Era uma tarde de quarta-feira, véspera do meu aniversário, estava chegando da escola, Henry do meu lado. Meu dia já tinha começado péssimo, descobri acidentalmente que papai anda vendo uma criaturinha bem chata, chamada Stephanie.

Ele não estava à vista quando me levantei, porém, trombei com essa completa desconhecida na cozinha da minha casa. Será que papai não iria aprender nunca?!

Não tem três meses desde que a última saiu correndo, e agora já temos a próxima candidata à futura ex-senhora Gibbs.

Que maravilha!

Nem tomei café da manhã depois desse encontro. Acabei por ir para a escola a pé e furiosa, e, estou por todo o dia sem comer, nada entra. O ódio que eu estou do meu pai supera qualquer coisa.

Assim eu pensava até que me deparei com o correio do dia.

Eram quatro cartas no total. Duas contas e as outras duas...

— Como ela tem a coragem?!! – Gritei assim que vi o remetente.

Henry se assustou.

— O que foi Kelly? – Ele me perguntou, tinha o olhar preocupado.

Jennifer Shepard. – Cuspi o nome dela. - Como ela ainda tem a coragem de me escrever? E de escrever para o meu pai? – Apontei para as duas cartas.

— Talvez ela tenha alguma notícia importante para dar. – Henry foi o racional e sensato de sempre.

Tinha contado para ele tudo o que acontecera entre papai e Jenny. Tudo o que eu sabia, pelo menos. E, por mais estranho que possa ser, Henry me disse que eu precisava ouvir os dois lados antes de sair culpando Jenny por tudo. Talvez ela realmente tivesse uma boa explicação. Achei besteira, se ela quisesse, Jen tinha voltado com papai. Ela era assim, se Jenny queria algo, ela faria acontecer.

E agora aqui estava, praticamente três meses depois de ter partido o coração do meu pai, ela reaparece.

Com outra carta?!

Eu não sei o que papai faria com a carta dele, mas eu tinha certeza sobre o que eu faria com a minha.

Com dois gestos eu parti a carta em quatro, e antes que Henry pudesse me fazer mudar de ideia, joguei os pedaços na lareira e a acendi. Nem olhei se tudo foi queimado. Espero que sim, não me importava mais o que Jenny tinha a dizer, não me importava mais os sentimentos dela.

Se ela não teve consideração com o meu pai, comigo e com os sonhos que tinha, eu é que não teria consideração com as prováveis mentiras que estavam escritas naquele papel.

— Você não deveria ter feito isso, Kelly. – Henry me alertou depois de um tempo.

— Posso saber o porquê? – Perguntei sem paciência.

— Porque toda vez que você age por impulso, você se arrepende. Você deveria ter guardado a carta e, quando o seu ódio pela Jenny passar, e não me olhe assim, você não consegue ficar com raiva das pessoas por muito tempo, você vai querer ler a carta, mas será muito tarde.

— Henry, de uma vez por todas, eu não quero saber o que ela tem a dizer. Ela teve dois meses. DOIS LONGOS MESES, para poder tentar desfazer o que tinha feito. Agora já era. Não tem volta! E se você for ficar aqui defendendo uma mulher que você não conhece, pode ir!

Ele entendeu que hoje eu definitivamente não queria conversa.

— Te vejo amanhã. – Ele me deu um selinho.

— Elas estragaram o meu aniversário. – Chiei.

— Agora você nunca vai saber se é realmente uma má notícia, Kelly. – Com isso Henry se foi e eu bati a porta atrás dele.

Foi impossível de me concentrar, toda hora a minha cabeça retornava para a carta que ela havia mandado, e para a que ela enviou para papai.

O que de tão importante Jenny tinha para falar depois desse tempo?

Deveria ser importante, pois ela escreveu para o meu pai, mesmo depois daquela carta.

Henry tinha razão, eu não deveria ter queimado a carta.

Estava indo olhar no meio das cinzas se tinha sobrado algum pedaço inteiro quando papai chegou.

— O que você está fazendo, Kells? – Ele perguntou ao me ver agachada na frente da lareira, remexendo as cinzas.

— Procurando algo que eu não deveria ter jogado para queimar. – Respondi. – E, bem, o senhor tem uma correspondência nova... – Apontei para a mesa.

Papai guardou a arma no cofre - mesmo eu sendo grandinha o suficiente para não brincar com ela, essa era uma mania que ele ainda não havia perdido – e foi para a mesa da cozinha.

Eu pude ver o rosto dele mudar de cor quando viu quem era o remetente. Esperei, de onde estava, para ver se ele iria fazer alguma coisa, dizer algo ou ter alguma reação exagerada, porém, tudo o que ele fez foi respirar fundo, agarrar o envelope com mais força e rumar para o porão.

Será que ele vai ler o que Jen tinha para dizer?

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Quase três meses, e agora ela manda notícias. Será que ela tem a esperança de que eu vá ler a essa carta, mesmo depois da última?

O que ela tinha de tão importante para falar agora?

Queria se redimir?

Não, Jenny. Não há redenção.

Coloquei a carta na bancada, não estava certo sobre o que fazer com isso. Ler, eu não leria. As palavras da última carta deixada por ela ainda ecoam em minha mente.

Queimaria como Kelly deve ter feito com a dela? Jogaria fora? Ou guardaria junto com a outra e o casaco?

Acho que guardar é a melhor resposta. Memórias que não quero lembrar, mas que tenho medo de esquecer.

Peguei o envelope, era possível sentir o perfume dela.

Ah, Jen... por que agora?

Cheguei a rasgar a aba do envelope. Ela não escreveria atoa. Não, Jenny não faria isso, ainda mais depois do que ela havia feito.

Tirei as duas folhas lá de dentro. Notei que em algumas partes havia manchas, como se o papel tivesse sido molhado.

Jenny chorara ao escrever estas palavras. E ela não é uma mulher de chorar por qualquer coisa.

Algo estava errado, muito errado. Ela deve ter precisado de muita coragem para escrever estas palavras.

Estava para abrir as duas folhas, quando meu celular tocou. Olhei o visor.

Stephanie.

Era a escolha entre um passado que não voltaria, e um presente que não daria em nada.

— Dessa vez você perdeu, Jen. Adeus.

Guardei as folhas no envelope, enquanto atendia a ligação. Ainda escutando o que quer que seja que Stephanie tinha para dizer, peguei a caixa onde o casaco, a outra carta e todas as recordações de Paris estavam e joguei sem cerimônia a última carta lá dentro.

Esperava ser um adeus em definitivo e o fim dos pesadelos que andava tendo.

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Três semanas tinham se passado desde que eu escrevera e mandara das cartas, nenhuma resposta.

A quem eu estava enganando, era mais do que óbvio que eles não leriam nada. Chego até a pensar que eles nem abriram as cartas.

Eu tentei, fiz minha parte. A escolha eram deles e já estava feita.

Seria eu e Sophie. E seríamos a família que estávamos destinadas a ser.

A única notícia boa de ter se passado estas semanas era o fim do primeiro trimestre de minha gravidez. O que significava que os enjoos, a falta de apetite e todos aqueles sintomas completamente desagradáveis viriam a diminuir. Meu sono ainda estava desregulado, e eu já começava a dar adeus às noites bem dormidas, pelo que li, quando se torna mãe, é a primeira coisa que se vai embora.

Outro ponto, minha barriga estava começando a aparecer. Nada ainda muito grande, dependendo da roupa era fácil se passar por um ganho de peso, ou nem era perceptível ainda. Mas já era hora de contar a novidade para a equipe.

Willows ficou radiante. Callen me deu os parabéns, nenhum dos dois tocou no assunto: “Quem é o feliz papai?”

E mesmo se tivessem tocado, seria ignorado.

Mais seis meses e eu teria a minha menina nos meus braços.

Logo na entrada do segundo trimestre, fui fazer o ultrassom para ver se tudo estava indo bem.

Quando o som do coração de Sophie encheu a sala eu não pude conter as lágrimas.

— Seu bebê é forte e saudável. Tudo está bem e está crescendo dentro dos padrões. Gostaria de saber o sexo ou vai deixar para ser surpresa? – A médica responsável pelo exame me perguntou.

— Eu tenho certeza quase absoluta de que é uma menina. Mas pode me dizer. – Falei, olhando para tela, tentando desvendar na imagem, onde estava a minha filha.

— Bem... a senhora está cem por cento certa. É uma menina. Já tem nome?

Abri um sorriso ainda maior. É claro que eu estava certa, eu já tinha sonhado com a minha pequena ruiva.

— Sim... – Disse tentando segurar o choro. – Ela vai se chamar Sophie.

— Um belo nome. Sophie está bem, assim como você, continue seguindo as orientações da sua ginecologista/obstetra que você terá uma gravidez bem tranquila. Quer a foto do ultrassom, para guardar no álbum?

— Sim, eu vou querer. – Disse assim que me limpei do gel e estava arrumando minhas roupas.

Não demorou muito e a médica veio com a foto. Se olhar de relance, não dá para ver nada, mas ela me explicou exatamente onde Sophie estava. No exato momento em que ela congelou a imagem para imprimir, minha filha estava com o dedo na boca.

Agradeci mais uma vez e sai fascinada, olhando para a primeira foto de minha pequena.

— Sim, filha. Tudo vai ficar bem, eu te prometo! – acariciei minha barriga e a foto ao mesmo tempo.

Ao chegar em casa, a primeira coisa que fiz foi mostrar para Noemi, a foto.

Vi que ela não conseguiu enxergar o que eu falava que estava ali, contudo ficou feliz ao me ver feliz.

Ela sabia o que eu quase tinha feito, e todas as vezes que eu demonstrava que estava segura da minha decisão de ter esta bebê ela ficava aliviada.

— Agora, señora, temos que terminar o quartinho dela.

— Sim, Noemi, antes que a minha barriga fique ainda maior.

— Nem está dando para ver ainda, señora. – Noemi disse me olhando com atenção.

— Como não!! Olhe aqui! – Apontei para a pequena protuberância.

Noemi riu e me chamou de exagerada.

— Voltando ao quarto, você acha que esse esquema de cores vai ficar bom?

— É um quarto de menina, , vai ficar.

— Se não ficar, Noemi, a culpa é sua! – Brinquei com ela, estava decidindo se eu mesma iria pintar aquele cômodo ou se eu chamava uma outra pessoa. – Acho que eu mesma vou pintar... não deve ser tão difícil.

No. Não vai. A tinta vai fazer mal para a niña. O que a señora vai fazer é comprar as roupinhas. Nada de pegar peso ou de ficar perto de tinta com cheiro. – Minha governanta me passou um sermão e saiu falando algo em um espanhol corrido sobre eu ser doida.

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O mês de outubro voou. Não sei se era porque eu estava animada com o Halloween ou se porque eu tinha tanta coisa para fazer que nem vi o tempo passar.

Estava começando a me inscrever nas faculdades. Comecei a tirar a sorte e olhar algumas que fossem mais perto. Mas algo me dizia que eu poderia ir para longe. Ainda mais depois que o namoro do meu pai com a sonsa da Stephanie virou realidade.

E assim eu passava o meu tempo. Quando ela estava aqui, eu dava um jeito de ficar longe, quando ela não estava, eu era a rainha da casa.

Por mais de uma vez eu tentei fazer com que papai me dissesse se ele havia ou não aberto a carta de Jenny. Não consegui nada. A não ser uma briga enorme com a seguinte de ordem de que era proibido tocar no nome dela dentro de casa.

Como ele reagiu desse jeito, presumi que ele havia lido a carta, e, assim como eu, queimado para nunca mais ter o desprazer de ler ou saber de Jen novamente.

Acontece que algo me incomodava. Eu não sabia o assunto que ela queria tratar, mas algo me dizia que era importante, muito importante.

Sacudi a cabeça para esquecer esse assunto de vez. Queria focar na minha fantasia de Halloween e na festa que eu iria.

Foi quando eu notei a data. 28 de outubro. Era o aniversário da Jenny. E eu me peguei pensando que há um ano eu estava correndo igual a uma doida para conseguir embarcar para Londres alguns dias depois.

Em um ano tanta coisa mudou...

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Não pude deixar de notar a data no calendário. Era o aniversário dela. Me peguei pensando em tudo o que aconteceu neste dia um ano atrás. De como ela ficara verdadeiramente feliz quando eu me lembrei do seu aniversário. De como ela sorria a cada instante durante o jantar. De nós dois parados em frente ao espelho.

Queria poder afastá-la da minha cabeça. Porém era impossível. Para amanhecer hoje, novamente sonhei com a garotinha ruiva. Dessa vez ela não chorava. Ela simplesmente aparecera do meu lado, usando o mesmo moletom do sonho anterior e me perguntava o porquê que eu não queria saber dela.

No sonho eu lembro de retrucar dizendo que eu não a conhecia. Ela, rápida, me disse que sim, que eu sabia quem ela era, só não queria admitir em voz alta e parou bem na minha frente, me encarando.

Quando eu disse que não sabia quem ela era, e que não sabia o motivo dela aparecer por ali, a pequena ruiva, apenas me disse.

— Eu sou sua filha. E não sei o porque você não quer conversar com a mamãe.

Antes que eu pudesse responder qualquer outra coisa, ela virou as costas e saiu correndo.

E esse sonho vem me assombrando a cada vez que pisco os olhos e, juntando o fato de hoje ser aniversário de Jen, eu não consegui resistir.

Aproveitando que não tinha casos em aberto, resolvi pesquisar algo no banco de dados.

Algo não, alguém.

Nunca imaginei que digitar o nome de uma pessoa poderia doer tanto.

Com menos de dez segundos o arquivo de Jen abriu na tela do meu computador. E eu não estava preparado para ver o rosto dela, mesmo através da foto eu ainda conseguia me surpreender com a força que emanava daqueles olhos verdes.

Rolei a página o mais rápido possível para baixo, para escapar da foto e da sensação de perda, até que uma nova informação chamou minha atenção.

Lotação: Londres.

Ela não havia ido para tão longe assim. Li com atenção o que ela andara fazendo nos últimos três meses. E com assombro vi que a tinham designado como agente de responsável pelo Leste Europeu.

A carreira dela estava subindo como um foguete.

Procurei por qualquer outro indício de que ela havia se afastado, ou que seria mandada para outro local e não encontrei nada. Jenny estava quieta e feliz coordenando uma equipe só dela na capital inglesa.

Antes de fechar o arquivo, voltei a encarar a foto. E foi quando percebi que eu não a odiava quanto achei que odiaria. Eu nunca conseguiria afinal. Mas desejaria poder conversar com ela só mais uma vez, cara-a-cara, para que eu pudesse lê-la por inteiro enquanto ela me explicava o motivo de ter me deixado.

Ouvi passos chegando perto de mim, olhei por sobre o ombro e vi ser Ducky. Antes que o bom doutor viesse com suas histórias, fechei o arquivo e a foto, não sem sussurrar:

— Feliz Aniversário, Jen. Espero que você esteja feliz com a decisão que tomou.

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Outubro veio e se foi, passei o meu aniversário novamente em Londres. Dessa vez sem surpresas ou jantares. Sem presentes ou alguém para ficar do meu lado à noite.

Talvez o melhor presente que eu mesma havia me dado era ter terminado a decoração do quarto de Sophie. As paredes estavam pintadas, o papel de parede no lugar. Não consegui decidir entre bonecas de porcelana e ursinhos de pelúcia, então fiz uma pequena mistura dos dois para enfeitar o quartinho dela.

Novembro chegou com frio e mais chuva que o normal. A cada passo que eu dava pelas ruas de Londres, mais frio eu sentia. E olha que eu vinha sentindo o dobro de calor nos últimos meses. Eu era obrigada a me enrolar cada vez mais em casacos e cachecóis se eu quisesse chegar inteira no escritório.

Neste em dia em particular o tempo estava pior do que nos anteriores. Um vento forte e uma chuva torrencial indicavam que não era somente eu quem estava de mau-humor.

Depois de tirar o sobretudo encharcado e o cachecol e deixá-los em um local bem longe das mesas, a data no calendário me chamou atenção.

Estava explicado o meu mau-humor. Um ano atrás eu estava sendo feliz com uma família emprestada. Hoje eu espero pela minha filha, bem longe do aniversariante do dia.

Sim, dia 10 de novembro. Aniversário de Jethro. Um Marine que faz aniversário junto com a Corporação.

Precisava fazer alguma coisa urgentemente para poder distrair a minha mente que virava e mexia me trazia as lembranças de um ano atrás. Acontece que a workaholic tinha ficado até tarde no dia anterior e feito tudo o que estava atrasado. Resumo, eu não tinha nada na minha mesa me esperando. Pensei em ir atrás dos relatórios de Callen e Willows, mas deixei quieto. Callen não gosta que mexam nas coisas dele, Willows anda mais preocupada comigo do que o necessário. Ela vive dizendo que eu tenho que reduzir a carga horária, porque estou grávida e uma vizinha dela, lá no meio do estado de Montana, não fez o descanso devido durante a gravidez o bebê nasceu antes da hora e teve que ficar na UTI neonatal por quase quatro meses. Assim, para evitar outro sermão sobre coisas que aconteceram no estado de Montana, só me restava ficar quieta.

Só que Jenny Shepard e a palavra quieta não combinam. E me vi fuçando no sistema do NCIS para ver quais casos as outras equipes estavam trabalhando. Vi de tudo, alguns bem interessantes outros estranhos, para dizer o mínimo. Quando dei por mim, estava na página dos arquivos pessoais.

Por que eu fazia isso comigo mesma?

Não resisti. Tive que pesquisar o que ele estava fazendo.

Digitei o nome dele na barra de pesquisa e esperei os longos dez segundos até que o resultado apareceu.

O básico da ficha. Eu evitei de todas as formas olhar para a foto que fica no canto direito. Não tinha coragem de encarar aqueles olhos azuis agora. Talvez nunca mais, assim, rolei a página o mais rápido possível e parei. Jethro estava em Washington. Perto de casa.

Em um dos espaços destinados às anotações, estava escrito que por solicitação do agente, não era mais um agente ativo em missões no exterior.

Bem, ele era um dos sortudos que poderiam dizer que estavam, finalmente, em casa.

Com as mãos tremendo, voltei ao topo da página, e tomei coragem para ver a foto. E, mesmo estando tão longe dele, vendo-o pela tela de um computador eu me senti culpada, e notei que eu só tinha tentado me enganar quando pensei que um oceano de distância era suficiente para me fazer esquecê-lo. Eu jamais iria conseguir esquecê-lo. Eu jamais iria deixar de amá-lo.

Só para variar, me perdi ao fitá-lo, e só dei conta que deveria estar muito concentrada na tela do computador, quando Callen me deu bom dia, alguns passos afastado.

Antes de fechar a página e a pesquisa, e sem Callen notar, sussurrei para a foto de Jethro:

— Feliz Aniversário, Jethro. Eu espero que você encontre a felicidade que você tanto merece.

Fechei a página, desejando nunca mais abri-la, mas eu sabia que, depois dessa primeira vez, essa seria a minha única maneira de saber que ele estava bem. Era a única maneira que eu tinha de saber que ele estava vivo.

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Se o meu novembro já foi pavoroso, dezembro prometia ser ainda pior. Logo na primeira semana, Noemi recebeu uma ligação de sua família, sua tia estava muito mal. Ela disse que não iria, mas era a família dela. Com muito custo a coloquei em um avião e a mandei para ficar ao lado dos familiares. Ela prometeu voltar antes que Sophie, ou la pequeña, nascesse.

Assim, eu tentei de tudo para poder pegar todos os plantões de final de ano que aparecessem na minha frente, eu não queria passar esse Natal sozinha. Consegui alguns, mas acabei por ser preterida devido a minha condição.

Então, com o dia 24 de dezembro batendo na porta, eu não tinha nada para fazer. Já tinha feito todas as compras possíveis para o enxoval de Sophie. Ela tinha tudo o que devia.

Há duas semanas Ducky tinha aparecido por aqui. Eu ainda não tinha contado a ele sobre o meu “estado interessante”. Ele nem se deu o trabalho de perguntar sobre o pai. Ele sabia quem era. Eu que quis preguntar sobre Jethro e Kelly. Ainda tinha a necessidade de saber se eles estavam bem.

Ducky desconversou, disse que estavam bem, na medida do possível.

— Não foi fácil para ele também, minha cara. – Ele tinha me dito, depois que eu insisti muito e depois desconversou. – Quando chega essa pequena?

— Se tudo correr bem, abril. Não tenho uma data certa, ainda.

— Sim, vou me programar para estar por aqui. – Ducky, sem eu pedir, estava sendo o amor que sempre fora.

— Não precisa se preocupar com isso, Ducky. Noemi vai me ajudar, ela só precisou passar um tempo fora.

— Sophie vai precisar de alguém para chamar de tio! – Ducky disse rindo.

— Ah, isso ela vai precisar mesmo!

Ele deu uma outra olhada para o quarto já montado. E parou na foto que estava em cima da cômoda.

— Você chegou a contar para Jethro? – Suas palavras eram cautelosas.

— Mandei uma carta. Não me olhe assim, não tinha outra maneira...

— E Jethro deu alguma resposta?

— Até hoje não. Nem ele, nem Kelly.

— Kelly sente falta de uma presença materna, Jennifer. Creio que você deveria entrar em contato com ela novamente.

— Eu não sei, Ducky... ela me pareceu muito magoada na última carta que me escreveu em julho... – hesitei.

— Kelly age por impulso e sempre se arrepende. Dê mais um tempo a ela. Aquela menina não consegue odiar ninguém por muito tempo.

— Vou ver o que vou fazer... mas não posso prometer nada.

— Ou talvez ela entre em contato com você, sei que ela e Jethro não andam na mesma página mais. – O escocês deixou no ar.

— Isso não é bom, todavia sei que Jethro faria qualquer coisa pela filha e Kelly adora o pai, eles vão se acertar, Ducky.

— Assim espero, minha querida. – Ele começou a se despedir. – Me mantenha informado. Não gosto de pensar que você está sozinha com um bebê.

— Eu vou dar conta, Ducky. Eu vou me virar.

— Disso eu não tenho dúvidas, Jennifer. Só não gosto de pensar que tudo isso poderia ter sido diferente.

— Meus erros, agora eu que arque com as consequências.

— Talvez não precise ser assim. – Ele disse já entrando no elevador.

— Ou talvez precise... – falei para ninguém em particular e fechei a porta.

Ficar lembrando dessa conversa não vai me ajudar. Não mesmo. Escorei a cabeça na almofada do sofá e comecei a acariciar minha barriga, já estava curiosa para saber quando começaria a sentir minha bebê se mexer.

— Hoje seria um bom dia, pequena. Seria bom saber que você está escutando toda a minha falação. A mamãe não tem com quem conversar nesta noite, então seria bom se você me respondesse, tudo bem? – Disse em direção à minha barriga que agora já não era mais possível disfarçar.

Fiquei esperando, esperando e nada. Eu já estava na época de senti-la se mexer, mas Sophie só queria ficar quietinha.

— Já que é assim, espero que você seja bem quietinha depois que nos conhecermos.

Mais alguns minutos se passaram, meu telefone tocou, quase me matando de susto.

Peguei sem animação o celular e olhei o identificar de chamadas, Ducky. É claro que ele não deixaria de me desejar Boas Festas.

— Feliz Natal, Ducky!! – Atendi com a voz o mais feliz que consegui fazer.

— Feliz Natal, minha querida! Como vocês duas estão? – Ele me respondeu, e eu pude ouvi-lo andando.

— Estamos bem. Sophie está sendo teimosa e se recusa a começar a mexer, ou pelo menos, ainda não senti nada.

Ele deu uma gargalhada quando eu mencionei a palavra teimosa.

— Dê tempo ao tempo. Sua menina é saudável. – Sua voz ficou um pouco mais distante.

— Está preparando uma Ceia de Natal? – Perguntei curiosa.

— Sim. Algumas pessoas passarão a Noite de Natal aqui.

Por algumas pessoas eu pensei em Jethro e Kelly.

— Isso é bom. Espero que você tenha encontrado uma árvore grande e bonita. E que tenha presentes embaixo dela! – Brinquei.

— Sim, é uma árvore grande, e os presentes já estão lá debaixo. Inclusive, um para Sophie e outro para você.

Fiquei sem graça.

— Não precisa, Ducky.

— Faço questão! É o primeiro Natal dela. – Ouvi, ao fundo a campainha tocando.

— Acho melhor você desligar e ir atender, seus convidados já estão chegando.

— São todos da família, não se importarão com o fato de que estou no telefone. – Ele falou e eu ouvi a porta ser destrancada para logo ouvir uma voz que me fazia muita falta.

— Boa noite, Duck. – Era Jethro quem tinha acabado de chegar. Do outro lado eu perdi o ar e meus olhos começaram a arder.

— Ah, Jethro! Muito boa noite, um Feliz Natal! – Ducky o cumprimentou, e pude notar que ele queria ter seguido o meu conselho e ter desligado o telefone antes de abrir a porta.

— Boa Noite, Ducky!! Feliz Natal!! – A voz de Kelly soou alta e perto demais do telefone, creio que ela o estava abraçando. – Ah, me desculpe, você está conversando com alguém.

Eu não pude ver Kelly, mas sabia que ela tinha ficado vermelha e estava se balançando nos próprios pés. E ao constatar isso não contive as lágrimas. E antes que meu choro ficasse pior, me despedi de Ducky.

— Tenha uma ótima noite de Véspera de Natal, Ducky e um Feliz Natal também, aproveite a ceia e a companhia. – Me despedi e não esperei pela sua reposta. Sabia que ele não poderia me responder da forma que ele queria,

Desliguei o telefone e me deitei no sofá, abraçar minhas pernas era fora de cogitação, assim, abracei a minha barriga e tomei a decisão mais louca e de impulso que já havia tomado.

Sabendo que Jethro não estava em casa, liguei para a casa dele. Ouvi o telefone chamar uma, duas, três, quatro vezes, até que caiu na secretária eletrônica.

— Oi Jethro, oi Kelly. – Eu não conseguia disfarçar o choro em minha voz. - É a Jenny. Feliz Natal para vocês. – Fiz uma pausa, não sabia se soltava a bomba ou se ia devagar. – Jethro, preciso conversar com você, com urgência. Eu sei, faz muito tempo. E sei que você ainda não deve ter processado tudo o que eu escrevi ou o porque que fiz o que fiz, mas eu preciso de verdade conversar com você. Me ligue nesse número. Quando você quiser. Eu sei que você o reconheceu... Jethro, por favor. Só retorne essa ligação.

E a covarde desligou sem se despedir, até porque eu não tinha condições de dizer mais nada.

Abracei o meu telefone e deitada de barriga para cima comecei a encarar o teto e pensar o quanto o passar de um ano pode mudar uma vida. Algumas vezes para melhor, outras para pior. E eu comecei a pensar em todas as decisões que tinha tomado.

— Será que alguma vez eu tomei alguma decisão certa? – Gritei para o teto.

Nesse momento, pude ouvir crianças correndo no corredor. Suas risadas enchendo o ar de alegria, ouvi as mães as chamarem e pedirem para que parassem de gritar.

Uma gritou para o corredor:

— Feliz Natal para todo mundo! Que o Papai Noel traga o melhor presente de todos para vocês!!

— Feliz Natal! – Sussurrei de volta e recomecei a chorar, soluçava de verdade. Foi quando eu senti. A primeira vez eu achei que estava sonhando. Mas era real.

E de novo, bem abaixo da minha costela, eu senti uma pressão. Não doeu muito, contudo era o que queria mais cedo.

Eu havia sentido Sophie se mexer pela primeira vez. Era o primeiro chute que ela dava e eu sentia de verdade.

— Oi bebê!! – Disse, ainda chorando, para a minha barriga.

Ela me deu mais dois chutes.

— Feliz Natal para você também! – Agora eu já tinha um sorriso no rosto. - É muito bom saber que você está me escutando, Soph. A mamãe sempre vai estar aqui! – Falei assim que senti o terceiro chute.

Talvez aquele garoto tenha dito a verdade e o Papai Noel realmente tinha me dado o melhor presente de Natal de todos.

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A noite de Natal na casa de Ducky até que foi legal. Apesar de não ter muitas pessoas com quem eu poderia conversar, eu me diverti com os corgis e com a mãe dele. A Sra. Victoria sabe contar um bom caso quando quer, apesar de alguns terem me deixado bem vermelha.

Ducky, seguindo a tradição, tinha um presente para cada um dos convidados esperando embaixo da árvore. Achei simpático da parte dele. Não vi o que papai ganhou, mas eu simplesmente amei o meu. Sim, eu amo livros e ganhar a coleção completa da Jane Austen toda com capa de couro foi a melhor coisa que me aconteceu nesse segundo semestre.

Ninguém percebeu, ou ninguém quis mencionar, mas quando o anfitrião da noite terminou de entregar os embrulhos, notei que dois ficaram debaixo da árvore. Curiosa como sou, tive que dar uma olhada. Esperei a sala ficar completamente vazia e me agachei debaixo da árvore.

Uma das caixas era destinada a Jenny. Quem diria! Contudo eu tenho que admitir que ela e Ducky são amigos também e não é porque ela deixou o meu pai sem explicações que Ducky tem que deixar de conversar com ela. Já o outro, que era a maior caixa da noite, estava destinado para uma tal de Sophie.

Fiquei pensando quem poderia ser. Eu não me lembrava de ninguém chamada Sophie dentro do NCIS, será que era alguma namorada secreta do Ducky?

Fui para casa intrigada, papai notou que eu estava curiosa com algo, mas nem sob tortura que eu mencionaria que tinha espionado debaixo da árvore.

Quando chegamos em casa, eu estava pronta para ir direto para cama, afinal meu dia 25 seria muito especial, passaria com a família de Henry. Acho que nem Papai Noel para me ajudar nessa, até que uma luzinha vermelha chamou a minha atenção.

Alguém tinha deixado um recado na secretária eletrônica.

De cara, achei que era vovô, mas nós tínhamos combinado em conversar no dia 25. Talvez Vovó? Vai saber...

Corri para dar o play e fiquei paralisada ao ouvir a voz.

O recado era de Jen.

Não ouvi muito. Só a saudação dela ao papai e a mim, a confirmação de que era realmente ela quem estava deixando o recado.

Notei que ela dera uma pausa longa entre os nossos nomes e a identificação. E não foi difícil de notar que ela estava chorando.

Porém, antes que ela pudesse continuar, depois de respirar fundo, papai surgiu não sei de onde e interrompeu a gravação.

— Pai! Parece sério! – Eu falei. Eu não queria ouvir nada dela, mas escutar o tom de choro dela, me assustou.

— O que eu te disse? – Ele retrucou de mau-humor.

— Foi ela quem ligou. Pai... depois daquelas cartas, deve ser algo sério.... – Eu supliquei, estava realmente curiosa agora e preocupada também.

— Kelly, eu já disse. – Ele falou virando as costas e levando a fita da secretária eletrônica com ele para dentro do porão.

Fiquei parada no meio da sala. Eu não deveria ter queimado aquela carta. Agora eu não fazia ideia do que Jenny queria. Deveria ser realmente importante, porque ela ligou e mandou cartas.

Torci internamente para que tudo estivesse bem com ela.

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Não adiantou muita coisa, eu tentei de todas as formas fazer com que papai ao menos me dissesse o que Jen queria, ele simplesmente me deu uma patada e disse que não era nada. Ela não tinha mais o direito de querer falar nada, e muito menos entrar em contato.

Porém algo em minha mente me dizia que ela, pelo menos, poderia estar tentando algo. E, se eu tivesse visto certo quando passei aqueles dias com os dois, eu sabia que papai sentia algo por ela, e era de verdade. Assim, eu não entendia o motivo de meu pai não querer saber dela. Jen tinha engolido o orgulho e escrito, quando suas cartas não tiveram resposta, ela ligou.

Agora eu fico em uma encruzilhada, eu poderia mandar uma carta para ela para saber o que estava acontecendo, todavia eu não tinha a mínima ideia de que se tratava a última carta, e, o fundo, eu estava com vergonha de admitir que eu a havia queimado. Estava com medo da reação de Jen ao saber disso.

Pensar em tudo isso só estava me dando dores de cabeça, a desculpa que enfiei a minha própria mente foi só uma: nostalgia. No ano passado, neste mesmo dia eu estava me arrumando para passar a virada do ano em um restaurante ao lado de duas das pessoas mais importantes na minha vida. Hoje, estou procrastinando me arrumar para passar o réveillon em uma festa chique com Henry.

É incrível como um ano pode mudar tudo. Trezentos e sessenta e cinco dias foram realmente o que muitos chamam do ano da virada.

Foi uma tremenda virada de mesa na minha vida.

Olhei a hora, não dava mais para adiar, me levantei e foi até meu closet para procurar o que vestir. Apelei para as roupas que acabei ganhando em Paris, na verdade, eu vesti a exata roupa que tinha usado no ano anterior.

Sem muita vontade estava pronta. Só faltava a minha carona chegar.

Desci as escadas na ponta dos pés, meus saltos em minha mão. Papai estava sentado no sofá da sala lendo um livro.

— O senhor tem certeza de que não quer que eu fique? – Perguntei assim que o avistei.

— Já disse para você ir sem preocupações Kelly.

— Mas deixar o senhor sozinho na virada do ano não é justo.

— Kells, pode ir. – E foi quando ele notou a roupa que eu estava vestindo. E eu vi nos olhos dele o que ele estava pensando.

Ficamos em um silêncio constrangedor. Até que ouvi um carro parar e menos de um minuto depois, a campainha tocou.

— Sua carona chegou. – Papai disse infeliz.

— Não vai passar um sermão dessa vez? – Perguntei apreensiva.

— Você já sabe o que tem que fazer, Kelly.

— Hora de retorno?

— Duas da manhã. Sem atrasos. – Ele falou e era a primeira vez que alongava o meu horário.

— Então, até lá. E papai, feliz ano novo! Que o novo milênio e o novo ano seja muito melhor do que esse! – Dei um beijo na bochecha dele e sai, meu coração apertado por deixá-lo para trás. No ano passado, quando a situação era inversa, ele me acolheu tão bem, mesmo em outro país. Parecia até injusto.

A festa não era com o que eu estava acostumada, mas deu para me distrair de tudo o que havia acontecido de bom e de ruim no ano que findava.

Quando a contagem regressiva começou, eu fechei meus olhos e pedi que tudo se normalizasse, que meu pai e Jen se acertassem. Eu tinha a estranha sensação de que algo grande viria a acontecer e que isso poderia mudar a vida de muita gente.

Era oficialmente meia-noite. Lógico, não perdi a oportunidade de dar o meu primeiro beijo do ano em Henry. Era bom ter a sensação de que pelo menos alguém era uma constante no meio do caos.

Bem-vindo ano 2000. Bem-vindo Novo Milênio.

Que você mude a minha vida para melhor,

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Eu não aguentava mais me esconder dentro do meu apartamento. Eu nunca fora uma pessoa de ficar quieta por nada, nem quando eu estava doente. E passar as festas trancada dentro de casa estava me deixando maluca.

Tudo bem, eu não tinha companhia, não uma que estivesse ao meu lado, mas eu tinha minha filha, e como Ducky havia dito no telefone, na noite de Natal, essa era a primeira temporada de festas que Sophie passava. Assim, eu resolvi que seria muito bom, tanto para mim quanto para minha filha ainda não nascida, darmos uma voltinha no meio da multidão nas últimas horas do ano.

Minha voltinha acabou virando a espera pela hora da virada. Escolhi um local de onde eu teria uma ótima visão da London Eye e fiquei quietinha ali, minha mão acariciando a minha barriga bem no local em que minha filha havia acabado de chutar.

— Você está ficando forte, pequena, esse doeu! – Falei em direção à minha barriga de quase seis meses.

Foi quando a atmosfera mudou. Dava para sentir a expectativa no ar. A contagem regressiva começara.

10...9...8...7....6...5....4....3...2...

— FELIZ ANO NOVO! FELIZ NOVO MILÊNIO! – Escutei a multidão gritar. E cercada por completos estranhos, às luzes dos fogos de artifício que explodiam e iluminavam o céu e ao som das doze badaladas do Big Ben, eu fiz a minha entrada no novo milênio e no novo ano.

— Feliz Ano novo, Sophie. Você está a cada dia mais perto de fazer parte desse mundo aqui fora!! Mamãe mal vê a hora de te conhecer! – Conversei com minha filha.

Senti ela me chutar mais uma vez. Da forma que podia ela se comunicava comigo. Ou, pelo menos, eu gostava de pensar isso.

Se eu pensava que 1999 mudou a minha vida, eu tinha certeza de que 2000 seria um novo recomeço. Não posso negar, estava apavorada, mas nunca estive mais feliz e certa sobre a decisão de ser mãe. Vai ser difícil? Com certeza. Eu vou chorar, me preocupar e achar que não vou conseguir? Não tenho dúvidas quanto a isso. Contudo, eu sei, que será a melhor e maior experiência que irá mudar a minha vida completamente.