Caçadora de Demônios

Ouço Passos Pesados e Risadas Estranhas.


Tive outro sonho: estava na minha antiga casa e no meu quarto antigo de novo. Fiquei com receio de abrir a porta e esbarrar na minha versão demoníaca mais uma vez. No entanto, tinha algo diferente. Senti cheiro de waffles, vindo do andar de baixo. Depois de me convencer de que nada de anormal aconteceria, abri a porta. Era o mesmo corredor, mas igual ao que eu me lembrava de casa. Os quadros que tinham nas paredes eram fotografias minhas e dos meus pais em momentos familiares que de fato aconteceram. Andei até o final do corredor e desci a escada. Fui cautelosamente até a cozinha. Encontrei minha mãe de avental por cima de um pijama xadrez, fazendo os waffles. Meu pai, usando uma calça de pijama azul escuro e uma camisa branca, fazendo um suco de laranja. Era o que eles costumavam usar. Me lembro de sempre achar engraçado quando combinávamos nossas roupas de dormir.

Fiquei parada na entrada da cozinha, segurando as lágrimas nos olhos. Eles se viraram pra mim, minha mãe com a espatula na mão e meu pai com a jarra de suco. Me encararam e deram um sorriso carinhoso, que me trouxe muitas lembranças.

—Bom dia, querida. —Mamãe começou.

—Bom dia, meu bem. —Disse meu pai em seguida.

Me lembro de toda manhã ser essa mesma cena. Continuei calada por alguns segundos e quando dei por mim, estava usando o meu pijama também. Feito sob minhas medidas atuais.

—B-bom dia. —Sentei-me à mesa.

Minha mãe chegou e pôs um prato na minha frente com os waffles que ela tinha feito. Papai encheu um copo com o suco e me entregou. Eles estavam normais, conversando sobre o trabalho e o jornal, como faziam.

Apesar de eu estar crescida, eles continuavam os mesmos de antigamente em relação à aparência. Observei emocionada, apenas sorrindo. Sabia que tudo era um sonho. Então eles também se sentaram à mesa e se serviram. Nem toquei nos waffles. Minha mãe abaixou a cabeça e logo meu pai fez o mesmo.

—Meu bem, nos perdoe. —Papai se prontificou.

—Pelo que? —Me pus preparada para correr.

—Nós tentamos manter as coisas normais, mas não conseguimos. Só queríamos que tivesse uma vida calma.

—O que tá acontecendo?

—Filha, você está descobrindo seus poderes. —Disse mamãe.

—O que? Mas...—Lembrei dos papéis e do meu cabelo flutuando. —O que é tudo isso?

—São suas origens despertando. —Falou meu pai.

—Minhas origens? Mas assim seria... —Travei. Meus pais lançaram um sorriso gentil. —Não!Não! Mãe, pai... vocês são... Por que não me contaram?

—Querida, era perigoso demais. E você ainda era muito pequena. —Mãe consolou.

—Era incerto o que você herdaria de nós. —Terminou meu pai.

Eu estava em choque. Nunca imaginei que meus pais não fossem humanos. E eu também não!

—O que vocês são? Me contem, por favor.

—Filha... —Antes que meu pai continuasse, ele e minha mãe olharam para o lado direito, onde tinha uma porta que dava para a dispensa.

Fiquei confusa. Meus pais se levantaram às pressas, eu fiz o mesmo. Papai foi até a porta e a pressionou com o próprio corpo, como se quisesse bloquear a entrada de alguém.

—Querida, você precisa sair daqui.

—O que tá rolando, mãe?

Nesse momento uma risada demoníaca, parecia uma mistura de um homem, uma mulher e uma criança, e no fundo parecia uma multidão dessa mistura rindo, dominou o ambiente. Aquilo fez os cabelos da minha nuca arrepiarem. A risada começou a fazer eco em meus ouvidos e parecia entrar na minha cabeça.

—Tire-a daqui, ela está vulnerável! —Escutei meu pai gritar.

Na mesma hora, minha mãe me tirou do transe e me levou até o meu quarto. Entramos e ela trancou a porta.

—O que era aquilo? Como o papai vai voltar? —Eu estava a ponto de me desesperar.

—Nós não temos tempo. —Tentou me acalmar. —Perdoe-nos por tudo que teve que passar. Nunca deixamos de olhar e cuidar de você.

Algumas lágrimas caíram pelas minhas bochechas. Ouvi um alto barulho lá embaixo. Estava muito assustada. Logo em seguida passos pesados. Minha mãe me fez entrar no armário que aparentava ser comum, mas atrás das roupas havia uma porta. Os passos agressivos estavam subindo a escada e a risada tinha voltado.

—Você vai descobrir a verdade mais cedo ou mais tarde. Paciência. Só... não tenha raiva de nós por isso.

Ouvi os passos e a risada se aproximando. Olhei pra minha mãe. Eu chorava muito. Parecia que estava perdendo eles de novo. Mamãe passou a mão em meu rosto, limpando algumas gotas.

—Eu te amo. —Consegui dizer.

—Eu também te amo, querida. —Sorriu carinhosa.

Ela fechou a porta do armário e eu olhei por uma fresta.

A porta do quarto voou e uma fumaça negra entrou. Revezava a silhueta entre homem e mulher, ainda assim não deixava de ser fumaça. Aquilo jogou minha mãe longe, como uma boneca de pano. Eu queria ir salvá-la. Mas era tudo um sonho, um sonho que podia me machucar.

Abri a porta atrás de mim e parecia um penhasco, estava escuro, parecia noite, e eu não consegui ver o chão. Os passos pesados inexplicáveis daquela fumaça se aproximaram de mim. Num impulso pulei.

Foi torturante os segundos que fiquei caindo, fechei os olhos e me preparei para o impacto. Na fração de segundos que eu senti meu corpo encostar em algo sólido, abri os olhos.