Cartas Para Quinn

Capítulo 19 — Destino


20 de junho de 2012



Querida Quinn,

A vida é feita de momentos.

Eu estive pensando bastante sobre isso ultimamente. Sobre como cada momento é único e especial, mas só alguns realmente permanecem conosco no decorrer do tempo. Uns poucos que guardamos em nossas memórias durante a eternidade de nossa curta existência. É engraçado, não é, como esses pequenos momentos tem o poder de definir nossas vidas? Nosso futuro? Quem somos, e quem deixamos de ser? Como uma criança que se despede da mãe pela última vez, ou um garotinho que acorda no meio da noite, chorando, porque aquele único instante arrancou o chão de debaixo dos seus pés.

Às vezes esses momentos podem ser tão dolorosos. Eles arrancam o ar de nossos pulmões, a inocência de nossa alma, um pedaço de nossos corações. Eles fazem com que nossos corpos estremeçam com a sensação da dor se espalhando por cada pedaço de carne, músculo, sangue e pele. Quase como se a dor fizesse parte de nossa constituição física; como se ela se fundisse ao nosso corpo num nível molecular. Faz você pensar que ela é tudo o que existe. Tudo o que jamais irá existir. Mas, então, há estes outros momentos. Momentos que fazem com que você se sinta invencível, sublime, como se você pudesse criar asas e voar, cada vez mais alto, cada vez mais longe, cada vez mais livre. E nesses momentos, todo o resto desaparece. Não há dor, ou medo, ou incertezas. Há apenas o sentimento puro e simples de felicidade, como se ela estivesse no sangue que seu coração espalha pelo seu corpo.

Acho que o motivo pelo qual estive pensando tanto sobre isso é que estou tentando adivinhar qual foi o meu momento. Aquele que mudou absolutamente tudo. Aquele que mudou o mundo ao meu redor, e a mim mesma. É fácil demais pensar na minha mãe, no dia que ela se foi, nos segundos que a vi pela última vez. Não me lembro direito de como é seu rosto, ou do som da sua voz. São detalhes que me escaparam da memória com o passar dos anos. É engraçado, embora, como eu ainda me lembro da sensação de seus braços ao redor do meu corpo. O sentimento de segurança. O amor. O carinho. Sempre pensei que perdê-la foi o meu momento, mas agora, quando penso sobre isso, acho que não é verdade. No final das contas, apesar de toda a tragédia, de todo o sofrimento, quando penso sobre ela, não penso nas coisas que poderiam ter acontecido. Penso nas que aconteceram. Penso no quanto ela me amava. Penso que onde quer que esteja, ela está cuidando de mim, como sempre fez.

Na verdade, agora começo a acreditar que meu momento foi quando me mudei para Lima. Quando comecei a estudar no McKinley High, carregando minhas cicatrizes, meus machucados, e percebendo que absolutamente ninguém se importava com o quanto eu estava quebrada. Só se importavam em me quebrar ainda mais. Sei que parece pequeno comparado à perder a minha mãe, mas é como disse antes: ela sempre está comigo. Ainda posso sentir o seu amor por mim, ainda que ela não esteja por perto para demonstrá-lo. E havia meus pais, também. Eles sempre fizeram o impossível para mostrar que estavam ali, para demonstrar o quanto se importavam, o quanto também me amavam. Ao entrar nessa escola, entretanto, tudo o que senti foi o ódio, o rancor, a decepção. Criei novas cicatrizes, acumulei novas dores, derramei mais lágrimas. Esse lugar esteve tão perigosamente perto de me quebrar totalmente, de me deixar ao ponto de ser irreparável.

E então, há você. Será que existe destino, Quinn? Coincidência? Sorte? Qualquer linha invisível que ligue as pessoas sem que elas mesmas sejam capazes de perceber? Porque às vezes eu sinto como se houvesse algo a mais. Como se as coisas não acontecessem pelo simples acaso. Talvez eu precise acreditar nisso. Talvez seja uma das coisas que me mantém inteira até hoje. Precisa existir um motivo, certo? As coisas não podem acontecer só por acontecer. Eu acho. Eu acredito. Eu acredito que alguma coisa, ou alguém, colocou você em minha vida. Eu acredito que, independentemente do que for, estamos no caminho uma da outra. Se era para ser ou não, isso não tem a mínima importância. O que sei é o hoje. E no hoje, você está aqui, seja lá por qual motivo (acaso, sorte, coincidência ou destino).

Um ano passou tão depressa. Eu fico revivendo nossas conversas em minha mente, tentando lembrar de cada palavra que você me disse, de todos os momentos que compartilhamos juntas, ainda que estejamos tão longe uma da outra. Você é tão especial, Quinn. Você faz com quem eu me sinta especial. Você me faz acreditar em mim mesma, e me faz querer lutar ainda mais quando a vida insiste em me derrubar. Acho que aprendi umas coisas com você nesse curto período de tempo. Espero que você tenha aprendido algo comigo, também.

Eu não quero parar de escrever essa carta, porque eu sinto que quando puser o ponto final, um desses momentos únicos e especiais estará chegando ao fim. Não que outro não vá se iniciar logo em seguida, porque eu me recuso a abrir mão de você, senhorita Fabray, mas esses meses têm sido tão maravilhosos. É impossível não sentir como se mais uma etapa de minha vida estivesse chegando ao fim. E elas têm passado tão rápido que sinto como se estivesse correndo contra o tempo, uma competição que sei que nunca irei vencer. Talvez o segredo seja, então, não se apegar ao agora, mas, sim, às lembranças do agora. Dessa forma, pouco importa quanto tempo passe. As lembranças permanecem as mesmas.

Você é uma boa lembrança do agora. Por sua causa, conquistei tanto essa ano. Não só amigos que provavelmente levarei comigo a vida toda, mas também meus sonhos. Você me incentivou a correr atrás deles, a não desistir, a permanecer forte. Eu permaneci. Por você. Então eu queria que você fosse a primeira a saber… Bem, tecnicamente falando, você não será a primeira (risos), porque até que essa carta chegue a você, eu já terei contado a outras pessoas. Mas quero que você saiba que quando descobri, a primeira pessoa que corri para contar foi para você.

Eu consegui, Quinn. Meu Deus, eu estou chorando sobre a carta… Certo, vou me controlar agora. Ok. Respira fundo Rachel… Espere, por que escrevi isso? (risos). Tudo bem. Vamos tentar de novo. Eu. Consegui. Neste momento, você está conversando com a mais nova aluna de NYADA. As aulas começam em setembro. Eu fui aceita. Eu… Quinn, eu… Moisés. Tantos anos lutando por isso, tantos anos passando por tudo o que eu passei… É assim que a gente se sente, então? É assim que a gente se sente quando ganha? Acho que estive tão acostumada a perder que me esqueci como é a sensação da vitória — e é boa pra caramba!! É como se um filme passasse diante de meus olhos. Como se todas aquelas vezes chorando trancada em meu quarto… As coisas acontecem por um motivo. Não é o acaso. Não foi o acaso que pôs você em minha vida. Não foi o acaso que me deu este momento. Acho que finalmente sei no que acredito.

Foi o destino. De alguma forma, nossos destinos estão entrelaçados. Eu sinto isso. É algo estranho de se dizer? Porque o sentimento é tão forte, tão genuíno, e eu não sei bem como lidar com isso. Não sei como lidar com a felicidade. Pessoas como eu e você, pessoas que carregam tantas cicatrizes, elas precisa aprender a serem felizes. Um conceito tão estranho. Um sentimento mais esquisito ainda. E é tão bom, Quinn. Tão bom. Eu estou tão, tão, tão feliz.

Há outra coisa, também. O Novas Direções venceu as Nacionais!! Sei que parece loucura, e… Meu Deus, é mesmo uma loucura! (risos). Mas você precisava ter me visto, Quinn. Eu cantei naquele palco como nunca fiz em toda a minha vida. Eu entreguei minha alma, meu coração, um outro pedaço de mim. Música é tão importante. Ela ajuda a lidar com tantas coisas, a extravasar aquelas emoções que ficam guardadas no peito. Talvez por isso todas as vezes que eu canto, eu canto com todo o meu coração. Há simplesmente coisas demais dentro dele que muitas vezes só palavras não podem expressar. É necessário algo mais. Música. É lindo, não é?

Então agora você sabe. A partir de setembro, vou começar a trilhar um caminho diferente. Um caminho que eu não tenho ideia para onde vai me levar, e antes eu tinha tanto medo. Nunca admiti isso em voz alta, porém, apesar de sonhar com Nova Iorque, Broadway, etc., eu também temia essas coisas. Temia falhar. Temia não ser forte o suficiente para superar as dificuldades. Temia que todo o meu esforço jamais fosse recompensado. Temia o futuro e as mudanças. Agora, eu as quero. Quero as mudanças, quero o futuro, quero as incertezas. Eles me trouxeram você, afinal de contas. Então quão ruim podem ser se me deram uma das melhores partes de mim?

Perdoe-me se estou sendo excessivamente sentimental, não que você já não esteja acostumada a essa altura (risos). Eu sempre fui a intensa demais, de qualquer jeito. A que sempre entregava mais do que as outras pessoas podiam suportar. Não você, embora. Você parece ser exatamente na medida para mim. Eu vou sentir sua falta, Quinn. Claro que você ainda estará lá, e isso não é um adeus, mas sei que meses difíceis estão vindo pelo caminho. Sei que não nos comunicaremos com tanta frequência quanto eu gostaria. De fato, se fosse por mim, você estaria aqui ao meu lado. Dividiríamos esse momento juntas. E eu cantaria para você. Eu quero cantar para você um dia. Quero que você me escute. Não que só leia minhas palavras, não que só as entenda; quero que, um dia, você as sinta. Então você saberá. Coisas que quero dizer e não posso; coisas que preciso e não tenho; coisas pelas quais luto e que estão inalcançáveis. Se você me ouvir, você saberá.

Por hora, todavia, acho melhor me contentar com essas palavras escritas. Elas não são tudo, mas são muito. Um muito que eu poderia me acostumar a ter. Se você também estiver disposta. Então isso não é um adeus, mas nessas palavras incompletas, deixo o meu até logo. Obrigada por esse ano. Obrigada por seus conselhos. Obrigada pelos seus ensinamentos. Obrigada por dividir comigo um pedaço de sua vida, e de si mesma. Obrigada por não me deixar. Obrigada por absolutamente tudo. E até mais.

Da garota que ainda precisa muito de você,

Rachel Berry.

*

30 de junho de 2012



Querida Rachel,

A vida é uma jornada intensa. Talvez porque ela seja tão curta, e cada segundo seja precioso; talvez porque o ser humano sinta com muita intensidade; talvez uma mistura dos dois. Não sei. O que sei é que durante cada dia que estamos vivos, nós descobrimos coisas novas. Sobre nós mesmos, sobre o mundo, sobre as pessoas que nos cercam. Às vezes são coisas tão pequenas que nem ao menos percebemos que as aprendemos. Mas nós o fazemos. Todos os dias são como páginas em branco. Todos os dias vivenciamos novas situações, novos sentimentos, novos desafios. Quem sabe seja por isso que além de curta e intensa, a vida seja, também, tão interessante. As pessoas podem ser previsíveis, mas mesmo em sua previsibilidade, a vida pode nos dar resultados mais do que surpreendentes no nosso dia-a-dia.

Quando meus pais se foram, eu vivia me perguntando o motivo. Acho que, assim como você, eu também precisava acreditar que havia um. E então os anos foram se passando, e o motivo nunca se revelou para mim. Durante muito tempo, pensei que fosse porque não houvesse um. Talvez coisas ruins realmente só acontecessem. Mas estou começando a imaginar que talvez não exista apenas uma razão. Talvez as coisas aconteçam porque elas precisam acontecer. Talvez o ruim seja necessário para sabermos valorizar o bom, quando o encontramos. Talvez a resposta seja muito maior do que eu, você, ou qualquer outra pessoa. Talvez seja o destino. Ou talvez o destino não exista, e tudo não seja apenas o resultado de várias escolhas feitas por várias pessoas diferentes que nos afetaram diretamente. Vai ver somos um conjunto de acasos. Honestamente, eu não sei. Não sei no que acreditar. Tudo isso sempre foi muito confuso para mim, mas se há alguma coisa que está clara em minha mente é que não adianta tentar entender. Não encontraremos uma resposta, porque talvez sequer haja uma, ou talvez porque não seja algo que devamos saber. Como eu disse antes, a vida é muito curta. Então, ao invés de tentar entender a razão por trás de tudo, nós devêssemos apenas viver. Aceitar as derrotas e as vitórias. As lágrimas e os risos. O bom e o ruim.

Olhe para mim, soando como se realmente entendesse alguma coisa (risos). A verdade é que até pouco tempo atrás eu não pensava assim. Não até você aparecer. Você me deu muito sobre o que pensar nos últimos meses, senhorita Berry. Acho que depois do que me parece ser um longo tempo, eu estou finalmente conseguindo aceitar coisas sobre mim e sobre minha vida que antes faziam parte de minha tortura diária. Já não me pego pensando mais tanto em por que e para que. Os “e se”s não me parecem mais tão importantes. O “a partir de agora”, entretanto, ganhou um novo significado. É como eu vejo meus dias. Eu vejo o agora, e me atrevo a sonhar com o amanhã, ainda que ele possa não existir.

Nem tenho palavras para descrever o tamanho do meu orgulho pelas suas conquistas. Eu sabia que você ia conseguir. Acredito em você, Rachel. Acredito no seu amor pela música, pelo palco, pela vida. Nós nunca nos encontramos pessoalmente, mas eu sei que existe uma luz em seus olhos. Uma que brilha todas as vezes que você canta. Uma que se ascende quando você faz algo que ama, ou está perto de alguém com quem se importa. Uma luz que existe porque você existe, e porque você existe, o mundo é um lugar melhor. Talvez você ainda não veja isso. Talvez ainda não compreenda. Cada ser humano é único, importante, especial. Mas um dia você vai compreender. Você vai perceber que as pessoas importam. Cada uma delas. E apenas no caso de você não conseguir enxergar, eu quero que você saiba disso: o meu mundo é melhor porque você existe. Não por causa da sua voz, ou porque um dia você será grande, mas porque hoje, você respira. Você é quem você é. E quem você é, essa mulher incrível, maravilhosa, ela me faz ser uma pessoa melhor. E você sabe como a gente começa a mudar o mundo, Rachel? Quando nós trazemos o melhor das pessoas ao nosso redor. Se cada ser humano pudesse fazer isso, se cada um pudesse trazer o melhor de mais alguém, então o mundo seria infinitamente mais bonito. Até lá, acho que precisamos nos contentar com essas poucas pessoas. Essas poucas que também fazem com que sejamos especiais pelo simples fato de existirem.

Eu fico feliz em saber que você não teme mais o futuro. Preciso admitir que, quando fecho os olhos, ainda tenho medo do passado. Ainda vivo presa aos seus ecos. Ainda tenho aqueles momentos de fraqueza, quando sinto vontade de correr e me esconder. Nada com o que se preocupar, embora. São só momentos. Um dos muitos com os quais a vida é feita. A maior parte do tempo, porém, eu estou feliz. E eu te entendo — felicidade é realmente um conceito estranho para pessoas como nós. Ela não vem com tanta facilidade. E, quando vem, não sabemos como agir ou como mantê-la. Mas, você sabe, ser feliz o tempo inteiro não é a coisa mais importante. Acho que se formos sortudas o suficiente para vivenciar um único momento de verdadeira felicidade em toda nossa existência, esse momento se torna eterno. Ele vive conosco até nosso último dia. Ele nos dá força para seguir em frente. É o impulso que nos faz dar o primeiro passo quando estamos tão perto de parar.

Então talvez eu não tenha certeza sobre destino, mas tenho certeza de que, se existe um futuro para mim, você vai estar nele. Eu sei disso. Sinto isso. Não acaba aqui. Esse momento, esse pequeno momento, ele só é mais um que preenche uma página que mal começou a ser escrita. Sim, nós vamos nos falar com menos frequência, mas eu ainda estarei aqui, aonde quer que aqui seja. Eu estarei carregando você em minha mente, em minhas lembranças, em um pedaço do meu coração. Por hora, é o suficiente. É tudo o que podemos ter. Mas quem sabe o futuro não nos traz mais? Pode ser até um pouco egoísta querer mais do que tenho, mais do muito que você já me deu, mas eu quero mesmo assim. Acho que sou egoísta (risos).

Obrigada você, Rachel. Obrigada por me fazer enxergar. Obrigada por me mostrar que há muito mais na vida do que apenas sobreviver. Obrigada por me fazer ver que as coisas podem ser diferentes, e que as diferenças começam com a gente, agora, neste momento. Obrigada por me fazer entender que sempre há uma escolha, ainda que muitas vezes não possamos vê-la porque estamos assustados demais, ou confusos. Obrigada por despertar uma parte de mim que eu nem lembrava que ainda existia.

Não sei se disse tudo o que queria dizer, tudo o que precisava dizer, mas são as palavras que consigo escrever agora, as que eu teria coragem de pronunciar. Espero que sejam o suficiente para demonstrar o quanto você é importante para mim. Tudo bem se você ainda precisar de mim, Rachel, porque eu também preciso de você. Então é isso, pequena estrela. Vá alcançar o céu. Eu estarei bem aqui, no chão, observando-a brilhar.

Até logo :)

Da mulher que se importa muito com você,

Quinn Fabray.