Félix apareceu na cozinha.

— Pronto, já estou pronto.

— Você ficou ótimo de camiseta. Agora vai lá pra sala e fica a vontade, eu vou terminar aqui.

— Niko, você não entendeu, disse que estou pronto. Pronto para a cozinha.

— Para a cozinha... como assim?

— Quero ajudar. Ajudar na cozinha. Aliás, quero aprender. Quero aprender a cozinhar.

Niko riu, achou que era uma piada e voltou a atenção para o que estava preparando. Félix insistiu.

— Anda, me mostra o que você está fazendo. E vai me explicando as coisas.

— Félix, você está bem?

— Estou ótimo, Carneirinho!

— Você, na cozinha? Quer cozinhar?

— Ué, estou disposto a aprender, não deve ser assim tão difícil. Imagino que vou me sujar todo... mas enfim... me fala, precisa que eu corte algo? Fatie alguma coisa?

— Você quer mesmo cortar cebola e descascar alho? Não vai reclamar que os olhos ardem nem que deixou cheiro na mão?

— Não, Carneirinho.

— Vai ficar aqui com o forno ligado e não vai reclamar do calor?

— Ué, já vim à vontade, de camiseta justamente pra isso.

— Vai me ajudar com refogados e fervuras e depois não vai reclamar do cheiro no cabelo?

— Não, Niko! E existe chuveiro pra que? E agora que voltei a usar meus shampoos caríssimos...

Niko não disse nada e, por alguns segundos, ficou olhando Félix, intrigado. Então, com ar de preocupação, colocou uma das mãos na testa dele.

— Que foi?

— Estou vendo se você está com febre. - Niko sentiu a temperatura da testa, do pescoço e tomou-lhe o pulso. – Você andou bebendo a essa hora do dia, Félix?

Félix riu.

— Eu estou bem, doutor Nicolas. Eu apenas andei pensando...

— Me fala então, desses pensamentos, porque você agora me surpreendeu.

— É muito simples, Carneirinho. Quando o restaurante da praia começar a funcionar, você vai passar boa parte do dia fora. Vai chegar tarde da noite algumas vezes, talvez até no sábado e no domingo você se ausente.

— Sim, principalmente nos primeiros meses.

— Então. Temos duas crianças pra cuidar, além disso ainda tem papi. Por mais que tenhamos ajuda da Adriana e da enfermeira, elas terão dias de folga, podem precisar faltar, sair de repente... sou eu quem vai ficar em casa com eles. Se estou virando um pai de família, quero ser um pai de família completo.

Niko estava ali parado de pé, só ouvindo Félix, que começou a mexer nas coisas que estavam em cima da bancada da cozinha e pegou um utensílio doméstico.

— Começa por isso aqui. O que é e para que serve?

— Félix, não mexe em nada. Eu vou pegar o kit de primeiros socorros e já volto.

— Niko, deixa de brincadeira, eu falo sério! Eu estou bem...

— O kit não é pra você, é pra mim! Vou pegar o termômetro pra tirar a minha temperatura.

— A sua?

— Eu acho que tenho febre, Félix e estou delirando. Você falando assim... e querendo me ajudar na cozinha, nem acredito, é um delírio meu, deve ser...

Ambos riram.

— Ah é? Tá bom, sendo assim eu tenho o remédio pra sua febre, Carneirinho.

E se beijaram. Até o cheiro de queimado encher o ambiente.

— Félix! O molho! Olha aí, já começamos bem, queimou o primeiro prato.

— Começamos? Hum, então quer dizer que a Escola de Culinária Nicolas Corona aceitou esse aluno aqui?

— Tá bom, Félix. Você quer aprender? Primeira lição: não se distraia quando tiver panela no fogo!

— Ui, que professor brabo! Adoorooo

Félix estava adorando e Niko amou. Amou ver que o companheiro queria aprender pois queria ser, de todas as maneiras, um bom pai para os meninos. O Carneirinho gostou ainda mais de tê-lo ali compartilhando da sua paixão pela culinária. Eron nunca quis aprender nada nem ajudar com aquela tarefa. Niko estava felicíssimo. Ao mesmo tempo, a cozinha não era lugar de brincadeira, e ele foi logo colocando ordem nas coisas e deixando isso claro.

— Cozinha é coisa séria, Félix. Pensa que é fácil, cozinhar pra cinco, seis pessoas? Presta atenção em tudo que vou explicar. E começa pegando mais cebolas, descasca porque vou ter que fazer outro molho. E isso aqui na mesa é um fouet, ou batedor de claras, vou fazer a cobertura de uma torta pra sobremesa. E depois das cebolas vou te mostrar como descasca tomates... alguma dúvida por enquanto?

Niko levou mesmo a sério o papel de professor. Mas Félix não era um aluno comum.

— Só uma, Carneirinho.

— Diga.

— Quando você vai ensinar a fazer o escondidinho de mandioca? E me mostrar a melhor maneira de colocar a baguete no forno, descascar o pepino, flambar a banana, marinar o carneiro...

— Félix...

Dar um curso de culinária para Félix talvez fosse a tarefa mais difícil que Niko já havia encarado na vida. Ao mesmo tempo, certamente iria ser uma das mais prazeirosas e divertidas.

...

Fim da cena

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