.•*SEGUNDA-FEIRA

Damien estava fervendo de ódio. Sua pele alva estava ficando avermelhada como um tomate – e isso não era saudável, pois ele sabia que a próxima cor seria verde –, mas não tinha como evitar. Sofie causava isso nele.

A garota de cabelos castanhos continuava sorrindo, ainda que muito puta da vida.

— Cuidado, Damien. — Falou a garota, serena, como se ela e o loiro não tivessem acabado de rolar naquele chão em uma briga de atirar coisas. — Não vai querer esverdear como a mamãe, não é mesmo?

Thierry, que tentava separar a briga de maneira amigável, deu um tapa na sua testa e desistiu, se sentou na cadeira ao lado de Zara Smith.

Damien começou a sentir um formigamento de puro ódio subindo na sua nuca e suas mãos começaram a tremer. Ele sabia que estava prestes a ficar verde, e graças aos deuses não era verde de Hulk, pois se fosse, Sofie não passaria dali.

— Você é uma escrota! Isso que você é! — Damien apontou seu dedo indicador, que já começava a tomar uma coloração verde, no rosto de Sofie. — Você gosta de sabotar tudo que parece ser bom, inclusive minhas performances espetaculares. Você me empurrou de propósito! Eu podia ter morrido sua vagabunda inútil!

— Infelizmente nós não teríamos tanta sorte assim. — Sofie riu. — E por favor, tire essas suas salsichas verdes da minha cara. Você pensa que todo mundo tem um problema com você, Damien. Acorda, porra! — Ao gritar a última sentença, Sofie bateu na mão de Damien para afastar os seus dedos. — Ninguém se importa com um garoto metido de ego inflado, tá todo mundo cagando pra sua existência inútil! Então por que você não faz um favor pra todo mundo e some dessa escola? Volta para o seu fim de mundo perto do lago ou sei lá o que com a sua mãe estúpida que tem fetiche por dragqueens e cerveja barata de tavernas.

Silêncio. Depois do ataque de pelancas de Sofie, ninguém falou mais nada. Dylan, o melhor amigo da garota, estava boquiaberto. Nenhum outro membro do teatro falou depois disso.

Damien estava incrédulo. Ele sentia outra coisa queimar: seus olhos. Mas não queria chorar, não ali na frente de todo mundo. Deu um longo suspiro.

— Você chama a minha mãe de estúpida, mas não foi a sua a idiota que comeu uma maçã de uma desconhecida que estava envenenada? — Indagou, com a voz carregada de sarcasmo, mesmo embargada. — Ah, espera! Sua mãe é muito esperta mesmo. Acho que o único erro dela foi não ter comido aquela maçã quando estava grávida de você.

Foi a vez de Sofie ficar boquiaberta. Todos no teatro ficaram. Damien, por sua vez, sorriu. Sabia que tinha pegado pesado, mas era importante que Sofie sofresse nesse momento.

Deu as costas para a garota e para todos os demais e caminhou a passos pesados e rápidos para fora do palco. Todos os outros acompanhavam Damien com os olhos, mas ninguém tentou pará-lo.

— Ok. Estou farto desse drama. — Thierry finalmente se pronunciou, levantando-se de onde estava sentado. — Vocês dois são chatos pra caralho e não conseguem fazer nada sem um querer arrancar a cabeça do outro. O ensaio tá suspenso, vaza todo mundo daqui. Zara, apague as luzes.

— Apaga você. — Zara cruzou os braços e se levantou, mas foi diretamente para a direção da porta.

Damien não estava mais naquele auditório. Todos ali pensavam nele, mas pelas suas palavras, talvez por preocupação pelas palavras pesadas que o loiro tinha falado, mas o que ele não sabia era que tinha alguém sentado na cabine de iluminação, mais interessado do que o normal pelo estado do loiro naquele instante.

Huan Li observara tudo dali, com suas batatas chips e um refrigerante, mas não gostou nada de como tudo havia terminado. Apesar de ele achar que Damien ficava incrivelmente fofo quando ficava bravo, pelo fato do seu nariz cheio de sardinhas ficar arrebitado e o maxilar ficar ainda mais marcado, não era desse jeito que ele gostaria que aquela discussão tivesse acabado.

Fazia dois anos que Huan e seus irmãos estavam estudando fora da China, em conjunto com os filhos de outros heróis e vilões espalhados pelo mundo. Entre várias pessoas – como Youssef –, Damien foi o garoto mais excêntrico e diferente que ele encontrou nesse tempo.

Acontece que mais ninguém percebia como o filho da Bruxa Má do Oeste conseguia ser sensível as vezes. Mesmo por toda a acidez, grosseria e humor negro, Damien escondia um lado que ninguém conseguia ver. O lado que esperava provar que um filho de um vilão também poderia ser grande, um herói.

Reprimiu os lábios, pensando no loiro. Tinha que fazer alguma coisa e então, rapidamente, uma ideia veio a sua mente como se uma lâmpada se acendesse acima de sua cabeça.

— Puta que pariu. — Ouviu a voz indignada e puta de Thierry na porta da cabine de iluminação. — Você tava aí o tempo todo e nem pra apagar a porra das luzes? Eu subi tudo isso aqui pra nada? — Aumentou o tom de voz, incrédulo.

Huan sorriu, pegou o saco de batatas chips e seu copo de refrigerante e se levantou num salto.

— Não seja por isso, Thierry. Pode desligar tudo aí. — Passou pelo garoto e deu um tapinha no seu rosto.

— Ah, vai se fuder. — Thierry murmurou bem alto quando Huan já estava no meio das escadas.

.•*TERÇA-FEIRA

O tão esperado sinal tocou e Huan se levantou de seu lugar rapidamente, ignorando completamente o seu irmão que estava sentado do seu lado naquela aula específica. Ele precisava ver a reação de um certo alguém e aquele era o momento, pois nessa troca de aula todos aproveitavam para pegar seus materiais necessários nos armários.

Huan parou um pouco distante, mas perto o suficiente para conseguir enxergar o que queria. O armário verde-esmeralda decorado com pequenas estrelas. Algumas pessoas diriam que aquilo era brega, mas Huan pensava que era bem legal. Já havia dito ao dono que pensava isso, mas não parecia ser notado da maneira que queria.

Damien chegou na companhia de Russell na frente do seu armário. O loiro não parecia nem um pouco feliz, talvez tudo que tinha acontecido no anfiteatro ainda estivesse mexendo com a sua cabeça. Russell por outro lado, tinha um grande sorriso exposto no seu rosto e com alguns toques inocentes e divertidos, tentava passar essa alegria para Damien, sem sucesso algum.

— Russell. — Damien falou, com a voz firme e sem muita emoção. — Eu agradeço o que você está tentando fazer, mas por favor, cala a boca. — Sorriu, mas foi em forma de deboche. Russell se contraiu.

Todos conheciam aquele sorriso de DamienWicked. O sorriso que ele dava como um aviso “amigável”, antes de um soco ou algum feitiço em latim que te faria crescer uma cauda ou um nariz de pinóquio.

Damien suspirou e se desculpou, baixinho. Em seguida, abriu o seu armário. Juntou as sobrancelhas assim que observou o que estava do lado de dentro, e apontou para que Russell também olhasse.

Os dois pareciam confusos e surpresos ao mesmo tempo. Huan sorriu um pouco, tentando não deixar na cara que estava encarando descaradamente à Damien enquanto ele pegava aquele envelope verde esmeralda.

Damien estava abrindo o envelope naquele momento e abrindo o que queria um pequeno bilhete. Não tinha muita coisa escrita ali, Huan reconhecia que não era muito bom com palavras, mas naquele momento ele se sentia na obrigação de dizer alguma coisa; mesmo que por bilhetes anônimos.

Damien, eu queria muito que você soubesse o quão especial você é.

Sim, eu sei, você pode falar algumas coisas extremas de vez em quando.

Mas eu sei que você nunca sente o que fala.

No fundo você é apenas uma pessoa que precisa de carinho e... cerejas.”

Damien percebeu que junto com o pequeno envelope, também tinha um pote pequeno com algumas cerejas dentro. Ele sorriu, e não era um sorriso debochado, era um sorriso que realmente expressava uma felicidade.

— Isso é coisa sua, Russell? — Indagou para o amigo do lado, que riu.

— Eu não escrevo o que sinto, Day. — Suspirou e então esboçou uma feição maliciosa. — Eu acho que você tem um admirador secreto, Wicked.

Damien ficou vermelho e fechou o seu armário; guardou a carta no seu casaco e pegou uma cereja para ele e uma para Russell. Eles mudaram de assunto e começaram a falar sobre a próxima aula, mas o pequeno sorriso bobo de Damien continuava presente no canto dos seus lábios.

Huan tinha conseguido deixar Damien sorridente, vermelho e até mesmo tinha distraído a sua mente dos acontecimentos do dia anterior. Era uma vitória e tanto, mesmo que o loiro não soubesse quem havia enviado o bilhete.

Ele se perdeu nos próprios pensamentos bobos de adolescente apaixonado e não percebeu que Zara Smith estava bem do seu lado, encarando-o com uma confusão e depois olhando para o canto que sua atenção estava presa, tentando entender o porquê de Huan estar congelado ali.

— O que você está fazendo? — Ela perguntou, fazendo com que o garoto se assustasse e batesse as costas no armário atrás dele.

— Puta que pariu. — Colocou sua mão no peito, sentindo o seu coração acelerado e quase pulando para fora. — O que você está fazendo aí? Há quanto tempo está aí?

— Irrelevante. — Respondeu. — Vamos. Eu estava te procurando porque você é minha dupla na próxima aula. — Segurou a mão do garoto e começou a puxá-lo pelos corredores a força.

Huan deixou-se levar, mas sua mente estava em Damien. Nessa aula que viria a seguir, ele não veria o loiro. Tudo que ele pensava era: será que ele ficaria sorridente? Mostraria para alguém? Ou será que assim que virou a esquina, jogou o bilhetinho no lixo?

.•*QUARTA-FEIRA

Aula de educação física às 9 da manhã. Huan era o único que parecia animado naquele dia, cantarolava alguma música popular de rádio enquanto se alongava.

Chun, sua irmã mais nova, estava jogada no chão, mas a príncipio estava alongando as suas pernas. Zara havia desistido de fazer qualquer tipo de alongamento, só estava sentada no chão na companhia de Kami e Viola.

Damien apareceu no seu uniforme de educação física, ou seja, um short bem curto, meias três quartos e um tênis de atletismo, com um envelope, um CD do Fleetwood Mac e uma rosa verde esmeralda.

— Outra cartinha do seu admirador secreto, Day? — Russell perguntou enquanto fazia flexões.

— Que admirador secreto? — Zara se levantou na hora junto com Viola e as duas foram na direção de Damien, que olhava feio para Russell naquele momento.

— O que foi? — Russell perguntou, confuso, quando parou de fazer suas flexões. Então, se tocou, aquele olhar de Damien indicava que aquilo era um segredo. — Ah, foi mal. Eu achei que você tinha contado.

Huan tentou parecer o mais neutro possível, mas na sua cabeça a dúvida do por que Damien não havia contado para ninguém martelava forte.

— Eu recebi um bilhete ontem com algumas cerejas. — Damien contou resumidamente, vendo as garotas trocarem olhares maliciosos. — E aparentemente, recebi outro hoje.

— O que diz? — Chun se levantou do chão, parecendo ficar interessada.

“Às vezes eu me pergunto se você sabe,

O quão lindo você é quando fica irritado. Não sei se é saudável,

Mas o vermelho dá um destaque no seu rosto e seus olhos azuis ficam elétricos.

Eu não te culpo. A fada madrinha consegue ser chata quando quer. Eu também iria preferir ouvir um CD do Fleetwood Mac”

— Damien, você tem um admirador secreto! — Viola gritou, abraçando o amigo.

— Você já tem alguma ideia de quem pode ser? — Kami se aproximou, tomando o bilhete das mãos do garoto para ler melhor. — Eu aposto naquele seu colega de quarto, Ardor.

— Eu acho que aquele porco não conseguiria ser tão romântico assim. — Zara revirou os olhos e tomou o bilhete das mãos de Kami. — Pela beleza das palavras, só pode ser o filho de uma princesa... Ou rainha? Edvin, talvez?

Huan bufou. Aquelas garotas eram realmente péssimas em dedução, e conseguiam abusar do absurdo as vezes. Ele não percebeu, mas Chun olhava para ele o tempo todo com um daqueles olhares de desconfiança forte.

— E você, Huan? — A voz de Chun se fez presente, trazendo a atenção de todos para ela. — Quem você acha que é?

Huan tremeu, mas não deixou transparecer seu nervosismo. Endireitou sua postura e coçou os cabelos desgrenhados.

— Ah, sei lá. — Gaguejou um pouco e pigarreou. — Talvez o Dylan? Acho que o filho de uma sereia seria bem poético, né?

— Faz sentido. — Damien deu de ombros e voltou a conversar com as amigas.

O professor começou a apitar indicando de todos deveriam dar voltas no campo. Damien, Zara e Viola ficaram mais para trás, para continuar conversando. Huan estava na frente de quase todos, e ao seu lado, estava sua irmã.

— Você é muito idiota. — Chun falou, plena. Huan olhou para ela com uma sobrancelha levantada, esperando que a menor se explicasse. — Você achou mesmo que eu não ia reconhecer a sua letra e não ia perceber que aquele CD é o que ficava no fundo da sua prateleira, Huan?

O garoto foi pego de surpresa e arregalou os olhos, vendo sua irmã se divertir com a sua reação.

— Você não pode falar! — Exclamou, desesperado. — Por favor, Chun. Nós dois sabemos que ele nem sequer sabe que eu gosto dele.

— Você que pensa. — A garota soltou como quem não queria nada e passou a frente do seu irmão.

— Como é que é? — Huan gritou, confuso e distraído, nem sequer percebeu a pedra que estava na sua frente. A mesma pedra em que ele tropeçou e caiu de cara no chão.

O apito soou novamente, mas dessa vez era para que os alunos parassem de correr. Huan via tudo ao seu redor girar e sua visão estava turva, sua audição também não estava muito boa. Viu a sombra de alguém aparecer na sua visão, mas não conseguiu identificar de quem era.

— Você está bem? — A sua visão foi voltando ao normal e aos poucos o borrão tomou a forma de Damien.

— Você é um anjo? — Huan soltou, sem querer. Damien riu.

— Com certeza não. — Estendeu sua mão para o asiático, que a pegou sem pensar muito. — Puta merda, isso tá muito feio.

Huan voltou a sua realidade com aquela frase.

— Eu sei que não puxei muito a beleza da minha mãe, mas não precisa pegar pesado. — Huan fez um biquinho, sentindo sua cabeça doer. Colocou a mão nela. — Ouch.

Damien riu outra vez. Huan amava o riso dele, até mesmo os mais baixos conseguiam ser melódicos e energéticos.

— Eu tô falando do seu nariz. — Apontou. — Você tá sangrando muito, Huan.

— Ah... —Huan concordou baixinho, não tinha a mínima ideia de como estava o seu nariz, mas tinha certeza que sua cabeça doía como o inferno.

— Deixa eu ver. —Damien sorriu, doce. Huan estranhou. Em situações normais, o Damien que todos conheciam riria da sua queda e talvez até mesmo do sangue.

Damien segurou o queixo de Huan de maneira suave e firme. O asiático tremeu com o toque, e só piorou quando Damien começou a deslizar os dedos pelo queixo e pescoço do rapaz. O loiro mexeu a cabeça de Huan para o lado, examinando-o de todos os ângulos.

— Eu não sou curandeiro e assuntos medicinais me irritam, mas.. — Fez uma pausa, um pequeno sorriso inseguro de quem iria dar uma má notícia presente no rosto. — Eu acho que você quebrou o nariz.

Damien puxou um lencinho verde-esmeralda com um “eu te amo” bordado em dourado. Provavelmente, algo que sua mãe lhe dera. Passou o lenço de maneira gentil no nariz de Huan, que estava todo ensanguentado. O asiático gemeu, desconfortável.

— Vem. Eu te acompanho para a enfermaria. —Damien se levantou e lhe deu a mão.

Huan não pensou duas vezes antes de aceitar a ajuda. Um tempo a sós com Damien seria algo bom.

.•*QUINTA-FEIRA

Huan estava com um curativo no nariz. Ainda estava doendo, mas se ele pudesse voltar no tempo, quebraria o nariz outra vez apenas para ter mais um tempo na companhia de Damien. Conversar com o loiro era bom, ouvi-lo rir – e saber que o motivo de risos em meio a tristeza era Huan – alegrava um pouco o coração do asiático.

Huan já tinha escrito o bilhete do dia, só estava esperando a saída de Damien da sua sala.

O loiro saiu, desacompanhado dessa vez, e se surpreendeu ao ver Huanlhe esperando na porta.

—Huan? — Chamou, um tanto surpreso, o nome do asiático, que timidamente se aproximou. — Tá tudo bem? Como está o nariz?

— Quebrado. — Riu, mas sem muito humor. — É por isso que eu estou aqui. Queria te agradecer por ter ficado comigo na enfermaria ontem.

Damien assentiu, mordendo os lábios. Huan notou que Damien já estava com outro envelope junto com os seus cadernos e livros. Sorriu, arqueou as sobrancelhas e apontou para o envelope.

— Você recebeu outro? —Perguntou, tentando controlar o seu sorriso que tinha tendências a aumentar.

Damien assentiu, um tanto tímido; escondendo a carta. O presente que Huan tinha colocado dessa vez era um desenho, um desenho do rosto de Damien a partir da sua perspectiva, mas os olhos azuis, que eram tão claros quanto o céu, estavam coloridos em verde-esmeralda, a cor preferida do loiro.

— Eu estou quase acreditando que é realmente o Dylan. —Damien falou, apontando discretamente para o garoto que estava parado a alguns metros de distância, conversando com Sofie. — Ele estava desenhando paisagens durante a aula hoje.

Huan murchou. Por mais que ele fizesse toda aquela ação anonimamente, seu maior desejo era ser reconhecido pelo que fazia. Ele esperava, em algum ponto do seu coração, que Damien soubesse que era ele por trás de todas as palavras, envelopes e presentes. Mas era como se todos fossem uma possibilidade e ele uma exceção.

Damien parecia alheio. Sua mente estava nas nuvens e sua feição mais serena do que nunca. Era impossível de se dizer que o Damien que Huan via na sua frente era o mesmo que estava surtando na segunda-feira e desanimado na terça-feira. Era um Damien sonhador e talvez até mesmo apaixonado – mesmo que não soubesse por quem –.

O loiro voltou a sua realidade e fitou Huan, que parecia um tanto decepcionado, mas consertou sua expressão assim que viu que era encarado.

— Eu preciso ir. —Damien anunciou. — Você vem amanhã para o ensaio do teatro?

Huan estranhou, deixando seus lábios entreabertos. Não sabia que Damien já havia voltado para os ensaios do teatro, ainda mais quando sua rixa com Sofie não parecia ter sido resolvida.

— Você já voltou para o teatro? — Ele perguntou, talvez uma coisa idiota, quando fora o próprio Damien que havia lhe chamado.

Damien assentiu, com um sorriso travesso e um olhar de quem tinha muita coisa para aprontar de hoje para amanhã.

— Eu estou no clima para um bom caos. — Deu de ombros e começou a se afastar de Huan caminhando de costas. — Te vejo amanhã, Huannie.

Huannie. Huan sorriu com o apelido e sorriu ainda mais quando se lembrou quem havia lhe chamado daquela maneira. Era um desafio difícil, quase impossível, se segurar quando via Damien. Sua única vontade era puxar o garoto para uma sala vazia e beijá-lo como se não houvesse amanhã.

.•*SEXTA-FEIRA

Huan estava lá, na porta do anfiteatro, após o expediente das aulas. Estava até um tanto curioso para saber o que aconteceria a seguir, porque de uma maneira ou outra, Damien e Sofie precisariam conviver e Thierry precisava ficar são sem a necessidade de remédios.

Abriu a porta e entrou pela lateral que dava diretamente para as escadas do palco, mas não tinha ninguém por lá. Vazio. Nenhuma alma viva – ou morta – presente naquele anfiteatro além dele. As cortinas estavam fechadas, mas algo chamou a sua atenção.

Pendurado por um fio em um dos adereços do cenário, estava um pequeno papel rosa pastel. Sua cor preferida. Huan sorriu e foi na direção daquele papel, que tinha o seu nome escrito numa caligrafia muito conhecida por ele.

Huan,

Eu queria que você soubesse que também é especial. Principalmente para mim.

E eu sei que mesmo que não pareça, eu te enxergo.

Quando você está pensativo você faz um biquinho muito fofo e mexe no seu cabelo, o mesmo cabelo que eu sinto uma vontade enorme de bagunçar. Você tem esse negócio de brincar com os dedos quando está nervoso. Eu também adoro a maneira como você está sempre com uma cor de cabelo e sempre fica bem com todas elas.

Mas acima de tudo, você é especial para mim porque você é o único que me enxerga por quem eu realmente sou, e não pelo que eu pareço ser. Você é gentil, adorável, fodidamente lindo e acredito que você também precisa de amor, carinho e... cerejas.”

Huan não conseguia conter o seu enorme sorriso. Ele sabia muito bem quem havia escrito aquela pequena carta, era a mesma letra caprichosa e enfeitada de Damien. Até mesmo a cor rosa pastel ele havia acertado.

— Você realmente acha que eu não iria reconhecer a sua caligrafia? —Damien surgiu de um canto escuro do teatro. — Pelo amor de Zeus, Huan. Nós sentamos em dupla na aula de línguas.

Huan tentou não levar aquilo para o lado malicioso, mas acabou escapando no sorriso que deu em seguida. Damien percebeu e gargalhou. Não podiam culpar o asiático, estar ali, naquela situação, segurando aquela carta, com Damien na sua frente, era quase como um sonho.

E se fosse, Huan não gostaria de acordar.

Damien se aproximou dele, com as mãos atrás de suas costas, um pequeno sorriso de lado, aquele mesmo sorriso de ontem.

— Eu acabei de me tocar que eu esqueci de uma coisa! —Damien falou, fingindo um desespero, que levou Huan aos risos.

— O que? — O maior indagou, vendo o loiro se aproximar ainda mais dele.

— Toda vez que você me entregava uma carta —Damien começou a falar, parando a uma distância consideravelmente curta entre os dois. — Você me entregava um presente. E eu me esqueci de te entregar um presente.

Huan revirou os olhos, mas não deixava de sorrir. A malícia estava presente no seu rosto naquele momento.

— E você tinha algo para me dar? — Perguntou, vendo Damien rir outra vez com a safadeza descarada do asiático.

— Não. — Respondeu, sério. Viu Huan murchar um pouco. — Não dá pra enfiar o meu presente num armário ou pendurar nesse fio aí.

Huan ergueu o rosto, confuso. Foi nesse momento que Damien se aproximou de Huan e se colocou na ponta dos pés, alcançou os lábios de Huan e os selou com o dele.

Um beijo que pegou Huan de surpresa, mas que não demorou para ser retribuído. Um beijo que começou lento, sem muitos movimentos da parte de ambos, mas que logo tornou-se voraz.

Huan esperou muito tempo por aquilo – quase dois anos, para ser exato – e não perdeu mais nenhum minuto. Suas mãos seguraram firmemente o quadril de Damien e o puxaram para mais perto, colando os seus corpos de vez, na medida em que suas línguas dançavam em perfeita harmonia. Uma das mãos de Damien se enrolou no cabelo desgrenhado e castanho de Huan, enquanto a outra estava ocupada segurando o rosto do garoto.

Naquele beijo, todo o desejo, fogo e paixão foram colocadas, mas chegou o momento em que precisaram se separar na necessidade de ar. Damien tinha os olhos fechados, mas Huan estava com seus olhos bem abertos. Ele queria enxergar o rosto de Damien, o garoto que tanto desejava, após o seu primeiro beijo.

Damien sorriu, feliz, mas não satisfeito, e puxou Huan para si outra vez, iniciando outro beijo cheio de luxúria. Huan sorria entre os beijos. E os dois continuariam assim por muito tempo, talvez até mesmo partissem para outra coisa, mas as cortinas foram abertas e uma luz forte se fez presente, iluminando o rosto dos dois.

— Finalmente, caralho! — Chun comemorou, com um grito de felicidade.

Huan e Damien viram que agora tinham uma plateia. Zara, Viola, Sofie, Dylan, Chun, Russell, que estavam completamente em um misto de felicidade e choque e Thierry, que estava boquiaberta e um tanto puto também.

— Guardem esse fogo todo para as performances! — Ele gritou, subindo no palco. — Puta que pariu, vocês tão achando que meu teatro é literalmente um cabaré? Gente, cabaré é uma peça! — Todos riram com o desespero de Thierry.

— Quem sabe com uma rola ele não fique menos insuportável. — A voz estridente de Sofie se fez presente e de repente Damien se esqueceu de toda a culpa que estava sentindo, só queria socar a cara dela. — Só cuidado para não morrer engasgado quando for ser uma vadia promíscua.

— Quando isso vai acontecer com a gente, Sofie? — Chun soltou, maliciosa.

Sofie arregalou os olhos.

— O que?

Huan e Damien se entreolharam, os dois continuavam sorrindo. Eles estavam felizes. A luz forte ainda estava iluminando os dois, no centro daquele palco, mas não se importavam tanto com isso. Huan olhou para baixo e sua mão procurou pela de Damien, que lhe segurou a mão rapidamente.

— Nos vemos na aula de línguas, então? — Piscou para o loiro.

— Espero que essa não seja a única vez que use a sua língua.

Huan se inclinou um pouco e depositou um beijo na bochecha de Damien, que fechou os olhos para sentir melhor esse carinho.

— Com certeza não vai ser.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.