Cartas Do Passado

O sacrifício de Elizabeth (parte 2)


30 de Janeiro de 2003.

Após a partida de Lydia, a casa dos Bennet certamente ficou mais silenciosa. Sem a irmã, Kitty se tornara taciturna e reservada. A preocupação que tomava conta de Elizabeth e Jane não permitia que estas conversassem muito.

Finalmente Elizabeth entregara e apresentara sua monografia, concluindo o curso e se tornando oficialmente formada e desempregada. Sem saber o que queria e o que poderia fazer, o tédio e o ócio tomavam conta de Lizzie.

Todos os anos os tios levavam Elizabeth a uma viagem de dois meses por algum país. A menina já viajara pela Alemanha, França, Brasil e Argentina. Estas “férias” eram muito esperadas todos os anos, mas neste, em especial, Elizabeth estava inquieta. Seus tios a levariam por toda a Inglaterra, o que a deixava maravilhada, e, ao mesmo tempo, a tirariam daquele redemoinho de preocupações e pensamentos.

A viagem estava marcada para o dia 15 de Janeiro, porém o Sr. Gardiner tivera um imprevisto de última hora. A partida do grupo foi remarcada para 30 de Janeiro, mas, para pesar de Elizabeth, não poderiam fazer um tour tão extenso. Contentar-se-iam com boa parte dos arredores de Londres e algum lugar magnífico chamado Derbyshire. Este nome lhe era familiar, mas a moça não conseguia associá-lo a algo.

Assim que saíram de Nova York, Elizabeth sentiu-se melhor. Seus tios, apesar de mais velhos, possuíam gênios parecidos com os dela, eram amáveis e inteligentes. Com companheiros de viagem tão incríveis, logo a moça conseguiu reprimir boa parte de suas preocupações.

05 de Fevereiro de 2003.

Os dias que se seguiram foram magníficos para Elizabeth. Embora não parassem tanto tempo em cada local, as paisagens destes compensavam o infortúnio. Os ingleses, embora tivessem fama de taciturnos, eram amáveis, cordiais e gentis.

Visitaram Lambton, a cidade natal de sua tia, e Elizabeth foi informada de que esta ficava a apenas cinco milhas de Pemberley.

A moça gelou. Agora sabia de onde se recordava do nome Derbyshire.

Pemberley era a propriedade da família Darcy!

Precisou de todas as suas forças para controlar o desespero. Torcia para que o rapaz mantivesse sua tradição e não retornasse à propriedade. Que terror seria encontrá-lo!

– Lizzie, querida, gostaríamos de rever Pemberley. Seu tio me levou a conhecê-la quando ainda éramos namorados. O filho de Darcy, o falecido proprietário, ainda era um bebê! – os tios riram, alheios aos sentimentos conflitantes que tomavam conta de Elizabeth. – Wickham passou a infância lá. Concorda em conhecê-la?

Elizabeth tentou não ruborizar enquanto manifestava sua pouca vontade de ver o local onde Wickham crescera. Declarou estar cansada de tantas mansões do século passado e retrasado (embora aquilo não fosse verdade).

A tia zombou dela.

– Ah, Lizzie, se fosse somente a casa! Os jardins e o bosque de Pemberley são magníficos!

Espasmos de medo tomavam o corpo de Lizzie. Tinha o pressentimento de que Darcy estaria lá justo quando visitassem a propriedade. Não queria revê-lo nas atuais circunstâncias.

Os tios perguntaram a todos os conhecidos sobre os donos de Pemberley, sendo informados de que Darcy estava em Londres (possuía um escritório de advocacia e estudava para ser juiz) e Georgiana se encontrava em uma grande universidade de artes de Londres.

O alívio que tomou conta de Elizabeth era quase palpável. Por isso, quando os tios novamente pediram sua opinião, a moça disse que não se importava em conhecer a propriedade.

Durante a viagem até Pemberley, Elizabeth estava inquieta. Agora que seu maior temor passara, ela ansiava por ver as terras que Caroline tanto endeusava. E ansiava ainda mais por ver a vasta biblioteca da família.

Os bosques e jardins de Pemberley não a desapontaram. Eram verdes e vivos, mas misteriosos.

“Como o dono.”

Quando o carro do tio parou defronte a casa, Elizabeth sentiu que o coração lhe pulava no peito. Era, excetuando-se o Parlamento Inglês e o Palácio de Versalhes, a construção mais linda que já vira na vida.

Desceram. Ao aproximar-se da porta, Lizzie ficou apreensiva. E se Darcy ali estivesse?

Além disso, sentia-se como uma intrusa. Como ser bem vinda na casa de alguém que tão duramente criticara e rejeitara?

A governanta da casa, acostumada aos visitantes de temporada, não se importou em mostrar-lhes a propriedade. Tudo era mobiliado e ornamentado com objetos de outros séculos. A moça foi informada de que todos eram novos quando foram comprados.

Elizabeth arrepiou-se. Há quanto tempo Pemberley não estava na família Darcy!

A vista das enormes janelas era ainda melhor. As colinas que vira de perto pareciam uma obra de arte vistas de longe. “Dignas de Monet”, pensou Elizabeth. E este era seu pintor favorito.

Embora estivesse extasiada, toda aquela beleza a lembrava de porque rejeitara Darcy e isto, incrivelmente, a fazia sentir-se melhor. Seus escrúpulos eram mais importantes que uma paisagem deslumbrante e alguns móveis do século passado.

Ao chegarem à sala, Elizabeth deparou-se com a pintura gigantesca de um casal na parede central. Estacou, estupefata, com o que viu.

– Estes são Fitzwilliam e Elizabeth Darcy, os fundadores da família Darcy como proprietária. Pemberley pertencia a outro clã até 1797, quando o último herdeiro faleceu e esta passou para o sobrinho.

O que tanto deixara Lizzie eletrizada fora o fato de que o Fitzwilliam de 1797 era idêntico ao de 2003. E a Elizabeth de 1797...

Seu corpo tremia e ela ficou muitíssimo pálida.

– Lizzie, que coincidência! Esta moça se parece muito com você e... – A tia emudeceu ao ver que sobrinha desabava em um sofá. – O que aconteceu? Está bem?

A governanta correu à cozinha e trouxe um copo de água com açúcar para Elizabeth.

– Deve ser porque não comemos há algumas horas. – O olhar da tia, porém, estava cheio de desconfiança. – Beba, querida.

Lizzie sentiu-se um pouco melhor e pediu para ver os outros retratos um pouco mais de perto. Notou um em que o pai, a mãe, o pequeno Darcy e o bebê Georgiana posavam em frente àquela parede. A grande pintura, esplendorosa, sorria atrás do grupo.

“Isto não pode estar acontecendo”, pensava Elizabeth, a aflição tomando conta de seu coração.

A governanta também notou a semelhança com a moça e decidiu fazer um gracejo:

– Elizabeth Darcy foi uma moça memorável. Dizem que o Sr. Darcy teve de pedi-la em casamento duas vezes, pois na primeira ela se recusou terminantemente a aceitá-lo. A história que se conta é que ele havia separado um amigo da irmã de Elizabeth, Jane, causando profunda dor aos enamorados.

Neste momento, Elizabeth desmaiou.