Cartas

Então porque não vem?


Está preso. Bem ali, no comecinho da garganta, louco pra sair.

Ela não quer demonstrar uma fraqueza assim, tão explícita. Coloca uma música. Pronto, ela acaba de o convidar pra sair.

Ela faz uma força tremenda, mas não consegue e acaba piscando, e ele sai, não está mais preso e está fazendo o coração dela gritar.

Ela chora. E os motivos? Só ela sabe, mas não gosta nem de falar pra si mesma. Aquela coisa de "olha pra cima, respira fundo" não funciona mais com ela. Olha pra cima agora pra conversar com Deus, e pedir pra que ele tire essa dor do peito dela.

Coloca a mão na frente da boca, pra que aquele som de choro com soluço não saia, e acorde alguém. A porta esta só encostada. E já são mais de 1 hora da manhã, ela sabe que o sono ainda não é pesado essa hora da madrugada.

Está quase passando, está naquela fase da agonia, em que se respira fundo, bem fundo e solta o ar pela boca. Ela só esqueceu que seu coração está com raiva dela, e então ele manda a melhor lembrança dele para o cérebro, ela lembra, e mais uma vez chora.

Mais do que amar, ela tem um problema maior. O coração a odeia. Pelo motivo mais clichê que existe "sabia que ia se machucar". De vez enquando os dois conversam, trocam faíscas.

Ele faz sempre questão de lembrá-la

— Eu estava aqui, quieto no meu canto.

— Eu ja decorei esse texto , ela interrompe.

— Decorou, e faz sempre a mesma coisa. Eu estava bem, amando a vida, as pessoas legais que você vai colocando aqui pra dentro. Mas ai de repente você começa a me fazer disparar igual um doido, começa a tremer a suar, e não me explica.

Ela o interrompe novamente — E precisa dizer? Precisa explicar?

— Claro que precisa!

Ela suspira, esta quase chorando novamente.

— E não é bom? Não é bom disparar de amor? Sentir essa coisa boa que eu sinto, quanto te faço disparar só pra lembrar que é nele que eu estou pensando, que é com ele que estou conversando?

— Sabe quantas vezes esse seu amor me machucou, me fez gritar de dor?

— Eu sei, mas eu também... - ele a interrompe.

— Dói.

— Eu sei - ela sussura — muito - ele completa.

Ela já percebeu que todas as vezes que não está aguentando, quem olha pro alto e diz : "Pai, ta doendo!" é ele.

Ele sempre aceita amor, é uma obrigação, se ele não aceita ela não vive. Muitas vezes ela gostaria que ele somente pulsasse sangue pro corpo e mais nada. Muitas vezes ela só gostaria que seu cérebro, só trabalhasse pra decorar contas, numeros de telefone, a hora que ela tem que levar a roupa na lavanderia, ou ainda a hora da novela.

Tudo ao contrário.

O cérebro só lembra das palavras, do rosto, da voz. O coração implora ele perto, ao menos perto, não precisa nem tocá-lo. Só perto.

A vontade dela é a de entrar dentro de um ônibus e seguir pela estrada ao encontro dele, mesmo sem saber se lá ele está com outra, sozinho, ou sem estar. Ela quer tentar.

Chegar, abraçá-lo e voltar embora já valeria a pena pra ela. Ela já teria sentindo seu abraço, sua respiração na orelha, a voz rouca no ouvido. Pronto, ela teria matado a vontade que seu coração tem de ouvir o coração dele. Teria matado o desejo do cérebro de poder gravar aquele momento.

Ela chora sempre, com motivos ou sem. Quando lê o que não quer ou o que quer. Quando ouve uma música, ou simplesmente quando olha uma foto. Ela chora, porque não tem ninguém pra desabafar, e são tantos sentimentos acumulados que ela precisa chorar pra esvasiar um pouco a alma.

Ela só o ama, demais.

Ela tem medo de não aguentar.

Ela acha que ele não se importa. Ele diz que sim.

Então porque ele não vem?