Cartas Para Quinn

Capítulo 10 — Seattle & Rachel Berry


De: Quinn Fabray (qfabray@zwer.com)

Para: Samuel Evans (samevans@zwer.com)

Assunto: Seattle & Rachel Berry.



Querido Sam,



Eu tenho tentado ligar para você, mas seu telefone sempre caí na caixa postal ou na secretária eletrônica. Como não posso ocupar os telefones, porque há mais pessoas tentando se comunicar com os familiares, achei que a melhor solução era mandar um email. Um que eu espero que você responda, já que não tenho notícias suas desde… Bem, desde que brigamos.



Sam, você sabe que é a pessoa mais importante de minha vida. Você sabe. Mas eu simplesmente não posso largar tudo o que estou fazendo porque você quer que eu o faça. Não posso abandonar o exército porque você tem medo do que pode me acontecer. Coisas ruins acontecem em todos os cantos — veja os nossos pais, por exemplo. Quem poderia imaginar o que iria acontecer com eles naquele dia? Quem poderia imaginar que os prédios iam desabar? Que um atentado terrorista ia acabar com tudo? O perigo está em todos os cantos, o tempo inteiro. Não podemos deixar de viver porque temos medo que algo possa acontecer conosco, ou com aqueles que amamos. Nós precisamos enfrentar tudo isso da melhor forma possível. Do jeito que sabemos.



Sei que é difícil pensar nisso. Sei, também, que é difícil não me ter aí com você, onde podemos cuidar um do outro como sempre fizemos. Só que estar aqui, lutando pelo meu país (e por mim mesma, ouso dizer) é uma necessidade para mim. É um caminho que eu preciso trilhar. E preciso fazer isso sozinha, o que não quer dizer que não precise do seu apoio e de sua compreensão. Eu sinto sua falta. Falta do meu irmão caçula irritante, que todos os dias me acordava cantando aquelas músicas estúpidas no meu ouvido. Sinto falta das suas imitações. Sinto falta dos seus sorrisos. Sinto falta de ver o brilho em seus olhos quando você canta, ou quando fala sobre algo pelo que você é realmente apaixonado.



Eu espero, sinceramente, que você possa respeitar minha decisão. Não estou pedindo que aceite, que se conforme, que ache que estou certa. Só estou pedindo que seja meu irmão. Como sempre. E me apoie nisso, como me apoiou em todas as outras escolhas que fiz em toda a minha vida. Mesmo naquelas que acabaram gerando resultados negativos. Você está seguindo seu percurso, e eu estou seguindo o meu. Cada um faz o que sente que deve fazer. O que acha que deve fazer. O que quer fazer. E eu quero isso.



Não é por esse motivo, entretanto, que estou lhe escrevendo hoje. É para falar de uma coisa — na verdade, para falar de uma pessoa. Alguém que conheci há alguns meses, e não contei para você porque, honestamente, o clima entre a gente não anda lá essas coisas. Todas as vezes que nós nos falávamos, acabávamos discutindo sobre alguma coisa. Por isso, nunca tive a oportunidade de lhe contar.



Em setembro do ano passado, eu passei a me corresponder com uma garota chamada Rachel Berry. Eu entrei para o programa chamado “Cartas Para Soldados”, onde nos comunicamos com algum adolescente que está atualmente no Ensino Médio, e somos livres para conversar sobre os mais diversos assuntos. O objetivo é para ajudar ambos os lados — nós, os soldados, a termos alguém com quem nos comunicar nos dias difíceis; a conhecer mais a nossa juventude, da qual estamos afastados; a ter uma distração de tudo o que passamos. Eles (os adolescentes) ganham pontos de atividade extracurricular para ajudar a entrar numa Universidade, sem contar que é uma ótima ferramente para auxiliá-los a melhorarem a escrita. E como Rachel Berry perfeitamente apontou, levando-se em consideração a grafia errônea que utilizam nas redes sociais, eles realmente precisam.



De qualquer forma, estou me comunicando com esta garota. Ela tem dezessete anos, e mora numa pequena cidade de Ohio chamada Lima. Não sei se você já ouviu falar; antes de conhecê-la, sinceramente, se você me falasse “Lima”, eu pensaria que você estaria se referindo à capital do Peru. Enfim. Acontece que essa garota — Rachel — é uma pessoa muito especial. Preciso admitir que conversar com ela, ler suas cartas, escrever de volta, é uma das melhores coisas do meu dia. Ela me deixa… Feliz? Não sei a palavra exata. Mas é um sentimento diferente. Algo que não lembro se já experimentei alguma vez na vida. A cada carta aprendo algo único sobre ela, e entrego um pouco de mim mesma.



Nos últimos tempos, gosto de pensar que ganhei o direito de chamá-la de amiga. Rachel é uma daquelas pessoas que você precisa ter em sua vida. Alguém aberta, comunicativa, que não tem medo de ser quem ela realmente é, apesar das pessoas tentarem constantemente mudá-la, torná-la igual aos outros. Ela não abaixa a cabeça, embora. Nunca. Ela segue em frente, como a pessoa forte e determinada que ela é. Então, sim, talvez eu a admire. Muito. Não é comum encontrar pessoas assim nos dias de hoje. Pessoas tão sinceras (com os outros, e com elas mesmas). Pessoas tão… únicas, eu acho. Não saberia dizer qual a palavra correta para descrevê-la.



Acontece que Rachel Berry e eu temos algo em comum. Algo com o que você também pode se identificar. Assim como você e eu, Rachel perdeu alguém no atentado às Torres Gêmeas. A mãe. Ao que parece, a mãe dela, assim como nossos pais, também trabalhava em algum escritório de advocacia. Quanta coincidência, não é? De todas as pessoas com que eu poderia ter entrado em correspondência, enviaram-me justamente uma com uma história de vida com um fator comum. Quais as chances de isso acontecer? Pequenas, eu imagino. Mas acredito que isso combine com Rachel Berry. (Não a deixe ler isso, jamais; ela é… Hum… Pequena para a idade, se podemos colocar dessa maneira). Não apenas no relativo à altura, mas no que diz respeito a sua personalidade em si. Rachel Berry é uma em um milhão.



Rachel me avisou, na última carta, que o avô dela mora em Seattle. Nós temos conversado bastante, e eu contei a ela muito sobre você. Acho que isso deve tê-la deixado curiosa, porque ela me disse que quer te conhecer. Eu falei que precisaria verificar com você primeiro, então estou enviando este email na esperança que você tope conhecê-la. Você não vai se arrepender, Sam. Garanto. Será que você poderia fazer isso? Por mim? Por favor? Se eu não posso encontrá-la pessoalmente, ficaria mais do que feliz em saber que ao menos alguém que eu conheço possa. Ainda mais feliz se esse alguém fosse você.



Aguardo ansiosamente a sua resposta.



Da irmã que sente imensamente a sua falta,

Quinn Fabray.



P.S.: Não vá criando ideias malucas. Só porque eu quero que você conheça Rachel Berry, isso não significa que você está autorizado a flertar com ela. Não que ela fosse se interessar, de qualquer maneira. Enfim.

P.P.S.: Para deixar bem claro, ela estando interessada ou não, você está terminantemente proibido de flertar com ela.



De: Samuel Evans (samevans@zwer.com)

Para: Quinn Fabray (qfrabray@zwer.com)

Assunto:RE: Seattle & Rachel Berry.



Querida irmã,



Primeiro de tudo: você sabe que isto é um email, certo? E que não precisa dessa formalidade toda? Principalmente para conversar comigo. O seu irmão. Aquele que te acordava todas as manhãs cantando músicas irritantes de desenhos. Aquele que pregava peças em você ao menos uma vez por semana. Aquele que foi estúpido o suficiente para entrar com uma briga com a irmã mais velha só porque estava assustado. Aquele que te ama incondicionalmente.



Olhe, eu só queria dizer que sinto muito. Eu sei. Você está completamente certa. Eu tenho agido como um idiota pelos últimos tempos… É só que… Não sei. Em setembro fez dez anos, mas as feridas doem como se tivessem sido feitas ontem. Eu ainda sinto falta deles. Todos os dias. Ainda tenho pesadelos, de vez em quando, e é mil vezes pior porque agora não posso correr para minha irmã mais velha e me esconder debaixo de sua asa. O que significa que preciso crescer. E acho que estive tentando evitar isso, você sabe. A responsabilidade. O que foi idiota, e não vai acontecer novamente. Você tem todo o direito de fazer o que quiser da sua vida. Só me prometa que vai tomar cuidado, tudo bem? Nada me deixa mais assustado do que saber que você esta aí, arriscando sua vida. De que um dia eu posso atender um telefonema dizendo que… Bem, deixa para lá.



Eu só quero que você saiba que eu te amo. Muito. E estou orgulhoso de você por estar seguindo seu caminho, fazendo suas coisas, sendo quem você é. Sei que não foi fácil pra você ter que crescer com o peso da responsabilidade sobre suas costas. Sei que, muitas vezes, eu fui uma espécie de empecilho pra você. E, ainda assim, você nunca fugiu. Nunca me deixou na mão. Sempre foi a irmã mais velha que eu precisava ter — e a mãe, de vez em quando. É difícil, claro, não ter você por perto. Mas acho que em um momento isso teria que acontecer. Eu não poderia viver dependendo de você para sempre. E é meio ridículo, não é? Um cara de dezenove anos, na Universidade, ainda correndo pros braços da irmã quando as coisas ficam complicadas? É só que você é meu porto seguro, e não estou pronto para seguir nesse mundo sozinho, com minhas próprias pernas. Eu ainda preciso de você. Acho que, em parte, sempre vou precisar.



Mas, neste momento, eu vou me esforçar para ser o irmão que você merece ter. Não prometo sempre te entender, ou aceitar, ou achar que você está fazendo a escolha certa. Mas prometo estar lá por você, de todas as formas que eu puder, e sempre que você precisar.



Então, Rachel Berry, huh? Essa garota, seja lá quem for, com certeza causou uma impressão muito boa em você. Na verdade, se você não fosse hétero, eu começaria a desconfiar que talvez tenha uma quedinha por essa tal de Rachel. Você é hétero, não é, Quinn? Ou será que tem um pé no arco-íris? Hahahaha! Santana sempre disse que o gaydar dela apitou horrores perto de você — mas ela também disse que eu poderia polir a cabeça de uma criança com a minha boca, então não confio exatamente em tudo o que ela diz. Mas falando sério, se você for mesmo, você sabe, gay, você poderia me dizer. Quero dizer, eu meio que sempre desconfiei. Uma garota hétero não fica encarando a bunda da namorada do irmão, certo? Ou talvez você seja bi. Você teve namorados. Embora aquele último — qual era mesmo o nome dele? — fosse totalmente afeminado. E meio que tivesse dado em cima de mim. Yeah. Se você não é gay, ele definitivamente era.



De qualquer forma, você me deixou curioso para conhecer essa tal de Rachel. Quer saber? Acho que vou pesquisar o nome dela no Google neste exato momento. No Facebook também. Veremos como ela se parece (ou se tem alguma ficha criminal, ou coisa assim; você sabe, é meu trabalho de irmão mais novo e irritante verificar; e implicar com você sobre isso, claro).



Wow, Quinn. Acabei de achar o Facebook dela. Rachel Berry. Lima, OH. McKinley High School. Ela realmente só tem trinta amigos adicionados? Isso é meio… Triste? Ela não tem só isso de amigos, ou tem? Espere aí. Ela colocou dois homens como seus pais. É isso mesmo? Hiram Berry e Leroy Puckerman? Espere aí novamente. A maioria dos seus amigos no Facebook tem esse sobrenome. E Corcoran. Por parte de mãe, talvez? Embora ela não tenha colocado ninguém como mãe no perfil.



Bem, acho que agora entendo o que você quer dizer com Rachel Berry sendo única. Estou lendo algumas atualizações dela, e ela parece… Interessante? Cheia de energia, definitivamente. Soa como alguém que eu gostaria de conhecer. Acho que poderíamos nos dar bem, e… PUTA MERDA, QUINN! A VOZ DESSA GAROTA! Você só pode estar brincando comigo!! Isso não é humanamente possível! Uma pessoa não pode cantar tão bem assim! Fala sério, cara. E preciso admitir: ela é realmente bonita. Uma beleza exótica, mas ainda assim, uma gata. Espere, acho que acabei de encontrar um vlog com mais músicas. Você vai me dar licença um minuto. Preciso escutar isso, ou não vou ter uma boa noite de sono hoje. Não sabendo que perdi a oportunidade de escutar um anjo cantando.



Oh…

Wow. Ok. Pessoas são cruéis. Muito cruéis. Há uns comentários horríveis nos vídeos dela. Que idiotas! A voz dela é perfeita. Sem brincadeira. Suponho que eles estejam com inveja. Que coisa mais triste, cara. Espero que ela não deixe se afetar por isso. Existem idiotas no mundo inteiro tentando dizer que não somos bons o bastante. Mas o que eles sabem, afinal? Absolutamente nada, eu lhe digo.



Você está mesmo falando sério dessa coisa de não flerte? É uma pena. Enfim. Eu ficaria mais do que encantado em conhecê-la, e descrever o nosso encontro com todas as letras para você. Sei que você deve estar morrendo de curiosidade para saber como ela é. Eu estaria, no seu lugar. Principalmente com alguém tão bonita com uma voz tão angelical. Além disso, ela parece ser uma boa pessoa. Bem legal. E tem interesse pelas artes, então temos isso em comum.



Isso, e um pedaço de história de vida.



Nós dois, melhor do que ninguém, somos capazes de compreender a dor da perda dela. Em níveis que provavelmente ninguém mais pode. O que é uma droga.



Enfim. Só me avise com antecedência quando ela vai chegar, para eu poder me organizar melhor. No mais, pode contar comigo. E diga à sua Rachel que terei o imenso prazer em conhecer a garota da qual minha mana falou tão bem.



Preciso ir agora, Q. Tenho uma tonelada de coisas para estudar. Cara, essa vida de universitário não é fácil. Não mesmo.



Até mais, então.



P.S.: Ok, você venceu, eu não vou flertar com ela.

P.P.S.: Mas não prometo não contar coisas embaraçadoras sobre você. Ou mostrar suas fotos peladas na banheira quando você era bebê, hahahaha.

P.P.P.S.: Estou só brincando, não me mate.

P.P.P.P.S.: Diga a Satã que eu mandei um oi.