Tinha feito o meu relatório e entregado ao Chefe. Antes que ele falasse qualquer coisa, peguei meu casaco, minha mochila e saí correndo. Hoje era dia de buscar a Peste Ruiva na escola e como era o único dia da semana em que ela tinha a tarde de folga, eu ia levá-la ao centro de D.C. na nossa sorveteria favorita.

Parei meu carro perto do portão do colégio onde ela estudava e esperei. Só dez minutos e, com certeza, ela viria pulando pela calçada até me encontrar.

E foi dito e feito. Vi Sophie andando ao lado das duas melhores amigas, Emilly e Lilly, e depois que ela avistou o meu carro, começou a pular pelo caminho, seu cabelo ruivo indo de um lado para o outro.

— Oiiiiii Toooonnnnnnyyyyy! – Ela cantarolou na janela do carona!

— Chapeuzinho Vermelho!! – Brinquei com ela. – Entra. Vamos tomar sorvete?

— Só se for de morango e chocolate belga!!

— Só se você não contar para a sua mãe!

— Contar para quem? A gente não vai fazer nada!! – Ela disse com um sorriso e entrou no carro, colocando a mochila no colo.

— Você não tem jeito, hein Peste Ruiva?

Ela gargalhou, pôs o cinto de segurança e já foi ligando o rádio, procurando por alguma música que gostasse.

— Elvis? – Perguntei quando ela parou em uma estação.

— Claro!! Little Less Conversation é legal.

— Você sabe que esse é um remix, não sabe?

— Tony! – Ela reclamou. - Eu gosto dessa música!

— É de um filme. 11 Homens e Um Segredo.

— Eu posso ver? – Ela me pediu.

— Tenho que perguntar para a sua mãe. Se ela falar que não tem nada demais, a gente pode sim! – A respondi.

— E essa música toca no filme? – Ela se empolgou.

— Toca.

— Legal!!

A Pestinha começou a cantarolar a música e depois a seguinte e assim, cada um cantando uma parte do que quer que estava tocando, chegamos até a sorveteria.

Parei o carro duas quadras depois, pois não havia vaga na frente e falei para a baixinha sair. No meio do caminho ela cismou que tinha que me mostrar algo e quis voltar para pegar a mochila. Voltei e ela só pegou o que precisava e veio pulando do meu lado. Vi que algumas pessoas passavam e sorriam para nós.

Já na sorveteria, Sophie pediu o seu preferido. Duas bolas, uma de morango e outra de chocolate belga. Eu também pedi o de sempre e quando fui pagar, a atendente do caixa simplesmente disse:

— Eu acho tão fofo o senhor trazer a sua filha quase sempre para tomar sorvete! São poucos os pais que saem com as filhas, ainda mais em dia de semana.

Sophie olhou para mim e eu para ela, depois ela escondeu o sorriso.

— Ahn... ela não é minha filha... é minha.... – Olhei para a pequena.

— Sobrinha! – Ela completou.

— Ah... me desculpe. – A moça ficou toda sem graça. – Mesmo assim é fofo! Aproveitem o sorvete! – Ela disse ao me entregar o troco.

Fomos nos sentar perto da janela da frente e assim que pus meu sorvete em cima da mesa, Sophie tirou um papel da mochila e me entregou.

— Toma, Tony. Eu fiz na aula de Artes! – Disse toda orgulhosa do desenho.

— Eu virei o 007 agora? – Perguntei.

— Hum hum! - Veio como resposta, já que ela tinha a boca cheia de sorvete.

— E tem mais?

— Fiz um para cada um!!

— Até para o Henry?

— Vish! Esqueci dele! Mas ele não vai se importar!! Não mesmo! – Ela disse e deu outra colherada no sorvete de chocolate. – Eu amo chocolate! – Disse com um sorriso.

— Cuidado para não sujar a roupa, tudo o que nós não precisamos é que você suje a roupa e sua mãe venha com aquele sermão para cima de nós.

— Pode deixar que eu vou tomar cuidado. – Ela pegou um guardanapo de papel e limpou a boca. Depois olhou para fora e me chamou. – Tony!! Aquele ali não é o seu carro? – Ela apontou para o cruzamento.

— Mas que merda!! – Deixei meu sorvete em cima da mesa e saí correndo. Escutei Sophie me seguir até a esquina, estava prestes a gritar para quem tinha roubado o meu carro que parasse, que eu era um agente federal quando o carro explodiu. Com a força da explosão fui lançado para trás e tudo o que eu consegui pensar era onde Sophie estava.

—-------------------------

Eu ainda não tinha processado o que eu tinha visto e muito menos que eu tinha dito para Jethro. Ele, desde que eu falara, tinha ficado estático. Eu não estava muito diferente. Me mexer parecia errado. O mundo parecia diferente.

E estava, minha filha não estava mais nele.

Quando estas palavras afundaram em meu cérebro, meu corpo sucumbiu. Não sei como não caí sentada, só sei que os dois braços de Jethro me seguraram e quando eu vi, nós dois estávamos no chão.

Ele não chorava, mas eu chorava por nós dois. Mesmo sabendo que as minhas lágrimas não trariam Sophie e Tony de volta.

— Você tem certeza? – Jethro perguntou contra a minha cabeça.

— O carro explodido está na TV. – Sussurrei de volta, entre soluços.

Ele me abraçou apertado, porém não tinha abraço que me manteria inteira, não quando uma parte de mim me fora tirada.

—----------------------

Eu já vira Gibbs subir as escadas das mais diferentes maneiras. Já o vi galgar os degraus furioso, com pressa, determinado, calmamente. Contudo nunca o vi subir essa escada com tanto desespero.

Algo aconteceu.

Olhei para McGee. Tim estava em outro mundo, fazendo algo no computador.

Tentei ter um vislumbre da porta da sala da Direção, pois foi lá que Gibbs tinha entrado. E tudo o que eu vi foi Cynthia correr até a porta do MTAC e pegar algumas coisas que estavam no chão. Acompanhei seus movimentos e reconheci a pasta da Diretora.

Será que Jenny tinha passado mal?

Um bip no meu computador me tirou da minha contemplação e atraiu a minha atenção. Um alerta de notícias.

Um carro explodiu no centro de D.C.

Abri para ver o tipo de explosão. Se fosse alguma do tipo de ataque eu saberia identificar. Acontece que antes mesmo de ver como tudo tinha acontecido, eu reconheci o carro.

Era o carro de Tony.

O carro de Tony foi o carro que explodiu.

Engoli em seco e me foquei no que eu tinha que ver.

Claramente era uma explosão de um ataque. Tinha uma bomba naquele carro.

E aquela bomba tinha matado o meu namorado. E a minha sobrinha.

Quando fiz essa associação, me ocorreu que Jenny já deveria saber disso.

Eu perdi meu namorado e uma sobrinha. Mas Gibbs e Jenny tinham perdido uma filha.

Sem pensar, subi correndo as escadas, McGee finalmente saiu do seu transe e me seguiu. Chegando na sala de Cynthia, meus medos se confirmaram, pois ela chorava.

— Cynthia? – Perguntei.

— Eu ouvi sem querer. – Ela balbuciou. – O Agente DiNozzo e a Sophie estão mortos!

McGee cambaleou, eu tive que respirar fundo. Entrando sem bater na sala, busquei por Gibbs ou por Jenny. Não os encontrei. Vi que a luz do banheiro estava acessa, com passos rápidos cruzei o escritório e parei na porta.

Jenny chorava e Gibbs tinha uma expressão vazia, como se se recusasse a aceitar a notícia.

— Jenny... Gibbs... nós temos que fazer uma alguma coisa! Alguém plantou aquela bomba naquele carro!

Gibbs voltou a si e se levantou, depois ajudou Jenny a se levantar e a se sustentar.

— Precisamos ir até lá, antes que alguma pista se perca! Precisamos... – Eu comecei a falar. Era melhor me focar em analisar a cena do crime do que pensar em quem eu tinha perdido.

— Nós vamos, Ziva. – Impressionantemente foi Jenny quem me respondera. – Eu sei quem foi, mas eu quero as provas.

Gibbs olhou para a noiva, sem acreditar no que ela estava falando.

— Eu o quero morto, Jethro. Ele tirou tudo de mim.— Foi a resposta fria e carregada de dor que ela deu a ele.

McGee estava parado no meio da sala, não sabia o que fazia. Para ser sincera, eu também não sabia o que eu tinha que fazer, a única coisa que eu sabia era que eu tinha que fazer algo ou eu me afundaria na dor que estava começando em meu peito. Assim, puxei Tim pelo braço e desci as escadas, praticamente o lancei até a mesa dele e antes que Gibbs descesse eu já estava no elevador, pronta para preparar o caminhão.

Abasteci o caminhão, esperei por McGee. Ele desceu acompanhado de Gibbs, Jenny, Ducky e Palmer. Vi Abby olhar desamparada para mim. Pelo visto a notícia tinha corrido e todo o prédio já sabia. Me perguntei internamente quando que a ZNN daria a notícia da morte de um agente e da Filha da Diretora do NCIS.

Tim subiu no banco do carona e eu arranquei o carro. Se teve alguma vez que alguém reclamou da maneira como eu dirijo, hoje ninguém falaria nada, pois, na minha frente, Gibbs ia fazendo mais loucuras do que teria feito.

Chegamos em tempo recorde até o centro de D.C. a polícia metropolitana já tinha cercado a área e estava tentando conter os curiosos. Mesmo ainda longe, já era possível ver os destroços do carro. Respirei fundo pela segunda vez e pus na minha cabeça que era uma cena de crime qualquer.

Passamos por baixo da fita, estranhamente todos estavam muito quietos, o único som que nos acompanhava era o clicar dos saltos de Jenny.

Quase já perto do carro, o vento ficou mais forte, uma folha foi trazida por ele e parou na minha perna, ia chutá-la para longe quando vi que era um desenho. Me abaixei e a peguei. Era um desenho de criança, parecia ser um Agente ou melhor, parecia ser o 007, só que este ao invés de ter um Aston Martin, tinha um Mustang azul claro. Aquele era um desenho de Sophie, e ela tinha desenhado justamente Tony.

Meus olhos arderam e tive que parar, a quem eu estava engando? Eu jamais poderia fingir que aquela era uma cena de crime qualquer! Jamais! Porque tudo ali me lembrava do atentado que vitimou a minha mãe e minha irmã, Tali.

Fiquei encarando o desenho e não vi que alguém parara do meu lado.

— Você está bem, Ziva? – Era Jenny quem me perguntava.

Encarei a minha amiga de longa data e acabei por entregar a ela o desenho.

— Não. Eu não estou. Eu não sei se posso... – Olhei em direção ao carro.

— Eu te entendo. – Ela disse e me devolveu o desenho. – Você não é a única. Mas eu tenho que fazer isso, Ziva. Eu preciso. Fique aqui e tire um tempo só para você, eu vou fazer a sua parte do trabalho. – Jenny pegou a minha mochila e seguiu para o carro. Vi que Gibbs encarava a nós duas. Eu quis pedir desculpas, mas as semelhanças eram demais para que eu visse mais dois corpos carbonizados de duas pessoas que eu amava e por quem eu morreria.

—-------------------------

Vi Ziva parar e se recusar a seguir. Eu sabia os motivos dela. Tudo aquilo deve ter trazido lembranças do atentado que matara Tali e sua mãe. Eu jamais a julgaria. Eu mesma não sabia como eu tinha conseguido me controlar até agora, porém eu estava determinada a conseguir todas as pistas que fossem necessárias, fazer o que fosse possível e o que fosse impossível também. Sophie e Tony não seriam vítimas impunes. E quando tudo isso acabasse, quando Benoit tivesse o mesmo destino dos dois, eu ficaria muito feliz em segui-los. Eu não tinha mais razões para viver.

Assim, depois de ver o desenho, de reconhecer a letra e quem fora retratado ali, peguei a mochila de Ziva e assumi o lugar dela. Jethro ainda me lançou um olhar preocupado, querendo saber o que tinha impedido Ziva de continuar.

— São muitas lembranças. – Disse a ele e comecei a calçar as luvas.

— Jen... você tem certeza? – Ele pôs uma mão em meu ombro.

— Tenho, Jethro. – Disse. A minha voz soava morta, já não tinha nenhum tom de emoção.

Ele assentiu e me deu passagem. Comecei a fotografar os arredores e os curiosos. Torcendo para que Abby fosse capaz de identificar qualquer comparsa de Benoit entre eles. Virei para a direção sul, dali pude ver a fachada da sorveteria que era destino de Tony e Sophie, a explosão fora tão forte que a vidraça fora espatifada. Tirei mais algumas fotos e comecei a acompanhar os restos do carro. A cada foto, uma marcação na rua. Até que cheguei na calçada e vi uma mochila.

Uma mochila branca, cheia de estrelinhas coloridas e brilhantes. A mochila de Sophie.

Tremendo marquei a evidência e depois tirei a foto do que era e do local onde ela estava. Estranhei o fato de que ela estava intacta. Não tinha um rasgo, um queimado, nada. A mochila da minha filha tinha ficado inteira, mesmo com uma explosão dessas.

— Jethro! – O chamei. O caso era tão especial que até ele estava trabalhando.

— Que foi, Jen?

Apontei para a mochila.

Ele suspirou e a ensacou. Creio que pensando o mesmo que eu. Aquela era a última lembrança de nossa filha, talvez a última coisa que ela tocara.

Nos encaramos e ele foi guardar a evidência no caminhão, eu continuei a vasculhar o local. Vi que o chão estava sujo, alguém tinha deixado cair o sorvete ali. Um copo de sorvete de morango e chocolate.

Odiei a coincidência. Era o favorito de minha filha.

Segui o rastro para encontrar um paletó. Não sabia se era ou não parte da cena, mas, mesmo assim, marquei e fotografei. Virei o paletó do avesso e vi que era de marca. Uma das marcas favoritas de Tony. Tentei me lembrar a cor do terno de Tony hoje, só para perceber que eu não o tinha visto.

Segurei o bolo que se formou na minha garganta e foquei no meu trabalho. De repente escutei uma criança gritando “mamãe”. E são em situações assim que você percebe como o seu próprio cérebro te prega peças. Eu estava tão desnorteada em saber que jamais escutaria a voz da minha filha, que jamais a veria, que meu cérebro processou esse grito de “mamãe” como se fosse a minha filha me chamando.

— Mamãe!! Mamãe! – Os gritos ficaram mais altos.

Me virei para ver onde essa criança estava, talvez ela estivesse ferida, ou só assustada com o que presenciara, e precisava de ajuda. Não tinha me virado completamente quando fui atacada por dois braços que envolveram a minha cintura.

— Mamãe!! Mamãe!!! – Tornou a chamar.

Eu não sabia se estava em transe, se estava vendo uma aparição ou se a sensação era real, se aquela menina de cabelos ruivos era realmente a minha filha.

— Sophie?! – Sussurrei e olhei para a criança que me abraçava. Dizer o nome dela me doía, abria uma ferida em meu peito.

Devagar a menina ruiva levantou sua cabeça e me encarou com um par de olhos coloridos. Olhos que eu conhecia muito bem e que, apesar de refletirem todo o medo e desespero que ela sentia, ainda era o par de olhos mais lindo que eu já vira na vida.

— Sophie?! – Tornei a perguntar e a essa altura eu estava ajoelhada, abraçando aquela pessoinha que era tão importante. Aquela pessoa que só de pensar em perdê-la meu mundo parava de fazer sentido.

— Mamãe!! – Ela me abraçou apertado, tentando se juntar a mim. E eu conhecia esse aperto, ela estava apavorada, e queria ir para casa.

— Calma filha... calma. Respira. A mamãe está aqui. Tudo vai ficar bem! – Eu podia senti-la chorando em meu ombro, mas eu também chorava. De alívio em saber que ela estava viva. – Sophie... – Chamei-a. – Hei, Miniatura, onde está o Tony?

— Dentro da sorveteria. Ele tá mais machucado do que eu, mas me disse que vai ficar bem. – Ela falou sem me soltar.

Nesse instante eu ouvi alguém se aproximar de mim, e eu conhecia aquelas passadas. Olhei na direção do som e vi Jethro, parado, encarando a nós duas.

— Sim, ela está viva! – Eu falei. – E Tony também.

Jethro tirou o boné e com dois passos venceu a distância que nos separava e nos abraçou. Para quem estivesse vendo de longe, ele parecia focado e sério como sempre. Mas eu conhecia cada uma das reações que passavam por aqueles olhos azuis, e se nós não tivéssemos no meio da rua, no meio de uma investigação, eu juro por mim, que ele teria chorado.

— Ah, Ruiva! – Ele falou dando um beijo no topo da cabeça de Sophie. – Nunca mais faça isso comigo.

Sophie tirou um de seus braços de meu pescoço e enlaçou o pescoço de Jethro.

— Eu achei que ia morrer, papai. – Ela falou. E foi quando eu comecei a ver o quão machucada ela estava. Nada parecia grave, mas ela tinha vários arranhões, um corte no supercílio.

— Você está segura agora. – Jethro disse a mesma coisa que eu havia dito e a pegou no colo.

— Temos que ajudar o Tony. – Sophie disse já agarrada ao pai.

Sem pensar duas vezes, atravessamos a rua e fomos em direção à sorveteria. Entramos e logo vimos Tony sentado em uma das mesas, uma toalha pressionada no abdômen e a própria gravata servindo de torniquete para o seu braço.

— Oi Chefe! Oi Diretora! Eu vou ficar bem! – Ele disse. – Agradeço à Sophie por isso. – Completou.

— Eu não fiz nada! – Ela falou ficando vermelha.

Tirei meu celular do bolso e liguei para a emergência. Usando meu cargo, pedi uma com urgência. Tony não sangraria até morrer dentro de uma sorveteria. Aproveitei e liguei para Ziva.

Vi que Sophie desceu do colo de Jethro e foi ajudar Tony.

— Tem que pressionar mais, Tony! – Escutei-a dizer e ela mesma começou a pressionar o local. DiNozzo deveria estar sentindo dor, mas disfarçava bem na frente da minha filha.

— Ela tem um corte na testa, Chefe. Tem que dar uma olhada. – Ele estava focando em Sophie para não ter que pensar em si mesmo. – Acho que ela pode ter batido a cabeça.

Jethro, com muito jeito, tirou Sophie de onde ela estava e assumiu a sua posição, eu a peguei em um abraço e analisei o corte na sua testa. O sangue já tinha parado de escorrer e começava a coagular. Com Sophie de costas para ele, Tony fez uma careta de dor diante da pressão que Jethro exercia no ferimento.

— Eu... – Ele respirou fundo. – Eu tenho que pedir desculpas... – Terminou.

— Nada é culpa sua, Tony! – Falei para acalmá-lo. Ele tinha que ficar quieto e poupar energia agora.

— Eu deveria... – Jethro o calou com um tapa na cabeça. – Entendi, Chefe, calando.

Foi quando escutamos alguém correr e entrar desesperada na sorveteria.

— TONY!!! – Ziva gritou e correu até ele. Observou os ferimentos, passou a mão no rosto dele e depois continuou: - Quer me matar do coração? O que você pensa que estava fazendo?! Uma bomba no seu carro, Tony! Como você não viu isso? Você poderia ter morrido! – Ela falava desesperada enquanto mantinha a mão no rosto dele e esquecia de tudo ao seu redor.

Olhei para Jethro. Já estava mais do que na hora dele queimar a regra #12.

Ziva ia falar mais alguma coisa, quando o próprio Tony a silenciou.

— Hei, Zee-Vaah... eu não sou o único que estava perto da explosão não. Tinha mais gente. – Ele apontou para Sophie no meu colo e foi só aí que Ziva se deu conta de que Jethro estava do outro lado de Tony pressionando um dos ferimentos e que eu estava sentada a poucos metros de onde ela estava.

Ziva olhou para todos os lados e depois levantou os olhos na direção de minha filha.

— Como o Pingo de Gente está? – Desconversou.

— Eu estou bem, tia Ziva. – Sophie garantiu, mesmo que ela tivesse a roupa bem suja e um rastro de sangue seco na bochecha.

— Isso não é sério?

Minha filha deu de ombros e Ziva não teve tempo de falar mais nada, pois os paramédicos chegaram para levar Tony para o hospital.

Antes que o colocassem na maca, uma das médicas olhou para o torniquete e comentou.

— Ainda bem que o senhor fez isso. Ou poderia ter perdido muito mais sangue que perdeu.

Tony abriu um sorriso, mesmo cheio de dores e respondeu:

— Não fui eu. Foi ela. – Apontou pra Sophie.

A médica seguiu a direção com o olhar e, abrindo um sorriso, disse:

— Você, mocinha, salvou a vida dele.

Sophie, ao invés de se sentir muito importante diante de tal afirmativa, perguntou:

— O Tony vai ficar bem, não vai?

— Sim, ele vai sim. Vai precisar de descanso e de ajuda, mas ele vai se recuperar. Depois, temos que dar uma olhada nesse corte na sua testa. – A mesma médica falou.

Eles estabilizaram Tony e o despacharam para o Hospital, Jethro mandou que Ziva seguisse com ele.

— Agora você, mocinha. – Disse a médica chegando perto de Sophie.

— Eu tô bem! – Sophie tentou fugir do atendimento.

— Fique quietinha filha. – Pedi.

Ela me obedeceu e ficou sentada, sem se mexer no meu colo, até que o exame preliminar fosse feito.

— Bem, ela vai precisar de pontos, mas como esse corte foi fundo e parece que ela bateu a cabeça, eu quero que ela vá para o hospital para fazer um exame mais detalhado. Ela não apresenta nenhum sintoma de concussão, mas isso pode aparecer mais tarde e eu não quero correr riscos. Ela não precisa de uma ambulância, contudo eu recomendo que a levem agora.

Assenti e agradeci à paramédica que antes de ir, falou:

— Se você um dia pensar em fazer medicina, saiba que leva jeito! – Brincou e se despediu.

Assim que saímos da sorveteria vi que Ducky e Palmer já tinham terminado com o cadáver do carro. Tim estava sozinho na coleta das provas, mas o guincho já chegara para levar o resto do carro de Tony até o estaleiro onde Abby trabalharia para coletar todas as provas possíveis.

— Leve Sophie. Assim que eu terminar aqui, te encontro no hospital. – Jethro nos guiou até o carro.

— Tony foi para o Bethesda, vou para lá também.

Ajeitamos Sophie no carro, ela estava com uma carinha de quem iria dormir.

— Hei, Miniatura. – Chamei-a.

— Oi mamãe? – Ela despertou para o meu alívio.

— Quem foi que te ensinou a fazer um torniquete?

— A Kells. Ela disse que era um conhecimento importante.

— Pode ter certeza de que é! Você ouviu o que a médica disse? Você salvou o Tony.

— Eu só vou acreditar nisso quando eu ver o Tony trabalhando de novo.

— Ele vai voltar antes que você perceba! – Afirmei.

Sophie deu de ombros e ficou observando os arredores.

— Tudo bem, filha?

— Meus ouvidos estão apitando... minha cabeça tá doendo. Mas eu vou ficar bem...

Eu sabia muito bem a sensação da qual ela falava. Só quem já presenciou uma explosão de perto sabe o que é ter o ouvido apitando e a cabeça doendo.

— Eu fiquei com muito medo quando vi o Tony no chão, todo cheio de sangue.... achei que ele tinha virado estrelinha igual a Kate...

— Você não correu para longe? – Perguntei assustada.

— Não... – Sophie me olhou como se eu tivesse ficado maluca ao propor que ela saísse correndo. – Quando eu vi que o Tony não se mexia eu corri para ajudar e assim que ele me ouviu, ele gritou, querendo saber se eu estava bem... e na hora que ele se levantou, eu vi que ele tava muito machucado, foi quando eu ouvi as sirenes, achei que eram os paramédicos, mas aí, o carro explodiu de novo, e o Tony me mandou correr, o único lugar seguro que eu vi foi a sorveteria.

— Você passou por muita coisa. Agora já acabou. – Falei para ela.

— Mas o Tony me disse que eu tenho que ficar com tudo isso na cabeça, porque vocês iam me perguntar... e eu quero ajudar a saber quem roubou o carro do Tony e depois o explodiu! – A Ruivinha disse.

— Nós vamos te ouvir, Sophie. Mas antes, temos que ver se está tudo bem com você, tudo bem? – Estacionei o carro e a coloquei no meu colo, caminhando até a ala de emergência.

Logo levaram Sophie para uma bateria de exames, em alguns eu pude acompanhá-la outros não. E enquanto eu esperava no corredor, Ziva apareceu.

— Notícias de Tony? – Perguntei.

— Sim... ele vai ter que fazer um procedimento para a remoção de um estilhaço, nada grave. Me garantiram que será anestesia local e que ele ficará acordado por todo o procedimento. – Ela falou.

— E você, Ziva, como está?

— Eu quem te pergunto, Jenny. Você passou pelo pior... a Sophie...

— Nós estamos bem, ela vai ficar bem, depois que falar tudo o que tem que falar, mas eu quero saber de você, Ziva, eu sei o que tudo isso te trouxe.

Ela passou a mão pelo cabelo e olhou ao longe.

— Não posso mentir para você, eu me apavorei. Parecia Israel em 2001 de novo. Tudo de novo, mas dessa vez era a família que me acolheu. Eu nunca fiquei tão apavorada na vida. E isso me atrapalhou, nunca mais vai acontecer. Tem a minha palavra. – Me garantiu.

— Ninguém espera que você seja uma máquina sem sentimentos, Ziva. Ninguém. E se quiser conversar, saiba que estou aqui para te ouvir.

Ela me agradeceu em hebraico e se sentou em uma das cadeiras.

— Tony vai ficar bem... eu sei que vai. E daqui a uma semana, vai estar de volta falando que não pode fazer isso porque teve um estilhaço removido, não pode fazer aquilo, porque sobreviveu a uma explosão. E vai ser só aí que eu vou saber que ele está realmente bem. – Ziva disse, com um sorriso nos lábios.

Internamente eu comecei a torcer para que ela e Tony realmente ficassem juntos, era claro que a israelense tinha sentimentos muito mais fortes que o mero companheirismo.

— Acredite em mim, Ziva. Eu sei exatamente o que você está passando. – Falei e me levantei, pois o médico que atendia Sophie apareceu.

— Pais da espoleta ruiva chamada Sophie? – Ele começou a rir ao falar.

Ziva segurou a gargalhada. Eu me apresentei,

— Bem... tirando a preocupação dela com Tony, ela está bem. Nenhum dos exames acusou nenhum dano interno, tudo está normal, inclusive a batida que ela deu com a cabeça não deixou nenhum galo. Quanto ao corte, não foi preciso dar pontos e, apesar de profundo, não era tão grande, então usamos uma cola e colocamos um curativo, que não pode molhar e deverá ser trocado todos os dias, assim como deverá o local ser limpo.

— Sim, e os demais cortes? – O alívio começava a me deixar bamba.

— Só foi necessária uma desinfecção, não requerem nenhum cuidado extra e não deixarão cicatriz. Ela já está liberada, daqui a pouco uma enfermeira irá trazê-la. Dê o remédio de costume para dor, caso ela reclame, no mais, vida normal.

— Muito obrigada. – Agradeci e o médico se foi. Ele não deu dois passos e ia pegar o meu celular para ligar para Jethro, quando ouvimos alguém tropeçando pelas portas e a voz de Ducky:

— Calma Abigail, por mais nervosa que você esteja, não se esqueça de que aqui ainda é um hospital.

— Mas Ducky... – Abby protestou e passou pelas portas, atrás dela, Ducky, Tim, Jimmy e Jethro. - ZIVA!!! JENNY!! – Ela gritou assim que nos viu.

— Calma, Abbs!! Eles estão bem!

— Como bem?? O carro explodiu!! Como eles sobreviveram!! Eu estou muito feliz por isso, vocês não fazem ideia, mas eu vou creditar isso como um milagre!! – Nos abraçou apertado. – Eu quase tenho uma parada cardíaca cada vez que eu penso em quão perto chegamos de perder o Tony e a Jibblet!

— Abby, eles estão vivos e vão ficar bem! Já nos garantiram isso. Daqui a pouco Sophie já vai estar liberada. E Tony muito provavelmente amanhã ou depois. – Garanti e só assim ela nos soltou e voltou a andar de um lado para outro, atraindo os olhares das demais pessoas que estavam na sala.

— Abigail, por que você não se senta? Assim vai ser melhor para todos. – Ducky a pegou gentilmente pelo braço e fez com que se sentasse ao seu lado.

Com Abby um pouco mais calma pudemos conversar sobre as provas coletadas enquanto esperávamos por notícias.

Cinco minutos depois, Sophie chegou, assim que nos achou sentados no canto, correu ao nosso encontro e se ajeitou entre Jethro e eu.

— Agora nós vamos esperar pelo Tony, né? – Foi a primeira coisa que ela disse.

— O Tony ainda vai demorar um pouco para ser liberado, Ruiva... – Jethro disse puxando-a para o seu colo.

— Então a gente fica aqui até que ele saia.... eu não quero ir embora sem o Tony! – Ela protestou. – Ou ele não vai sair? – Sua carinha de preocupação e desespero eram de cortar o coração.

— É claro que ele vai sair, Miniatura. – Tentei acalmá-la. – Só vai levar mais tempo, porque os machucados dele eram um pouquinho mais sérios que os seus, mas nada que o impeça de voltar a reclamar na nossa cabeça, já na próxima semana.

— Mesmo assim, mamãe. Eu só saio daqui quando eu ver o Tony.

Olhei para Jethro que olhava para a expressão determinada de Sophie e depois olhou para mim.

— Eu já vi essa expressão. – Ele disse baixinho. – Em você. Tão teimosa, quanto você, essa aqui. – Comentou.

Sophie se ajeitou no colo do pai e ficou estranhamente calada, com toda a certeza todos os eventos do dia deveriam estar cobrando o preço e o cansaço já devia estar chegando, porém ela se manteve firme, não dormiu e para se distrair, brincava com os botões da manga do paletó do pai.

— Não vai dormir? – Jethro perguntou.

— Só depois que eu ver o Tony. – Ela tornou a repetir.

— Nem adianta insistir. – Falei para Jethro que me olhou torto. – Por que você não vai pegar um café e traz alguma coisa para ela comer? – Disse, pois vi que toda essa espera o estava deixando ansioso.

— Quer algo? – Perguntou ao me passar Sophie.

— Eu não. Filha, quer algo?

— Posso tomar um chocolate quente?

Jethro deu um peteleco na ponta do nariz dela, só para fazê-la sorrir e se foi. Ela, ao se ver sem a sua distração, começou a brincar com a aliança no meu dedo.

— O que você quer me dizer? – Perguntei.

Sophie olhou ao redor, depois para mim e só me disse:

— Posso te contar lá em casa?

— Mas é claro. – Beijei o topo da sua cabeça e a abracei mais forte, agradecendo ao fato de que a tinha meus braços sã e salva.

Jethro voltou com um copo extragrande de chocolate quente e entregou para ela.

— Com cuidado, está quente.

— Obrigada, papai. – Ela começou a soprar pelo buraquinho e foi bebericando o conteúdo. – Tá gostoso. O seu é melhor, papai. Mas esse aqui também está gostoso.

— Eu vou aceitar a comparação só porque sei que você está com fome. – Ele brincou com ela.

— Eu não estou com fome! – Ela protestou. Só que nesse exato momento a barriga dela deu uma roncada alta.

— Se você não está com fome, Pingo de Gente, o que foi esse barulho? Seu monstro de estimação que vive na sua barriga? – Ziva perguntou e todo mundo começou a rir. Sophie ficou vermelha e escondeu o rosto no meu peito...

— Vocês venceram... eu estou com fome. – Falou por fim, ainda vermelha.

— Antes que a minha barriga ronque me entregando, quero dizer que também estou com fome! – Jimmy falou.

— Só espero que o Tim não coloque no próximo livro dele que a minha barriga ronca alto!! – Sophie disse sem graça.

— Se ele fizer isso, Ruiva, deixa comigo, ele vai ter o que merece. – Jethro falou ameaçadoramente para Tim.

— Eu não vou escrever nada disso, te prometo, Pequena! – Tim disse tão desesperado que arrancou risadas de todos.

Com o humor um pouco mais leve, logo fomos informados que Tony já estava no quarto e estava reclamando.

— Reclamando de que? – Ducky perguntou por nós.

— Fome. Ele pediu que alguém traga uma pizza de pepperoni com bastante queijo para ele. – A médica que o atendeu nos falou.

— Então ele está bem. – Tim disse por todos.

Dra. Johnson deu um sorriso.

— Sim, ele está relativamente bem e já pode receber visitas, mas por favor, só não demorem muito. Qualquer coisa que o Agente DiNozzo precisar, basta chamar. – Com isso ela nos deixou.

Combinamos que Sophie seria a primeira que o veria, assim, Jethro, ela e eu fomos ver Tony.

— Chefe! Trouxe a minha pizza? – Ele fez piada.

— Se está fazendo piada, significa que está bem. – Jethro falou dando um tapa de leve atrás da cabeça dele.

Sophie chegou bem perto da cama e o encarou.

— O que foi, Peste Ruiva?

— Só vendo se você não está fingindo que está bem. – Ela soltou séria.

— Eu estou bem, Sophie. – Tony confirmou. – Vou ficar melhor quando eu comer e sair daqui, mas estou bem.

Olhei para DiNozzo, Jethro também encarava o agente sênior.

— É sério, Chefe, Diretora. Agora eu estou bem. Não precisam se preocupar. – Garantiu.

Sophie ficou um pouco mais aliviada e pediu colo, porém não tirou os olhos de Tony.

— Tem certeza, Meu Italiano de Araque Preferido?

— Confie em mim, Peste Ruiva! Eu nunca vou mentir para você!

— Isso não é uma promessa, é?

— Pode apostar que é.

— Eu não gosto de promessas! – Ela disse triste e Jethro se encolheu com essa frase.

— Então você tem a minha palavra! Que tal?

— Posso aceitar isso. – Sophie garantiu.

— Fico feliz. Agora... será que alguém pode me arranjar uma pizza???? – Ele brincou.

Sophie caiu na gargalhada e nós vimos que era a nossa hora de sair, não sem antes olharmos para Tony.

— E Chefe, Diretora. Foi o Benoit, não foi? – Ele quis saber antes de sairmos.

— Quase toda a certeza de que foi. – Respondi.

— Me esperem para pegá-lo. – Ele disse taciturno.

— Se preocupe em se recuperar bem, DiNozzo. Deixe Benoit conosco.

— Mas Chefe, ele...

— Tony. Você só tem uma tarefa agora. – Cortei-o. – Que é ficar bem. Esqueça todo o resto. Nos vemos amanhã. – Pus a mão no ombro dele para que ele entendesse o meu ponto.

Mal saímos do quarto e Ziva já estava na porta, com uma pizza tamanho grande de pepperoni e queijo duplo.

— Como ele está? – Ela perguntou antes de entrar.

— Sentindo cheiro de pepperoni!! – Tony gritou de dentro do quarto.

— Boa sorte com ele! – Falei com ela.

Assim, seguimos para casa, grata por saber que Tony ia ficar bem e por ter a minha filha em meus braços.

—---------------------

Colocamos Sophie o banco de trás do carro e seguimos direto para a casa de Jen. A Ruiva queria nos contar algo, como tudo aconteceu e o porquê de ela e de Tony terem ficado tão perto da explosão.

— Papai... eu sinto muito... nós não deveríamos ter ido para a soverteria... – Ela falou quando parei o carro e olhei para ela.

— Não foi culpa de nenhum de vocês. – Garanti.

— Mas virou o nosso segredo... se eu não tivesse pedido na primeira vez, Tony não me levaria lá toda vez... aí não roubariam o carro dele e ele não sairia bravo correndo atrás do ladrão e eu não sairia atrás dele. – Ela me contou.

Jen observava o que a filha dizia.

— Ninguém poderia imaginar que alguém iria roubar o carro do Tony, Miniatura. Ninguém. E muito menos que o carro explodiria.

— Como um carro explode? – Ela nos perguntou. – Fez um barulhão e eu fui arremessada para longe do Tony. Perdi até a minha mochila! – Continuou ao descer do carro.

— A Abby está analisando como o carro explodiu, Ruiva. Sabe que ela encontra tudo, não é?

— Sei sim. Abbs faz tudo!! – Falou com um sorriso.

Peguei minha filha no colo enquanto Jen abriu a porta da casa. Ao virar a chave fez uma cara estranha.

— Que foi?

— Jurava que tinha dado duas voltas na porta. – Ela deu de ombros, abriu a porta, nos deu passagem e trancou atrás de nós. – Vou colocar isso aqui no escritório, daqui a pouco encontro com vocês lá em cima. – Disse, tirou os sapatos e foi para o estúdio.

Subi com Sophie, ela balançava as perninhas nervosa.

— E você, qual é o problema?

Sophie fez uma careta e me disse.

— Não sei. Eu tô toda arrepiada e minha barriga começou a doer.

— Será que foi o chocolate quente? – Perguntei.

— Não. É algo diferente. É a mesma dor daquela noite... da noite que o navio explodiu...

— Filha. Não tem nada de ruim acontecendo. Já aconteceu. Pode ficar tranquila. – Coloquei-a no chão e ela se virou para mim.

— Tem certeza, papai?

— Claro, Ruiva. Sabe o que é isso?

— Não.

— Isso é o seu corpo te falando que você está cansada.

A Ruiva subiu na cama ao meu lado e ainda não estava convencida.

— Sabe papai... eu fiquei com medo hoje. Na hora que eu consegui me levantar e vi o Tony, achei que ele tinha virado estrelinha... e que eu tinha ficado sozinha ali. E ali eu também senti isso. Agora que eu sei que o Tony tá bem, era para ter passado, mas está mais forte... eu não gosto disso. Sempre que eu me sinto assim, algo ruim acontece.

Abracei a pequena.

— Filha, acredite em mim, você está segura agora. Não precisa ter medo. DiNozzo vai ficar bem. E a senhorita só tem que descansar. Que tal tomar um banho? Vai se arrumando que a sua mãe já já está aqui para te ajudar.

— Tá bom. – Ela me deu um beijo e um abraço. – Te amo papai! – Pulou da cama. Olhei para ela, que muito sem graça, me respondeu: - Percebi que não falo muito isso para o senhor ou para ninguém... e depois de hoje eu acho que devo começar a falar mais. – Ficou vermelhinha e foi buscar seu pijama e correu para o banheiro.

Estranhei a demora de Jenny, para alguém que só ia colocar algumas pastas dentro do estúdio e já estava subindo, ela estava demorando. Abri a porta crente que ela estaria ali atrás ouvindo a nossa conversa, como de vez em quando faz, porém não tinha ninguém. Cheguei até o topo da escada, e escutei vozes. De primeira pensei que Jen estava ao telefone, contudo alguém falou algo, e a voz tinha um forte sotaque francês.

Voltei para o quarto de Sophie, fechei e tranquei a porta, sabendo do histórico dessa pessoa, melhor não arriscar. Desci a escada e fui em direção ao estúdio, as vozes ficando mais altas, principalmente a de Jen.

— Pegue essa maldita arma e se cuide. Agora saia daqui! – Ela falou alto e empurrou a própria arma para seu maior rival.

—-------------------

Minha intenção era clara, correr até o meu estúdio, deixar minhas coisas, guardar a minha arma e a de Jethro no cofre e subir para ficar ao lado da minha filha. Tentaria convencer Jethro a deixá-la dormir conosco nessa noite.

Estava tão concentrada nos meus planos para a noite que não me importei com mais nada, cruzei a porta e praticamente lancei as pastas em cima da mesa, foi só quando abri a gaveta que percebi que algo estava faltando em cima da mesa.

Um porta-retrato.

— Você tem uma filha muito bonita, Jennifer. Fico me perguntando se pessoalmente ela é ainda mais bela.

Eu conhecia aquela voz. Cada músculo do meu corpo se retesou. Minha visão ficou embaçada. Não de medo ou lágrimas, mas de ódio.

Me virei na direção dele que, descaradamente, estava sentado em uma das poltronas e bebia uma dose de whiskey enquanto segurava o porta-retrato que continha uma foto de Sophie.

— Não se atreva a encostar nela. Não tem como eu te matar duas vezes. – Falei agarrando ainda mais a arma que estava na minha mão. A SIG de Jethro estava escondida em minha cintura, o local onde ele havia colocado, um pouco antes de pegar Sophie nos braços.

— Você não é a primeira a me ameaçar de morte hoje, Jennifer. – Disse com um sorriso. – E se me permite dizer, o tempo fez bem a você, está muito mais bonita do que no nosso último encontro.

— Eu não ficarei só na ameaça. Não mesmo. – Apontei a arma na direção dele e a destravei.

— Vim em missão de paz. – Ele se levantou, colocou o porta-retrato na mesinha de centro e deu um passo na minha direção.

— Fique onde está! – Ordenei.

— Quero fazer um acordo com você. Ou melhor, com o NCIS. Creio que procurar a Diretora foi a melhor opção.

— Você quer um acordo? – Questionei incrédula. – Você quase matou a minha filha e um dos meus melhores agentes hoje e vem me pedir um acordo? A essa altura, o único a quem você pode recorrer é ao capeta.

— Você não quer assustar a sua filha, quer? Se me matar aqui, saiba que ela escutará o tiro, descerá a escada. Creio que você sabe muito bem qual é a sensação de se achar um corpo.

Pisquei e por segundo eu voltei naquela noite.

— Você assassinou o meu pai!! Você entrou nessa casa, nesse escritório e o matou a sangue frio!!! – Acusei-o.

— Ele tinha virado um estorvo.

— Ele era inocente!

— Não, Jennifer. O Coronel era muitas coisas, mas inocente ele não era. Era tão culpado quanto falaram, a diferença é que ele queria fazer a coisa certa. Ele iria contar o que tinha acontecido. Ia se declarar culpado. E eu não poderia deixar isso acontecer. – Benoit caminhou até onde eu estava, a todo momento eu o tinha na minha mira.

— Cale a sua boca!

— Essa é a verdade que você vem buscando nos últimos meses, acredite em mim.

Eu já sabia dessa parte, sabia que ele tinha aceitado a propina, não sabia os motivos dele ter feito isso, e nunca irei perdoá-lo. Mas fiquei um pouco mais tranquila em saber que ele tinha a intenção de se redimir.

— Isso não muda o fato de que você o matou. E depois... depois... – Me engasguei com as palavras.

— Você estava no lugar errado, na hora errada, querida. E me entenda, você é bonita demais... – Ele estendeu a mão na minha direção e eu o afastei.

— Nem pense em me tocar novamente, você não vai sair vivo. – Rosnei,

— Sempre arisca. Isso me fascina. – Ele recuou diante do meu olhar.

Internamente eu torcia para que Jethro ficasse ao lado de Sophie.

— Sabe, Jennifer. O que eu tenho para te contar será benéfico para você e para a sua agência. Será algo impressionante e se você já é tão falada agora, imagina a fama que isso vai te trazer! Não duvido que te colocarão como Secretária da Marinha. – Ele jogou com a minha ambição.

— Eu não vou fazer acordo nenhum com você. Procure a CIA.

— É justamente a CIA que me quer morto. A proteção que vinha deles acabou, sou um peso morto agora. Mais cedo ou mais tarde alguém vai me acertar na testa.

— E para salvar a sua miserável vida, você recorre a mim?

— Uma via de mão dupla. Você me ajuda e eu te ajudo. Só peço proteção diante do que tenho para contar. – Ele parou do outro lado da mesa.

Era inacreditável como ele tinha a coragem de me pedir ajuda!

— Proteja a si mesmo, creio que um traficante de armas tem todas as opções diante dele! – Sem querer comecei a elevar a minha voz.

— Jennifer, saiba que eu não gosto de levar armas comigo e muito menos de usá-las.

Olhei para ele.

— E eu com isso?

- É por isso que preciso da sua proteção.

Eu estava no ponto de perder o meu autocontrole e atirar nele dentro da minha casa, já começava a pensar no álibi que inventaria, sei que Jethro me daria razão, minha única ponta solta era Sophie, se ela falasse a palavra errada... Para evitar a tentação, empurrei a minha arma na direção dele:

— Pegue essa maldita arma e se cuide. Agora saia daqui! – Ordenei.

— Você está assinando a minha sentença de morte, Jennifer. – Ele colocou a arma em cima da minha mesa e antes que saísse travou no lugar.

Olhei para a porta, Jethro estava parado lá, encarando Benoit, que pareceu o reconhecer.

— Eu me lembro de você!

— Faça o que ela está falando, saia! – Nunca ouvi a voz de Jethro tão fria e desprovida de emoção.

— Eu serei morto. Quando eu colocar os meus pés para fora dessa casa, será questão de horas até que alguém me mate.

— Sua sorte é que não foi morto aqui.

— Presumo que você seja o pai da bela Sophie.

Olhei para Jethro, seu olhar era puro ódio. Dei à volta na mesa e me pus atrás de Benoit.

— Saia ou o seu tempo será menor do que imagina. – Falei, encostando o cano da arma em suas costas.

— Eu também tenho uma filha.

— SAIA! – Falamos juntos.

Abri a porta e ele se foi pela noite. Quando a fechei, Jethro estava do meu lado.

— Por que não me chamou?

— Onde está a Sophie? – Corri pela escada, tentei abrir a porta do quarto dela e estava trancada.

— Ela estava no banho, Jen. – Ele me falou destrancando a porta.

Entrei correndo no quarto e depois no banheiro. Ela ainda estava brincando na banheira.

— Era para lavar o cabelo? – Me perguntou completamente alheia a tudo o que havia se passado.

— Sim, filha. Era para lavar. – Respondi.

Acabei de ajudá-la com o banho, sequei os seus cabelos e desci com ela. Jethro tinha um olhar estranho, distante, tive que dar um beliscão nele, para fazê-lo focar em Sophie.

— Ainda com fome, Ruiva? – Voltou sua atenção para a filha.

— Não tanto mais... minha barriga ainda dói.

Olhei para ela.

— O que está doendo filha?

— Nada... é só aquela dor de quando algo de ruim vai acontecer. – Fez pouco caso.

— Mas quer comer algo?

— Sim...

Procurei pelo jantar que eu sabia que Noemi teria deixado semipronto. Comecei a fazer o que era necessário e em pouco tempo, estava na mesa. Comemos em silêncio, os acontecimentos do dia passando em minha mente.

Jethro se prontificou a arrumar a cozinha e me fez subir com Sophie para o quarto dela.

Minha filha estava tão cansada que precisou de um capítulo do livro para que ela dormisse. Jethro não voltou para dar boa noite a ela e um sinal de alerta se acendeu em minha mente.

Beijei a testa de Sophie, ajeitei seus cobertores e acendi o abajur de cabeceira. Deixei o quarto encostando a porta.

Meus temores se confirmaram quando vi Jethro vestindo o casaco.

— Você não vai fazer isso sem mim. – Falei do meio da escada.

— Ele ameaçou Sophie. – A voz dele era puro ódio.

— Sim, a ameaçou, falou dela a mesma coisa que ele falou comigo há doze anos. Ele matou o meu pai, porque o Coronel ia confessar que tinha recebido propina. Ele me estuprou, Jethro. Não.... você não vai fazer isso sozinho, eu te falei isso semanas atrás. Aceito a sua ajuda, mas eu vou estar lá.

— Sophie não pode ficar aqui sozinha! – Ele protestou.

— Melvin está lá fora. Meu detalhamento de segurança está dobrado há meses. Não vai demorar. Eu sei onde o iate dele está! Eu vou junto!!

Jethro parou perto da porta. e tentou me dissuadir.

— Ela precisa de você aqui!

— Assim como precisa de você, Jethro! Ainda mais depois de um dia como esse! Mas essa... essa é a nossa única e talvez a última oportunidade. Se não acabarmos com ele hoje, ou alguém faz isso ou outra agência dá a ele o que ele quer. E Benoit será uma sombra constante sobre mim, sobre Sophie e sabe-se lá sobre quem mais!

Ele pareceu acatar.

— E como você vai fazer?

Chamei Melvin e expliquei que me chamaram às pressas no NCIS. Algo relacionado ao caso em aberto. Jethro teria que ir.

— Sophie está dormindo lá em cima. Ela não costuma acordar. Só quero que você fique de olho. E me ligue caso ela acorde. Pode me fazer esse favor? Infelizmente minha babá...

— Tudo bem senhora. Eu faço.

— Voltamos em uma hora ou menos.

—------------------------

Não posso dizer que concordei com o que Jenny fez. Eu não queria deixar Sophie sozinha, tinha medo de algo acontecer, mas também, essa era mais uma vingança de Jenny do que minha.

Corri pela noite até a marina. Jenny sabia perfeitamente onde o iate estava atracado, não me interessei em saber como.

Parei o carro o mais distante possível e fingimos ser um casal de bêbados passando por ali, vindos do bar mais próximo.

Com uma rapidez incrível, Jen abriu o cadeado e nós entramos na área privativa.

— É o último. – Me informou apontando para o último iate no atracadouro.

Checamos o perímetro, não tinha mais ninguém ali. Nem seguranças.

— Câmeras? – Perguntei.

— Nenhuma. Por isso ele atraca aqui.

Seguimos pé ante pé até o iate. Jen manteve a retaguarda enquanto eu subi. Ela me seguiu quando eu dei o aval de que tudo estava tranquilo.

Benoit não estava no deck principal nem na ponte. Descemos as escadas e ele dormia dentro da cabine.

— Faça as honras, Jethro.

Puxei-o pela camisa e o arrastei até a proa.

— Como você disse antes de deixar a minha casa, seus minutos estavam realmente contados. – Jenny falou.

Ele tentou fugir, tentou pedir por ajuda.

Jen o segurou pela mão, travando todo o movimento do braço enquanto o puxava para trás para imobilizá-lo.

— Pronto para responder por seus pecados? – Ela disse.

— Você tem mais a perder do que eu! Se alguém descobre era uma vez a diretora do NCIS. – Ele tentou se livrar.

— Agora está com medo? Engraçado, não vi medo em você quando fez a mesma coisa com o meu pai... – A voz dela era fria.

A pressão que ela fazia na mão de Benoit aumentou e ele guinchou de dor.

— Jethro, por favor, como se fosse um suicídio. O grande Renee Benoit se matou por medo. – Ela falou.

Peguei a arma, coloquei na mão livre dele e puxei o gatilho. Jen o soltou e o corpo, já sem vida, caiu dentro do mar.

Vimos o corpo afundar, com sorte, a maré o levaria para longe. Assim que ele desapareceu debaixo d’água, Jen correu para limpar qualquer evidência que pudesse ter restado.

— Como ele mesmo disse, alguém estava atrás dele. Quem era? Ninguém nunca vai saber ao certo. Pode ter sido qualquer um. Ele irritou a muitos. – Ela falou assim que terminou de limpar o convés e as nossas pegadas. – Saia, eu vou limpar as nossas pegadas.

Com a cena limpa, ela pegou o pedaço de pano e fizemos o mesmo caminho, trancando o cadeado e depois, de volta ao carro.

— Quando chegar na sua casa, tire essa roupa, coloque em um saco, eu vou sumir com elas e com as minhas.

— Sem problemas. – Ela falou. – Eu não me importo de perder um par de sapatos por uma boa causa. – Jen estava aliviada.

— Você sabe que vingança não traz nada de volta, não sabe, Jen?

— Sei, Jethro. Além do mais, não quero o meu pai de volta. Não depois de saber do caráter dele. Mas o que me conforta é saber que nunca mais, nunca mais, Benoit vai chegar perto da nossa filha ou vai ver alguma foto dela. Sophie, quanto a isto, está segura.

Chegamos na casa dela, Jen correu para o banho e depois me estendeu um saco de lixo preto.

— Coloque as suas aqui também. – Informou.

Quando saí do banho, Jenny estava deitada, tinha trazido Sophie para nosso quarto, a colocado no meio da cama e acariciava os cabelos da menina enquanto falava:

— Se depender de mim, Miniatura, jamais alguém vai fazer algum mal a você, jamais. E se um dia alguém tentar, não viverá para ver o próximo nascer do sol.

Me deitei ao lado de Sophie e peguei a mão de Jenny, ela olhou no fundo dos meus olhos e falou:

— Obrigada, Jethro. Obrigada por manter a sua promessa de tantos anos atrás e, principalmente, por me ajudar a manter a nossa filha segura. Finalmente, depois de doze anos, eu vou poder por a cabeça no travesseiro e saber que nunca mais aquele desgraçado vai respirar o mesmo ar que eu. – Se inclinou por cima de Sophie e me deu um beijo. – Eu te amo.

Jen não se ajeitou para dormir, pelo contrário, vigiou o sono da sua Miniatura por grande parte da noite. Ela tinha um sorriso calmo no rosto, como se tivesse se livrado do seu maior pesadelo. Algo que eu não duvidava, ela tinha.