Carta para você

Um Plano (Quase) Infalível


Eu só precisava ter um tempinho à sós com a minha irmãzinha. Algo que vinha sendo difícil, já que eu não estava tendo a oportunidade e Jenny tinha colocado a garota em tantas aulas extracurriculares – isso sem contar as aulas que Sophie tinha com a equipe – que tinha dia que eu achava que a minha irmã iria dormir em pé de tão cansada. É lógico que isso nunca acontecia, porque ela tinha uma bateria infindável, mesmo assim, eu achava injusto.

Levou quase três semanas desde que eu tinha conversado com a equipe, e finalmente eu tinha conseguido sequestrar Sophie. Era literalmente um sequestro, em plena sexta-feira eu apareci do nada na porta da escola dela e a carreguei comigo até algumas lojas de móveis.

— Kells, a mamãe sabe que eu tô aqui?

— Já deve estar sabendo, já que eu avisei para o seu motorista.

— Ahn... – Ela soltou e começou a olhar os móveis. – Para a sua casa nova?

— São sim.

— Papai e eu estamos trabalhando no seu escritório... eu estive na sua casa nova. É grande. E tem uma piscina...

— Você está ajudando o papai?

— Sim.

— Então vocês dois conversaram?

— Sim.

— Eu preciso mais do que “sims”, Sophie.

— É, nós conversamos, naquele dia que saímos para comprar a roupa dele. E por falar na roupa, ele foi fazer a prova ontem.

— E como ficou?

— Tá bonito! Ainda faltam mais duas até o casamento, mas o papai vai ficar bonito naquele smoking. Vovô vem na semana que vem... mas ele vai ficar fofo de qualquer jeito, vovô é igual ao tio Ducky, sempre serão fofos.

— Fico feliz em saber que vocês dois voltaram ao normal.

— Quase... papai não fica muito lá em casa... porém a gente tá tentando fingir que isso é normal.

— Entendo. E como vão os móveis? – Eu realmente estava curiosa com eles.

— Já tá bem adiantado... Vai ficar tão bonito quanto o escritório da mamãe.

— Mais detalhes, por favor.

E a Ruiva abriu um sorriso sapeca.

— Não. Vai ser surpresa. Um dia, quando você chegar de Annapolis, vai estar tudo pronto...

Haja ansiedade...

— E o quarto?

— Só vou dizer uma coisa.

— Que é? – A essa altura, nós duas estávamos paradas perto do setor onde vende camas e travesseiros.

— Você vai ter um closet. E eu desenhei o seu closet e o do Henry... Já que ele parece ter uma coleção de ternos maior do que a do Tony.

— E esse é o seu presente para mim?

Ela gargalhou....

— Não.

— Você vai me ajudar a enchê-lo de roupas?

Ela tornou a rir.

— Você não faz ideia do que vai ser!

Mandei um travesseiro nela e a danada conseguiu desviar antes que chegasse perto.

— Você está virando uma ninja também?

— Tô tentando. – Ela deu de ombros. – Kells, por que estamos olhando camas se você ainda nem sabe como vai ser o seu quarto?

— São para os quartos de hóspedes.

— Por que você quis uma casa tão grande? Quantos filhos você quer ter? Um time de futebol?

Foi a minha vez de rir.

— Eu ainda não pensei em filhos, Sophie. Você ainda é muito nova para ser tia. Acontece que com todos aqueles quartos, eles devem ser mobiliados, e é por isso que estamos aqui.

— Vão ser camas de casal em todos os quartos? – Ela quis saber, pulando em cima de uma.

— Sim.

— Eu vou gostar de me hospedar lá... cama de casal é tãããããããããõoooooo espaçosa... dá pra me afogar no meio das cobertas.

— É claro que a dorminhoca ia pensar justo no tamanho da cama... – Puxei o pé dela.

Rodamos a loja, nessa primeira eu saí com a minha sala de jantar. Enorme também, já que eu esperava reunir a minha família, e com todos aqueles agregados, não podia ser qualquer mesa.

Estávamos indo para outra loja, quando Sophie começou a falar das férias.

— Sabe para onde eu queria ir? – Ela disse.

— Londres?

— Também, mas eu queria conhecer a Itália.

— A fashionista solta na Itália... coitada da Jenny!!

— Mas esse ano não vamos viajar, de novo. Não tem problema. E você, Kells, tem vontade de ir para onde?

Pensei, pensei e depois de juntar todas as minhas opções, perguntei:

— A galáxia é o limite?

— Se você tiver uma roupa de astronauta, sim.

— Ilhas Gregas. Lá tem tudo o que eu amo, sol, praia, mar, história, uma paisagem deslumbrante.

— Você fala grego, Kelly?

— Algumas palavras. Mas com certeza a Grécia é um lugar que eu adoraria conhecer. E você? A Itália não conta, sei que você já foi lá. Qual país?

Sophie pensou.

— Espanha e Portugal. Depois Machu Pichu e eu quero abraçar um koala na Austrália. E ver a casa do Papai Noel na Finlândia, e a Aurora Boreal na Noruega.

— Poucos lugares, hein?

— Esses são só alguns. Eu tenho uma lista.

Arregalei os olhos para a baixinha.

— Espero que você tenha muito dinheiro para conhecer todos eles. – Fui sincera.

— Eu também. – Ela balançou a cabeça.

E continuamos o nosso passeio pelas lojas. Quando Sophie reclamou de dor no pé e de fome, resolvi que não faria mal pararmos para jantar, mesmo que ela tenha protestado que queria jantar com a mãe.

— Jen não vai ligar. E falando em ligar, eu preciso de um favor seu.

Sophie levantou o rosto do cardápio e me encarou.

— Que tipo de favor? Se for para te contar como vai ficar o seu quarto eu não vou falar.

— Não tem nada a ver com o meu quarto, tem a ver com a Mala Sem Alça.

Se antes eu tinha a atenção da Sophie, agora eu tinha o seu interesse, pois ela tinha tombado a cabeça e levantado uma sobrancelha.

— O que você vai fazer sobre a Mala?

— Eu só vou te dar as instruções. É você quem vai agir.

— E o que eu vou ter que fazer?

— Há quanto tempo você não tem crise de enxaqueca?

— Quase um mês.

— Agora você vai ter...

— Por quê?

— Para sair mais cedo da escola, em uma sexta-feira, e dar de cara com a Coronel no NCIS.

— Não. Eu não quero conhecer a bruxa.

— Sophie... eu preciso que ela fique sabendo sobre você e sobre quem é a sua mãe.

— Isso não vai dar certo, mamãe me mandou ficar o mais longe dela que fosse possível.

— Você não vai ficar perto dela. Você só precisa estar no mesmo prédio que ela, e tem que fazer com que o papai note que você não está bem.

— Isso é mentir, Kelly. Eu não gosto de mentiras. É feio. E não quero deixar a minha mãe preocupada. Ela já tem muita coisa na cabeça...

— Sophie...

— Eu não entendo como isso pode fazer a Coronel sumir.

— Um dia eu vou poder te explicar sem tentar editar as partes que você ainda não entende.

— Resume então.

— A Coronel não vai gostar de saber que o papai tem uma filha com a superiora dele. E nem que ele tem que passar muito tempo perto dela.

— Você quer fazer a Mala ficar com ciúmes?

— Bem isso.

— E eu só tenho que fingir passar mal de enxaqueca em uma sexta-feira?

— Sim.

— E o resto? Tem mais alguma coisa?

— O resto é com o pessoal da equipe. Você só precisa fingir estar com dor de cabeça, uma bem forte, e depois fazer cara de mártir sofredora.

— O que é uma cara de mártir sofredora?

— Cara de quem está passando muito mal.

— E se a mamãe me levar direto para casa?

— Ela não vai, ouvi dizer que ela tem passado muito tempo dentro do MTAC em uma operação secreta. E como se trata de você, ela sabe que as melhores babás estão dentro do NCIS.

— Então só uma enxaqueca. Isso é tudo o que eu tenho que fazer?

— Exatamente. Você faz teatro, vai tirar de letra fingir.

— E se a mamãe descobrir? Ela vai me por de castigo!

— Ela não vai descobrir. E se, isso é muito difícil, ela desconfiar de algo, vai culpar a mim, não a você...

— Não sei, Kells... a mamãe SEMPRE descobre tudo... o papai também.

— Eles não vão descobrir, Moranguinho, vá por mim.

— Então isso vai ser como a Regra #04?

— Mais ou menos... Abby, Tim, Ziva e Tony sabem. – Falei.

— Isso não vai dar certo! É muita gente no segredo...

— Sophie... vai dar certo. Confie em mim, eu sou a expert em Planos Infalíveis.

Minha irmã me encarou, certa de que algo daria errado... depois suspirou e me perguntou.

— Quando que eu vou ter que dar uma de atriz?

— Na próxima sexta, tá muito em cima?

— Kelly, se eu morrer, eu vou assombrar a sua festa de casamento! – Ela me ameaçou.

— Se chegarem a te matar, Sophie, pode ter certeza de que eu e os outros quatro já estaremos mortos.

Ela fez uma careta.

— Então quem vamos assombrar se morrermos? A Coronel?

— Essa é uma boa ideia...

— Tá bom... na sexta-feira...

— E o mais importante... você não pode contar para ninguém. Mesmo quando você estiver dentro do prédio do NCIS, tem que fingir que ninguém sabe que você está mentindo.

Fingindo... olha a semântica!!

— Tudo bem, Sophie. Fingindo.— Me corrigi, ô garota que adora detalhes!

— Você vai estar aqui?

— Não. Para dar mais veracidade ao caso. Mas pode ter certeza de que vou ligar toda preocupada sobre a sua “crise”.

— Acho bom.... senão papai vai ficar desconfiado.

— Ele não vai, Sophie. Ele não vai. Ele vai ficar é apavorado!— Garanti.

— E por que você está dizendo isso, Kells? – Ela se levantou da mesa, imitando o meu movimento.

— Eu já vi em primeira mão o papai apresentando as namoradas para mim.

— Ahn... como foi com a mamãe?

Parei para pensar...

— Foi por carta. Depois por telefone. Até que um dia ela deu a louca e me levou para Londres, era o aniversário do papai. Eu só fui conhecer a Jen depois de muito tempo...

Sophie tinha os olhos arregalados.

— Londres? Mamãe sempre me falou que vocês foram à Paris!

Acho que tinha falado demais.

— Também teve Paris. Na verdade, foi em Paris a última vez que vi papai e Jen juntos, bem, isso antes de vocês voltarem para cá.

Sophie ia me seguindo, mordiscando o chocolate que tinha comprado para ela. Tentando a todo custo fazer o doce durar por mais tempo, pois ela sabia que a mãe estava controlando o consumo.

— Sabe de uma coisa, Kelly. Vocês adultos são todos complicados. Ninguém fala a verdade para ninguém. É você que não fala para o papai que não gosta da Coronel. É a mamãe que não conta para o papai o que realmente acontecia antes dele desmiolar e sair para o safári da margarita, é o Tony e a Ziva que não se acertam... não sei o motivo de todo mundo ficar fingindo que tudo está normal quando nada está normal.

— Você vai ser psicóloga quando crescer?

— O tio Ducky é psicólogo e levou um tempão para voltar a conversar normalmente com o papai. Até ele não falou a verdade!

Resolvi mudar de assunto, ou Sophie iria soltar qualquer outra coisa.

— E até você está com medo de se casar... e não falou isso para o Henry, que também está com medo. Se vocês dois estão com medo, por que vão se casar?

— Já parou para pensar que a sua vida é mais simples, por que você tem pessoas que tomam as decisões difíceis para você?

— Se crescer é ficar com medo de tudo e não poder falar a verdade nunca, eu não quero crescer!

— Se essa fosse uma possibilidade, Soph. Eu a teria escolhido.

Sophie bufou ao entrar no carro. E algo me veio à cabeça.

— Como Tony e Ziva? O que eu tô perdendo?

— Como você nunca viu? Eu já cansei de falar que os dois estão mais chegados do que nunca desde que papai desmiolou geral.

— Papai não desmiolou... ele teve amnésia. – Informei.

— Ele tá desmiolado! Olha quem é a namorada dele! – Se minha irmã estivesse de pé, teria batido o pé e colocado as mãos na cintura para provar o seu ponto.

— E não cabe a você, sozinha, tentar arrumar o mundo, Sophie, todo mundo comete erros.

— Eu não quero arrumar o mundo. Quero arrumar a minha família. Só que eu tinha que nascer na família mais complicada da face da terra!

— Você tá exagerada hoje!

— Aprendi com você! – Ela me sorriu.

— Maluquinha.

Ela não respondeu nada, só deu um grande bocejo em ficou olhando para fora, o que se passava dentro daquela cabecinha era um mistério para mim.

Já eram quase oito da noite quando eu a deixei em casa, pela cara de Jen, ela já estava subindo pelas paredes de nervoso.

— Eu sei que está tarde, mas precisava dos conselhos dela. – Informei para a mamãe ursa que me olhava um tanto raivosa. – E nós já jantamos.

Jenny olhou para nós duas, como se soubesse que tínhamos ou que íamos aprontar algo.

Sophie estava parada ao lado da mãe, a olhando surpresa também, Jenny parecia um tanto ansiosa.

— Tá tudo bem, mamãe?

— Claro que sim, só preocupada com vocês duas. Vai dormir aonde, Kelly?

Sophie não relaxou com a resposta da mãe e, também não arredou o pé. Já eu, preferi sair pela tangente e ficar longe da minha irmã para que nada do meu plano mirabolante escapasse.

— Vou ficar o papai... falta pouco para sair de lá em definitivo. Boa noite para vocês, e muito obrigada pela ajuda hoje, Moranguinho! – Baguncei os cabelos da minha irmã e me despedi de Jen. A gente se vê no final de semana, se ninguém da equipe for te sequestrar.

— Nesse final de semana vamos ficar quietas em casa, Kelly, é bem-vinda a hora que quiser.

— Valeu! Dou uma passada aqui antes de voltar para Annapolis! – Gritei já em direção ao carro.

Acenei um adeus e fui, vi a cara receosa com a qual Jenny fechou a porta, algo está acontecendo, restava saber o que era.

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Sophie quicava em expectativa do meu lado. Ela tinha algo muito importante para me contar.

— O que você quer me dizer, filha? – Perguntei enquanto fazia uma ronda em torno do primeiro andar, verificando portas e janelas, Sophie vinha me seguindo, sua ansiedade fazendo com que ela pulasse ao invés de andar atrás dos meus calcanhares.

— Eu sei para onde a Kelly gostaria de ir viajar! – Disse toda alegre.

Já não era sem tempo.

— Então foi isso que vocês ficaram conversando?

— Na verdade, falamos sobre um monte de coisa, e entre um assunto e outro, eu comecei a falar que queria ir à Itália, aí perguntei para onde Kelly tinha vontade de viajar. Do jeitinho que a senhora me falou para fazer. – Ela sorria orgulhosa de si mesma.

— Muito bem. Por que a senhorita interrogadora de primeira não sobe e vai tomar um banho e depois me conta com detalhes o seu passeio com a sua irmã?

— Vou poder dormir no seu quarto hoje? Por favor! – A sapeca fez aquela carinha de cachorro pidão. E dada as circunstâncias de que eu tinha certeza de estar sendo observada, não pude dar outra resposta a não ser:

— É claro que pode, filha.

— E banho de espuma na sua banheira? – Ela sabia que já estava extrapolando, contudo, não iria desistir.

— Sabe preparar?

A resposta dela, só saiu correndo escada acima.

— Cuidado para não cair, tanto na escada quanto no banheiro. E não faça tanta bagunça! – Adverti.

— Tá bom, mamãe! – Ouvi a voz abafada dela.

Enquanto ouvia os passinhos de Sophie no segundo andar, indo voltando entre o meu quarto e o dela – muito provavelmente carregando as coisas dela para o meu quarto – fui até meu escritório e guardei no cofre os documentos que estava analisando antes de Sophie e Kelly chegarem.

Tony já tinha conseguido a confiança da filha de Benoit, só que Jeanne não parecia saber muito sobre o que o pai fazia. Era uma perda de tempo. Já a minha outra informação era mais valiosa, porém, dez vezes mais perigosa. Um passo em falso meu e muita coisa seria colocada em perigo. Inclusive minha filha.

Fechei o relatório. Iria lembrar Tony de começar a se afastar do alvo, já na próxima semana, assim, ele poderia começar a agir normalmente dentro da agência e depois dar adeus ao seu disfarce. Tranquei tudo na gaveta, peguei minha arma para escondê-la em meu quarto, fechei a porta do estúdio e segui os sons da cantoria de Sophie. Estava na hora de esquecer toda essa operação e me focar em ser mãe da desafinada garotinha que cantava a música tema de Anastácia.

— Vira o disco, vitrola quebrada! – Falei na porta do banheiro, depois de esconder a arma.

— Mas eu gosto dessa música, mamãe!! – Ela me respondeu depois de mergulhar no meio da espuma.

— Mas você deve gostar de outras músicas que não seja só essa! – Me sentei na beirada da banheira para poder lavar os cabelos dela, pois se deixasse, ela só molhava e achava que estava limpo.

Sophie fez uma carinha de sapeca e eu previ o que viria.

— Nem pense, eu já não aguento mais ouvir as músicas de Mulan. – A adverti e joguei um pouco de água no rosto dela que riu da minha brincadeira e depois comecei a notar que Sophie repassava quais desenhos que ela assistia até enjoar, pudessem ter outras músicas tão repetitivas quanto as duas anteriores. Ela não encontrou e eu agradeci por isso. O que não significava que ela deixaria de cantar. Pisquei e ela começou a cantar algo que não reconheci.

— Que música é essa? – Perguntei, já enxaguando a cabeleira ruiva.

— Ouvi hoje com a Kelly. Ela tem o CD e tava tocando no carro. Chama Fix You. A banda é Coldplay. Bonita né?

— Ainda não ouvi, mas vou procurar. A cantora não tá ajudando muito! – Brinquei.

— Mamãe!! – A ruivinha chiou.

— Anda, você já está aí há muito tempo, hora de sair. Se você ainda quiser me contar as novidades, é claro.

Sophie relutantemente saiu da banheira e me deixou secar o cabelo dela. Com a pequena de cabelo seco e já em seu pijama repleto de morangos, era a minha vez de me arrumar para deitar.

— Agora fique quieta até que eu tome o meu banho!

— Tudo bem.

E esse tudo bem me deu arrepios.

Quando voltei para o quarto, ela tinha o meu notebook ligado apoiado nas perninhas.

— Aqui a música! – Ela deu o play na música que ela estava cantando mais cedo. E, milagrosamente, ficou quieta enquanto eu absorvia a letra e a melodia.

A música acabou e eu me odiei por prestar atenção na letra. Como pode descrever perfeitamente um momento da minha vida.

— Quer ouvir de novo, mamãe? – Sophie me perguntou.

— Não precisa. Mas você não ligou o meu computador só para isso, não foi?

E ela, muito esperta, virou o notebook para que eu visse a foto de um lugar.

— As Ilhas Gregas?

— Sim, é para lá que a Kelly tem vontade de viajar!

Me sentei do lado de Sophie, colocando outro tipo de música para tocar, um pouco de rock dos anos 80 não ia matar a minha pequena, e juntas começamos a olhar os pacotes de viagem.

Nos esquecemos da hora, absortas demais em cada uma das ofertas que víamos e quando dei por mim, a luz do outro lado da janela mudava.

— Mamãe... já tá amanhecendo? – Sophie perguntou coçando os olhos.

Olhei para o relógio do computador. Eram 5:30 da manhã.

— Sim, filha. Dessa vez ultrapassamos todos os limites. Olha a hora! – Apontei para o canto da tela, indicando o relógio.

Sophie olhou para mim, para a tela e depois para a janela, completamente desorientada.

— Mamãe, tivemos uma noitada na frente do computador!! Como a senhora deixou isso acontecer?

Eu deixei acontecer? Não foi a senhorita que sempre queria mais opções?

Minha filha deu de ombros.

— E agora? A gente levanta ou vai dormir? – Ela quis saber.

— Você tem alguma coisa para fazer hoje?

— Não... pera, - Ela mordeu a ponta do dedão enquanto pensava. - Tenho. Tenho dever de casa!

— Pode ser feito na parte da tarde. Anda, para debaixo das cobertas, vamos ver se pegamos no sono antes de clarear completamente.

Sophie fez o que pedi, mas não dormiu de primeira.

— Mamãe...

— Sophie, por favor, eu preciso dormir!

— Mas a gente não se decidiu qual pacote vamos dar para a Kelly de presente de casamento!

— Isso resolvemos mais tarde. Anda, fecha os olhos e vai dormir. – Puxei a espevitada ruiva para perto de mim.

— Mas eu não tô com sono, mamãe.

— Filha, você virou a noite. Te garanto que vai bastar fechar os olhos e você vai dormir.

— Se a senhora está dizendo... – Ela se ajeitou do meu lado e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, começou a ressonar.

— E depois não estava com sono... – Murmurei ao beijar o topo de sua cabeça.

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Depois de definir o presente de Kelly, no sábado à noite, já que eu e Sophie desmaiamos e só fomos acordar no meio da tarde - isso porque Jethro ligou, perguntando como nós duas estávamos, - eu só tinha mais duas missões para o casamento de Kelly.

Uma envolvia Sophie e seu gosto ímpar para sapatos. A outra eu teria que ir pessoalmente, minha pequena ainda não entende de joias o suficiente para me ajudar.

Nosso domingo passou rápido, Kelly, como tinha dito, passou por aqui, Jethro junto com ela, ficaram pouco, mas foi o suficiente para que desse uma sensação de que as coisas poderiam se acertar de um jeito confortável para nós e menos traumático para Sophie. Os pais não moram juntos, mas convivem pacificamente. Isso era bom para ela. E, na hora de ir embora, depois de se despedir de Sophie, Jethro tornou a beijar a minha testa e novamente eu não entendi nada.

Já na segunda, chamei Tony até meu escritório e o avisei que era para começar a se distanciar do alvo. Jeanne Benoit não sabia de nada e eu não queria que um romance falso prejudicasse a vida dela e, principalmente, a de Tony. Ziva é esperta, ela desconfiaria de algo mais cedo ou mais tarde e ficaria além de magoada com DiNozzo e comigo.

Ele quis continuar, para tentar descobrir mais alguma coisa, mas eu não permiti. Não valia a pena o risco.

— Com todo o respeito, Senhora, gastamos todo esse tempo à toa?

— Não, Tony. Eu tenho as informações que preciso. Vai dar certo. Não se preocupe mais com o que vai acontecer, se preocupe em manter o seu disfarce até a sua parte esteja completamente terminada.

— Sim, senhora.

— E muito obrigada por sua cooperação, Tony. Foi de grande ajuda.

DiNozzo abriu aquele sorriso que lhe é tão característico e se despediu.

Menos um problema, outra pessoa a menos para que eu me preocupasse.

Assim, eu tirei DiNozzo da mira de quem quer se seja que estava me seguindo, e a coloquei toda em mim. O único pormenor do meu plano? Sophie. Eu estava na mira e ela, consequentemente, também.

O restante da semana passou mais ou menos tranquila. Os casos da MCRT foram abertos e fechados com a eficiência de sempre, na terça-feira, Mann deu as caras no prédio, chamando Jethro para jantar. As cosias estavam em tal nível, que ela já fazia isso na frente de todos. Inclusive na minha frente, já que eu estava na área da MCRT para entregar um mandado que Jethro tinha me solicitado mais cedo.

Na quarta, o clima estava estranho. Porém, a situação mais inusitada aconteceu na minha sala, longe dos olhos de todos.

Jethro vinha se comportando um pouco melhor comigo desde que ele e Sophie acertaram os ponteiros. Algo tinha mudado ali. Algo que eu não sabia o que era. E ele, agora, sempre que podia, tentava me cercar, para me perguntar sobre Sophie, se ela estava bem se não tinha tido mais nenhuma crise de enxaqueca e, depois desse interrogatório, sempre perguntava sobre mim.

E foi exatamente isso que ele veio fazer na minha sala. Perguntar como eu estava indo e me deixou um copo de café.

Achei a oferta inesperada.

— Precisa de algo, Jethro? – Perguntei desconfiada. Uma luzinha se acendendo em minha mente, meu medo de que ele me pedisse para pegar Sophie para apresentá-la para a Coronel, me corroendo.

— Não, Jen. Só passando para conferir como você está. Notei que tem trabalhado até tarde. – Ele disse como se fosse a coisa mais normal do mundo que um subordinado soubesse a rotina da Chefe.

— O serviço não para, Jethro. – Dei a mesma resposta que dei para Sophie semanas atrás.

Jethro me analisou e novamente seus olhos pousaram no cordão.

— Está usando um cordão novo? – Ele observou. – Geralmente você só usa o que eu te dei.

Então ele realmente estava prestando atenção em mim. Me perguntava internamente o que ele queria saber de verdade.

— Na verdade, ainda está aqui. – Confirmei e inconscientemente brinquei com o pingente, um pequeno diamante azul. – E sim, tem um outro cordão também.

— Achei que todas as joias eram para se mostrar, não para ficarem escondidas debaixo das roupas. – Ele comentou e se levantou.

Eu juro que não estava entendendo mais a cabeça desse homem!

— Ah... Jethro. Preciso de um favor seu. – Falei de uma vez, pronta para começar a preparar o terreno para minha pequena fuga para a Rússia.

Ele voltou e se sentou na minha frente, me olhando fixamente e de um jeito que senti meu rosto corar. Ele pareceu gostar da minha reação, já que abriu um daqueles sorrisos de lado tão característicos dele.

— Preciso deixar a Sophie com você, por uma semana. Tenho uma conferência na Europa e vou ficar muito tempo fora, não queria dar esse trabalho todo para Noemi. Você se importa de tê-la como sua hóspede? Eu sei que tem um tempo que ela não dorme na sua casa, mas...

— Sem problemas, Jen. Soph também é minha filha. – Ele ficou feliz com o pedido.

— Muito obrigada. – Agradeci aliviada. Sophie ficaria segura pela semana.

— Quando vai ser? – Perguntou, ainda me analisando.

— Na segunda quinzena de janeiro. Era para ser na semana que vem, mas o alerta de ataque terrorista em Paris foi elevado e eles precisaram mudar a data.

— E quem será o seu detalhamento de segurança? – Começou a me interrogar com um interesse anormal.

— Agentes do escritório de Paris. Não vejo necessidade de tirar ninguém desse escritório.

— Mesmo depois do nível de alerta ter aumentado, Jen? Não acha mais seguro levar Ziva ou Tony, ou os dois.

De jeito nenhum eu levaria um desses dois. Principalmente Ziva que pode ser um carrapato quando está como segurança.

— Não precisa, Jethro. Paris também tem bons agentes. Tony poderá ficar como líder de equipe enquanto você atua como Diretor Interino. – Dei a melhor desculpa.

Vi que ele não gostou da notícia de que seria o Diretor Interino.

— Ziva ainda pode ir. E por que Vance não pode assumir a equipe nessa semana?

— Você realmente vai querer que DiNozzo lidere a sua equipe sem ter a Ziva para controlá-lo?

Eu tinha um ponto, Jethro sabia disso, mas jamais admitiria.

— E Vance?

— Tomando conta do recém instalado escritório de L.A..

— Então depois do ano novo, Sophie vai ficar comigo? – Ele abriu um enorme sorriso.

— Sim. Eu vou conversar com ela hoje. Mas tenho a certeza de que ela vai ficar animada de passar mais do que algumas horas com você! Ela vem dizendo que os móveis da casa da Kelly estão atrasados.

Jethro não respondeu ao meu comentário, só abriu ainda mais o sorriso. Essa semana seria excelente para os dois.

— Mais alguma coisa de que precise, Jen?

— Não, Jethro é só. E Muito obrigada por tomar conta da Espoleta.

Ele saiu, deixando o copo de café.

Como eu havia pensado, poderíamos, ao menos, tentar conviver em paz.

A quinta-feira passou tranquila, sem nenhum incidente, nem na agência, nem em casa. Sophie foi que começou a dar sinais de que uma crise de enxaqueca iria aparecer.

E veio a sexta. O dia em que Mann tirou para aparecer e borboletar pelo prédio, como se fosse dona e proprietária. Eu estava por um tris de baixar um memorando avisando que parentes e pessoas próximas só poderiam aparecer quando fosse estritamente necessário, só por conta dela, mas se eu fizesse isso, Sophie teria que deixar de vir até o NCIS. E eu não queria ter que discutir isso nem com ela, muito menos com a penca de irmãos adotivos que ela tinha. Assim, aguentava calada a presença da Loira Aguada ou a ignorava, me trancando no MTAC até uma hora em que eu sabia que ela já tinha ido, ou até quando Cynthia me enviasse a mensagem de “tudo estava limpo”.

Era quase hora do almoço, eu estava pensando se valia a pena me arriscar do lado de fora do meu escritório para ir até a lanchonete e pegar algo para comer, quando meu celular tocou.

Era da Escola de Sophie. A bendita crise que se desenhou ontem, tinha atacado hoje.

— Shepard. – Atendi o telefone, já pegando a minha bolsa.

— Senhora Shepard. Diretora Olsen. Boa tarde. Estou te ligando para informar que Sophie está na enfermaria, reclamando de muita dor de cabeça e que não consegue enxergar direito.

Respirei fundo.

— É uma crise de enxaqueca. Já estou indo pegá-la. – Respondi já saindo da minha sala e indo para o elevador. O do quarto andar parecia parado em algum lugar, tive que descer e passar pela sala do esquadrão, lancei um olhar para as mesas da MCRT e Mann estava lá. Que ótimo!

Tentei passar o mais tranquila possível, pois sabia que qualquer reação exagerada minha provocaria uma reação parecida em muitas pessoas e tudo o que eu não queria era chamar a atenção da Loira do Exército que estava apoiada quase no ombro de Jethro, toda possessiva. Internamente eu vi vermelho, como eu queria mandar essa mulher pela janela, ou jogá-la no poço do elevador, ou colocá-la como alvo no estande de tiro...

Esperei o elevador chegar, parecia até carma a demora de hoje, a certa altura, não consegui conter a minha falta de paciência e comecei a bater o pé e a olhar o relógio.

Levou quase cinco minutos para o elevador chegar ao andar. Fiz uma nota mental para mandar realizar a manutenção nessas coisas, o mau uso delas por parte de Jethro deve ter estragado alguma coisa.

Com alívio, cheguei ao estacionamento. Iria livrar a minha filha de um incômodo, mas a traria para o centro das atenções aqui dentro do prédio... já que Noemi tinha o dia de folga e tinha uma visita desagradável rondando a agência.

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AMETony: TODO MUNDO À POSTOS!!!! ESTÁ ACONTECENDO!

MossadNinja: Com certeza está. Viu o nervosismo da Jenny?

LabQueen: Parabéns para a ideia de travar o elevador interno, McGee. Isso fez a Jenny ter que passar pela Sala do Esquadrão e na frente de todo mundo, inclusive do Gibbs!

AMETony: Mandou bem, McInteligente!

Chefinha: A Mann está aí?

AMETony: Sim, está olhando espantada para a porta do elevador que acaba de se fechar.

Chefinha: Meu pai?

LabQueen: E o Gibbs?

MossadNinja: Seguiu a Jenny com olhar desde o momento em que ela parou na frente do elevador interno até o momento que ela entrou no elevador aqui no nosso andar. Nem piscou....

ElfLord: E está encarando o elevador também.

LabQueen: Será que ele desconfia do que é?

Chefinha: Talvez... ele viu a reação da Jen na primeira vez que isso aconteceu?

AMETony: O prédio inteiro viu, ela saiu desesperada.

Chefinha: E hoje?

MossadNinja: Desceu as escadas controlada.

AMETony: Mas ficou batendo o pé e conferindo o relógio enquanto o elevador não chegou.

Chefinha: Ele sabe... Agora...

LabQueen: Resta saber qual será a reação dele quando a Jibblet aparecer!

Chefinha: Isso!!!

ElfLord: Serve a reação dele agora?

LabQueen: Mas é claro!!

Chefinha: Conta logo McGee!!

AMETony: O Chefe acabou de pedir ao McHacker para rastrear o celular da Diretora.

Chefinha: E qual é a reação da Mann?

MossadNinja: Não está entendendo nada!! E nós estamos fingindo trabalhar no nosso caso. Estamos todos com cara de pastagem!

AMETony: PAISAGEM, ZEE-VAH!!!!

MossadNinja: Isso aí!! Peraí que ela tá olhando para mim!

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LabQueen: É hoje, gente! É hoje!!

Chefinha: E aí... atualização!! Gente não me deixa no vácuo!

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Chefinha: Já tem quanto tempo que a Jen se foi?

MossadNinja: Uns quinze minutos. Tivemos que sair porque seu pai tá meio desorientado por aqui. A Jenny não atende o telefone e cada vez que a Mann pergunta o que está acontecendo, recebe uma encarada. Tony teve que sair porque estava começando a rir e McGee está rastreando o celular, como está na tela, todo mundo já sabe onde ela está...

Chefinha: Mais uns vinte minutos e não se esqueçam do show! E de me ligarem.

Vinte e Cinco Minutos Depois:

AMETony: VAI COMEÇAR A BAGUNÇA!!!!

Chefinha: Moranguinho é com você!! E você se controle, Tony!

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Era impressionante como eu conseguia dirigir loucamente para poder chegar o mais rápido possível até a minha filha. E nem quarenta minutos depois, eu já a tinha sã e salva dentro do NCIS.

Mais uma vez, tentei o elevador interno, queria evitar a sala do esquadrão e sua visitante indesejável, mas o bendito devia ter dado defeito. Era hora da manutenção, sem dúvidas.

Peguei o elevador principal, rezando para não encontrar com ninguém. Sophie estava no meu colo, o rosto escondido entre meu ombro e meu pescoço, fugindo de qualquer luz. De vez em quando ela murmurava qualquer coisa sobre a luz a estar incomodando.

— Já estamos chegando no meu escritório, viu, Miniatura?

Ela só apertou meus ombros com mais força. Em situações assim eu me sentia tão impotente, não tinha nada que eu pudesse fazer para ajudar a minha filhota.

As portas se abriram e eu saí com Sophie pela Sala do Esquadrão. Assim que passamos em frente às janelas, ela gemeu de dor e se encolheu ainda mais em meus braços. Claro que DiNozzo tinha que me ver e dar um pulo da cadeira, assustado com a presença de Sophie. Espelhando seu gesto, Ziva se levantou. McGee veio logo em seguida.

— O que aconteceu com a Peste Ruiva? – Tony perguntou.

— É outra crise de enxaqueca? – Essa foi Ziva.

— Tem algo que possamos fazer, Diretora? Quer que eu chame o Ducky para dar uma olhada nela? – Tim se prontificou.

— Eu vou ligar para a Kelly! Ela precisa saber sobre a irmã mais nova! – Ziva disse já sacando o celular.

Eu torci para que Jethro estivesse longe dali, ou que ele soubesse ficar bem quietinho enquanto eu tentava avançar até a minha sala. Porém, querer não é poder, e ele jamais fingiria desconhecer a própria filha só para escondê-la da namorada. Ainda mais depois de toda aquela história do México.

— Jen, deixe que eu a levo. – Ele falou mais alto e muito mais perto de mim do que eu esperava que ele estivesse. E depois desse “Jen”, a Coronel sacaria tudo. Me abstive de olhar na sua direção.

Sophie resmungou no meu colo. Os três nos olhavam preocupados. Contudo, Jethro não desistiu e, com uma habilidade ímpar, conseguiu tirar Sophie dos meus braços e aninhá-la nos seus, para poder levá-la até a minha sala. Ele fez esse movimento com tamanha rapidez, que nem deu tempo de Sophie reclamar de dor ou da claridade, ela só escondeu o rosto na base do pescoço dele e se encolheu em seu peito. Jethro subiu as escadas do meu lado, sem olhar para trás ou para a loira que eu sabia, acompanhava cada um dos nossos passos, já que eu podia sentir o seu olhar perfurando um buraco nas minhas costas.

Antes mesmo de chegarmos em meu escritório, pude ouvir a voz de Abby:

— A Jibblet está aqui, não está? Ela está com outra crise de enxaqueca? Tadinha!!! Temos que chamar o Ducky!

Como Abbs sempre sabia das coisas nesse prédio era um mistério para mim.

Passei por Cynthia e pedi que ela mantivesse na minha agenda só os compromissos inadiáveis, o restante ela poderia reagendar.

— Senhora, agora à tarde, só tem uma reunião via satélite com SecNav. – Ela me informou.

— Menos mal. Peça que me avisem quando ele ficar online. – Pedi e entrei em meu escritório, fechando a porta e indo fechar as cortinas também. Jethro já estava com Sophie no sofá. Ela ainda aninhada em seu colo enquanto ele conversava com ela.

— Essa crise é tão ruim quanto aquela primeira, Ruiva? – Ele falava mansamente, como se ninasse um bebê.

Sophie balançou minimamente a cabeça.

— Está enjoada? – Ele continuou.

— Não. – Murmurou.

Jethro a apertou mais um pouco e deu um beijo na têmpora dela.

— Vai passar, Ruiva. Já vai passar. – Ele falava mais para si mesmo do que para a filha, que estava quietinha envolta pelo abraço dele.

— Pode me passar ela, Jethro, sei que você tem visita. – Falei calmamente e me sentei do lado dele no sofá.

— Minha filha é mais importante, Jen. Qualquer outra coisa pode esperar. – Ele falou. – E você não tem que cuidar dela sozinha, como na última vez.

Sophie gemeu no colo dele e nossa atenção se voltou para ela.

— Filha? – Perguntei.

— Dói! – Ela disse.

— Ducky não tem nenhum remédio para ajudar? – Jethro me perguntou e pelo tom de voz dele eu sabia que ele queria trocar de lugar com a Pequena.

Ele fechou a boca e escutamos uma suave batida na porta.

— Deve ser ele. – Falei e fui atender. Não queria ter que falar mais alto do que um sussurro para não piorar o estado de Sophie.

Abri a porta para encontrar Ducky do outro lado, com sua maleta. Atrás dele, como se não tivessem mais nada para fazer e com os olhos arregalados, estavam Ziva, Tony, McGee, Abby e Jimmy. Cynthia também me olhava preocupada.

- Entre Ducky. Ela está com Jethro. – Falei para o Médico. – É outra crise de enxaqueca. – Informei aos outros. – Como as outras, tudo o que podemos fazer é esperar passar. – Disse.

— Se precisar de qualquer coisa, Jenny. Nos avise. – Abby falou. – Dê um abraço na Jibblet por mim.

— Faço minhas as palavras da Abbs. – DiNozzo repetiu.

— Obrigada a todos. Mas não tem nada para fazer. – Garanti.

— E o que nós fazemos com a visitante? – Ziva fez uma careta ao mencionar Mann.

— Não sei, Ziva. Não sei quanto tempo Jethro vai ficar aqui. – Fui sincera. Ele tinha me dito que Sophie é mais importante, mas não sabia até quando ele ficaria do lado dela.

— Eu dou um jeito nela. – A israelense abriu um sorriso que indicava problemas.

— Sem gargantas cortadas ou golpes fatais ou algum membro quebrado, por favor, Ziva.

O sorriso murchou.

— Você lida com ela, McGee. – Disse sem emoção e se virou para ir.

McGee ficou olhando para todos.

— Eu?! – Perguntou assustado.

— Deixe que eu faço isso! – Abby tomou a frente e saiu para a escada.

Decidi não me preocupar, afinal, ela não era nada minha e não estava dentro do NCIS à trabalho. Se ela ficasse ofendida com o que quer que falassem com ela, não era de minha responsabilidade.

— Com licença. – Pedi para os demais e fechei a porta. Sophie murmurava qualquer coisa com Jethro e Ducky.

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Abby desceu igual a um foguete para a área de nossas mesas. E sem nenhum rodeio, soltou em direção à Coronel.

— O Gibbs não vai mais descer. Ele está tomando conta da Jibblet.

Como se ela fosse saber o que Jibblet significava...

A Coronel olhou para nós três que descemos um pouco atrás, O Gremlin tinha voltado para a autópsia.

— Aquela garotinha é filha da Diretora? – Ela perguntou.

Acho que ela estava negação.

— Sim. – Ziva soltou sem nem olhar para ela.

— E do Gibbs também. – Abby respondeu com um sorriso imenso.

Mann precisou se escorar na mesa do Chefe.

— E quem é Kelly? A pessoa para quem você ligou. – Se dirigiu a Ziva.

— A filha mais velha do Gibbs. Do primeiro casamento. – A Ninja nem se dignou a olhar para a loira que parecia saber que sobrava no meio de tanta gente.

— Jethro tem duas filhas? – Ela perguntou por vez.

E não é que o plano da Kelly podia dar certo ao final.

— Sim. Duas. – Respondi.

E uma delas é filha dele com a Diretora Shepard?

Abby faltava pouco pular de alegria com as perguntas.

— Sim. Sophie é o nome dela. – Completei. Estava curioso para ver onde isso ia dar.

Mann ficou um tanto desconsertada com a notícia. Do jeito que Kelly disse que ficaria.

— E o que a garota tem?

Essa era a pergunta que ninguém esperava.

— A Pequena sofre de enxaqueca. É uma crise, das fortes. – McInformação disse.

— Tadinha.

Isso não era nada bom.

— É bom que Jethro fique com ela. Se o virem de novo, avisem que eu encontro com ele amanhã e que desejo melhoras para a Sophie. – Ela disse e foi embora.

Esperamos o elevador se fechar e nos encaramos.

O plano de Kelly tinha dado completamente errado.

— MAS NÃO É POSSÍVEL!!!! ELA TINHA QUE SAIR CORRENDO!! NÃO FICAR TODA CHEIA DE COMPAIXÃO!! – Abby se esgoelou.

— Isso não vai prestar. Não vai mesmo! Era melhor ter arremessado essa loira no poço do elevador! – Ziva disse socando a mesa.

— E agora, quem conta para a Kelly que o plano dela foi um tiro no pé? – O Novato perguntou e todos olharam para mim.

— Por que eu?!

— Você é o Agente Sênior! – Foi a resposta que obtive.

Eu estava colocando o último prego no meu caixão quando chamei por Kelly no chat.

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Eu não conseguia trabalhar, minha mente a quilômetros de distância, mais precisamente no Estaleiro. O que estava acontecendo por lá?

Atualizei a página do chat mais de mil vezes, quase afundei o botão F5 do meu teclado e nada de receber uma informação! Às vezes aqueles quatro formavam um bando de imprestáveis.

Até que...

AMETony: Tá aí?

Chefinha: ME CONTE TUDO!!!

AMETony: Deu tudo errado!!

Eu quase joguei o computador no chão.

Chefinha: Mas como assim? A Sophie só tinha um trabalho, que era fingir ter enxaqueca...

AMETony: Não foi culpa dela. E eu acho que ela realmente está com crise.

Chefinha: Então a culpa é sua?

AMETony: Também não!! Ninguém tem culpa, afinal...

Chefinha: Cadê o resto do pessoal?

AMETony: Estão todos aqui, lendo as mensagens por cima dos meus ombros. Apavorados demais para te dar a notícia.

AMETony: Não somos covardes! Só não precisamos de todos no chat agora. E a propósito é a Ziva.

Que maravilha.... o que tinha dado de errado?

Chefinha: Se não foram vocês, se não foi a Sophie, quem foi?

AMETony: A Coronel.

Chefinha: Como ela?! Ela acabou de descobrir que o namorado tem uma filha com...

AMETony: DUAS, falamos de você também.

Chefinha: DUAS FILHAS!! Que seja! E ela não foi embora?

AMETony: Ficou com compaixão pela Sophie estar sofrendo.

Eu caí da cadeira onde estava sentada e acabei enfiando a testa na beirada da mesa, abrindo o supercílio. Que lindo, seria a noiva com cicatriz!! Peguei uma gaze e pressionei o local, eu tinha que obter o máximo de informações possível!

Chefinha: FALA SÉRIO?!!

AMETony: Ela saiu daqui pedindo para avisar que encontra com o Chefe amanhã e desejou melhoras para a filha dele.

Chefinha: A filha dele? Isso é interessante...

AMETony: O que é interessante?

Chefinha: Ela tem ciúmes da Jenny.

AMETony: Bem... depois da cena que o Gibbs fez para pegar a Sophie no colo quando ela chegou... (é a Ziva de novo).

Chefinha: É MESMO? Desembucha!!!

AMETony: Gibbs chamou a Jenny de Jen. Bem na frente dela!!

Chefinha: Com a Sophie pode ter dado errado... mas descobrimos um ponto fraco... Isso é interessante. Gostaria de poder discutir um novo plano de ataque, mas eu tenho que dar um jeito na minha testa, já que eu caí da cadeira e abri o supercílio. Converso com vocês mais tarde. Obrigada por terem entrado no plano comigo... mesmo que tenha sido um fracasso.

AMETony: Tchau Chefinha e olha isso aí senão fica uma marca.

Desliguei o chat e fui parar na enfermaria. Eu ainda tinha muito o que pensar. Por que a Sophie tem que encantar até a namorada do meu pai?? Essa menina tem o que no DNA dela??