Cartas Para Quinn

Capítulo 26 — Escolhas


De: Quinn Fabray (qfabray@zwer.com)

Para: Rachel Berry (rachelberry@zwer.com)

Assunto: Escolhas



Querida Rachel,

Eu me pego pensando em você nos momentos mais inoportunos. Parece-me que desde que aceitei meus sentimentos, as barreiras que eu havia construído para mim mesma desabaram, e eu me sinto nua, exposta, vulnerável. Não sei se é uma coisa boa ou não. Acho que isso só o tempo pode dizer. O que sei, com absoluta certeza, é que não me arrependo nem um pouco de as tê-las derrubado.

Sempre tive medo de me apaixonar. Desde que eu era criança, o amor se mostrou complicado, doloroso, devastador. Eu não conseguia entender como as pessoas poderiam esperar isso umas das outras. Como elas poderiam esperar que você as amasse, se você sabia que o amor podia causar o completo caos? Como elas esperavam que você entregasse uma parte tão grande de si mesma a outra pessoa? Qual o problema de se estar sozinho? Por que as pessoas acham que você só pode ser feliz se tiver alguém especial em sua vida?

Eu costumava imaginar que ia ficar sozinha a vida inteira, e por mais que isso tenha me incomodado durante a adolescência — apesar de todos os meus machucados (ou quem sabe justamente por causa deles), eu acreditava no “e viveram felizes para sempre” —, eu aprendi, durante a vida adulta, que isso não era necessariamente uma coisa ruim. Porém, quando eu era mais nova, eu queria acreditar que era possível encontrar alguém. Não só um alguém. Aquela pessoa que seria perfeita para mim. Eu precisava acreditar em finais felizes, porque o meu meio era infeliz. Mas tudo bem se você viver uma vida triste, não é? O que importa não é ser feliz no meio, e sim no final. Não é isso?

Não, não é. À medida que fui crescendo, acabei percebendo algumas coisas. A infelicidade não se está em ficar sozinho. Ela vem quando passamos uma vida inteira desejando coisas que talvez nunca possamos ter, ao invés de aproveitar as que já temos. A partir daí, não me pareceu uma ideia tão ruim ficar só. Eu preferia, até. Melhor do que me forçar a dividir meus dias com alguém que eu não amava só para tentar viver um conto de fadas. Além disso, não existem pessoas perfeitas. Não encontramos na pessoa que amamos a nossa outra metade.

Você vê, Rachel, não são almas gêmeas. São almas diferentes, pessoas diferentes, que apesar dessas diferenças escolheram ficar juntas. Escolheram. É uma escolha, Rach. Não se apaixonar, porque sobre isso não temos controle. Mas podemos escolher com quem desejamos ficar. São duas pessoas que encontram forças uma na outra para vencer todas as adversidades que tentam as separar. São pessoas que não escolheram se apaixonar, mas escolheram se respeitar, cuidar uma da outra, dividir seus dias, suas preocupações, suas alegrias. Pessoas que escolheram dividir os limitados números de momentos que a vida lhes oferece com alguém com quem se importam profundamente.

Foi assim que aprendi a ver a vida. O importante é o hoje, e não o que poderá a vir ser do amanhã. São tantas possibilidades, tantos caminhos que podemos seguir. Não nos faz bem algum nos focarmos tanto em talvezes. O presente é o que acontece quando estamos ocupados demais fantasiando sobre o futuro. E é no presente que vivemos. Um presente que um dia não terá futuro. Um presente finito.

Levou alguns anos, alguns tombos, algumas decepções, mas eu aprendi. Eu aprendi a me reerguer depois de cair. Aprendi a ter confiança em mim mesma. Aprendi a ter fé e acreditar que as coisas poderiam ficar bem, por piores que estivessem no momento. Aprendi a viver no presente, esperando que houvesse um futuro, sem nunca esquecer do passado.

Aprendi, também, que se um dia eu me apaixonasse, eu faria de tudo para que essa pessoa soubesse o quanto é importante para mim.

Desculpe, eu estou sendo intensa demais (risos). Suponho que a culpa seja sua, senhorita Berry. Há muito tempo que nenhuma dessas coisas passou por minha mente. Não foi até você aparecer que voltei a me questionar sobre mim mesma, sobre o mundo. Não foi até você aparecer que descobri como realmente é estar apaixonada.

Esse sentimento nos pegou de surpresa, não foi? (risos). Eu nunca teria imaginado, quando tudo isso começou, que estaríamos nesse ponto em que estamos hoje. Eu me apaixonei por você, e você, inacreditavelmente, incrivelmente, fantasticamente, apaixonou-se por mim. Eu tenho lido seu e-mail de novo e de novo, acho que memorizei todas as suas palavras, e ainda assim sinto a necessidade de voltar a lê-lo novamente. Não exatamente pelo que está escrito na tela do computador, mas sim pelo que cada uma daquelas palavras me faz sentir.

Você me faz sentir. Intensamente. Demasiadamente. Saber que você sente o mesmo por mim… É inacreditável, impossível… Honestamente, eu nem tenho palavras para descrever a sensação. É como se eu ganhasse na loteria todos os dias. Nunca vivenciei algo do tipo antes. Apesar de eu sempre ter amado de uma forma limitada, eu amei. Estar apaixonada não deveria ser uma surpresa. Ou vai ver a surpresa é ser correspondida. Meu Deus, eu me sinto como uma daquelas adolescentes bobas do colegial (risos). Tudo bem. Eu deveria me sentir assim. Às vezes, quando um relacionamento não dá certo, nós temos essa mania de ficar pensando em todas as coisas estúpidas e bobas que fizemos pela outra pessoa porque estávamos apaixonados. Só que essa é a questão, não é? Quando você realmente está apaixonado, não existem coisas estúpidas e bobas. Só existem coisas. Coisas que você sente que precisa mostrar ou dizer a pessoa que você gosta.

Se eu estiver agindo como uma boba apaixonada… Bem, não posso me desculpar por isso. Não posso me desculpar por algo que me deixa tão feliz, como se eu estivesse andando nas nuvens. Mas minha felicidade não está completa, Rach, porque eu preciso de você. Eu quero te ver. Na verdade, eu quero muitas coisas. Abraçar, beijar, ouvir você cantar para mim. Nem todas elas eu posso fazer a distância.

Algumas, porém, eu posso. Sei que não é um jeito ideal de se ter um primeiro encontro, e tenho certeza de que o skype não foi criado para isso, mas… Rachel Berry, você aceita um encontro virtual comigo?

Aguardo ansiosamente sua resposta.

Com amor,

Quinn.



De: Rachel Berry (rachelberry@zwer.com)

Para: Quinn Fabray (qfabray@zwer.com)

Assunto: RE: Escolhas



Querida Quinn,

Era uma vez uma garotinha. Ela sempre pensou que fosse uma garotinha normal. Ela podia falar, brincar, rir, chorar, assistir seus desenhos favoritos na televisão. Ela tinha uma mamãe e um papai que a amavam muito, e faziam de tudo para protegê-la do mundo.

Quando a garotinha começou a ir à escola, entretanto, ela começou a achar que talvez não fosse normal. As outras crianças riam dela porque ela era a mais baixa de sua turma, e porque o seu nariz era um pouco grande. Os pais das outras crianças a olhavam de maneira diferente, e ela dificilmente era convidada para festinhas de aniversário. A garotinha não conseguia entender qual era o problema, até que chegou a conclusão que o problema era ela.

A garotinha sempre foi intensa demais. Ela se importava muito com tudo e com todos. Ela chorava quando os garotos da rua achavam engraçado tacar pedras em pássaros usando seus estilingues, e sentia uma dor enorme no peito todas as vezes que as outras crianças faziam piadas sobre o seu nariz, seu cabelo, ou qualquer outra de suas características físicas. A garotinha passou a se olhar no espelho com mais frequência, e começou a não gostar do que via. As outras pessoas estavam certas. Seu nariz era grande demais, sua boca não era bonita, se ela tivesse um tom de pele um pouco mais claro, se ela fosse um pouco mais alta... Se ela não parecesse daquele jeito, talvez as pessoas gostassem dela.

O problema é que a garotinha não podia mudar sua aparência, então ela tentou mudar sua personalidade. Ela tentou ser a melhor em tudo. A mais inteligente, a mais esperta, a mais talentosa. Ela pensou que se as pessoas vissem o quanto ela era esforçada, ela poderia se enquadrar no meio dos outros. Porém, como a garotinha logo descobriu, ser muito boa só parecia fazer com que seus coleguinhas a detestassem mais.

Quando essa garotinha perdeu a mãe, ela pensou que o mundo tinha acabado. Afinal, sua mãe foi a única pessoa que a amou, apesar de sua aparência, apesar de sua personalidade, apesar de seus inúmeros defeitos. Na verdade, a mãe da garotinha parecia pensar que as coisas que tornavam a garotinha diferente das outras crianças eram as que lhe traziam mais orgulho. Ela amava o tom de pele da garotinha, a sua estatura, o seu grande coração, a sua voz. Ela a amava exatamente por quem a garotinha era, e não por quem a garotinha pensava que devia ser.

À medida que a garotinha foi crescendo, todavia, as pessoas se tornaram mais maldosas, piores. As inseguranças da garotinha — agora uma jovem — se tornaram maiores. Ela passou a duvidar de si mesma, passou a acreditar nas coisas que os outros diziam, deixou-se abalar.

A jovem não acreditava que merecia ser amada. Ela não era bonita o suficiente, boa o suficiente, então se contentou com meios amores. Pessoas que nunca a amaram de verdade, pessoas pelas quais ela foi usada, só para depois ser descartada, como se não valesse nada. Mas a jovem os amava. Ou pelo menos acreditava que podia amar. A jovem tinha sonhos, também. Sonhos grandes. Grandes demais. Ninguém acreditava que ela podia alcançá-los. Ninguém acreditava que ela podia ser alguém.

Um dia, essa jovem conheceu outro jovem. Um jovem que também lutava contra os próprios demônios, um jovem que também tinha medo de ser quem realmente era, um jovem que vivia para satisfazer os desejos e necessidades dos outros, nunca os seus. Esses jovens tiveram uma filhinha, uma garotinha. Por causa dela se casaram. Por causa dela decidiram que deveriam ficar juntos. Ainda que não se amassem como marido e mulher deveriam se amar. Ainda que precisassem viver infelizes, ou pelo menos não tão felizes quanto poderiam ser, pelo bem da garotinha.

Mas pela garotinha, eles fizeram diferente. Eles viram que se permitissem, ela cresceria com os mesmos medos e dúvidas que eles. Se eles permitissem, então a garotinha cresceria e seria infeliz, porque eles não foram corajosos o suficiente para lhe ensinar que a felicidade está em seguir seus próprios passos, e não aqueles que os outros querem que você siga.

A garotinha também perdeu a mãe. A mãe que um dia também foi garotinha. História se repetindo? Poderia ter sido. Teria sido, se os pais da garotinha não tivessem se despido de seus próprios medos para ensinar a garotinha a ser sempre ela mesma.

E ela sempre foi. Ela sentiu medo, claro, principalmente quando perdeu a mãe. Ela sofreu pelo preconceito dos outros, pela limitação em seus pensamentos e corações, mas foi forte o suficiente para seguir de cabeça erguida. Por causa dos seus pais, que lhe deram muito amor, carinho e compreensão, a garotinha fez uma escolha.

Ela escolheu dar tudo de si. Sua voz, seu talento, seu coração. O que quer que fosse, ela se empenharia 200%. Ainda que machucasse, ainda que a deixasse de coração partido, ainda que a fizesse sofrer. Ela escolheu não ouvir as vozes que diziam que ela não podia. Ela escolheu não abdicar dos próprios sonhos. Ela escolheu não se fechar para o amor. Ela acreditava, ainda com todos os seus defeitos, que um dia ela encontraria alguém. Alguém que a fizesse feliz. Alguém que a incentivasse. Alguém que a entendesse, mesmo quando ela soasse quase incompreensível. Alguém que estivesse disposta a ouvi-la.

Um dia, essa garotinha — meu Deus, o tempo passou tão rápido, e a garotinha se tornou também uma jovem — conheceu alguém, e de uma maneira pouco convencional. Ela começou a trocar cartas com uma pessoa especial. Uma pessoa que desde o primeiro momento tem ocupado os pensamentos da garotinha. Era só um questão de tempo até ela ocupar um lugar no coração, também.

Querida Quinn, eu sei que nós duas fomos garotinhas. Sei que nós duas temos todos os motivos do mundo para estarmos assustadas o tempo inteiro, para duvidar das pessoas, para não acreditar no amor. Sei que temos nossos passados, tão pesados em nossas costas tão jovens, e marcas espalhadas por todo o nosso corpo. Sei que temos cicatrizes, e machucados que nunca irão sarar por completo. Sei que temos nossas diferenças e semelhanças, nossos sonhos e nossos medos, nossas recordações e esperanças. Sei que temos uma a outra. Sei que escolhemos uma a outra.

Eu quero ser estúpida e boba com você. Eu quero nosso presente finito. Eu quero você, ainda que não possa ser por completo, ao menos por enquanto.

Diga-me o dia e a hora, que eu estarei lá. Eu sempre estarei lá.

Com amor,

Rachel.