Carta para você

Tentando Seguir em Frente


Eu trabalhei feito uma maluca, cada dia chegava mais cedo e saía mais tarde. A equipe em que estava era formada por mais duas pessoas, G. Callen - que eu ainda não tinha descoberto qual era o seu primeiro nome - e Mina Willows.

Logo no primeiro final de semana, Mina e G. me convidaram para o happy hour. Deixei passar, dando a desculpa que tinha que acabar de me ajeitar. Mas, a verdade, era que não tinha clima para sair e muito menos vontade, só de pensar em sair para beber, meu estômago dava voltas.

Na segunda semana pegamos um caso de vigilância, em nossa base em Londres tinha-se a suspeita de tráfico de drogas.

Infiltramos Callen no navio, ele é realmente bom nessas coisas, pode se transformar em quem quiser. Quatro dias depois pegamos os culpados.

Fui obrigada a sair para comemorar, tínhamos resolvido em tempo recorde esse. Era bom ver as pessoas comemorando algo, seja uma promoção, um caso resolvido ou até mesmo o gol de seu time de futebol. Por um tempo eu me concentrei em aproveitar a noite, eu tinha que seguir em frente. Eu precisava. Eu tinha que tirá-lo da cabeça.

Mas só o pensamento de o esquecer me fazia mal. Foi quando me lembrei de Kelly e do que ela havia me falado sobre como ela ama Henry. Era a mesma coisa que eu sentia com Jethro.

Larguei minha soda - a que nível eu tinha chegado! - e tive que correr para o banheiro. Antes que pudesse sair da mesa, vi o olhar de Mina na minha direção, e tudo o que pude ver era espanto.

Passei um final de semana miserável. Mal tinha conseguido comer e quando eu conseguia, logo me vinha uma ânsia horrorosa que me fazia correr para o banheiro.

Duas semanas em Londres e eu já tinha pegado uma virose! Ótimo!

Estava vivendo sob a Lei de Murphy, o que estava ruim tende - e muito - a piorar.

Logo que cheguei no escritório, na segunda-feira seguinte, iniciando a minha terceira semana, tinha uma carta me esperando na minha mesa.

Eu gelei. Só conhecia uma pessoa que poderia me mandar a carta.

Peguei o envelope, reconheci a letra em um átimo.

Era de Kelly.

Ponderei se deveria ler ou não suas palavras aqui no escritório.

Ainda era cedo, ninguém tinha chegado.

Resolvi abrir a carta, e já na saudação, eu sabia que precisaria de privacidade para ler o que ela tinha para me dizer.

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Alexandria, 20 de julho de 1999

Agente Especial Shepard,

POR QUÊ? É tudo o que eu sei dizer e pensar? Por que você fez isso? Por que você o deixou? Por que você NOS deixou?

Eu achei que em você eu tinha alguém em quem confiar. Eu esperava que você voltasse para D.C. junto com o meu pai, que vocês, sei lá, que vocês fossem se acertar e ficarem juntos. Eu achei que, pela primeira vez, eu teria uma família!

Mas não! Você foi embora!

EU TE CONSIDERAVA A MINHA AMIGA!!! Eu te disse coisas que não falei para ninguém, nem para o meu pai!

E VOCÊ FEZ ISSO?!

Tem ideia do sofrimento dele? Aliás, você tem ideia de como ele desembarcou na base aérea? Você tem ideia de como ele estava?

Mas eu tenho, eu estava lá! Eu estou aqui! Vendo o meu pai fingir que não se importa, que não se machucou, que você não era importante. Que você não conquistou um pedaço do coração dele! Só que você TEM um pedaço do coração dele, Shepard.

A única pessoa que o deixou desse mesmo jeito, foi a minha mãe. Quando ela morreu, eu achei que ele iria junto. Mas ele foi forte, ele resistiu, por mim. Mas foi uma sucessão de erros em relacionamentos, e dois casamentos fracassados, com duas mulheres que não passavam de substitutas da MINHA MÃE!!

Contudo, com você foi diferente. Eu notei pelas palavras dele. Pelas cartas dele. Você era especial.

MAS não foi nem um pouco diferente das outras. Você é igual a todas elas. Se interessou pelo homem que tinha na sua frente, mas quando notou que ele era imperfeito, o chutou. Não, chutou não! Quem fez isso foi a Rebecca. Você o deixou sozinho, dentro de um avião, com nada mais do que uma CARTA e o casaco que ele te deu de aniversário!

Justo uma carta, o meio de comunicação que NÓS USAMOS, nos últimos meses.

MESQUINHA! INTERESSEIRA!!

EU QUERIA JAMAIS TER TROCADO CARTAS COM VOCÊ!! Eu odeio com todas as minhas forças o momento em que te respondi pela primeira vez há um ano e meio atrás...

EU TE ODEIO, JENNIFER SHEPARD!

E não há nada no mundo que vá mudar isso. Você destruiu o meu pai, você deu a ele o lampejo de felicidade que ele não via há muito tempo, e depois tirou! De uma forma cruel.

VOCÊ É CRUEL. É FRIA!! É UMA RAINHA DE GELO!

E eu espero que ninguém no mundo vá te amar como Leroy Jethro Gibbs te amou um dia!

Esse é o meu pedido.

Vá pro inferno e fique lá!

Kelly Gibbs.

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Palavras podem machucar mais do que qualquer outra coisa. Mais do que um tapa, um tiro, um coração quebrado.

Quando esta carta de Kelly chegou, eu achava que tinha uma ideia do que poderia estar escrito.

Eu estava errada. Completamente errada.

E ela estava certa. Totalmente certa.

Mas não sabia de tudo. Nunca saberia. Ela clama que Jethro me ama, mas se ele realmente me amava, por que não me respondeu nada? Por que ficou me encarando como se eu fosse uma doida e depois soltou aquele “Esse vai ser o dia”?? Não, Kelly, você não conhece o seu pai como você pensa que conhece!

Eu queria que ela soubesse o que realmente aconteceu, contudo eu não podia contar para ela!! Eu sei o quanto ela o defende, e sei que ela entraria em uma guerra para poder proteger o pai dela. Contar para ela o que eu disse e o que ele falou era fora de cogitação! Era melhor ela continuar na ignorância. E para mim era bancar a forte assim como no aeroporto.

O maior problema é que eu vacilei lá. Eu acabei por sentir os olhos dele em mim e, por um momento, eu quase corri de volta para o avião. Quase voltei, quase mandei o meu plano de cinco pontos pro espaço, por conta dele.

Ao invés disso, eu fiquei naquele terminal sozinha. E depois parti para Londres. Para o meu recomeço sem ele. Sem Kelly. Sem a família com a qual cheguei a sonhar.

E pra isso eu sacrifiquei algo que eu nunca pensei que fosse fazer. Eu sacrifiquei meu coração. E o título que Kelly me deu é uma boa definição do que serei a partir de agora. A Rainha de Gelo.

Eu nunca mais serei capaz de amar alguém novamente. Todo o meu amor foi e é para ele. E ele o levou embora quando aquele avião partiu.

Sei que é contra as suas regras, mas me desculpe. Eu sinto tanto, Jethro! Eu sinto tanto Kelly! Eu sinto a falta de vocês!

Eu chorava copiosamente dentro do reservado. Não havia mais nada a ser feito. Nada poderia remediar essa situação.

O que está feito, está feito.

Era uma vez um conto de fadas.

Era uma vez a Jenny Shepard boazinha, com um coração aberto para te tirar da solidão.

A partir desse momento eu poderia muito bem assumir o título que Kelly me dera. Pelo menos assim eu não me machucaria mais.

Olhei para a carta mais uma vez, me lembrei da virada do ano. De nós três vendo a queima de fogos juntos.

Jethro ainda tinha Kelly. Eu não tinha ninguém. E com esse pensamento eu acabei por colocar para fora o pouco do café da manhã que conseguira comer.

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Um casaco e uma carta. É isso e o álbum de fotos das duas viagens que Kelly fizera para me encontrar, para nos encontrar, estas são as únicas lembranças dos únicos meses em que fui feliz de novo. Plenamente feliz.

Eu tinha Kelly, tinha Jenny, tinha planos.

Hoje só tenho Kelly.

E ela está mais infeliz do que nunca. Eu vejo no olhar dela a mágoa, a tristeza, a decepção. Eu notei algumas noites atrás que ela ficou até tarde acordada, escutei o seu choro, quando abri a porta de seu quarto, ela estava sentada em sua escrivaninha. Escrevendo uma carta, muito provavelmente, com um destinatário certo. Eu não sabia onde Jenny estava agora, mas se ela encaminhasse para qualquer escritório da Europa, a carta chegaria.

Será que ela vai ler?

Será que ela vai desistir de tudo e voltar?

Será que eu serei capaz de perdoá-la um dia?

Por que você fez isso, Jen? Por quê?

E tudo isso tinha que acontecer justo próximo ao aniversário de morte de Shannon.

Eu não sei se Kelly seria capaz de superar essa decepção.

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Eu tinha conseguido enrolar o meu pai direitinho. Na verdade, eu tinha conseguido adiar “O Inevitável Encontro” em um mês.

Sim, papai já estava por aqui há quatro semanas, não tivemos nenhuma notícia de Jen, e se ela recebeu a minha carta eu não saberia dizer.

Porém, nem tudo eu poderia colocar em espera. E o “Encontro Inevitável”, expressão emprestada de Mer, teria que acontecer.

Papai já estava irado com essa demora, porque ele sabia que a enrolação vinha da minha parte.

Sim, admito, eu não queria que isso acontecesse. Eu estava morrendo de medo de tudo isso! Fala sério, meu pai estava com um péssimo humor. Qualquer coisinha o tirava do sério. Um deslize de Henry e era uma vez a cabeça do meu namorado!!

E eu não poderia deixar que isso acontecesse!!!

Estava deitada em minha cama, pensando em uma forma de adiar “O Inevitável”.

Talvez dizer que tenho enxaqueca - não, eu não tenho isso e papai sabe. Cólicas?! Esse é um assunto que assusta dez entre dez homens! Mas o Marine Rabugento dessa casa não tem medo disso, acho que ficaria até feliz de saber que estou com cólicas, isso significa que ele não seria avô pelos próximos nove meses, no mínimo.

E que tal virose! Virose é perigosa e pega!!

Pronto, eu estava com virose!! Estava pronta para me “desmontar” e fingir que estava realmente doente quando ouvi papai gritar do primeiro andar.

— Kelly Gibbs será que eu vou ter que tirar a porta do seu quarto para que você saia daí e se digne a descer para esse almoço.

Era uma vez o meu plano de fingir estar doente.

Dei uma última checada no visual. Calcei meus sapatos. Meu adorados Louboutins que tinha ganhado. Respirei fundo para encarar a fera que estava me esperando lá embaixo.

Quando cheguei ao pé da escada, papai deu uma conferida na minha roupa, e fez uma cara muito estranha para os sapatos.

— Vai usar isso?

— Unh... são os meus favoritos e são os únicos saltos que tenho...

Ele continuou com uma expressão indecifrável.

— Podemos ir? - perguntei. Estava começando a achar que ele iria me mandar tirar os sapatos.

— Depois de você. - Ele me deu passagem.

Assim, seguimos para o restaurante. Sim, meu pai me levou e iria me trazer de volta.

A escolha do lugar ficou comigo. Tanto papai quanto Henry preferiam lá em casa, mas eu preferi um lugar neutro. Perto do maior número possível de pessoas, desse jeito papai não poderia atirar em Henry. A parte ruim, a família dele toda iria.

Haja coração e ansiedade para aturar esse almoço!

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Eu estava contra o relógio e implorando a Deus que, pelo menos hoje, eu pudesse conseguir tomar um bom café. Que meu estômago revoltado me deixasse tomar nem que fosse um golinho meu vício negro.

Apesar de ser domingo, o escritório não parava. Uma operação no Oriente Médio, em companhia do Mossad vinha movimentando a nossa semana. E me designaram para acompanhar os israelenses.

Quando eles chegaram, há dois dias, eu pude jurar que o Diretor David estava acompanhado dos mesmos seguranças que estavam com ele há quase um ano atrás.

Fui apresentada como a corresponsável pela operação. Diretor David apenas meneou a cabeça e ao seu comando, os dois outros agentes se apresentaram.

— Ari Haswari. - O homem de pele azeitonada se apresentou. - Aquela é Ziva David.

— Jenny Shepard. - Imitei o cumprimento. E reparei que ambos eram novos demais. Mais novos que eu até. Principalmente a Oficial David.

Assim começou o meu pesadelo. O Mossad não desliga. E eu tive que seguir o ritmo deles. E, depois de quatro dias praticamente sem dormir, eu estava exausta.

Mas estava feliz. Tudo tinha dado certo e agora bastava entregar os relatórios para os dois diretores.

O problema? Diretor David queria os relatórios prontos antes que ele decolasse para Israel, e isso aconteceria dentro de cinco horas!

Por isso estava no escritório em um domingo de manhã!

Sem conseguir tomar café e ainda pior, com um humor que rivalizava com o do Grinch.

Foi quando me dei conta que estava sendo vigiada. Achei que seria Callen, ele, outro desgarrado como eu, tem a mania de vir ao escritório todos os dias da semana.

— Pode parar de tentar me assustar, Callen!

— Me desculpe, mas não sou esse tal de Callen. - Uma voz feminina disse.

Me virei para dar de cara com a Oficial David.

— Ah! Oficial David! Os relatórios estão quase prontos, só estou dando outra conferida.

— Se você já conferiu uma vez, por que fazer isso novamente? - Ela me olhou intrigada.

— Nunca aceite o que te disseram. Sempre cheque duas vezes. - Disse sem pensar. E quando me dei conta, estava colocando uma das regras de Jethro na minha vida.

— Bem, se você está dizendo. - David deu de ombros e começou a analisar (de novo) o escritório. - Achei que americanos tomassem café, mas eu só vi você tomando chá...

— Desintoxicando. Andei exagerando nos últimos meses. - Menti descaradamente, mas parece que a Oficial não pegou a mentira.

— Eu não tomo café. Prefiro chá.

— Costume em Israel?

— Pode-se dizer que sim. - Ela falou e foi andar pelo local. - Quando terminar, por favor, entre em contato, o Diretor David já está impaciente.

— Tudo bem. - Respondi voltando aos relatórios.

Com coisa que eu me importava com pessoas impacientes. Convivi com uma que não suportava esperar nem cinco minutos e sobrevivi, não seria o Diretor do Mossad que me assustaria.

Acabei com os relatórios e olhei a hora. Bem a tempo de os Israelenses poderem tomar outra xícara do autêntico chá inglês antes de embarcarem.

Liguei para Ziva David e informei que estava a caminho com os papéis. Assim que levantei da minha mesa, me senti tonta. Se eu não maneirasse não viraria o ano!

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Chegamos ao restaurante antes que a família Sanders. Kelly não parava de se balançar nos próprios pés de tão nervosa que estava.

Ela, normalmente tinha duas reações: ou começava a se balançar e ficava muda ou disparava a falar sem coerência alguma.

E hoje ela estava mais calada que o normal, mesmo para uma Kelly nervosa.

— Kells!?

Ela ficou quieta.

— Kelly!

— Ah! Oi pai!! Tava chamando há muito tempo??

— Não.

— Ahn... isso é bom, eu acho... mas do que o senhor precisa?

— Que você se acalme.

— Eu tô calma!!

Só olhei para ela.

— Tá bom, eu não tô calma!! Meu estômago tá revirando de nervoso.

Precisei me segurar para não rir do desespero dela.

— Vai dar tudo certo, Kells.

— O senhor promete que não vai atirar em ninguém?

— Isso eu não posso prometer.

E a cara que ela vez me dizia que agora ela estava com muito medo do que estava para acontecer.

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Mas o meu pai também não me ajudava!! Cada vez que eu pedia que ele se comportasse como gente, ele vinha com a tal do “não posso prometer nada!”

E a cada minuto que os Sanders demoravam, mais nervosa eu ficava.

Eu queria que a Jen estivesse aqui para poder me ajudar a acalmar, porque só respirar não estava dando certo.

Depois do que pareceram horas, mas na verdade foram só sete minutos, contados no meu relógio, Henry, seus pais e Claire, chegaram! Graças aos céus que Alicia não apareceu.

Me levantei, ajeitei meu vestido e me preparei para o que viria.

Papai acompanhando meus movimentos fez o mesmo e estávamos de pé quando todos chegaram na nossa frente.

— Papai, estes são Henry, o Congressista Sanders, a Sra. Sanders e Claire. - Apresentei todos.

Consegui ler o que meu pai estava pensando, ele claramente não gostava de políticos. Contudo tratou todos bem.

O almoço correu bem, ficamos em um assunto nada polêmico, onde todos puderam dar a opinião.

A parte mais constrangedora foi quando Henry tentou segurar a minha mão por baixo da mesa. Na hora que ele desceu a mão, papai me olhou atravessado. Na mesma hora coloquei minhas duas mãos para cima.

Mas o pior ainda estava por vir.

Na despedida, quando fui dar um beijo em Henry, peguei meu pai olhando torto para nós, ele que se acostumasse.

E, depois, quando Henry abriu a porta do carro pra mim, foi outra olhada torta e tudo piorou assim que Henry disse que mais tarde iria lá em casa.

Esperamos os Sanders irem embora, para então irmos para casa.

— Não matei ninguém. - Papai começou

— Não com uma arma!

Ele só me olhou de lado.

— As suas olhadas para Henry foram de dar medo!

— Eu já tive a idade dele, Kelly!

— Não estávamos fazendo nada demais!!

— Confio em você, não nele.

Suspirei em desacordo. Não valia a pena entrar nessa guerra.

— Mais tarde ele vai lá em casa. - Preferi avisar antes que a terceira guerra começasse na porta da minha casa.

— Tudo bem.

E eu não gostei desse “tudo bem”, tinha a impressão de que papai iria aprontar alguma.

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A tarde nem tinha acabado e a campainha tocou. Do porão pude ouvir Kelly correndo para abrir a porta.

Agora era a hora de ter uma conversa com esse moleque.

Cheguei na porta quando Kelly estava no meio das escadas. E pela cara dela, ela tinha detestado isso.

Abri a porta e o garoto deu dois passos para trás.

— Senhor Gibbs! - Ele disse depois de gaguejar por um tempo.

Kelly apareceu na hora.

— Olá, Henry! Pode entrar.

Dei passagem para Henry e o encarei enquanto ele passava.

Kelly me deu uma olhada como que pedindo para que eu parasse, eu dei de ombros como se não estivesse fazendo nada.

Os dois se sentaram no sofá, e eu achei ser uma ótima hora para limpar a minha arma.

Assim que a peguei a conversa parou.

— Então, Harry. - Eu fiz questão de errar o nome dele.

— É Henry pai. - Kelly me corrigiu.

— Tudo bem. - O moleque disse. Pacífico demais, esse aí.

— Kelly já sabe o que vai fazer. E você?

Escutei Kelly sibilar sob a respiração.

— Bem senhor. Se tudo der certo, ciências políticas ou direito.

— Pretende seguir a carreira do seu pai, então.

— Sim, penso nisso.

Olhei para ele. Tinha uma cara de bom moço, o típico garoto rico da Virgínia que foi preparado a vida toda para seguir o legado da família. Kelly, por sua vez, me fazia um sinal de pare. Ela sabe que eu não gosto de políticos e o namorado que estava ao lado dela agora seria exatamente um.

Se eu já não gostava do menino, só pelo fato dele namorar a minha filha, eu gostava muito menos agora.

— Boa sorte, então. Posso presumir que vai para alguma faculdade da Ivy League.

— Columbia.

— Sua única opção?

— Coisa de família.

Esse garoto me irritava. Era certinho demais.

— Seria bom se Kelly conseguisse uma bolsa para lá. – Ele continuou bem à vontade.

Olhei para Kelly.

— Achei que você queria Harvard, Johns Hopkins ou Yale.

Kelly ficou vermelha.

— Depende da bolsa, né pai!

Não comprei essa e olhei para ela com a sobrancelha levantada, Kells entenderia o recado.

— Mas, ainda são essas três as minhas preferidas. Se puder escolher, é claro. – Ela completou, e eu não perdi o olhar torto que ela lançou para o namorado.

— Entendo.

Deixei os dois juntos, mas tinha notado que o clima entre eles não estava dos melhores, creio que Henry falou demais.

Com pouco Kelly ligou a TV e os dois se ajeitaram para ver o filme que estava passando.

E eu fiquei pensado, o rapaz não era má pessoa, mas era muito certinho. Não parecia ter vontade própria.

Talvez ela pudesse escolher alguém mais enérgico. Mas eu duvido. Principalmente pela forma como ela olhava para ele.

Meu genro seria muito fácil de ser controlado. Bastava um olhar e uma encarada que ele recuava.

Acho que ele seria o genro ideal para Shannon, mas não pude deixar de pensar que Jen riria muito dele, principalmente pelo fato dele morrer de medo de mim e de qualquer arma de fogo!

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— Você tem certeza de que está bem? – Era a terceira vez que Mina Willows me perguntava se estava bem só hoje.

E pela terceira vez eu confirmava que sim.

Não conseguir beber café, ficar um pouco tonta de manhã e não ter apetite são normais. Eu não tinha vontade de comer, eu não tinha vontade de viver, era um robô que ia do trabalho para casa, da casa para o trabalho.

Mas a escolha foi minha. Eu tinha feito a minha bagunça, agora eu teria que limpá-la. Não é essa uma das regras que me ensinaram nos últimos meses?

E mais uma onda de náusea veio. Dessa vez não teve jeito, eu tive que correr para o banheiro.

Não tinha nada para colocar para fora, a não ser água, que era a única coisa que entrava nas últimas semanas. Fiquei lá dentro, tremendo, sozinha, esperando que passasse e lembrando da última vez que passei mal assim.

Estava na Sérvia, estava completamente bêbada, mas estava acompanhada. Ele, não muito melhor do que eu, ria da minha situação enquanto segurava os meus cabelos, ou o que tinha restado deles. Não sei por quanto tempo eu coloquei todo aquele Bourbon sérvio para fora, só sei que ele não saiu do meu lado.

— “Você é realmente uma fracote para bebida, hein, Jen?” – Posso escutar a sua risada grogue no meu ouvido até hoje.

— “Com coisa que você está muito melhor do que eu!” – disparei de volta.

— “Mas não sou eu quem está abraçado no vaso sanitário como se ele fosse o meu melhor amigo!” – Seu tom de voz, apesar de brincalhão, tinha um pouco de preocupação bem escondida.

Algumas horas depois, acordei com a pior das ressacas, sentada no chão do banheiro, mas com as costas apoiada contra o peitoral dele, minha cabeça em seu ombro. E quando consegui abrir os olhos e focar em algo, a primeira coisa que vi foram seus lindos olhos azuis me fitando cheios de preocupação.

Ah! Como eu sinto falta dele!

Fui trazida de volta ao presente pela voz de Willows.

— Assim não dá, Jenny, é a quarta vez em quatro dias que você vem parar aqui. Não adianta chiar, você vai descer para o departamento médico é agora. Algo não está certo com você!

Me levantei devagar do chão do reservado. Minha cabeça doía, girava, meus olhos ardiam. Lembrar dele fazia isso comigo.

— Tenho alguma escolha? – perguntei sarcástica.

— Claro que não. E não volte sem uma liberação médica completa. – Foi o que a loira com cara de brava me disse assim que abri a porta.

Peguei o elevador e desci até o subsolo. O médico daqui não era o Ducky, mas era tão simpático quanto. Dr. Tom Carlton me atendeu com a maior presteza. Fez o check up completo. E como o laboratório estava parado hoje, até os meus resultados chegaram rápidos.

— Viu como eu não tenho nada! – Disse, calçando os meus sapatos e me fazendo pronta para voltar ao trabalho.

— Bem, Agente Shepard, você claramente tem algo, mas não é algo que me preocupa.

Parei onde estava e o fitei. O que eu tinha?

— Doutor Carlton...

— Parabéns, Agente Shepard, você está grávida! Mande meus cumprimentos ao futuro papai.

Meu mundo desmoronou... eu não poderia estar grávida. Eu não saio ou durmo com ninguém desde Paris há dois meses.

Dois meses. O primeiro trimestre de uma gravidez é repleto de enjoos, tonturas, falta de apetite.

Ô meu Deus! Eu estava esperando um bebê de Jethro! Como não notei isso antes?

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Por recomendação médica eu vim parar em um ginecologista e obstetra. Na cabeça de Dr. Carlton, eu estava indo fazer a primeira consulta de uma gravidez. Mas não era esse o meu intento, ele tinha a melhor das intenções quando me encaminhou até aqui, porém, a minha situação seria outra. Eu já tinha uma decisão em mente. Era o melhor a se fazer. Eu não poderia ser mãe agora. Não poderia ser mãe nunca.

Quando minha médica entrou, toda feliz e animada perguntando como a futura mamãe estava. Eu só pude olhá-la e abaixar a cabeça.

— Você não quer esse bebê, não é mesmo? – ela perguntou consternada.

Não querer era muito forte. Eu não poderia tê-lo... mas argumentar algo agora era em vão.

— Não posso tê-lo. – Falei simplesmente.

— Posso saber o motivo? Foi uma concepção forçada, ou até mesmo fora de relacionamento...

— Não. Não foi nada disso. Foi um deslize, um esquecimento de tomar o anticoncepcional. – Respondi sincera. Esquecimento do anticoncepcional e muitas noites de paixão na França, pensei ao final e rezei para não começar a chorar quando eu lembrei de uma determinada noite.

— Entendo. É uma hora ruim?

— Sim! Uma péssima hora.

— Compreendo, Sra. Shepard. Pelo visto está certa e decidida sobre o que quer fazer.

— Sim, estou! – Disse mais para mim do que para a médica.

— Saiba que esse procedimento é igual a uma cirurgia de verdade. Requer um preparo e um descanso pós-operatório. Para tanto, vou marcar alguns exames, os resultados serão entregues a mim, e, assim que os tiver em mãos, marcaremos a curetagem, tudo bem?

— Perfeitamente claro. – Por algum motivo eu não conseguia olhá-la nos olhos.

E Dra. Lewis me passou um monte de exames para fazer.

Corri para ter tudo pronto, antes que o prazo ideal para um aborto pudesse passar. Quanto mais avançada a gravidez estivesse, mais traumático para o feto e para mim seria.

Com uma semana tinha todos os resultados e a médica me ligou.

— Seus exames voltaram perfeitos. Você está de 9 semanas, seu bebê é saudável, assim como você. Podemos marcar o procedimento para dentro de dois dias. – Sua voz fria e profissional.

— Perfeitamente, será uma ótima data, uma sexta, terei dois dias para descanso, sem contar que na terça é feriado e, portanto, posso tirar uma folga na segunda. Quatro dias de repouso são o suficiente, não é mesmo? – Questionei, já pensando como e quando poderia voltar ao trabalho.

— Levando-se em conta os seus exames, sim. Mas tudo dependerá do procedimento em si. – Minha médica respondeu em um tom neutro e distante.

— Tudo bem. Te vejo em dois dias, Doutora Lewis.

Em dois dias tudo estará terminado.