Depois de ouvirmos o sermão da professora (nariguda e enrugada) de matemática, castigos foram aplicados.
Bem, eu nem me posso queixar muito! Como esta foi a minha primeira vez a baldar-me à aula, a mulherzinha só me ordenou que fizesse um relatório de como “Faltar às aulas é mau” utilizando mil palavras (“nem uma palavra a menos”, tinha dito ela).
Se tivesse que dizer, cruel foi o castigo que Zero terá de fazer- duas semanas a limpar as casas-de-banho. Um castigo, na minha opinião, nada educacional mas muito divertido. Enquanto eu me ria e ele dizia à professora que quem devia limpar sanitas era ela, o meu telemóvel tocou. No ecrã aparecia um número desconhecido.
– Sim?- disse, ao clicar no ecrã do aparelho.
– Ayame?- perguntou uma voz conhecida.
– Aidou?- reconheci, surpreendida. Depois veio me à mente…- Como é que tens o meu número?
Ele, do outro lado da linha, riu-se.
– Eu tenho os meus meios…- disse Aidou e eu soube que era melhor nem perguntar quais eram.
– Telefonaste por que motivo?- tentei perguntar.
– Sabes, devíamos comemorar o facto de eu ter o teu número…- começou ele.- Talvez com um jantar num restaurante que eu conheço…
– Aidou…- tentei interrompê-lo, sem êxito.
– Eles fazem um bife… FA-BU-LO-SO.- continuou ele, cortando a palavra para dar-lhe ênfase.
Senti o olhar penetrante de Zero nas minhas costas. Apressei-me.
– O que queres loiro?- perguntei-lhe, utilizando as alcunhas que lhe tinha dado, as quais ele detestava.
– Pronto, pronto. Não precisas de me insultar.- gargalhou.- Tenho uma coisa para te mostrar. Será que podes vir ao nosso dormitório?
Pensei no trabalho de mil páginas que ainda tinha pela frente. Nem tinha começado e já estava com dores de cabeça.
– Não posso Aidou. Uma velha corcunda deu-me um trabalho aborrecidíssimo.- ignorei a presença da professora bem atrás de mim.
Ele voltou a rir-se.
– É a professora de matemática? Passa-lhe o telemóvel.
Assim que a professora colocou o telemóvel no ouvido, a minha curiosidade aumentou. Coloquei-me quase encima dela, tentando ouvir o que Aidou lhe dizia. A minha missão não teve sucesso. Finalmente, retirou o telemóvel do ouvido e desligou a chamada. Fitou-me e disse-me:
– A entrega do relatório foi adiada. Pode fazê-lo noutra altura.
Começou a deslocar-se no corredor. Virou-se na minha direcção.
– Já agora menina Miyamoto. Agora que o trabalho foi adiado, não fará sentido o número de palavras manter-se.- respirou fundo e eu já sabia o que viria a seguir.- Duas mil palavras e nem uma a menos.
“Cabrita”, pensei enquanto me dirigia ao dormitório da noite.
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Bati à porta. Ninguém me respondeu nem me abriu a porta. Abri-a um pouco. Espreitei e gritei:
– Está cá alguém?
Sem resposta, entrei e comecei a subir as escadas, até ser interrompida por uma voz:
– Ayame…não é?
Encarei o homem que me interpelara. Outro loiro, que não Aidou, estava no rés do chão, olhando-me com um sorriso. Reconheci-o.
– Sim, Ichijou-senpai. Desculpe ter entrado sem permissão mas Aidou telefonou-me…- fui interrompida pela velocidade estonteante (anormal em humanos mas normal em vampiros) que me chegou ao meu lado.
Pegou-me na minha mão e deu-me um aperto com as suas. Bem…parece que além dos olhos verdes diferirem dos azuis de Aidou, Ichijou tinha outra diferença- não era um mulherengo. Aidou costumava beijar as mãos das mulheres que conhecia…Grande patife!
– Prazer em conhecê-la, finalmente. Tenho ouvido muito sobre si.- sinalou para que eu o seguisse, enquanto subia o restante das escadas.
Além de Aidou e Kaname, não tinha confiança com ninguém da turma da noite. Todos os outros, sempre que me viam, reviravam-me o olhar, ignorando-me. Gosto de pensar que isso se deve a não confiarem em mim.
– Coisas más suponho.- se bem conhecia Aidou, sabia que ele andaria a dizer que eu era uma mulher inculta que não sabia andar de saia.
Ichijou sorriu e não disse mais nada até chegarmos ao quarto que ele dizia ser do outro loiro.
– Obrigada pela ajuda!- disse-lhe enquanto batia à porta.
Voltou a sorrir e gritou para a porta.
– Aidou deixa a manicura! Tens visitas!
“UAU”, pensei, “Que amizade é esta?”. Ri-me.
– Mas de que raios estás para aí a falar. Sabes bem que eu não faço…- gritou uma voz por detrás da porta.- …manicura.- finalizou Aidou assim que me viu.
Despedi-me do loiro número dois e entrei no quarto. Suspirei. Era a primeira vez que entrava no quarto de um homem. Bem…o meu pai não contava, já que o meu velho não poderia ser considerado um rapaz novo e rebelde, capaz de colocar o meu coração aos pulos (como estava agora). Tentei acalmar o coração que estava pronto a saltar da minha garganta.
O quarto era luminoso, ao contrário do de Kaname (e do esperado para um vampiro), tinha uma secretária, uma cama e uma estante enorme. Maior parte do quarto era ocupado pelo rádio que agora tocava “I Don’t Care” dos Apocalyptica.
– Como é que convenceste a professora demoníaca?- perguntei-lhe, curiosa.- Não me digas que és amante dela.
– Algo do género.- brincou ele.
A conversa não avançou dali. O silêncio era constrangedor.
Isto é só um quarto, Ayame. Respirei fundo. Não vieste cá fazer nada de anormal…pois não? Senti-me insegura por momentos. Aidou não me tinha dito o que eu vinha fazer aqui.
– O que me queres, ariano?- voltei a utilizar uma das minhas alcunhas.
Ele suspirou. Encaminhou-se para a grande estante que ocupava toda a parede do seu quarto.
– Tens sorte em eu estar de bom humor.- começou ele.- Se me apanhasses mal-disposto e me chamasses isso, já não te mostraria isto.
Colocou o livro na secretária e começou a folheá-lo. Reconheci o livro assim que o vi.
– Este livro…- murmurei, ele ignorou-me.
Aquele era o livro igual ao da associação dos vampiros. Aquele que tinha a foto da minha família riscada… Mas ele não me mostrou a foto. Parou numa página que tinha um desenho de um amuleto.
– Este é um símbolo inventado pelos cristãos para descrever o comportamento de Deus. Para descrever um Deus vigiante das acções dos homens. Chamam-lhe o olho da providência, ou o olho que tudo vê. Mas o vudu vê este amuleto de forma diferente. Diz que é uma protecção contra todo o mal conhecido e desconhecido.
“Eu reconhecia aquele símbolo…”, pensei, “E não é só do Senhor dos Anéis”.
– Eu tenho um sinal de nascença na barriga bastante parecido com esse olho.- sussurrei, mais para mim própria do que para ele.
Mas a expressão dele permitiu-me perceber que ele já sabia disto.
–É graças a esse sinal que não sabemos o teu futuro.- exclamou ele.
– O meu futuro?- questionei-o.
Ele olhou-me, sério.
– Tu tens 50% de sangue de vampiro e 50% de sangue humano.- declarou ele.- O normal seria os genes de vampiro reproduzirem-se mais rapidamente que os humanos. Estes últimos seriam atacados e tu já serias uma vampira desde as tuas primeiras semanas de vida.
Estremeci.
– Mas, se o vudu estiver certo, essa marca está a proteger-te de te tornares em alguém como nós. Está a proteger-te do mal.- ele contorceu as mãos em punhos.
– Aidou…- tentei acalmá-lo.
– Porém essa marca no teu corpo já tem, pelo menos, dezassete anos. E nenhuma magia dura para sempre…
Fitei-o. Aquela conversa não me estava a agradar.
– Isso significa…?- tentei perguntar.
– Não sabemos.- suspirou.- És a primeira que tem essa marca. Não sabemos se foi alguém que a colocou aí ou se é mera coincidência...destino talvez.
"Alguém que me colocou aquela sinal?", pensei. Como? Magia?
– Pode muito bem acabar amanhã, no dia seguinte, daqui a duas semanas, vinte anos… não sabemos. Até pode proteger-te para sempre, pode ser a primeira magia a durar uma vida.
– E se não durar?
Ele abanou a cabeça. Percebi a mensagem. Eu iria morrer se a marca desaparecesse.
Permanecemos em silêncio até uma música conhecida começar a berrar pelas colunas. Fingi um sorriso.
– Grande música!- disse-lhe enquanto ouvia a voz de Adam, dos Three Day Grace, a cantar “Get Out Alive”.
Ele riu-se e encaminhámo-nos para fora do quarto. Enquanto descíamos as escadas, ouvi Ichijou a gritar.
– Aidou! Temos uma colega nova.
Olhámos para a baixa rapariga que, timidamente, se agarrava ao loiro 2.
– Esta é a Kurenai Maria.- apresentou-nos a rapariga de olhos e cabelos cinzentos.
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