— Jethro, nós já olhamos metade das lojas do centro de Marselha... não é possível que você não tenha visto nada que fosse a cara da Kelly!

- O que você comprou para ela? – Ele disse simplesmente.

— Você está me respondendo com outra pergunta? Isso é sério? – Eu disse revoltada.

— É uma pergunta simples, Jen. O que tem nesse embrulho? – Ele apontou a cabeça para a sacola que eu carregava desde que deixei o sótão.

— Não é da sua conta. É para a sua filha! – Protestei.

— Por isso mesmo é da minha conta. É para a minha filha. – Ele disse simplesmente.

— Se ela quiser te contar na próxima carta, tudo bem. Sem problemas. Eu não vou contar. Você que sobreviva com sua curiosidade. – Dei alguns passos mais rápidos e passei na sua frente.

Com pouco ele me alcançou.

- Vai realmente fazer isso?

— Vou. E será que o "senhor indecisão" poderia me fazer o favor de escolher o presente rápido, pois quero enviar não só o pacote – mostrei a sacola a ele, claramente querendo irritá-lo, - mas também a carta e as fotos para Kelly ainda hoje!

Chegamos em um calçadão, bem em frente a uma das praias mais famosas da cidade. A visão era completamente o oposto da que tínhamos no dia-a-dia, notei que Jethro tinha se interessado por uma das lojas do outro lado da rua, então, aproveitei o momento para poder apreciar a vista e tirar mais algumas fotos.

Ele não demorou. E vinha com um embrulho. Dei uma olhada rápida para o logo da loja que estava estampado na bolsa e vi por cima de seu ombro da fachada da loja. Outra vez ele comprou algo em uma joalheria. Mas aquilo ali parecia mais com uma caixa de relógio do que com uma joia em si.

— Curiosa com isso? – Ele fez exatamente a mesma coisa que havia feito há alguns minutos atrás.

— Não. – Respondi seca voltando meu olhar para a praia e toda a movimentação que tinha na faixa de areia.

Na verdade, sim, eu estava morrendo de curiosidade, mas sabia que mais cedo ou mais tarde, ou ele me contaria ou então Kelly. Então mantive minhas perguntas para mim mesma. Até porque se eu dissesse algo, teria que contar o presente que eu daria.

— Não era você quem estava com pressa para poder enviar tudo isso aí? Tá esperando o que? – Jethro sabia ser irritante quando queria.

— Pode ir andando. – Fiz questão de sentar em um banco. – Eu ainda quero ficar mais um pouco por aqui e curtir a paisagem.

Ele deu alguns passos se afastando, para, logo em seguida, voltar e se sentar do meu lado.

— Se não for ficar calado por pelo menos uns cinco minutos, pode ir. – Disse exasperada, pois ele já queria começar a falar na minha cabeça.

Por mais incrível que possa parecer, ele ficou quieto! Ora olhava para o mar, ora brincava com a bolsa em suas mãos, mas ficou quietinho enquanto eu observava a paisagem e pensava em uma outra época, quando era eu na faixa de areia, correndo, brincado e levando toda e qualquer conchinha que encontrasse para que meu pai pudesse ver a minha última descoberta. Bons tempos...

Eu bem que queria ficar sentada ali e esperar pelo pôr-do-sol, mas como de costume, no verão isso acontece tarde demais e nós não temos todo esse tempo. Já estamos infligindo as regras que D.C. nos mandou, se entrarmos muito tarde naquele sótão pode ser pior.

Com pesar, me levantei.

— Um dia eu ainda volto aqui só para ficar olhando a paisagem... nada de trabalho. Só descanso. – Eu disse.

— Não sabia que você gostava de praia! – Jethro disse se levantando e me seguindo.

— E não gosto. Pelo menos não da água fria, mas adoro a paisagem e a energia que emana de lugares assim. Mas, quando criança, adorava! – Respondi sincera.

— Então, imagino, nada de barcos? – Ele disse misterioso. Mal sabia ele que eu sabia do seu pequeno segredo.

- Também gosto. Nada como ficar relaxando no convés de uma lancha...

Gibbs não disse nada, apenas me olhou de canto de olho e deu um de seus misteriosos sorrisos.

Seguimos em silêncio até o escritório do NCIS, deixamos as encomendas e voltamos para o sótão, tomando cuidado para não passarmos perto da marina e, eventualmente, de algum capanga de Zukhov.

— Aquele sótão deve estar um forno. – Reclamei quando a silhueta do prédio apareceu ao virarmos a esquina.

— Não quero te desaminar, mas a tendência...

— Não complete essa frase com a palavra “piorar”. Por favor! Eu sei disso... não precisa jogar na minha cara. – Cortei Jethro.

— Mas é a verdade. – Ele me respondeu, e segurou a porta de entrada para mim.

Suspirei fundo enquanto subia devagar as escadas, minha falta de vontade de voltar para aquele sótão minúsculo e quente, evidente em cada passo.

— Precisa de ajuda para chegar até lá em cima? – Jethro zombou enquanto subia atrás de mim.

— Fique à vontade para subir e se refestelar naquela sauna. – Dei passagem para ele e me sentei na escada. Não tinha ânimo para ficar trancada lá dentro.

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Pensei que sair, mesmo que para enviar uma simples carta seria uma boa ideia. Ledo engano. Ver todas aquelas pessoas se divertindo e vivendo uma vida normal apenas trouxe para mim as memórias que há um tempo tento manter no fundo de minha mente. Será que valia realmente a pena viver desse jeito? De lugar em lugar, de missão em missão. Sem ter uma morada fixa. Sem ter ninguém para quem voltar?

Começo a achar que não.

Não sei. Talvez tenham sido as cartas. Ler como a vida pode ser mais simples e menos maçante quando se tem quinze anos. Quando se tem tudo, ou quase tudo. Fez-me sentir nostálgica. Lembrar do meu pai nunca me faz bem. Fez-me perceber que, mesmo depois de tantos anos, eu ainda sinto falta daquela vida despreocupada de universitária que podia voltar para casa e recorrer ao meu pai caso precisasse de um conselho. Mas ele tinha que ter morrido. Tinham que tê-lo matado. E eu tinha que estar em casa naquele dia. Maldito seja você. Eu jurei naquele dia, na frente do corpo inerte do meu pai que eu te pegaria. E eu vou. Não me restou nada para sacrificar mesmo.

Fiquei sentada naquela escada até que luz do sol que entrava pela rosácea se transformou em escuridão. Mais cedo ou mais tarde eu teria que voltar para a minha vigília. Agora seriam agoniantes dias de indecisão até que Zukhov fosse visto em algum lugar. Até lá, nada para fazer.

Com um suspiro resignado levantei e continuei até o sótão. Sabia exatamente o que me esperava, um par de olhos azuis curiosos, que buscariam em meu rosto os motivos de eu ter ficado sentada por tanto tempo no meio da escada.

E foi dito e feito. Nem coloquei o pé dentro da minúscula sala e Gibbs, sentado na mesa da cozinha, tomando uma xícara de café, me encarou, com a pergunta que ele não fez em voz alta, estampada em seus olhos.

— Sinto muito, Jethro. Essa resposta você não vai ter. – Falei para mim mesma e rumei para o quarto.

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Para quem ficou tão animada com a possibilidade de sair em uma excursão de compras, Jen não voltou muito feliz para o sótão. Algo, que eu ainda não sei o que é, aconteceu enquanto ela observava a paisagem.

Ela pode não saber, mas às vezes, é muito fácil saber o que ela pensa, ou pelo menos, saber onde os pensamentos dela estão. E nesta tarde, ela variou da felicidade até algo que a perturbava bastante. E esse algo foi o que restou quando ela retornou.

De maneira estranha ela decidiu ficar sentada na escada. Sei que todos precisam de espaço e foi o que dei a ela, apesar de que a todo momento eu quis verificar se ela ainda estava ali. Deveria ter deixado a porta aberta, mas não o fiz.

Depois de quase duas horas, finalmente escutei o som de seus saltos subindo a escada. E quando ela abriu a porta, a sombra em seus olhos me assustou.

O que aconteceu com ela? No que ela tanto pensava que a deixou com aquela expressão?

Eu quis fazer um monte de perguntas, mas algo em seu olhar me dizia que ela não me responderia. Não hoje, e talvez nunca.

Jenny meneou a cabeça como que me dizendo, estou bem, estou viva, não me perturbe, por favor e rumou para o quarto.

E a única certeza que eu tinha era: algo aconteceu no passado dela. Algo que a fez se tornar agente federal. E que a assombra até hoje.

Exatamente como aconteceu comigo.

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Duas semanas haviam se passado desde recebemos a ordem de ficarmos invisíveis. Duas semanas que apenas esperávamos. Era sorte que nenhum de nós dois estivesse morto ainda.

Um lugar pequeno somado a duas pessoas com personalidades fortes somado a um calor insuportável. Estavam testando os nossos limites.

Todos os nossos limites.

Começo a pensar que o que aconteceu naquela noite não tinha sido nada mais do que apenas uma noite. Mas, às vezes eu via o olhar dela. Eu sentia a tensão. Mas nenhum de nós dois deu o primeiro passo.

E hoje era um desses dias. As brigas começaram antes mesmo do café. Ou melhor, começaram pela falta de café.

É claro que ela me culpou por isso!

— Não me venha com desculpas, Gibbs, é você que a cada meia hora tem que tomar uma xícara de café. Acha que eu vou ficar bancando a dona de casa e vigiar o que tem e o que não tem aqui?

— Com coisa que você não toma café, não é, Shepard?

Ela me lançou um olhar mortal em resposta. Posso dizer que ela vinha melhorando nisso. Outro dia Decker saiu praticamente correndo daqui quando ele veio nos dizer que ficaríamos mais quatro semanas em Marselha. Ele caiu na besteira de dizer que não se importava, estava muito bem em seu apartamento e aproveitando a praia. Foi o que bastou para ela estourar.

Por um lado, eu concordei com ela. Ele não precisa ficar dizendo que está bancando o turista. Só sei que, entre as palavras e o olhar, Decker foi embora em menos de cinco minutos. E só voltou aqui para confirmar as ordens, e teve o senso de ficar calado quanto à vida lá fora.

E, desde então, estamos nós dois aqui. Sem nada para fazer, completamente entediados e, de vez em sempre, pisando e esbarrando um no outro, ora de propósito, ora sem querer, só para que possamos fazer o que fazemos de melhor, brigar.

— Não adianta suspirar revoltada. Sabe que a culpa foi sua! – Gritei em direção ao quarto, onde ela tinha se refugiado.

— Será que você não pode ficar quieto? – Ela me respondeu irritada.

— Se fosse a minha culpa...

— Ainda assim estaria me culpando. Acha que não entendi a sua? – Ela saiu do quarto e parou na porta me encarando. – Você quer algo para fazer, e como não tem nada para se fazer aqui, acha que brigar comigo é a melhor das opções. Mas um aviso, eu não vou cair mais nessa.

Era uma vez a minha diversão. E ela sabia disso pelo sorriso debochado que ela tinha em seu rosto.

— Shepard 4 x 1Gibbs. – Ela disse por fim e se voltou para o quarto, fechando a porta.

— Vai morrer de calor aí dentro! – Eu disse tentando fazê-la voltar para que eu ainda pudesse ter algo para fazer.

— Vai lá fora comprar café! – Foi a resposta final dela.

E mais uma vez, ela tinha a última palavra. Contudo eu teria algo para fazer. Peguei o que precisava e sai para comprar café e mais alguma coisa.

Se as coisas continuassem desse jeito, a missão seria um fracasso. E se eu não podia mais brigar de propósito, teria que encontrar uma outra forma de passar o tempo.

Qual seria?

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Graças a Deus ele saiu. Se ele ficasse mais um minuto dentro desse lugar eu seria bem capaz de estourar a sua cabeça com um tiro. Precisava ser tão chato. Aliás, o que tem de bonito tem de pedante.

Que ideia idiota foi essa de achar que me irritando ele teria algo para fazer?

De início, eu até caí no seu passatempo, mas eu também não sou besta. Quando notei que ele começou a fazer de propósito, não deu para continuar. Tudo era minha culpa.

Mas hoje foi a gota d’água. Eu até bebo café, mas o viciado é ele. A cada meia hora é uma xícara. E não sei porque ele ficou todo revoltadinho quando notou que tinha acabado.

Oras, ele achava que o pó era eterno?!

E para evitar que a missão seja comprometida pela falta de um dos agentes, eu resolvi deixá-lo pensando em seus atos, ali, na mesa. Contudo, teimoso e cabeça dura do jeito que só ele sabe ser, ele não desistiu de me atazanar.

Não tive outra saída a não ser mandá-lo ir comprar café. Na verdade, queria manda-lo pro inferno. Mas esse sótão tá tão quente que acho que já estamos nele...

E agora que ele saiu, eu posso, finalmente, ter um pouco de espaço e tempo só para mim, sem ter ninguém me vigiando ou tendo que dividir até a cama...

Aproveitei a oportunidade para me sentar na única janela que tinha ali. Abri-a toda e me equilibrei na beirada. Finalmente um pouco de ar fresco sem interrupções.

Mas minha alegria durou pouco, nem vinte minutos tinham se passado, e ele voltou.

— O que diabos você está fazendo aí? – Ele reclamou ainda da porta.

— O que você acha? Pescando?! Não é obvio que estou tentando me refrescar?!

Ele não respondeu. Foi direto para a cozinha, que na verdade era bem próxima de onde eu estava sentada, pegou um copo de água e jogou em mim! Eu quase me desiquilibrei e cai quatro andares!

— Mas que me...?! – Falei tentando manter o equilíbrio.

— Achei que você queria se refrescar. Só estou te ajudando. – Ele disse com uma cara de inocente.

— Você é doido ou não teme a morte? – Eu me virei na sua direção.

— Você não tem condições de me matar, Jen. Nem se quisesse... – ele tinha um sorriso debochado.

Respirei fundo, contando até dez para não voar no pescoço dele. Definitivamente hoje vai ser um daqueles dias...

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Quando voltei, assim que abri a porta vi que ela tinha saído do quarto, menos mal, achei que ela morreria de calor ali. Mas Jen tinha que ser teimosa até na hora de escolher o lugar para ficar.

Mal tinha entrado e notei que ela se equilibrava no peitoral da janela da cozinha, com certeza uma visão e tanto, e eu poderia ter aproveitado isso ao meu favor, mas como estávamos um sobre a garganta do outro nos últimos dias, e, somando-se ao fato de que ela, ali, chamava muita atenção de quem quer que olhasse para cima, era a minha obrigação cortar a alegria dela.

— O que diabos você está fazendo aí? – Gritei da porta.

Ela nem se mexeu e me respondeu ácida:

— O que você acha? Pescando?! Não é obvio que estou tentando me refrescar?!

Então vai ser assim? Beleza.

Tranquilamente caminhei até a pia. Depositei as compras, o café poderia esperar hoje, e enchi um copo com água. Não pensei duas vezes e joguei o conteúdo nela.

Ela perdeu o equilíbrio por um momento e quando o recobrou, olhou de forma assassina para mim.

— Mas que me...?

— Você não queria se refrescar? Só estou te ajudando.

Ela pulou da janela e parou bem na minha frente.

— Você é doido ou não teme a morte? – Ela furiosa era até engraçado de ver. Isso seria a minha distração, pois quando ela começa assim, fica reclamando durante todo o dia.

— Você não tem condições de me matar, Jen. Nem se quisesse... – sorri bem na cara dela.

Isso a deixou ainda mais furiosa. Jen levantou o dedo na direção do meu nariz, mas antes de falar algo, respirou fundo e eu vi que ela contava até dez.

Hoje seria um daqueles dias divertidos, contudo, Decker tinha que aparecer. E pelas suas feições, ele tinha más notícias.

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Eu contava até dez para não estapear Jethro, quando Decker bateu na porta e de lá perguntou se era seguro entrar.

— Para você é. – respondi em sua direção.

— Ótimo. – Ele suspirou aliviado.

— São boas ou más notícias. – Gibbs disse ao ler a expressão de Will.

— Depende...

— Isso nunca é bom. – Eu disse caminhando até a direção dele que tinha acabado de se sentar no sofá.

— Zukhov deu sinal de vida. – Will respondeu.

— E ele está? – Jethro perguntou se sentando na frente dele. Eu me mantive de pé.

— Aqui em Marselha. Está procurando por você, Jethro.

Prendi a minha respiração. O que ele queria agora?

— Bem, se ele está procurando por mim. Temos que aparecer. É a sua hora de bancar o meu secretário particular, Will. Comece a andar por aí. Quando o vir, ou algum dos capangas dele, diga que estou voltando em alguns dias. – Gibbs disse.

Eu torcia para poder ficar de fora dessa vez. Mas achava difícil.

— Mais alguma coisa, Gibbs? – Decker questionou.

— Me arranje uma arma menor. Uma beretta 22.

— Para que você quer uma beretta? Isso não é a famosa arma de mulher?

Então eu entendi. Ele iria me armar dessa vez.

— É para mim, Will.

— Para você, Ruiva?! – Ele pareceu surpreso.

— Sim. Apenas faça isso, tudo bem?

— Com certeza. Essa é fácil de se conseguir. Volto assim que tiver notícias de Anatholy. – Will se despediu e saiu.

— Lá vamos nós de novo. – Jethro disse.

— Sim... – Suspirei. – Parte dois.... agora temos só que esperar. – Confirmei e voltei para a janela, dessa vez sem me sentar. Não queria ser um alvo fácil.

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- Sabe que vamos ficar bem, não é? – Caminhei até a janela e parei do seu lado, olhando para o lugar onde o iate estava atracado.

Ela deu de ombros e apenas meneou o cabeça.

— Dessa vez eu não vou te deixar sozinha do lado dela, Jen...

Ela suspirou fundo e me encarou, em seus olhos eu vi raiva e desafio.

— Não é isso, eu sei me cuidar, se precisar eu sei muito bem como matá-lo. Eu não sou uma bonequinha frágil, Jethro! Ser ameaçada não é o problema, o perigo é parte do trabalho, e eu aceitei isso quando me inscrevi no FLETC!

Observei-a por alguns segundos e, então, me lembrei. Me lembrei de como ela se esfregava com força quando saiu do iate. Como ela me pediu para fazê-la esquecer.

— Entendeu, não foi? – Ela disse cansada.

— Sim. – Foi o que respondi.

— Eles nos preparam para quase tudo, Jethro, mas tem certas coisas que não tem treinamento que nos deixe prontos. E, bem... chegar àquele nível, eu... eu..., simplesmente não consigo. É demais para mim. Eu sei que já disse isso, mas é! - Sua voz era a manifestação clara de frustração, desespero e nojo.

Não disse nada, apenas a abracei firme de lado. E ficamos ali, olhando para as docas por alguns minutos. Por fim, lembrei que meu, quer dizer, nosso dia ainda não tinha começado propriamente.

— Quer café? Comprei uma marca diferente...

Ela me olhou debochada e soltou uma gargalhada. Confesso que prefiro ouvir esse som a vê-la com aquele olhar sombrio de duas semanas atrás.

— Só você mesmo para tocar no assunto de nossa briga! – Ela disse incrédula.

— Não, voltei no assunto porque nenhum de nós dois tomou café da manhã hoje.

— Nossa, essa é nova! Você todo preocupado assim... – Sua feição era debochada.

— Já que ficou feliz – falei sarcasticamente – pode ficar à vontade e fazer. – Sai de seu lado e peguei o exemplar do The New York Times em inglês que tinha achado e fui lê-lo.

— Peraí! Você não está confundindo as coisas não? Eu já disse hoje de manhã: Não sou sua empregada!!! Pode fazer o café você mesmo, não estou com fome! - Ela cruzou os braços em claro sinal de desafio.

— Sim. Você está!

— Não tem como você saber disso! – Ela me desafiou.

— Claro que tem, ouvi sua barriga roncar quando estávamos parados na janela.

Ela parou onde estava, com os olhos arregalados e vi que começou a ficar vermelha.

— E agora está ficando vermelha também! 4x2! – Me referi ao placar que ela tanto gosta de lembrar! – Como perdeu essa rodada, é a sua vez de fazer o café.

Se ela realmente quisesse me matar, como ela adora mencionar, agora era a hora perfeita, pois ela tinha uma faca na mão e estava em meu ponto cego.

— As palavras cruzadas são minhas. – Ela disse fria.

Eu comprei o jornal. – Protestei só para poder fazê-la ficar com mais raiva.

— Confie em mim, Jethro – Seu sorriso era diabólico e eu sabia que viria mais um round para ela. – Você sabe que não vai conseguir fazer estas palavras cruzadas... você ainda não está no nível expert...

Dei uma olhada na primeira dica... o que diabos era aquilo?!

Jen abriu um sorriso ainda maior e tomou as páginas de minha mão. Ela levou esse.

— 5x2!!! – Ela cantarolou feliz enquanto se dirigia ao fogão para fazer o café. – Café jamaicano? Tem certeza? – Ela disse em dúvida quando pegou o pacote.

— Já tomou desses? – Respondi sem olhá-la.

— Não...

— Agora você vai ver o que é café de verdade!

— Ou vou morrer intoxicada. – Ela disse com humor. E como sempre tinha a última palavra da conversa.