Cartas

Prendia o choro e guardava o bom do amor…


Se ela pudesse fazer três pedidos, ela pediria ele. Ainda faltam dois. Esses outros dois ela daria de presente a alguém. Talvez a um morador de rua que queira uma casa e um café quente. Daria ainda a uma criança ou a qualquer outra pessoa que deseje seja lá o que for. Mas porque daria? Tendo ele, ela não precisaria de mais nada. Mas talvez- não querendo ser egoísta e querendo de volta o presente de alguém- ela usaria mais um pedido. Pediria pra que o telefone tocasse.

Ela nunca sabe o que dizer depois do "alô", mas se ele só tocasse já estaria tudo bem. Quando eram mais frequentes, ela vivia sorrindo. A pergunta mais irônica que ele faria e ainda faz pra ela é "tudo bem?". É claro que está tudo bem, afinal, ele está ali com ela. Quer dizer, não está, mas está. Tem como não ficar bem quando ela olha uma foto dele? Tem como não ficar bem quando ela sabe que ele está feliz, que ele acordou contente, que ele bebeu e voltou vivo pra casa?

Muitos querem um final feliz, ela só quer a parte do feliz-com-ele, do final ela não quer saber agora.

Com ele perto ela perderia o chão, com ele longe, nem chão pra perder ela tem. Se ele viesse a tarde, desde manhã ela seria feliz, mas ela prefere ele vindo a noite, assim ela seria feliz o dia todo. Quando ele diz "oi" ou "oioi" tanto faz, ela responde da mesma forma grafada por ele, mas ela preferiria responder diferente, talvez com um "oi meu amor" ou só "meu amor". Ela não faz, porque vai que ele não goste, ou se confunda, ou não responda, vai saber.

Uma vez ela foi a igreja conversar com quem é capaz de a entender. Acordou, arrumou a casa, comeu qualquer coisa- porque achou que voltaria antes do almoço- e saiu. Seu destino era uma livraria no centro da cidade aonde se encontra de tudo, e quase tudo ela gosta. Ela ja tinha passado em frente a igreja, fez o sinal da cruz como de costume, foi até a livraria. Eles não tinham o que ela procurava- um livro de Caio Augusto Leite- e decidiu não procurá-lo e ir pra casa. Mas ai, ela sentiu necessidade de voltar e entrar na igreja, pra só sentar e ficar ali um pouco naquela paz. E assim se fez. Ficou um pouquinho ali, rezou um pouco- mas agradeceu do que pediu aquela vez- e viu uma daquelas irmãs que moravam em um santuário que fica ali do lado. Meio com vergonha, e até sem saber direito o que tava fazendo, pediu licença e perguntou se ela poderia conversar um pouco com ela. Se nome era Regina. Irmã Regina.

Ela não soube como começar, afinal o que ela iria dizer? "olha eu estou sofrendo por amor", não, e ela nem sabia qual seria a reação da irmã. Mas ela começou dizendo que estava angustiada e com vontade de chorar. Regina, ficou surpresa, mas tentou entrar na conversa.

— Uma moça tão bonita e nova, angustiada assim? Porque?

Ela ficou em silêncio, sem saber como responder, mas tentou ser sincera. E respondeu com outra pergunta.

— É que..- ela hesitou- eu gosto de uma pessoa mas eu não posso ficar com ela. Eu não sei como falar, mas eu precisava falar com alguém e eu não sei o que eu sinto, se é raiva por não poder estar junto, ou amor.

Ela viu que Regina não entendeu muito bem, mas pelo fato de ter dito se tem dúvidas sobre raiva de quem ama, a irmã perguntou.

— Quais as chances de você odiar uma pessoa que você ama?

Ela não soube o que responder, e ficou em silêncio.

— Querida, quando você se sentir assim, reze.

Ela só agradeceu, e foi embora.

Uma vez ela disse a ele que uma mulher tinha feito essa pergunta pra ela, mas não revelou a história toda, pra evitar explicações.

Mas na verdade ela sente falta de algumas coisas, que foi ela quem mandou embora. Sente falta de ser chamada de "vida" "mô". Mas ela não reclama e nem cobra, foi ela quem jogou tudo isso fora afinal.

Ele não está ali do lado, do ladinho, então cada palavra de carinho significa muito, porque como o tempo não pode o trazer, é o que faz com que ela sinta ele ali perto. Seria tão bom se ela pudesse ligar e dizer "oi, então eu to triste", e melhor ainda seria poder ouvir "então fica ai e me espera, que eu to chegando."

Ela cuidaria dele, mesmo ele não estando. Ela cuidaria dele mesmo a distância os impedindo de se ver. Ela cuidaria dele só pra ver o seu sorriso todos os dias. Ela cuidaria dele.

Ela sabe que as vezes é exagerada demais, e boba demais. Perdoem ela, ela diz as coisas sobre o seu coração, e o coração vocês sabem, às vezes é bobo.

Ela gostaria de outras cinco coisas. Primeiro o amor. A segunda ela gostaria do outono, o inverno que ela tanto gosta em terceiro, e o verão também. Faltou a primavera que ela tanto ama. Mas em quinto lugar ela queria olhar nos olhos dele. Ela abriria mão da primavera, pra que eles se olhassem.

Ela gosta daquela daquela parte do dia em que o sol está indo embora, e o céu vai ficando azul, laranjado, meio rosa, um pouco roxo.

Mas ela gosta porque é lindo.

Lindo como ele.