Cartas Para Quinn

Capítulo 3 — Dias Felizes E Dias Não Tão Felizes


3 de dezembro de 2011



Para Quinn,



Gostaria de dizer, senhorita Fabray, que você conseguiu atiçar minha curiosidade. Desde que recebi sua carta, tenho pensado em quem poderia ser a pessoa que está se correspondendo com sua amiga de boca suja. Eu até fiz uma lista de possíveis suspeitas, o que fez eu me sentir como uma espécie de detetive particular, embora não esteja nem um pouco perto de descobrir a resposta. As possibilidades são infinitas — não realmente; você entendeu o que eu quis dizer —, e não posso chegar ao fundo disso sem outras pistas. Bem, pelo menos todo o esquadrão de líderes de torcida foi eliminado. Elas mal sabem soletrar “Vai Time!”, então suponho que não seriam capazes de escrever uma carta. Contudo, quem sabe? William McKinley High School é um lugar estranho para se estar. Nós vivemos em uma bolha; cercado por pessoas que fingimos conhecer, mas sobre as quais nada realmente sabemos. Tudo para manter as aparências, porque elas importam. Então, até onde sei, todo mundo pode ser totalmente diferente do que aparentam.

Não pude deixar de sorrir ao descobrir que temos essa coisa em comum. Nova Iorque. E as lembranças. Também tenho minhas próprias no Central Park com minha mãe. Não costumávamos ir até lá com frequência — eu treinava canto e dança nos finais de semana, e mamãe geralmente tinha trabalho a fazer —, porém, quando íamos, eu sempre me divertia. Então você é de Seattle, hum? Será que você já voltou lá alguma vez, desde que se mudou para Nova Iorque? Será que temos isso em comum, também? É engraçado como, à medida que nos escrevemos, a lista só parece aumentar.

Devo dizer que fiquei um pouco surpresa ao saber que você tem um irmão. Eu gostaria de ter um. Ser filha única é uma droga; o lado bom é que tenho a total atenção de meus pais. Acho que não suportaria se não tivesse. Preciso deles. São meu porto seguro. As únicas pessoas que sinto em que posso realmente confiar. Arg. Eu estou soando como uma daquelas garotas solitárias, que diz que seus pais são seus melhores amigos. Pior ainda. Eu realmente sou uma dessas garotas. Meio patético, não acha? Você tem sorte de ter um irmão. Ele é mais velho ou mais novo? Fico me perguntando qual seria o melhor. Acho que cada um deva ter suas vantagens e desvantagens. Tipo, quando você é o mais velho, e a culpa de tudo caí sobre você; ou como quando você é o mais novo, e seu irmão acha que isso dá a ele o direito de mandar em você. Claro, não digo isso por experiência própria. Porém, apesar de não ter irmãos, tenho primos. Primos que têm irmãos. As reuniões de família são, geralmente, um pesadelo.

Estou me sentindo um pouco mais confortável agora em relação à você. É que é tudo muito estranho, e como não estamos nos vendo pessoalmente, não tenho noção de como é sua reação a determinadas coisas. Logo, acabo escrevendo o que me vem à mente, e isso nem sempre é tão bom. Ser sincera e aberta não tem me trazido muita felicidade. Às vezes, pergunto-me se ser reservada é melhor. Só que não consigo me imaginar assim. Talvez porque não consiga manter as coisas para mim mesma por muito tempo. Embora algumas delas eu guarde a sete chaves para proteger as pessoas que amo. Meus pais, por exemplo. Eles não sabem metade das coisas que me acontece na escola. Se soubessem, isso só iria magoá-los. E eles já sofreram demais por preconceito. Não quero que sintam, também, a minha dor.

Você sabe, só porque sonhou algo quando era criança, mesmo que tenha sido improvável ou impossível, não significa que não tenha sido um sonho válido. É só um sonho esquecido. Ou, às vezes, um que temos vergonha de admitir, ou falta de coragem para realizar. Você deveria fazer isso. Escrever um livro. Talvez ajude. Talvez, nos dias difíceis, escrever alguma coisa possa distrair sua mente de tudo aquilo que você tem que lidar. Funciona comigo. Exceto que, no meu caso, eu uso a música, e não a escrita. Todos nós temos alguma coisa que nos liberta. Alguma coisa que faz nós nos sentirmos bem, felizes, completos. Mesmo que a sensação não dure. Enquanto durar, é infinita. E quando não estiver mais lá, ainda restará sua lembrança. Nos momentos de dificuldade, são sempre as lembranças (somadas à esperança) que nos fazem continuar seguindo em frente.

Cantar para mim tem vários significados. São as lembranças, a esperança, e minha libertação. Quando estou no palco, cantando, é como se o mundo inteiro desaparecesse. Como se não existisse nada além das melodias e notas. Como se minha voz fosse a única coisa que preenchesse todo o vazio. Algumas pessoas não conseguem compreender isso. Não espero que elas o façam. Para a maioria, cantar é apenas divertido. Não para mim. É o meu sonho, você sabe? Ganhar o mundo com a minha voz. Ser uma grande estrela da Broadway, como Barbra Streisand (minha atriz favorita). Talvez estrelar um filme. Gravar um CD. Não sou tão exigente. Desde que haja música e atuação, eu ficarei bem.

Nós nunca realmente sabemos o que nos faz feliz. É tipo um requisito para ser humano, ou algo assim. Não se abata por causa disso. Se você ainda não descobriu qual é essa coisa — a que te faz completa, a que te liberta —, não se preocupe. Você vai achá-la. E apesar das dúvidas permanecerem conosco à medida que crescemos, nós nos tornamos mais fortes, mais sábios, e aprendemos a lidar com elas. Tenho fé em você, senhorita Fabray. Tenha fé em si mesma, também. Aprenda com o caminho que você está seguindo. E quando encontrar outro; um que a guie em direção aos seus sonhos, leve o que aprendeu, faça novas lembranças, e siga em frente. Em dias felizes. Em dias não tão felizes. Apenas siga em frente. Sempre.

Da adolescente incomumente sábia,

Rachel Berry.



15 de dezembro de 2011



Para Rachel,



Eu não deveria mais ficar surpresa. Estamos nos comunicando há um tempo agora, mas a cada carta aprendo algo novo sobre você. Algo que me surpreende. E devo dizer que não sou uma pessoa que costuma se surpreender com facilidade, você sabe, por causa das coisas que já vi e vivenciei.

Sinto muito ter atiçado sua curiosidade? (Risos). Ok, talvez não sinta tanto assim… Não fique com raiva, por favor. Nem sei bem porque isso é tão engraçado. Provavelmente nem é. Mas, realmente, uma lista de “suspeitas”?Você é uma adolescente estranha, Rachel Berry. Eu gosto disso. E continue à procura da garota misteriosa. Vou tentar arrancar mais alguma coisa da minha amiga com boca suja — o nome dela é Santana, a propósito —, algo que talvez possa ajudá-la a resolver esse mistério. Só não posso garantir que ela vá me dizer alguma coisa, porque Santana… Bem, ela simplesmente gosta de ser irritante. Muito irritante. Às vezes, sinto vontade de sufocá-la durante o sono… Eu provavelmente não deveria estar escrevendo isso. Essas cartas são lidas pelos meus superiores, você sabe, para garantir. Embora eu não duvide que eles compartilhem da minha opinião. Eu não sou a única que Santana gosta de irritar. Ainda assim, a idiota é minha melhor amiga. Nós nos conhecemos em Seattle, e nos alistamos juntas para o exército. Não sei o que seria de mim se não a tivesse por perto. Ela é meu porto seguro. A pessoa que me mantém inteira. Só, por favor, não diga a ela que estou lhe contando isso (não que você possa, de qualquer maneira; meu Deus, apenas esqueça que eu disse isso, está ficando embaraçador!). Ela gosta de preservar sua imagem de durona. Patético, eu sei. Especialmente quando, por dentro, ela não passa de uma manteiga derretida. Ou o que quer que isso queira dizer.

Então você canta? Estou tentando imaginar o som de sua voz, embora seja extremamente complicado fazê-lo quando não tenho ideia de como você se parece. Não que isso seja importante. A aparência, de fato, é a última coisa que me importa quando procuro por alguém. Não que eu esteja procurando por alguém agora, e não que você seja esse alguém… É só que… Meu Deus, eu só estou me afundando mais em minha própria confusão. Enfim. Acho que você entendeu o que eu quis dizer… Ou assim espero. Você é uma boa cantora?Aposto que deve ser. Uma pessoa tão apaixonada pela música, e que já tomou aulas de canto, provavelmente não deve ser ruim. Eu acho. Confesso que não tenho nenhuma experiência sobre o assunto. Ou quase nenhuma. É meio idiota, mas quando eu estava no Ensino Médio, eu costumava fazer parte de um clube de coral. Éramos péssimos. Não tínhamos membros o suficiente para participar de competições. Mas, honestamente, era divertido. Disseram-me que tenho uma voz agradável. Não sei dizer se é verdade ou não — mas, pelo menos, ninguém nunca me mandou calar a boca enquanto eu cantava, o que é, provavelmente, um bom sinal.

Sobre ter voltado para casa… Sim, eu o fiz. Como mencionei anteriormente, foi onde Santana e eu nos conhecemos. Eu me mudei de volta para Seattle em 2002, e passei a viver lá desde então. Eu e o meu irmão. O nome dele é Sam. Ele é mais novo que eu — tem dezenove anos —, e acredite em mim quando digo que você não perdeu nada. Ter um irmão é um verdadeiro pesadelo. Ok, talvez nem tanto. É bom ter alguém com quem compartilhar lembranças. Mas é também um fardo, às vezes. Ter sempre alguém com quem se preocupar além de si mesma. Não que eu esteja reclamando. Apesar de nossas diferenças, Sam é o melhor irmão que eu poderia ter. Um verdadeiro amor de pessoa. Um cara gentil, cavalheiro, educado. Ele teve seus problemas, como qualquer pessoa, mas fico orgulhosa por tê-los superado. É um garoto forte. Às vezes, sinto como se o amasse mais do que amo a mim mesma.

Aqui vai um conselho de alguém com um pouco de experiência de vida: seja você mesma. Não queira mudar suas atitudes por causa dos outros. Se o fizer, faça por si mesma. Ser mais aberta e comunicativa não torna nada mais difícil — embora, também, não torne mais fácil. Todas as pessoas têm problemas. Até mesmo as mais reservadas, como eu. No final das contas, não importa. A vida é cruel com todo mundo. Fico triste em saber que sua situação na escola é tão ruim a ponto de você ter que esconder a verdade dos seus pais. Saiba que, se precisar, sou um ouvido amigo. Pode contar comigo para o que precisar. Eu serei sempre essa pessoa sem rosto, disposta a ajudar o quanto puder.

Você tem a absoluta razão. Todos os sonhos são válidos. Acho que vou seguir seu conselho, senhorita Berry, e dar uma tentativa ao livro. Quem sabe eu não sou realmente boa nisso? Bem, veremos. E eu fico feliz em saber que você tem seu canto. Que ele é tão importante para você, e te dá um propósito de vida. Você me parece ser uma ótima pessoa. Merece que coisas boas lhe aconteçam.

Acabei de reparar que hoje é dia quinze de dezembro, o que significa que faltam apenas dez dias para o Natal, e que o Ano Novo está chegando. Não sei se terei uma oportunidade de falar com você até o início de 2012, então, se você não se importar, deixarei meus votos logo nesta carta.

Um feliz natal para você, Rachel, e um feliz ano novo, também. Espero, de todo o coração, que você esteja cada vez mais perto de realizar seu grande sonho. Espero que você continue sendo, essencialmente, sempre esta garota: honesta, aberta, inteligente, que se preocupa com os outros, que se importa. Pessoas como você não são fáceis de encontrar nos dias de hoje. Espero que, neste ano que vai entrar, a vida se torna mais fácil para você. Mais bonita. Mais cheia de significado. Espero que você encontre algo — ou alguém — que te faça persistir, mesmo quando se tornar difícil. Algo (ou alguém) que te mantenha inteira, mesmo quando você sentir que está prestes a quebrar. Espero que encontre amor — e, se já o tiver encontrado, espero que dure o infinito —, e que você seja tão feliz quanto uma pessoa pode ser.

Espero que você tenha mais dias felizes do que dias não tão felizes.

E espero que você consiga os créditos extracurriculares que precisa.

Até a próxima!

Da mulher que nem sempre é tão reservada,

Quinn Fabray.