Por conta do fuso horário, o contato com o escritório foi difícil. Primeiro nosso Diretor estava em uma reunião no Capitólio, depois, uma emergência familiar o tirara mais cedo do trabalho.

E nesse meio tempo, Jen piorou. Ducky teve que apelar para uma maneira não muito segura, muito dolorosa, mas eficaz para conter o sangramento.

— Jethro, dessa vez eu preciso que você me ajude. Não tem nada que eu possa fazer para parar esse sangramento, muito provavelmente a artéria femoral deve ter sido atingida, então eu vou precisar cauterizar isso. O problema, eu não tenho o equipamento correto, então vou ter que usar o antigo método. – Ele não parecia feliz com isso.

— E esse antigo método seria? – Me arrependi de perguntar assim que as palavras passaram pelos meus lábios.

— Vou ter jogar pólvora no local, e acendê-la.

—Você não pode fazer isso! Ela já está com dor, vai piorar o sofrimento dela, Ducky. – Eu instintivamente abracei Jen.

— Eu sei, mas é a única coisa que pode mantê-la viva, Jethro. Pense nisso.

Olhei para a face pálida de Jen. Se essa era a única opção.

— O que eu devo fazer? – Perguntei indeciso.

— Segure-a com cuidado, e aconteça o que a acontecer, Jethro, não a remova de seu aperto ou da posição que vamos colocá-la.

Viramos Jen de lado, levantamos a perna dela até uma altura em que a circulação sanguínea seria diminuída pela força da gravidade. E Ducky me orientou como deveria segurá-la.

— Com firmeza Jethro, seu aperto nas costas e braços dela são mínimos comparado com o que vai acontecer. – Ele disse em voz baixa. – Posso começar?

Eu queria dizer que não, que ela não merecia passar por isso. Mas aí, eu estaria impedindo que ela pudesse se recuperar.

— Ela está bem segura. – Disse por fim.

Não queria ver o que ele iria fazer, então apoiei a cabeça dela em meu peito e enterrei meu rosto em seus cabelos pintados de preto. Mas parecia que eu sentia tudo.

Quando senti o cheiro de pólvora começando a ser queimada, apertei-a mais forte. Mas foi em vão. Assim que o local deve ter esquentado, seus olhos abriram, sem focar em ponto algum e ela gritou.

— Alguém faça isso parar. Dói demais. Por favor! Dói. Muito. Parem. – Grossas lágrimas escorreram de seus olhos e, assim que a pólvora parou de queimar, ela desmaiou.

— Eu sinto muito Jen. – Sussurrei em seus cabelos.

— Parece que funcionou, Jethro. E pode ter certeza, foi tão doloroso para mim fazer isso, quanto está sendo para você. – Eu vou deixa-la descansar por um tempo, dentro de meia hora eu volto, mas se você notar que continua sangrando, me chame antes.

Assenti para Ducky e deitei Jen na cama, fazendo de tudo para deixa-la mais confortável, apesar de toda a situação.

E, deitado ao lado dela, olhando-a dormir um sono induzido por remédios me deu uma sensação de completa inutilidade. Ela fora ferida em um momento de distração meu. E, mesmo agora, eu não podia fazer nada para ajudá-la. E ficar pedindo desculpas em nada melhorava.

Quando Ducky voltou para ver se a sua cauterização de emergência havia funcionado, eu saí do quarto. Eu tinha que fazer algo para tirá-la dessa situação, se Decker não tinha conseguido falar com o Diretor, eu conseguiria, nem que para isso alguém tivesse que acordá-lo.

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Foram necessárias mais duas horas até que o telefone na sala do Diretor fosse atendido. Ele não soava feliz, por termos interrompido sua noite.

— Em que posso ajudá-lo, Gibbs?

— Precisamos de extração urgente, senhor. Um dos agentes está muito ferido e precisa de tratamento médico especializado.

— Quem?

— Shepard.

— O que aconteceu na tocaia do cemitério?

— O trabalho estava quase pronto, mas era uma armadilha para nós. Ela acabou ferida com um tiro na coxa esquerda. Ducky acha que atingiu a artéria femoral. Jenny vem sangrando há mais de cinco horas. Ela precisa ser levada para Londres ainda hoje.

— Como algo deu errado quando tudo já estava terminado? – Morrow estava furioso.

— Eu não sei dos detalhes, senhor. Jen ainda não teve um minuto de lucidez desde que a tiramos do cemitério.

— Você sabe que isso é um atraso e desperdício de recurso, não sabe, Gibbs?

— Eu não vou jogá-la em um hospital qualquer e abandonar a minha parceira para morrer aqui, Diretor. E, além do mais, Londres, de qualquer forma, seria o nosso próximo destino. É lá que os libaneses vão descarregar o navio deles.

A linha ficou em silêncio. E tudo o que eu poderia pensar era na vontade que eu estava de enforcar o meu chefe, ou fazê-lo trocar de lugar com Jen.

— Muito bem.... fechem tudo, dentro de três horas um jato vai decolar com vocês. Assim que chegarem à Londres, mandem Shepard e o Dr. Mallard para o Hospital que ele indicar. Você e Decker vão ficar responsáveis por apreender o navio libanês.

— Sim, senhor. Em três horas estaremos no aeroporto. – E eu desliguei o telefone.

— Decker, preciso ir na fazenda para fechar e limpar tudo lá, você vai no hotel onde estávamos. Limpe tudo, sem perguntas. Só vá.

— Sim, Gibbs. E a Shepard?

— Ducky vai tomar conta dela. Só temos três horas até o que avião decole. Esteja aqui com tudo pronto.

Ele nem me esperou terminar e saiu correndo em direção ao hotel. As únicas coisas que ele precisaria pegar lá eram nossas malas, eu e Jen já havíamos deixado o lugar todo limpo.

— Ducky. Eu tenho que fechar a fazenda. Acha que Jen aguenta mais três horas, até o voo decolar? – Fiz a pergunta sem nem olhá-lo, toda a minha atenção no rosto dela, tentando ver se alguma cor tinha voltado.

— Ela está estável. Mas não fora de perigo, Jethro, vá e faça o que tem que fazer, eu tomarei conta de Jennifer.

Assenti e saí. Eu tinha que ser ainda mais rápido agora.

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Quando eu fechei a porta da fazenda tentei me lembrar de como o meu único problema era ter que dormir no sofá porque Jen estava de mau humor. Parecia que tinha sido a quase um mês atrás, e não somente quatro dias.

Olhei para suas malas já fechadas, para tudo o que já tínhamos deixado arrumado.

Deixar Positano, mesmo depois do tiro que tomei em Marselha havia sido fácil. Nós quatro saímos andando. Feridos, sim. Mas inteiros. Sair da Sérvia com destino a Londres não dava essa sensação de dever cumprido. Não era a mesma coisa. Mesmo sabendo que talvez a nossa missão seja mais curta do que o pensado, a realidade de que talvez um de nós não volte vivo para os Estados Unidos me incomodava.

E, pelo visto, nosso último confronto com o traficante russo seria ainda mais perigoso do que os dois últimos. E, se dependesse de mim, ele é quem sairia morto.

Aqui ele escapou. Era provável que ele não estivesse em Londres. Mas Paris. Paris seria o fim dele, sendo estas as ordens de Morrow ou não. Minha missão só terminaria com Zukhov morto.

Peguei as coisas, carreguei o carro. Voltei para limpar os últimos vestígios de que alguém passou um mês e meio ali. E parti. Eu tinha uma hora e meia para chegar à Belgrado e embarcar naquele jato.

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A viagem para Londres não foi nada mais do que tensa. William estava tentando, de todas as formas ignorar a situação em que se encontrava e Jethro. Ele estava tentando lutar contra antigos e novos pesadelos.

— Eu tenho fé que Jennifer vai ficar bem.

Gibbs, que tinha assumido o meu lugar ao lado de Jennifer, não tirou os olhos da parceira enquanto me respondia:

— Fé não conta muita coisa, Ducky. Não no nosso ramo de trabalho.

— Não pense assim, Jethro.

— Eu já pensei positivo uma vez, Ducky – a voz dele era um sussurro – e não deu resultado. Eu acabei viúvo e pai solteiro.

— Se permita a ter esperanças, Jethro.

— Quero ter certeza, Ducky. Esperanças não levam a lugar nenhum.

— Então confie nela. – olhei para a face pálida de Jennifer. – Ela é uma mulher forte, vai conseguir se recuperar.

— Em Jen eu confio. – Ele, instintivamente, pegou a mão dela na dele.

— Isso já é um começo, meu amigo. Já é um começo.

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— Por que você está tão agitado? – Já tinha nove dias que tínhamos chegado à Londres. E desde que eu acordei no quarto do hospital mais estranho que já tinha visto, há cinco dias atrás, Jethro não me perdeu de vista uma única vez, é mais certo dizer, pela aparência que ele tinha, que ele sequer tinha saído do meu lado, e isso, de alguma forma, me deu uma sensação boa, o sentimento de que eu tinha um guardião.

- Não é nada. – Ele disse e olhou pela janela do apartamento que estávamos dividindo em Westminster, uma melhora e tanto se comparada à fazenda na Sérvia.

Diante de sua evidente mentira, me levantei apoiando nas muletas que era obrigada a usar, já que não podia fazer nenhum movimento brusco com a perna esquerda, na verdade, não era nem para que tivesse de alta médica, mas eu odeio hospitais e tudo o que eles representam, e, quando Ducky viu que me manter lá - e manter Jethro também – não iria melhorar a minha situação, ele me liberou. Com uma única condição: eu não poderia ir a campo até que ele me avaliasse por completo.

Assim, parei na frente dele, apoiada precariamente em uma perna e segurei seu rosto em minhas mãos.

— O que de importante tem o dia 30 de setembro para você? E não diga que não é nada porque eu vi em seus olhos. É algo com Kelly? É o aniversário dela?

Com a última pergunta um flash passou por seus olhos.

— É sim. É o aniversário dela! – Eu disse com um sorriso. Me pergunto se nossas cartas já chegaram lá?

Jethro não me respondeu nada. Apenas apoiou suas mãos em minha cintura. Um ato que me dava sustentação, mas também servia como um pedido de que eu passasse forças para ele, como foi no dia do aniversário de morte de Shannon.

— Liga para ela! – Disse baixo em seu ouvido, já que sua cabeça estava apoiada em meu ombro.

— Me arranje uma desculpa plausível para isso. – Ele disse magoado. – Se descobrirem que liguei para ela sem ser uma emergência, você sabe o tanto que vamos ouvir.

— Mas é uma emergência. Eu estou ferida, Jethro, nada mais justo que eu ligue para meu contato nos EUA. – Disse para ele enquanto acariciava os seus cabelos. Mas não pude deixar de notar como ele tremeu quando mencionei o ferimento.

— Você não tem contatos em Alexandria. Você é de Georgetown.

— Mas eles não sabem disso. Use esse meu direito e ligue para a Kelly. Aproveite que não temos que ficar de guarda alta, esperando o Will aparecer do nada.

Ele levantou a cabeça e me encarou. Sorri em sua direção.

— Vá lá, ligue para ela. Eu sei que é uma quarta-feira, mas ela deve ir para casa antes de saia para comemorar.

— Você sabe que ela vai querer conversar com você também, não sabe? – Ele disse com um sorriso, assim que pegou o telefone.

— E desde quando eu me recuso a falar com a sua filha, Jethro? Vá em frente, porque se demorar muito, pode acabar estragando a festa dela.

Me sentei no sofá e fiquei observando Jethro enquanto a ligação era completada e ele esperava pela filha atender o telefone.

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Dezesseis anos!! Dezesseis anos!! Eu nem posso acreditar!!! Posso tirar a minha carteira de motorista. Posso procurar até um emprego de meio período se eu quiser.

São meus dezesseis anos e nem meu pai ou minha mãe estão aqui para comemorar comigo.

Bem, não se pode ganhar sempre, e eu sei disso. E também sei que meu pai não está aqui por um bom motivo. Então, eu vou tratar de aproveitar o meu dia, ser feliz e quando eu tiver a oportunidade, conto para ele o que é ter dezesseis, porque tenho certeza que ele não se lembra!

O dia na escola passou voando. Graças aos céus minhas amigas não são de ficar falando pelos cotovelos quando é o dia de nossos aniversários, assim, nenhuma líder de torcida se vê obrigada a tirar sarro com nossa cara.

Claro, Henry também estava lá. Aliás, por hoje ser um dia especial, ele até trocou a sua rota só para me dar uma carona. Foi a única vez no dia em que eu agradeci por meu pai estar do outro lado do mundo.

Bem, agora eu estou aqui, pensando com que roupa eu vou sair para jantar com o pessoal. Não é nada demais, só minha avó tentando provar que ela se importa mais comigo do que meu pai. Mas eu preciso de um par perfeito com os meus lindos sapatos. Sim, comecei o meu look pelos sapatos. E não estou nem aí.

Uni-duni-tê... escolho....

Mas isso lá é hora de um telefone tocar? Eu já estou atrasada. Não sei com que roupa vou e....

— Ô Vó, será que a senhora poderia atender? Tô um tanto quanto ocupada.

— Não é minha casa, Kelly. Não atendo ao telefone.

Muito engraçado da parte dela, ela atende sim!

Um toque... dois toques....

Tomara que seja engano...

— Alô?

— Devo começar com os parabéns ou posso cumprimentar normalmente? – A voz de papai soou do outro lado da linha!

— Por mim tanto faz!! O senhor conseguiu ligar!!!! Conseguiu um telefone no fim do mundo! Como estão vocês dois? A Jen tá por aí também?

— Calma Kelly. Reduz nas perguntas.

— É que eu realmente não esperava pelo telefonema. Tá certo que eu pedi que vocês conseguissem ligar, mas achei que seria basicamente impossível.

— Kelly... – papai tentou retomar a liderança da conversa.

— Oi.... - Fiquei quieta, pois era isso que ele estava pedindo.

— Parabéns filha. Tudo de bom para você. Sinto muito não estar aí hoje para te dar um braço e te levar para jantar como sempre fazemos. Mas saiba que faria qualquer coisa para poder te ver hoje.

— Eu sei, pai.... não se preocupe. Vão ter outros! Eu tenho certeza. – Eu tentava não chorar. Não sei se pelo fato de que eu já estava morrendo de saudades dele, ou porque, pela primeira vez, ele não estava do meu lado nesse.

— E então, vai fazer algo agora de noite? – Ele perguntou, claramente trocando o foco para que eu parasse de chorar.

No fundo, eu ouvi uma risada. Tinha mais alguém na ligação. E uma voz abafada pela distância apenas completou.

— Fale a verdade, Jethro. Você não quer saber o que ela vai fazer. Porque você sabe que ela vai sair para comemorar. Você quer saber com quem ela vai.

Não pude não rir à reação de meu pai, ele grunhiu qualquer coisa sem sentido e respondeu em direção à Jen:

— É a minha vez de conversar com ela, será que você poderia não dar palpite?

Queria ter visto a reação dela, porque a resposta veio na hora e muito bem-humorada:

— Tudo bem, eu fico quieta, mas se ela me contar alguma coisa, saiba que vou manter somente para mim. E assim, começará a conspiração da qual você tem tanto medo.

Me mantive quieta.... eu meio que sabia que, mais cedo ou mais tarde, eu teria que conversar com papai sobre Henry, mas não queria que fosse no dia do meu aniversário.

E no meu dilema, escutei a voz de Jen, novamente:

— Vá direto ao ponto, Kelly! Assim dói de uma única vez! – Para logo em seguida ouvi-la reclamar. – Essa doeu, Jethro! Esqueceu que estou machucada!

Eu precisava falar algo rápido, antes que papai começasse com A conversa. Aquela famigerada conversa altamente constrangedora que os pais se sentem na obrigação de ter com os filhos.

— Ele vai, pai. Henry, Mer, Maddie, e mais alguns colegas meus, vamos jogar boliche. É aqui perto de casa, naquele que vamos às vezes. Não vou chegar tarde porque amanhã eu tenho aula e um ensaio para entregar.

— Bem, então divirta-se Kelly. Você tem que ir agora? – Notei que ele ficou sem graça.

— Não... não... só daqui a uma hora... podemos conversar. E então, onde estão? Escutei que a Jen está machucada. Aconteceu alguma coisa grave?

— Estamos em Londres. – Papai me respondeu. - E não aconteceu nada demais.

— Jethro, se você for começar a falar amenidades com a aniversariante do dia, me passe esse telefone! – Jen bradou do outro lado.

— Mas eu nem comecei. – Papai protestou e eu comecei a rir, bendita seja Jenny que consegue amenizar o clima estranho que se instaura de vez em quando.

Ouvi o barulho de algo abafado, como se fosse madeira batendo contra um chão acarpetado, e o telefone trocou de mãos.

— Me diga que você já deu a louca e pegou o carro do seu pai hoje para ir à escola e que o bateu no carro da diretora, dando PT no coitado!! – Foi assim que a ruiva, que eu passei a considerar minha amiga, me saudou.

— Não... não peguei não. Nem tenho carteira ainda. E, para seu governo, acho que o carro da diretora é que iria dar PT, a pick up de papai é indestrutível!! – Eu ri.

— Começou os dezesseis de forma errada! – Ela disse rindo.

— Jen, pode parar de dar ideias erradas para a minha filha. – Papai rosnou do outro lado.

— Você quer que eu fale o que? As mesmas baboseiras de sempre? Aquilo já não tem graça, tem dezesseis anos que ela ouve a mesma coisa! Não é mesmo, Kelly? – Jen tinha o poder de conversar com nós dois, ao mesmo tempo!

— Eu não achei ruim não... mas não vou pegar o carro. – Disse solenemente.

— Tá vendo, Jethro, Kelly não vai pegar o seu carro, pode respirar aliviado. Sua filha é uma pessoa altamente responsável. E essa responsabilidade não foi herdada de você! – Ela brincou. – Mas falando sério, Kelly. Tudo de bom e do melhor para você. Que você tenha tudo que mereça e deseje nessa vida. E, com uma dose extra de paciência para aturar esse Marine mal-humorado que você corajosamente chama de pai!

- Obrigada, Jen!! De coração. Você deu de uma louca novamente para conseguir essa ligação hoje?

— Não... só tive que lembrar para o seu pai que telefones não mordem.... – Ei. Jethro, devolve esse telefone.

— Não dê ouvidos ao que ela está falando, Kelly. Tem muito remédio no sistema dela.

— Pai... deixa ela terminar... e por que tem remédios no sistema dela, se não foi nada grave?

— Ele só tá com ciúmes Kelly!

— A ligação está no viva-voz? – Perguntei.

— Não. – A voz de papai veio alta. – Jen que está tentando ouvir puxando o telefone para ficar entre nós dois.

— Ah... entendi...

— Eu tento, Kelly. Mas seu pai é possessivo ao extremo. – Ela se defendeu.

— Achem um meio termo, os dois. Assim eu posso conversar com vocês ao mesmo tempo! – Falei no meu melhor tom autoritário.

— É Jethro, ela já tem o tom de comando.... você vai acabar prestando continência para a sua filha, sim!

— Pai... eu não tô entendendo essa parte da conversa.

— Nem eu, Kelly. Essa aqui é doida.

— Eu te disse para usar aquele dicionário e aprender umas palavras novas... – Jen cantarolou.

— E aí, ele tem servido para alguma coisa?

— Sim. – Papai respondeu.

— Não. – Foi Jen quem disse.

— Sim ou não?

— O pobre dicionário não está sendo usado para a finalidade que ele foi criado. Está servindo de calço para a porta.

— Está servindo para alguma coisa. – Foi o que papai me disse.

— O senhor está usando o OED que eu te dei para não deixar uma porta bater? Que horror, pai!!

— Eu te disse que ela ficaria horrorizada, Jethro... que péssimo exemplo!

— Quando ele trocar de função eu te aviso, Kelly. – Foi o que papai disse.

— Sei... e ele vai trocar de função para ser o que? Talvez um apoio para alguma câmera de vigilância...

— Não duvide, seu pai é bem capaz de fazer isso.

— Sei disso, Jen. Sei muito bem! – Eu ria, conseguindo imaginar perfeitamente a cena, afinal, no porão lá embaixo bem que tinha um pobre livro servindo para nivelar os dois lados do barco em construção.

— Então, vocês dois estão em Londres... isso significa que já estão voltando para casa?

— Não... só significa que viemos parar em uma cidade que não estava em nossos planos iniciais. – Jen me disse.

— E vocês sabem mais quanto tempo vão ficar por aí?

— Em Londres ou em missão? – Já era papai quem me respondia.

— Os dois. É bom para se ter uma ideia...

— Vamos manter o plano inicial... – papai disse em um tom que não admitia discussões. Mas eu, sendo eu, tentei barganhar,

— Meu aniversário no ano que vem, quem sabe?

— Final de setembro... pode ser possível. Mas não é uma data final. – Ele continuou.

— É melhor do que esperar depois do Natal... Já são quase três meses a menos, nessa sua nova previsão, pai.

E ia começar a tentar bolar algum plano doido para fazê-los voltarem juntos em todos os sentidos, mas a porta do meu quarto foi escancarada por Meredith e por Maddie.

— Anda logo aniversariante, temos que ir embora, Henry já está lá embaixo te esperando!! Ele vai nos levar de carona. – Mer disse sem ao menos pensar quem estava do outro lado da linha.

— Eu estou no telefone. Será que vocês duas podem me dar licença? – Eu sibilei em direção a elas.

— Corta o drama, Kelly. Não tem ninguém que seja mais importante do que a nossa comemoração hoje, quer que eu desligue para você? – Maddie disse.

— É o meu pai. – Eu rosnei a resposta.

— Ai minha santinha! Você acha que ele....

Papai respondeu à pergunta inacabada de Mer no meu ouvido.

— Sim, eu escutei, Kelly.

Agora eu tava encrencada de vez.

Muito obrigada, Meredith! – Eu gritei para minha amiga tresloucada e sem senso nenhum.

As duas amigas da onça me deixaram sozinha, mas antes que descessem me avisaram que nossa reserva começaria dentro de vinte minutos.

Caímos em um silêncio chato. Eu sabia que meu pai queria passar o sermão agora e, também sabia que ele não queria estragar o meu dia.

— Aniversário em uma pista de boliche... sabe que eu nunca tive essa ideia? Deve ser legal... – Jen quebrou o silêncio incômodo.

— Pode apostar que é.... já tive alguns. – Eu disse feliz, lembrando de cada vez que fomos lá.

— E você ganhou alguma coisa? – Ela continuou.

Foi a vez de papai sorrir. Presunçosamente, é claro. Com a mira que ele tem, acha que alguém ganharia dele?

— Eu não acredito! Jethro! Nem no dia do aniversário dela?? Que horror! – Ouvi algo como um tapa bem dado pela linha.

— Esse doeu, Jen.

Confirmado, era um tapa.

— Para você ver como eu sofro, Jen. Todos os anos que fomos, foi isso.

— Então, está na hora de transformar as derrotas em vitória, vai logo, que a turma está te esperando! – Foi papai quem me mandou desligar.

— E faça isso logo, antes que ele mude de ideia! – Jen continuou sorrindo. – E antes que você diga qualquer coisa, eu tomo conta do ataque dele!

Me olhei no espelho... eu só precisava da roupa.... na verdade da blusa, já que eu não ia arriscar ir de vestido para um pista de boliche.

— Preciso fazer só uma pergunta.

— Diga, Kelly. – Foi papai o primeiro a responder.

— Blusa azul ou uma estampada com florzinhas miúdas?

— Qualquer uma. – Uma típica resposta do meu pai.

— Depende... qual sapato e que tipo de calça.

— Calça jeans, e você sabe qual sapato.

— Vai com a estampada. Se ela tiver fundo escuro.

— Tem! Ela tem.

— Então está resolvido. – Jen disse convicta.

— Você vai usar aqueles sapatos?!

— Sim, pai, eu vou. Mas como o senhor sabe, quando se chega no boliche, trocamos o sapato pelos tênis. Não se preocupe. É só para sair de casa.

Ele ficou em silêncio.

— Tudo bem... vá logo e divirta-se, Kelly. – Ele disse por fim.

— Ah, eu vou... não saio de lá hoje sem a vitória de jeito nenhum! – Respondi animada enquanto acabava de me arrumar.

Escutei uma buzina. Eu tinha que ir, mas não queria desligar o telefone.

— Posso pedir algo para vocês?

— Diga. – Os dois responderam juntos, e meu cérebro que é viciado em romance me disse que eles eram mais do que parceiros.

— Um dia, não sei quando, me prometam que vamos sair para jogar boliche?

— Por mim, tudo bem... – Jen respondeu.

— Assim como para mim.

— Ótimo. Estão me devendo. E a aniversariante está levando isso como uma promessa de um presente. Vocês vão ter que cumprir!!

— Tudo bem, Kelly! Vai que você já está atrasada. – Jenny disse antes que meu pai pudesse abrir a boca.

— Tõ indo... não pera... vocês devem desligar!!

— Tchau Kelly! Tudo de bom!! E ganhe esse jogo!! – Jen foi a primeira a se despedir.

— Tchau Jen!

— Tchau filha!! Seja feliz. É bom ir treinando, mas acho que você não ganha de mim!

— Convencido!! Tchau pai, te amo!!

— Também te amo.

Desligamos bem na hora que Mer voltou para o meu quarto.

— Eu juro, Kelly, eu tenho todo respeito do mundo pelo seu pai, mas eu vou ter que pedir para ele desligar.

— Já desligamos. Eu estou pronta! Vamos?

— Aleluia! Achei que você iria esperar o próximo milênio para sair de casa!

— Larga de ser exagerada, Mer.

E eu sai para curtir o meu aniversário. Mas uma parte de meu cérebro ficou me perturbando... Como será que meu pai estava reagindo ao fato de que eu peguei carona com o meu namorado?