meses e 2 semanas, faltava pouco para completar os 5 meses ali em Portland. Sempre fui bom com datas e números.

— Bicoito! - Josh apontava para as guloseimas.

Sam pegou biscoitos e colocou no carrinho. Ela não dava os com recheio para ele.

Ela dava bastante frutas para as crianças.

Gugute! — Chegamos na seção de frios/refrigerados, Josh queria iogurte.

Era o que mais tinha lá em casa, os funcionários recebiam garrafas de iogurtes. A fábrica produzia muito. De diversos sabores.

Sam pegou caixas de leite e potes de requeijão.

Dei um pirulito para Josh se distrair.

— Só esse. Não dá mais nenhum pra ele hoje. - Se preocupava com os dentes das crianças.

— Tá bom. - Fiz carinho na cabeça dele.

Tinha os cabelos bem loirinhos. Mais loiros que os da irmã que eram puxados para um tom de mel.

O bebê se lambuzou todo com aquele pirulito sabor Algodão Doce.

— Compra, mãe! - Nicole apareceu com um daqueles copos de plástico personalizados.

Era de um desenho.

— Já tá virando coleção, né? - Pegou da mão da filha.

— Se ela ganhar o copo, eu vou querer um Kinder Joy. - Dylan avisou.

— Tá bom, enjoado. - Sua mãe revirou os olhos. - Vou levar três para não ter briga. - Cedeu.

— O que é um Kinder Joy? - Perguntei.

— É um ovinho muito gostoso que vem com brinquedos. Compra um pra ele, mãe! - Pediu Dylan.

E acabamos levando 5 Kinders Joys para casa. Até ela ficou com vontade.

[...]

2 meses depois...

P.O.V Da Sam

Laura só me deixou em paz quando ameacei denunciá-la por importunação. Aquela mulher voltou na minha casa, me humilhando e enchendo o caso. Bati nela e não me arrependo. Seus pais ficaram do meu lado, ela não tinha nada que se intrometer na minha vida.

Nem precisei fazer teste ou exame para saber que carregava mais uma vida no ventre. Eu já sabia, pelas mudanças no meu corpo, apesar de não ter sentido muitos sintomas, meu ciclo menstrual estava desregulado. Depois parei de menstruar, foi então que fui no médico para confirmar, eu voltei para casa muito feliz para dar a notícia.

— Estou grávida! - Contei ao meu namorado.

— Teremos um bebê? - Sua reação num misto de surpresa e pureza me fez sorrir.

— Claro... Um bebezinho. Já estou com 5 semanas. - Coloquei a mão no ventre.

Sempre que engravidava, aparecia muitas veias nos seios e os mamilos ficavam bem rosados num tom escuro e sensíveis.

Ele correu para me abraçar, me encheu de beijos e se emocionou.

Estava tudo bem, eu ainda tinha economias guardadas, Freddie estava indo bem no emprego e eu estava despreocupada. Demos a notícia para as crianças.

O dinheiro que recebi da indenização ainda estava intocado.

O tempo foi passando, fui para mais uma consulta, já estava com 11 semanas. Fiz os exames de praxe do pré-natal e outros para saber se tudo estava indo bem com a formação do bebê e mais exames que pudessem detectar alguma doença.

Foi então que recebemos a notícia inesperada.

[...]

Síndrome de Down.

Nosso bebê portava Síndrome de Down.

Coloquei o cinto de segurança segurando o choro. Eu precisava me acalmar.

Eu não estava triste pela condição do bebê que ainda não sabíamos o sexo.

Estava abalada com o que o médico nos sugeriu.

Um aborto se caso nós tomássemos uma outra decisão, poderíamos optar por uma clíníca legalizada, muitos pais não levavam a gravidez adiante quando eram informados à tempo...

Freddie percebeu que eu tremia colocando as duas mãos no ventre em forma de proteção.

— Vou voltar lá e quebrar a cara daquele homem! - Saiu da caminhonete.

— Não, Freddie, não! - Comecei a chorar.

Ele voltou para dentro do veículo e me abraçou.

— Nunca mais colocarei os pés nesse lugar, irei fazer o resto do pré-natal em outra clínica... - Falei.

— Tudo bem, meu amor, como quiser. - Me consolou.

Quando completei 4 meses, descobrimos o sexo.

Esperávamos uma menininha.

Logo me preparei montando o enxoval, além de pesquisar sobre Síndrome de Down. Eu assistia vídeos de relatos de pais contando suas experiências. O que tranquilizava o meu coração.

Estava tudo bem.

Minha bolsa rompeu quando completei 9 meses e 5 dias, estava bem tranquila, quem entrou em desespero foi o Freddie que até quis me pegar no colo e me levar até a caminhonete.

Deixamos as crianças com dona Melinda, ela iria cuidar bem dos netos. Josh já estava com 3 anos.

Foram 13 horas em trabalho de parto sem nenhuma complicação.

Nosso presente de Deus veio ao mundo.

— Ela é tão miudinha. - Freddie encarou nossa filha que era muito pequena.

Tinha apenas 48 cm e pesava 2.836 gramas.

Estava tudo bem com ela.

— Ela é muito linda. Quer pegar no colo? - Perguntei.

Ele estava completamente encantado com a Helena.

Freddie pegou a bebê um pouco desajeitado, até mesmo com medo de machucá-la.

Seu nome significava Raio de Sol, reluzante e resplandecente.

Ela chegou para iluminar ainda mais a nossa vida.

[...]

Dias depois...

— Mamãe, colo! - Josh pediu.

— Calma, filho, a mamãe não pode pegar você... - Estava ocupada cuidando da bebê.

— Dá a boneca da Nicky. - Apontou para a Helena.

— Não, meu amor, não é a boneca da Nicky. Olha, é a maninha. - Mostrei a pequenina no meu colo.

— Deixa eu segurar também, mãe. - Nicole pediu.

— Ainda não pode, filha. Sua irmã é muito molinha e frágil. Deixa ela ficar maior. - Coloquei a bebê no berço.

Ficava ali no meu quarto.

Helena era super calminha, só chorava quando sentia fome.

— Tio Freddie chegou. - Dylan avisou.

Fui esquentar a janta.

— Papai! - Josh correu alegre indo para os braços do meu moreno.

Freddie lavou as mãos na cozinha antes de pegá-lo.

— Ele queria pegar a bebê achando que era a boneca da Nicole. - Liguei o microondas.

— Meu Deus! - Exclamou. - Quer comer comigo, filho? - O loirinho confirmou com a cabeça.

Servi sua janta. Ele sentou com o Josh no colo.

Ele começou a chamar o Freddie de pai, já fazia pouco tempo.

Freddie tratava os outros dois como se fossem filhos também.

— Toma aqui, é carne. - Deu um pedaço para o pequeno.

Sorri com a cena.

Estava feliz e muito grata, seguindo em frente com minha família que havia aumentado. Porque Freddie e Helena foram presentes de Deus.