“Está tão sujo! Precisa ser varrido” foi o que veio a cabeça ruiva de Florence. Lá estava ela sentada no sofá da sala olhando para o chão e falando sozinha. Ela já havia pensado muito naquela tarde chuvosa de final de julho. Tinha acabado de chegar da escola, muito cansada e tinha se jogado ali, sem nem tirar os sapatos. Levantou-se e caminhou em direção á área de serviço, passando pela cozinha. Pegou a vassoura e voltou para a sala, mas no caminho percebeu que havia esquecido a pá. Voltou novamente na área de serviço e pegou. Varreu a sala, apanhou o pó e jogou no lixo do banheiro social que ficava próximo ao seu quarto. Jogou a pá e a vassoura no canto do corredor que dava acesso ao seu quarto.

Foi entrando já chutando os tênis dos pés e tirando a camisa suada de seu corpo branco e esguio. Em seguida tirou o jeans surrado e rasgado e o jogou na cama, ao lado de sua camisa. Pegou a meia e pôs no cesto de roupa suja em forma de joaninha, se virou e viu seu reflexo no espelho. Ela estava apenas de roupas íntimas e conseguia ver suas costelas. “Que coisa horrível!” pensou ela. Virou de costas e observou seu bumbum. Não era lá tão feio, mas não era grande. Ela sentiu vergonha de ser como era, mas não poderia mudar nada. Não agora. Pegou o roupão que estava no cabideiro e se dirigiu ao banheiro.

Tomou um banho extremamente refrescante e aproveitou para lavar o cabelo que estava muito sujo. Saiu do box e voltou ao quarto. Pegou a primeira coisa que viu no guarda roupa bagunçado: um vestido azul florido que mais parecia uma camisola, mas era confortável. Sentou-se na cama, puxou sua mochila que estava ao pé do criado mudo e de dentro dela tirou seu caderno e um estojo preto e amarelo. Abriu na matéria de sociologia e começou a escrever. Era uma atividade que o professor havia passado naquele dia sobre a desigualdade social. Ela estava muito ansiosa, faltava um dia para a festa que ela havia ajudado a organizar. Não apenas por ela ter organizado a festa, mas por quem estaria lá. Alex, o garoto por quem ela tinha se apaixonado no começo daquele ano, mas que nunca passou de mais que um amigo. Pensou um pouco sobre isso, mas ela não perdeu seu foco da atividade.

Por volta das sete horas ela ouviu o barulho da porta se abrindo, mas não saiu para verificar pois sabia que era sua mãe. Continuou escrevendo e quando percebeu, ela estava na porta observando-a. Florence sorriu

- Você está bem? – Perguntou ela.

Florence assentiu com a cabeça. Sua mãe deu meia volta e ela pode ouvir seus passos desaparecendo pelo apartamento. A mulher era alta e tão branca quanto Florence, mas não era ruiva. Era morena. Cabelos castanhos naturais, mas com reflexos loiros, o que fazia com que era parecesse irmã mais velha de Florence. Ela havia herdado seu belo nariz afilado e seu tom de pele, mas não os olhos. Os olhos eram do pai. Azuis como o mar. Sua mãe tinha olhos muito negros, era quase impossível distinguir sua íris.

Florence continuou a escrever durante algum tempo. Depois fechou seu caderno, guardou seu lápis no estojo e guardou tudo dentro de sua bolsa. Esticou-se um pouco e pegou seu violão. Abriu a capa preta e o tirou de lá. Tirou do bolso frontal da capa uma paleta com o rosto de Paul McCartney e pôs-se a tocar Vinte e Nove do Legião Urbana. Antes que pudesse começar o segundo refrão seu celular tocou, era uma mensagem da Lana perguntando se ela sabia qual o tema da atividade de sociologia. Ela respondeu. Olhou seu relógio preto de pulso e percebeu que a hora havia se passado muito rápido, pois já eram nove horas. Ela guardou seu violão, colocou-o no lugar e deitou-se. Estava frio, então ela se cobriu com o edredom além do cobertor mais fino. Depois de algum tempo ela percebeu que havia se esquecido de apagar a luz. Levantou-se e apagou, depois voltou para sua cama quente e aconchegante.