Chamas e Brisas

Capítulo 4 - Troca de Olhares


O vestiário era uma pequena sala adjacente à arena, iluminada por uma luz fraca e abafada pelo cheiro de suor e adrenalina. Nas paredes, ganchos de metal sustentavam uniformes de luta e toalhas dobradas, enquanto bancos de madeira desgastada ofereciam um lugar para os lutadores se prepararem e se recuperarem.

Lyra estava ocupada enrolando curativos em seus hematomas na barriga, uma expressão determinada em seu rosto enquanto se concentrava na tarefa. Sua camisa de seda vermelha estava dobrada ao lado, revelando as braçadeiras que usará na luta. O som da porta rangendo chamou sua atenção, e seus olhos dourados se encontraram com os de Aeris, que se aproximava com um sorriso cansado, recém-saído de uma disputa no ringue.

Aeris se sentou no banco à frente de Lyra, seus olhos azuis fixos nas feridas dela. Apesar de serem apenas hematomas, ele podia ver a dificuldade que ela enfrentava para finalizar o curativo. Com um gesto gentil, ele estendeu a mão para ajudá-la, oferecendo seu auxílio silencioso e solidário.

- Posso? – Aeris pergunta com ambas as mãos levantadas, um gesto de se poderia ajuda-la.

Ela assentiu com a cabeça, agradecida pela ajuda. Aeris se aproximou dela com determinação, seus olhos azuis fixos nas bandagens enroladas. Com cuidado, ele começou a aplicar uma pomada medicinal antes de envolvê-las ao redor da barriga de Lyra. Sua postura curvada o colocava próximo ao rosto da princesa, e ela podia sentir o cheiro fresco de gramado molhado que emanava dele. Ela se perguntou brevemente como ele poderia ter esse aroma, e um riso escapou de seus lábios antes que ela pudesse contê-lo.

- O que foi?

Ele levantou o rosto, encontrando-se com ele em proximidade íntima o suficiente para ouvirem a respiração um do outro. Os olhos azuis de Aeris buscaram os dela, revelando uma incerteza pairando no ar e um sentimento recém-descoberto que ambos estavam tentando entender. Por um instante, o mundo ao redor deles parecia desaparecer, deixando apenas a sensação da proximidade e da conexão que estavam começando a compreender. No entanto, o ranger da porta os trouxe de volta à realidade, fazendo com que se separassem rapidamente.

Jack caminha coçando a barba ignorando a possível cena que ele havia interrompido, para perto de ambos sentados e deposita a espada junto da bolsa de moedas ao lado do dobrador de ar. Ambos sorriem ao se verem, mas não trocam palavras, apenas riem um para outro sem nenhum motivo aparente. Rapidamente o dono da barba exuberante puxa Aeris para um abraço forte, o mesmo retribui ainda rindo.

- Como tem passado Jack? – pergunta Aeris ao se separar do abraço.

- Ando gerenciando meus negócios. – responde com um sorriso ganancioso. – Vocês dois fizeram um show lá em baixo. Quem é ela afinal? – pergunta ao voltar seus olhos para a morena, que arqueia a sobrancelha direita ao ouvir a pergunta.

- Lyra. – ela responde simplesmente.

- Não seu nome. Mas quem é realmente você, para conseguir colocar esse garoto no ringue e por estar usando essas roupas luxuosas. Você é uma nobre?

- Ela é... – Aeris balbucia tentando encontrar uma boa desculpa, pois não queria mentir para seu amigo de longa data.

- Sou Lyra Ardorius, Princesa de Soleria.

Jack começa rir achando que é uma piada, mas ao ver o olhar sério de seu amigo, logo percebe que está com um membro da realeza a sua frente. Ele logo acerta sua postura, inflando o peito após arrumar um pouco sua vestimenta de seda verde, indagando em seguida:

- Sua Alteza Real. – diz com a voz tremula com medo de ser punido ao se portar de forma rude perto dela.

- Não se preocupe com formalidade, vim neste lugar apenas para lutar e ter algum desafio. Planeja fazer isso amanhã, com um disfarce, mas acabei me empolgando ao vê-lo novamente. – complementa apontando com os olhos para Aeris, que apenas sorri sem saber como responder.

Jack percebe o silencio que ficou entre os três, pigarreia para conseguir falar algo e tomar coragem, pois estava com certo medo de falar algo na presença da princesa, já que a arena é um recinto ilegal de certa forma.

- Vou me retirar agora, mas foi muito bom ter ver novamente Aeris. – diz com mão no ombro de seu amigo.

Jack se retira do local o mais rápido que conseguiu.

Aeris senta novamente no banco, mas dessa vez puxando a espada para mais perto de si, ação que chama a atenção de Lyra por um momento.

- Essa espada, por que a apostou? Ela parece ser valiosa para você. Podia perde-la.

- É verdade, mas ela seria inútil na mão outra pessoa. Até mesmo na sua. – responde ao retirar a espada da bainha, pousando a mesma em seu colo.

Sua lâmina prateada reluzindo sob a luz tênue da sala. Era uma obra-prima da metalurgia, com um brilho que parecia capturar e refletir cada fagulha de luz, como se milhares de estrelas estivessem presas em seu aço. O gume era afiado, uma promessa silenciosa de precisão letal, e a superfície polida não mostrava nenhum sinal de imperfeição. Encraves detalhados em sua lâmina numa língua que um dia fora perdida com o tempo, mas a escrita se podia ser reconhecida por ser parecida com as marcas tribais da tatuagem que o loiro carregava em seu antebraço.

- Ela corta os elementos sem problemas, e o cristal brilha com a cor do elemento do dobrador que está perto de mim. – complementa aproximando a espada perto de Lyra, com a lamina para baixo e o cristal para cima, brilhando em vermelho e dourado. – Posso te fazer uma pergunta?

- É claro. – responde a princesa, o tom da voz estava baixo, com certo medo de fazer a pergunta.

- Por que lutar comigo? Por que essa ânsia de lutar?

Lyra arqueia a sobrancelha, e sorri gentilmente ainda fitando o cristal da espada. Imaginando que a chama que sentia em seu peito fosse parecida com a que está sendo produzida no cristal.

- Imagino que seja a vontade de ter uma grande luta, conhecer oponentes. – um suspiro surge ao fim da frase. – Não sei ao certo, mas sempre que estou em uma luta, minha mente fica limpa. Sem nenhuma pressão ou responsabilidade.

Aeris embainha a espada novamente, pousando-a sobre seu colo, mas ainda fitando os olhos douradas da moça a sua frente.

- Por que viajou pelo continente?

- Resposta simples, para descobrir minha origem, saber qual é minha família. Posso não ter encontrado, mas entendi que a família que me criou importa para mim, mais que consigo imaginar.

- Fofo. – Aeris cora ao ser elogiado assim. – Queria ter esse sentimento, quando estou perto de minha mãe e pai, fico sufocada. Mas ao lado de minha irmã e a vovó é diferente, sinto mais leve.

- Que tal isso? – Aeris puxa a mão direita da princesa, estendendo-a com a palma para cima e colocando a sua por cima. – Sempre que sentir uma brisa, lembre-se de mim, pode falar comigo sobre qualquer coisa. – diz enquanto cria um pequeno redemoinho entre as palmas das mãos de ambos. – Não posso dizer que isso vai melhorar, mas sempre terá um ombro amigo para se apoiar.

- Obrigada. – diz com um sorriso genuíno enquanto fitava os olhos azuis de Aeris, que retribui o sorriso.

Um sentimento invadia o peito de Aeris, seu coração batia num ritimo inacreditável ao ver aquele sorriso de Lyra. O dissipar do redemoinho entre as mãos de ambos faz com entrelacem os dedos sem nem mesmo perceber o ato.

- O que faremos? – ela pergunta ao fitar suas mãos entrelaçadas.

- Não faço ideia. Perto de você não consigo pensar direito. – ele ri de forma descontraída.

A princesa se surpreende com a honestidade do jovem loiro, pois esperava uma cantada, ou uma desculpa para se esquecerem do ato.

Os olhos de Aeris sobem para a parede, tais que logo arregalam ao ver o horário, já passava da meia noite. O tempo passou tão rápido e o loiro nem mesmo tinha se tocado que já era tarde. Lyra ri ao ver um medo surgindo nos olhos de seu companheiro.

- Acho que estou arrastando o filho da Anciã para o mal caminho. – brica com um sorriso de canto encantador.

- Não vejo problema em entrar na minha faze rebelde ao seu lado, mas essa noite acho que ouvirei alguns sermões de minha mãe. – termina rindo de nervoso ao imaginar o olhar de raiva de Natasha. – Provavelmente as duas, já que fugi com a princesa do fogo. – seu olhar sobe de encontro com os orbes dourados de Lyra.

- Acho que foi mais um sequestro. – ri um pouco ao terminar a frase. – Da minha parte logicamente. – complementa com um sorriso malicioso ao se apontar com a mão livre .

- Então não passo de uma vítima?

- Uma vitima dos atos de uma princesa do fogo.

- Que maldade.

Ambos riem da situação. Lyra solta a mão do dobrador de ar ao terminar de rir, o mesmo que mantem um contato visual, para indagar:

- Contarei os momentos para o próximo sequestro. – Aeris lança um sorriso malicioso, o que surpreende a morena. Um sorriso travesso parecido com o que ele fazia quando aprontava em sua juventude, o qual ele fazia ao se aventurar pela ruas da periferia, um lado que Lyra ainda não conhecia do jovem.

A noite de aventura se encerra quando ambos se despedem para seguirem seus caminhos. Aeris caminha com certa calma enquanto observava as estrelas e sorria sozinho de orelha a orelha.